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Nutricídio e racismo alimentar na crise neoliberal e sociossanitária da pandemia de covid-19 no Brasil

Resumo

Este artigo é um ensaio que visa compreender as intersecções entre racismo, capitalismo e a crise social/sanitária da fome e insegurança alimentar que assola o Brasil no contexto posterior à pandemia de covid-19. Para tal, são utilizados os conceitos de nutricídio e racismo alimentar, aproximando-os das concepções de necropolítica e genocídio da população negra, em um entendimento que o Estado deixa de dar condições de segurança alimentar às populações marginalizadas. Isso ocorre, especialmente, nas regiões periféricas das grandes cidades, cujas populações, em sua maioria, são negras, e se tornam vítimas de uma lógica de “deixar morrer” e gerar morte desses segmentos com políticas públicas excludentes e/ou potencialmente danosas à alimentação e à nutrição humanas. A aproximação entre saúde coletiva, fome e racismo é potencialmente geradora de subsídios para a elaboração de políticas de saúde, alimentação e assistência social, sendo, ao mesmo tempo, produtora de um território de estudos e pesquisas no campo da alimentação, nutrição e saúde.

Palavras-chave:
Alimentação; Racismo; Saúde; Nutricídio; Covid-19

Abstract

This essay aims to comprehend the intersections between racism, capitalism, and the social and health crisis of hunger and food insecurity that plagues Brazil in the context after the COVID-19 pandemic. For this, it uses the concepts of nutricide and food racism a, bringing them closer to the concepts of necropolitics and the genocide of the Black population in an understanding that the State fails to provide food security conditions to marginalized populations, especially peripheral ones in large municipalities, mostly Black people, under a logic of letting die and generating death of these segments by excluding public policies and/or potentially harmful policies to human nutrition. The approximation between public health, hunger, and racism may subsidize the elaboration of health, food, and social assistance policies, creating, at the same time, a territory of study and research in the field of food, nutrition, and health.

Keywords:
Food; Racism; Health; Nutricide; COVID-19

Introdução

Este escrito pretende refletir acerca da produção social da fome e da insegurança alimentar a partir da problemática das iniquidades sociorraciais em saúde frente à face oculta da alimentação e da nutrição, por vezes negligenciada em suas linhas simbólicas, subjetivas e sociais, nem sempre captadas aos olhos nus das lentes da racionalidade biomédica que estudam, hegemonicamente, esse fenômeno.

Atualmente, o conceito de insegurança alimentar reflete um fenômeno multidimensional que abrange desde questões conjunturais até problemas estruturais, em especial aqueles de ordem socioeconômica e que se impõe quando o indivíduo e/ou uma família não dispõem de acesso permanente ou temporário a alimentos saudáveis, seguros e suficientes para satisfazer suas necessidades dietéticas e preferências alimentares (FAO et al., 2023FAO; IFAD; UNICEF; WFP; WHO. The state of food security and nutrition in the World 2023: urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Roma: FAO, 2023. DOI: 10.4060/cc3017en
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).

Na seara da nutrição, alimentação e segurança alimentar, estudos apontam que as diferenças demográficas, sociais e econômicas influenciam diretamente nas manifestações de saúde-doença, principalmente atrelados à baixa renda, à raça/cor preta/parda e ao sexo feminino, indicando maior prevalência de insegurança alimentar (Silva et al., 2022SILVA, S. O. et al. A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 7, e00255621, 2022.). Isso ocorre ora como desnutrição e outros agravos decorrentes de carências nutricionais, ora como obesidade, diabetes, hipertensão e outras doenças crônicas não transmissíveis, decorrentes do que se reconhece como transição nutricional (Mondini; Gimeno, 2011MONDINI, L.; GIMENO, S. G. A. Transição nutricional: significado, determinantes e prognóstico. In: TADDEI, J. Á.; LANG, R. M. F.; LONGO-SILVA, G.; TOLONI, M. H. A. (Org.). Nutrição em Saúde Pública. Rio de Janeiro: Rubio, 2011. p. 561-575.).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.), o Brasil é o maior país do mundo com população afrodescendente fora da África, sendo que 46,8% se autodeclaram pardos e 9,4%, pretos, sendo, então 56,2% a soma da população negra. Sobre racismo e alimentação, convém introduzir um conceito-chave chamado “nutricídio”, cunhado por Llaila O. Afrika (2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.), que debate o genocídio provocado contra a população negra ao distanciá-la da produção e do consumo de alimentos saudáveis. Isso se dá a partir do racismo alimentar, quando alimentação precária, fome e privação do direito de escolha do que comer atingem diretamente, e com mais força, a população preta, pobre e periférica.

A fome do sujeito negro na saúde coletiva ainda é um desafio a ser enfrentado, pois é pouco percebida como elemento que mereça intervenção específica nesse campo sem que haja uma base anatomopatológica objetiva que justifique uma questão social, econômica, histórica para não ser acolhida pelo sistema de saúde que opera sob a racionalidade biomédica de intervenção. Ainda enfrentamos uma base científica com escassez de estudos empíricos que investiguem a magnitude e influência das desigualdades raciais na saúde no Brasil.

Aqui, é indispensável fazer uma abertura para falar sobre racismo no âmbito da saúde pública. Embora a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) (Brasil, 2009BRASIL. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2009.) seja um avanço considerável na garantia de direitos para pessoas pretas e pardas que sofrem opressões históricas e estão no berço da vulnerabilidade social, pesquisas que articulam raça e alimentação posicionam a diminuta capilaridade da PNSIPN junto à Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAM), apontando ainda iniquidades raciais na atenção ao estado nutricional da população brasileira (Canuto; Fanton; Lira, 2019CANUTO, R.; FANTON, M.; LIRA, P. I. C. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 9, p. 3193-3212, 2019. DOI: 10.1590/1413-81232018249.26202017
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; Jesus, 2021JESUS, A. C. S. Cores e valores: marcas do racismo no estado nutricional da população brasileira. 2021. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.).

Um dos argumentos a serem desenvolvidos neste ensaio é de que o racismo é uma construção social e é um debate que se mantém de modo estrutural a partir de um sistema de opressões e negações de direitos (Ribeiro, 2019RIBEIRO, D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.). Isso, por conseguinte, interfere diretamente na resolutividade de políticas públicas sociais e de saúde, pois a ideologia racista é fundante da ficção da hierarquia das raças (Almeida, 2019ALMEIDA, S. Raça e racismo. In: ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen , 2019. p. 23-58.), que modela a sociedade brasileira conforme uma matriz de poder branca, colonial, capitalista neoliberal e heteropatriarcal (Gonzalez, 1987GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1987.). Ademais, a análise da condição do sujeito pobre e negro, marcado pelas relações de poder, de raça e de classe, favorece a compreensão das condições específicas que delas decorrem (Silva et al., 2022SILVA, S. O. et al. A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 7, e00255621, 2022.), incluindo a insegurança alimentar.

Estabelecendo a relação entre o direito à alimentação e à saúde sob o prisma sociorracial, questionamo-nos: de quem estamos falando? Quem são os sujeitos que estão à margem da sociabilidade e na camada inferior da matriz de poder capitalista-neoliberal, e que desde as diásporas africanas lhes foram e ainda são negados direitos básicos para uma vida com dignidade? Pode, então, o subalterno comer? Estamos falando do sujeito negro subalternizado e o projeto político para seu extermínio de diversos modos, sendo uma dessas facetas o nutricídio e o racismo alimentar.

Como complicador dessa conjuntura, a pandemia de covid-19 traz à tona um novo dilema atrelado ao velho problema do racismo estrutural. A doença foi pior e mais letal para aqueles que já são marcados historicamente pelo racismo. Na publicação do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), fundamentada na perspectiva de que a OMS concebe o racismo como um dos determinantes sociais do processo de adoecimento e morte, os(as) autores(as) consideram que os desdobramentos da pandemia da covid-19 numa sociedade estruturada pelo racismo penaliza grupos vulneráveis, especialmente entre pessoas negras, e está diretamente relacionado à policrise sanitária, social, política, econômica, moral, crise na globalização, fluxos migratórios etc.

Desse modo, o contexto evidencia que a insegurança alimentar carrega aspectos político, cultural e jurídico, além de também ser um caso de saúde coletiva, embora muitos setores a reduzam a um problema técnico e/ou social. Considerando a aproximação entre saúde coletiva, insegurança alimentar, fome e racismo, urge a necessidade da constituição de um campo interdisciplinar de saberes e práticas, haja vista julgarmos uma discussão como a nossa potencialmente geradora de subsídios para a elaboração de políticas públicas, ensino pesquisa e extensão no campo da alimentação, nutrição e saúde coletiva.

Como fruto do contexto exposto, o argumento basilar deste escrito parte de uma questão crucial: como as intersecções entre racismo e capitalismo podem contribuir para o entendimento da fome e da insegurança alimentar no Brasil no contexto da crise sociossanitária ocasionada pela pandemia da covid-19? A partir dessa indagação, este ensaio objetiva expandir a compreensão acerca da crise de insegurança alimentar e da fome que assola o Brasil, localizando-o na estrutura racista-capitalista-neoliberal, como um país com raízes escravistas e colonialistas, sendo esses pilares indispensáveis para pensar a conexão entre fome, precarização da vida, saúde e sociedade.

A construção social da fome e suas interfaces com o campo de alimentação, (in)segurança alimentar e nutrição

Segundo Freitas (2003FREITAS, M. C. S. Agonia da fome. Salvador: Edufba ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.), a noção de fome vem do latim, fame, e essa, de famulus, que significa escravos ou servos. Famulus, mais tarde, teria o mesmo significado que família para distinguir o termo de gen ou tribo, da linhagem semita. Para a autora, em sua origem semântica, a fome já vinculava às ideias de servidão, escravidão e pobreza. Logo, em seu cerne, tal designação já teria uma conotação social evidenciadora de escassez, subserviência e retirada de direitos.

A dimensão social da fome é tão profunda que, para um faminto, mesmo sem apresentar sintomas físicos de fome, ele continua a pensar e a manter uma relação com o alimento como um faminto. Freitas (2003FREITAS, M. C. S. Agonia da fome. Salvador: Edufba ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) problematiza que, aos poucos, na construção do conceito, é que a fome foi sendo entendida como um problema social. Segundo o autor, por meio de um pensamento malthusiano, a partir do século XVIII, foi fundado um entendimento naturalista acerca da fome, no qual o crescimento da população seria muito elevado frente à capacidade da terra de produzir alimento. Diacronicamente, o cenário de escassez e fome seriam inevitáveis.

Freitas (2003FREITAS, M. C. S. Agonia da fome. Salvador: Edufba ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) ainda aponta para os estudos do médico e geógrafo Josué de Castro (2001CASTRO, J. Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.), que, na metade do século passado, produziu vasta bibliografia com o objetivo de desvendar ou revelar que essa problemática também é fruto do modelo de desenvolvimento econômico e social de uma nação. Assim, cunhou termos como “fome aguda” e “fome crônica”, “fome epidêmica” e “fome endêmica” (idem).

Josué de Castro (2001CASTRO, J. Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.), pioneiramente, anunciou que a má alimentação é proveniente de desigual distribuição de renda entre a população brasileira e populações de diferentes países. Afirmou ainda que a produção social da fome não está restrita ao número de proteínas e calorias diárias ingeridas, enfatizando o fenômeno da “fome oculta”, que pode ser observada na carência de micronutrientes como ferro e vitamina A. Assim, é estabelecido um olhar totalizante do fenômeno da fome, incorporando o componente socionutricional como indicadores de qualidade da alimentação e nutrição do povo brasileiro.

Ainda, Castro (2001CASTRO, J. Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.), em seus trabalhos antropológicos sobre a fome na Bahia, lança mão do conceito de fome crônica, entendendo-a como uma das formas de apresentação da desigualdade social causada pelo capitalismo. Além disso, também bebendo em Castro (2001)CASTRO, J. Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., ela evidencia o conceito de “fome oculta”, sendo aquele momento subclínico da desnutrição, ainda invisível como uma doença propriamente dita, mas que já demonstraria sinais de fome nas pessoas, sendo comum e pouco notado, outra forma nefasta de impacto do capitalismo nas populações mais pobres.

O conceito de insegurança alimentar parece surgir para objetivar, por meio de indicadores tanto na área da saúde como nas políticas públicas, a condição da fome; tentando levar em conta os condicionantes sociais da subnutrição ou da má nutrição. Na Declaração Universal Sobre Erradicação da Fome e Desnutrição, de 1974, a segurança alimentar é vista como a criação de um sistema mundial que assegura disponibilidade suficiente de alimentos a preços razoáveis em todo momento, independentemente das flutuações do clima e de outras condições políticas e econômicas (Macedo, 2021MACEDO, B. M. R. Necropolítica alimentar no Brasil: controle e extermínio da população negra pós-abolição. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Macaé, 2021.).

No Brasil, o entendimento de que alimentação, nutrição e segurança alimentar estão intrinsecamente ligados à promoção da saúde e exigem fomentos políticos, sociais e econômicos para a garantia deste direito é demarcado a partir da década de 1980. Esse está em consonância com a construção da saúde coletiva enquanto um campo que se organiza entre políticas públicas, epidemiologia, ciências sociais e humanas e que atinge uma complexidade entre reforços e tensões entre o paradigma biomédico e o biopsicossocial quanto à natureza e ao processo de saúde alimentar (Bosi; Prado, 2011BOSI, M. L. M.; PRADO, S. D. Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva: constituição, contornos e estatuto científico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 7-17, 2011. DOI: 10.1590/S1413-81232011000100002
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).

Em 2006, foi sancionada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) - Lei 11.346 -, que estabelece princípios, diretrizes e objetivos do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), tendo como marco legal os incentivos aos direitos à alimentação adequada e o combate à má nutrição e à fome. Em 2014, por sua vez, o Brasil reduziu pela metade a prevalência de subnutrição e, pela primeira vez, ele não se encontra no Mapa da Fome, atingindo a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Isso se deu a partir do crescimento econômico inclusivo, possibilitando maior acesso a bens e consumos às pessoas mais pobres e vulneráveis, além do aprimoramento da agricultura familiar e reforços de proteção social.

Mesmo diante dos avanços inquestionáveis, o desmonte e o enfraquecimento de políticas públicas de alimentação e nutrição ocorrem desde 2016, o que contribuiu para que em 2022, o país retornasse ao mapa da fome, segundo dados da ONU. Nesse ano, houve a dissolução do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, transformando a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) em uma discussão menor dentro de um braço do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Com o declínio gradual do crescimento econômico, seguiu-se uma crise política marcada pelo distanciamento do governo das políticas sociais. Assim, as políticas que eram estruturantes, como saúde, alimentação, educação e assistência social, deixam de ser prioridades. Isso se deu com medidas de ajustes fiscais, redução de gastos públicos (especialmente por meio da Emenda Constitucional 95), medidas institucionais reducionistas e desmonte de direitos sociais, que ameaçavam de forma real a soberania alimentar. Em 2019, já no governo Bolsonaro, as políticas da área foram mais fragilizadas, com a dissolução do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão de participação social consultivo e deliberativo sobre a SAN (Guerra et al., 2020GUERRA, L. D. S. et al. Da fome à palatabilidade estéril: “espessando” ou “diluindo” o direito humano à alimentação adequada no Brasil? Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. 127, p. 1231-1245, 2020.).

O relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) confirma o impacto desse retrocesso ao pontuar que, em 2022, 70,3 milhões de pessoas no Brasil estavam em insegurança alimentar moderada (estado em que encontram dificuldade para se alimentar), além de que 21,1 milhões de pessoas estavam em insegurança alimentar grave (FAO et al., 2023FAO; IFAD; UNICEF; WFP; WHO. The state of food security and nutrition in the World 2023: urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Roma: FAO, 2023. DOI: 10.4060/cc3017en
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). Nesse contexto epidemiológico, a fome representa o que se entende por “insegurança alimentar grave”, podendo levar aos chamados “quadros de desnutrição”.

Falamos a partir de uma arquitetura social da fome (Freitas, 2003FREITAS, M. C. S. Agonia da fome. Salvador: Edufba ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) como ausência de componentes orgânicos vitais à vida, com impactos complexos para a população brasileira. A questão fundamental assinala, a priori, a violação do direito humano a uma adequada alimentação e possibilidades de segurança alimentar e hábitos alimentares saudáveis. Essa questão, por seu turno, é resultado e reflexo de uma estrutura social, política e econômica geradora e mantenedora de desigualdade, a partir da hegemônica matriz capitalista-neoliberal e um Estado de bem-estar social com políticas mínimas.

A violação desse direito tem alcances não somente nos níveis fisiológico e orgânico. Para a antropologia e a sociologia da alimentação (Carvalho et al., 2019CARVALHO, M. C. V. S. et al. (Org.) Comensalidades em trânsito. Salvador: Edufba, 2019.), a comida é um elemento estruturante para a formação de uma sociedade, pois, desde o uso do fogo, da revolução da agricultura e da pecuária, compreendemos um salto significativo enquanto espécie, com práticas, técnicas e culturas culinárias. Quando refletimos sobre pessoas em situação de insegurança alimentar, miséria e pobreza, que não sabem o que vão comer e se vão comer nos próximos dias, estamos falando de corpos expostos às vulnerabilidades extremas em seus aspectos físicos, psicológicos, sociais e subjetivos.

Para Carvalho et al. (2019CARVALHO, M. C. V. S. et al. (Org.) Comensalidades em trânsito. Salvador: Edufba, 2019.), o ato de comer é, per si, civilizatório. Falamos, então, de uma perspectiva onde a angústia da fome (Freitas, 2003FREITAS, M. C. S. Agonia da fome. Salvador: Edufba ; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) está atravessada pela violação do direito de tornar-se sujeito social e produzir sociabilidade, a partir de toda a potência que a alimentação pode oferecer ao desenvolvimento humano. Quando é negado o acesso de um elemento visceral, fisiológico, social e ao mesmo tempo subjetivo, nos referimos a uma violação sem precedente.

Nutricídio, racismo alimentar e neoliberalismo: aquilo que não nutre e que faz morrer

A crise alimentar é aqui entendida quando o ato de comer e a comida passam a ser mercadoria. Como apontam Machado, Oliveira e Mendes (2016MACHADO, P. P.; OLIVEIRA, N. R.; MENDES, Á. N. F. O indigesto sistema do alimento mercadoria. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 25, n. 2, p. 505-515, 2016. DOI: 10.1590/S0104-12902016151741
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), é preciso refletir criticamente sobre o indigesto sistema de alimento-mercadoria, uma consequência da crise estrutural do capitalismo neoliberal. Ao se apresentar como mais uma mercadoria dentro dessa estrutura econômica, ele perde tanto sua importância simbólica (das tradições comensais) quanto nutricional. Os alimentos mais consumidos não são necessariamente os que melhor alimentam, mas aqueles que melhor se adequam mercadologicamente dentro de uma lógica industrial, que muitas vezes gera mais adoecimento/morte, afetando negativamente a saúde das populações, especialmente as mais pobres, que têm menor poder de escolha no mercado e são, em sua maioria, negras.

Nesse ínterim, as tradições de alimentação advindas dos povos da África - afrodiaspóricas - sofrem apagamento, sendo suplantadas pela lógica mercadológica de comensalidades provenientes da Europa e da industrialização alimentar oriundas da América do Norte. A relação que a população negra em diáspora estabelece com o alimento e alguns utensílios domésticos é tomada como fato social (Afrika, 2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.), que, por sua vez, nos conduz à chave reflexiva de dois aspectos sobre a construção identitária negra brasileira: o primeiro diz respeito à forma como esses atores se percebem e se localizam socialmente no mundo a partir da alimentação; e o segundo se refere a como, a partir de suas escolhas alimentares, eles se relacionam com sua história identitária.

Tomamos como fontes de registros as análises de gentrificação racial-alimentar de Corrêa e Silva (2021CORRÊA, N. A.; SILVA, H. P. Da Amazônia ao guia: os dilemas entre a alimentação quilombola e as recomendações do guia alimentar para a população brasileira. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 30, n. 1, e190276, 2021.), que estudaram o Quilombo Santo Antônio, de Concórdia do Pará/PA, e o Quilombo São João, de Salvaterra, na ilha do Marajó/PA. Esses se vinculam à alimentação, sobretudo através da pesca artesanal, da caça, da criação de animais de pequeno porte e à horticultura, além do trinômio arroz-feijão-farinha e o consumo de tubérculos e cereais. Essas refeições, feitas de modo comunitário, também fortalecem a dinâmica econômica doméstica e local, e são a principal fonte de fornecimento para a alimentação escolar. Apesar disso, são comunidades que lutam contra a expansão do agronegócio e a poluição industrial de rios e matas, o que ameaça sua segurança alimentar; além de dependerem também de rendas extras de políticas públicas, como o programa Bolsa Família.

Rigotto, Santos e Costa (2022RIGOTTO, R. M.; SANTOS, V. P.; COSTA, A. M. Territórios tradicionais de vida e as zonas de sacrifício do agronegócio no Cerrado. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 46, n. esp. 2, p. 13-27, 2022.) estudaram território de comunidades tradicionais da Serra do Centro, de Campos Lindos/TO, oriundos de famílias negras camponesas desde o final do século XIX, onde a sua relação com a terra propiciava a comensalidade e a medicina comunitária, com a extração de frutas, sementes, cascas e raízes de árvores medicinais do Cerrado. Em 1997, o território tornou-se espaço de especulação imobiliária e, com o avanço do agronegócio, diversas famílias quilombolas foram expulsas de seus territórios, sendo obrigadas, portanto, a habitarem as áreas periféricas urbanas.

O estudo sobre territorialidades e nutricídio de Almeida (2023ALMEIDA, I. H. A. Territorialidades do nutricídio: decolonizando o direito à alimentação adequada. 2023. Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2023.) reforça que os mecanismos de expulsão de comunidades negras e indígenas para a produção do agronegócio não são casos isolados. Esses mecanismos fazem parte de uma tecnologia colonial-racial-capitalista para garantir os interesses da supremacia branca, impossibilitando a disponibilidade de terras, da biodiversidade e do pertencimento espacial, racial e cultural.

A partir disso, temos a amarração de um nó que aprisiona território-trabalho-corpo. A respeito do território, desponta o apagamento do território identitário afrodiaspórico, tornando a população negra majoritariamente urbana periférica. Acerca do trabalho, há a cisão trabalho e comunidade, não mais voltados para um trabalho sustentável e coletivo, mas produtivista, mercadológico e subalternizado na lógica da divisão racial do trabalho, nos quais os negros estão na base da pirâmide. Por consequência, emerge como resultado a destruição do corpo individual, social e cultural da população negra - com a precarização da vida, do trabalho e do alimento atrelada aos efeitos adoecedores de seu modo de ser e estar no mundo. Diante dessa base argumentativa, compreendemos que a genealogia do “nó” território-trabalho-corpo é um dispositivo fundamental para a produção e manutenção do nutricídio.

A esse exercício de autopreservação da figura branca para manutenção da perpetuação da matriz de seu poder - branca, rica e heteronormativa - para conservação de privilégios econômicos e sociais e garantia privada de direitos sociais, apresentamos o conceito de “branquitude” (Bento, 2014BENTO, C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.; Ramos, 1995RAMOS, A. G. Patologia social do branco brasileiro. In: RAMOS, A. G. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. p. 215-240.). O imperativo da branquitude acontece ao longo da vida da pessoa branca, colocada pela sociedade num patamar de superioridade, sendo sempre um lugar de vantagem estrutural do branco em sociedades estruturadas pelo racismo. No outro extremo, temos a existência de grupos desfavorecidos economicamente que se efetiva onde quer que impere o capitalismo; e, compreendendo a construção histórica da população brasileira, sabemos que na base da pirâmide dos desfavorecidos estão pessoas negras e pobres (Fernandes, 2007FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global Editora, 2007.).

Logo, reconhecer a branquitude e suas tecnologias para a manutenção do poder - incluindo o neoliberalismo como um dispositivo que dá o sentido de mercado em todas as instâncias da vida - é atingir a compreensão de que quem domina o cenário econômico no tempo-espaço domina e controla as relações políticas e sociais, sobretudo as subjetividades e os modos de vida. A fim de exemplificar esse controle sobre as subjetividades e os modos de vida das pessoas negras, a favela, no Brasil, ainda opera como refúgio e principal área de habitação dessa população e funciona como berço social da miséria humana (Morrison, 2019MORRISON, T. A origem dos outros: seis ensaios sobre racismo e literatura. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.).

Do quilombo às favelas, símbolo estético e político da exclusão, temos a imagem que não deixa esquecer que o capitalismo, grosso modo, gera fome e insegurança alimentar. Para ele, é lucrativo obliterar qualquer indicativo que ateste a existência de periferias, e esse processo parece ser constantemente ratificado a partir de práticas predatórias como a destruição criativa e identitária, o nutricídio e o racismo alimentar, o genocídio da população negra, entre outras.

À vista disso, essa estrutura econômica racial explanada é um elemento estratégico para a compreensão da transformação do problema da fome em questão alimentar e nutricional. Ao se ir além desse debate, evocamos o termo “nutricídio”, cunhado por Afrika (2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.). A expressão é desenvolvida ladeada aos conceitos de genocídio da população negra, racismo estrutural e necropolítica, caracterizando-se como a possibilidade de morte em larga escala da população negra, pobre e periférica através de sua relação com um sistema alimentar hegemonicamente colonialista, eurocêntrico e norte-americano; ou seja, o conceito revela o genocídio alimentar provocado contra as populações negras, dentro e fora da África, decorrente da fome, desnutrição, subnutrição ou morte por doenças relacionadas à falta de acesso à alimentação adequada, ocasionada pela organização do sistema de alimentação compulsória oriunda do processo de colonização europeia e dominação norte-americana a nível global.

Os estudos de Afrika (2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.) retratam duas preocupações importantes e indissociáveis. A priori, a fome deve percorrer um debate com instrumental político e intersetorial, pois estamos falando de poder de consumo, de produção, trabalho, renda, composição familiar, proteção social e saúde pública. Falar sobre fome não pode estar restrito ao debate pontual sobre tipos de refeições e suas estruturas dietéticas; é insuficiente, por exemplo, o lançamento de um guia de saúde alimentar como uma estratégia do Ministério da Saúde, com dietas inalcançáveis à maioria da população, além de ser contraditório com uma política que favorece o uso de agrotóxicos, transgênicos e alimentos ultraprocessados.

A epítome para a compreensão do genocídio da população negra como produto do nutricídio se fundamenta na argumentação de que uma alimentação que não nutre e que mata denuncia o fato de que as pessoas negras sofrem historicamente marcações físicas, psíquicas e identitárias. Percebe-se que isso se materializa a partir do denominado apagamento racial da cultura alimentar de origem africana, com base especialmente em grãos e cereais, raízes e tubérculos, como a batata doce e a mandioca, bem como vegetais (couve, espinafre, acelga, tomate, cebola), além de temperos regionais produzidos coletivamente (Afrika, 2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.).

Em diálogo com esse conceito, estudos de Canuto, Fanton e Lira (2019CANUTO, R.; FANTON, M.; LIRA, P. I. C. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 9, p. 3193-3212, 2019. DOI: 10.1590/1413-81232018249.26202017
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) e Jesus (2021JESUS, A. C. S. Cores e valores: marcas do racismo no estado nutricional da população brasileira. 2021. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.) apresentam os resultados de algumas pesquisas que relacionam as desigualdades sociorraciais com a insegurança alimentar. Esses autores oferecem uma revisão a propósito dos inquéritos nacionais referentes ao consumo alimentar e trata da problemática das iniquidades sociais. Em síntese, a cor da pele/raça preta ou parda esteve associada ao maior consumo de feijão, carnes com excesso de gordura, leite com alto teor de gordura; já o consumo de doces foi menor entre os pardos e o consumo regular e/ou recomendado de frutas, legumes e verduras foi maior entre os brancos.

No sentido espacial, moradores de favelas, comunidades e bairros periféricos encontram diariamente mais obstáculos para comprar produtos frescos e não industrializados. Sem-terra no campo ou na cidade, não produzem alimento próprio e o que está ao alcance, quando está, são comidas de baixa qualidade nutricional e ricas em gordura saturada, sódio e açúcar. Em curto, médio e longo prazos, essa situação pode desencadear doenças, a exemplo de hipertensão e diabetes, mais prevalentes na população negra (Macedo, 2021MACEDO, B. M. R. Necropolítica alimentar no Brasil: controle e extermínio da população negra pós-abolição. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Macaé, 2021.; Silva et al., 2022SILVA, S. O. et al. A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 7, e00255621, 2022.).

Em resumo, reconhecendo a dimensão raça e as dificuldades no consumo alimentar, Afrika (2013AFRIKA, L. O. Nutricide: the nutritional destruction of the Black race. Eword: New York, 2013.) nos dá uma visão do quanto fomos e ainda somos agredidos pelo sistema alimentar “branco” europeu e norte-americano, e do quanto é importante voltarmos a nossa atenção para os racismos velados produzidos na relação saúde, sociedade e alimentação.

Pode, então, o subalterno comer? A produção da fome e da insegurança alimentar no “pós-covid-19”

Aprofundando a discussão entre nutricídio e neoliberalismo, pensar o direito à alimentação hoje é indissociável da análise da formação do sistema alimentar moderno de transformação do alimento em mercadoria, commodities e sua financeirização. Desde o século XVIII, vem se estruturando uma forma jurídica, política, epistêmica e cultural de apropriação do alimento que o reduz a uma mercadoria, precificando-o e submetendo-o à lógica especulativa do mercado (Machado; Oliveira; Mendes, 2016MACHADO, P. P.; OLIVEIRA, N. R.; MENDES, Á. N. F. O indigesto sistema do alimento mercadoria. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 25, n. 2, p. 505-515, 2016. DOI: 10.1590/S0104-12902016151741
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). Uma das consequências é que o alimento começa a ser entendido como uma mercadoria, e não um direito fundamental, parte de uma cultura, algo elementar para a fruição de dignidade. Como mercadoria, pode ser negociado de forma especulativa e global. Tem acesso a ele quem pode pagar e não quem dele necessita, não é à toa que a fome seja uma constante num mundo da abundância (Davis, 2012DAVIS, A. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2012.).

De um lado, temos a população branca com poder de compra de alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos, com uma dieta rica em vegetais, frutas e verduras. De outro, a população não branca, aqueles que não têm o direito de escolher por estarem capturados pela opressão capitalista e financeira ficando à mercê da denominada palatabilidade estéril, que consiste no processo de neutralização do paladar, pela exposição excessiva de substâncias como açúcar, sal, gordura e aditivos - esses responsáveis por limitar a sensibilidade ao sabor de alguns alimentos. Tal processo foi alavancado durante o século XX, graças à substituição de alimentos in natura, de qualidade mais elevada, por matéria-prima de baixo custo e qualidade em paralelo a incentivos fiscais, que possibilita a dissipação de alimentos industrializados para uso cotidiano (Guerra et al., 2020GUERRA, L. D. S. et al. Da fome à palatabilidade estéril: “espessando” ou “diluindo” o direito humano à alimentação adequada no Brasil? Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. 127, p. 1231-1245, 2020.).

Diante disso, também nos perguntamos: quais são as ações governamentais que o Estado vem adotando, principalmente nos últimos anos de crise social e sanitária intensificada no decorrer do processo pandêmico? Aqui, faremos um paralelo com o conceito de necropolítica (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1, 2018.), que se refere à capacidade de um Estado legitimar políticas de morte para determinados corpos - mesmo que sejam ocultas, invisíveis ou disfarçadas -, a fim de manter a vida soberana de outros. É preciso, pois, situar modelos de atuações, negligências e ausências do poder público brasileiro que estão sendo desenvolvidas nessa seara.

Segundo informações veiculadas pelo G1 (2021)G1. Número de agrotóxicos registrados em 2020 é o mais alto da série histórica; maioria é genérico, diz governo. G1, 14 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/01/14/numero-de-agrotoxicos-registrados-em-2020-e-o-mais-alto-da-serie-historica-maioria-e-produto-generico.ghtml . Acesso em: 9 set. 2020.
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, a governamentabilidade brasileira administrada pelo presidente Bolsonaro demarca, logo no primeiro ano de pandemia, uma das maiores liberações de pesticidas e agrotóxicos da história do país, num total de 493 substâncias autorizadas a compor a mesa da população brasileira. Anterior a isso, o governo já se encontrava em retrocesso desde 2019, com mudanças na classificação toxicológica dos agrotóxicos, interferindo e dificultando o processo de controle e fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pois esses agrotóxicos foram legitimados política, científica e institucionalmente como substâncias improváveis de causar danos agudos. Logo, a relação entre a produção da fome e a desnutrição da população brasileira, sobretudo pobre e negra, é apenas uma das faces ocultas da insegurança alimentar e, especialmente, que a fome não tem a ver com a escassez de alimentos e, sim, com uma negligência na distribuição igualitária da alimentação (Caparrós, 2016CAPARRÓS, M. A fome. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2016.).

É preciso localizar também o que está imbricado nas consequências nefastas da indústria agropecuária. A maior parte dos grãos cultivados são utilizados para alimentar os animais da agropecuária e a distribuição da proteína, com a alta inflacionária, ocorre de forma cada vez mais seletiva. Assim, o problema já se inicia com a utilização da terra, que é 60% designada, exclusivamente, para a pecuária. A agricultura intensiva, monopolizada e especulativa afeta diretamente a segurança alimentar, uma vez que gera mais desmatamento, morte de espécies de animais, aquecimento global e, com isso, mais inundações, secas e tempestades que resultam em maior impacto na produção de alimentos e, consequentemente, maior insegurança alimentar (Frutuoso; Viana, 2021FRUTUOSO, M. F. P; VIANA, C. V. A. Quem inventou a fome são os que comem: da invisibilidade à enunciação-uma discussão necessária em tempos de pandemia. Interface, Botucatu, v. 25, e200256, 2021.).

Ademais, a situação tomou proporções graves em função da crise política e da crise sanitária no percurso da pandemia da covid-19 (Souza et al., 2021SOUZA, B. F. N. J. et al. (In)segurança alimentar no Brasil no pré e pós pandemia da COVID-19: reflexões e perspectivas. InterAmerican Journal of Medicine and Health, Campinas, v. 3, e202101001, 2021. DOI: 10.31005/iajmh.v4i.160
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). Os esforços governamentais exigiam estratégias panorâmicas desde o controle do vírus Sars-Cov-2 à implementação de medidas transversais aos determinantes sociais, no âmbito de geração e manutenção de trabalho e renda, políticas de proteção social e econômica. Apesar disso, a população brasileira ficou à mercê de altas inflações, precarização do trabalho e desemprego, o que também proporcionou um aumento da insegurança alimentar, o que, em tese, não deveria acontecer, se considerarmos o acordo firmado por meio da declaração universal, de 1974.

O agravamento desse cenário é apontado numa pesquisa realizada pela Unicef Brasil (Neuman, 2021NEUMAN, C. 19 milhões de brasileiros vivem com fome; consequências na saúde são irreversíveis. CNN Brasil, São Paulo, 28 out. 2021. Disponível em Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/19-milhoes-de-brasileiros-vive-com-fome-consequencias-na-saude-sao-irreversiveis/ . Acesso em: 17 mar. 2023.
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), em 2021. Conforme ela, 49% da população brasileira com 18 anos ou mais declararam ter mudado os hábitos alimentares durante a pandemia. Aproximadamente um em cada cinco brasileiros dessa faixa etária passou por algum momento em que não tinha recursos para comprar comida, com uma dieta de baixas proteínas, verduras e hortaliças e rica em açúcar, farinha e gorduras.

No cenário político-legislativo, a maior parte do Congresso Nacional integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como Bancada Ruralista, composta, majoritariamente, por homens brancos, cis-héteros e com patrimônios. O resultado desse cenário é o legislativo determinando quem pode viver - a favor dos interesses dos setores do agronegócio e da elite agrária - e quem deve morrer - os negros, povos tradicionais, ativistas ambientais, pobres, periféricos e aqueles que necessitam de uma maior intervenção do Estado para proteger suas vidas, tendo em contrapartida um estado mínimo de proteção. Essa conjuntura escancara a potência do Estado brasileiro de operar a necropolítica de maneiras diversas e perversas.

Ao passo que se evidencia a relação do genocídio alimentar produzido contra as populações subalternizadas, bem como a sua relação com a agropecuária, impera salientar que as resistências e lutas organizadas vão contra o modelo econômico pautado na destruição e aniquilação do meio ambiente e de seres vivos. Em que pese a constatação do aumento nos números de assassinatos cometidos contra ativistas ambientais e defensores de terras no Brasil, importa destacar que muita resistência e luta são organizadas pelos povos tradicionais, movimentos sem-terra e contra o racismo ambiental (Pereira, 2021PEREIRA, C. F. Nova centralidade do território e da identidade nas lutas sociais e processo de complexificação da questão agrária. Geousp, São Paulo, v. 25, n. 3, e-145399, 2021.; Pistório et al., 2021PISTÓRIO, B. V. et al. Sofrimento social de trabalhadores rurais assentados na contracorrente do agronegócio, na Bacia do Juruena - MT. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 41, n. esp. 2, e190898, 2021.; Soares, 2021SOARES, M. R. P. R. Territórios insurgentes: a tecitura das lutas e das resistências de mulheres quilombolas. Katálysis, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 522-531, 2021. DOI: 10.1590/1982-0259.2021.e79280
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).

A cor do sabor: população negra e suas resistências diante do nutricídio alimentar

Buscaremos, nesta seção, analisar as manifestações e lutas organizadas pela população negra diante da crise da fome e do nutricídio. De fato, precisamos compreender as resistências e formas de práticas emancipatórias do coletivo negro, muitas vezes liderado por mulheres feministas, que se organizam a partir das avenidas identitárias de gênero, classe e raça (Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.).

Em reunião com a ONU Mulheres, o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 (2020Mulheres Negras inovam em estratégias de apoio comunitário à população negra na resposta à Covid-19. ONU Mulheres. 07/10/2020. Disponível em Disponível em https://www.onumulheres.org.br/noticias/mulheres-negras-inovam-em-estrategias-de-apoio-comunitario-a-populacao-negra-na-resposta-a-covid-19/ Acesso 09 março 2023
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) enfatiza a liderança de mulheres negras no momento pandêmico. Nilza Iraci, do Geledés - Instituto da Mulher Negra, discursa como a população negra esteve na linha da morte na pandemia, a partir de uma negociação cruel entre escolher resguardar a vida ou o trabalho, sua fonte de sobrevivência. Valdecir Nascimento, do Odara - secretária-executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), relata que a agenda não é somente assistencialista, com oferecimento de cesta básica, pois as pessoas têm fome de justiça, de paz e equidade. Givânia Silva, educadora e quilombola, membra da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Ana Lúcia Pereira, da entidade Agentes de Pastoral Negros (APN), manifestaram a preocupação com a segurança alimentar e nutricional da população negra.

A pesquisa intitulada “Impacto da pandemia de covid-19 em organizações da sociedade civil lideradas por mulheres e pessoas trans no brasil: ativismo e pandemia” (Verdade; Fischer, 2021VERDADE, K. K.; FISCHER, A. (Org.). Impacto de covid-19 em organizações da sociedade civil lideradas por mulheres e pessoas trans no Brasil: ativismo e pandemia. Rio de Janeiro: Elas+ Doar para Transformar, 2021.) desenha como o vínculo de solidariedade, confiança comunitária e resistência foram primordiais para construir pontes onde o Estado se apresentava ausente e negligente. O Grupo ELAS+ composto por líderes negras, povos originários e LGBTQIAP+ atuaram frente à desnutrição, à subnutrição, à fome, ao desemprego e às várias violências realçadas durante a pandemia. Ofereceram acolhimento afetivo, jurídico e psicológico para mulheres, LBTQIAP+, mulheres negras e povos tradicionais.

O que se percebe como força motriz de coletivos que interseccionam oprimidos por gênero, raça e classe é que há o entendimento de que esses segmentos habitam a base dos privilégios, ou um não lugar de privilégios, com piores condições de trabalho e renda. Outrossim, são grupos vítimas de diversas violências advindas de um trauma colonial e que, para sobreviver, são convocados a um aquilombamento sociocultural, sendo “quilombo” uma palavra não somente geográfica, mas que representa um dispositivo de agenciamento, agregação e comunidade no combate ao silenciamento negro promovido pela branquitude, nas palavras da historiadora Beatriz Nascimento (Ratts, 2006RATTS, A. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo, Imprensa Oficial, 2006.).

Hooks (2013HOOKS, bell et al. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.), que nos ensinou a transgredir a matriz de opressão, lembra-nos de que este processo emancipatório e de resistência tem por eixo basilar a educação, a solidariedade e a coletividade como modo de superação das dificuldades estruturais provocadas por uma sociedade desigual.

É válido ressaltar recortes de movimentos de Pernambuco advindos da crise pandêmica de covid-19 no combate à insegurança alimentar e à fome, promovendo agendas em esferas sistêmicas na sociedade. A campanha de solidariedade “Quem precisa tem pressa” foi organizada pela Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT/PE) em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) e o Sindicato dos Bancários, fazendo dos sindicatos os seus pontos de coleta de arrecadação de alimentos não perecíveis, material de higiene e limpeza, roupas, agasalhos, lençóis, colchões, entre outros (Barbosa Filho; Melo, 2022BARBOSA FILHO, I. O.; MELO, L. C. S. Tem gente com fome, dá de comer!: resistências coletivas ao aumento da fome em tempos de pandemia da covid-19 em Pernambuco. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2022.).

Além deste, a “Coalizão Negra por Direitos”, que reúne 250 organizações aliadas ao movimento negro brasileiro, através do lançamento da campanha nacional “Tem Gente Com Fome”, arrecadou mais de R$ 21 milhões, e 130 mil famílias receberam auxílio nos 27 estados brasileiros. Os recursos também ajudaram a garantir empregos e renda para armazéns e mercadinhos locais e para agricultores familiares. Dados referenciados a partir da plataforma https://www.temgentecomfome.com.br/.

Importa observar que essas organizações emergem do embrião das periferias brasileiras, como a Central Única das Favelas (Cufa), que promoveu ações de mobilização e apoio aos moradores de favelas de todo o Brasil. Outro campo interessante é o encontro entre periferia e educação a partir das universidades públicas, como o projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) “Mãos Solidárias e Periferia Viva - a universidade no enfrentamento à covid-19 e em defesa da vida do povo”, e o projeto “Mãos Solidárias na comunidade”. Ambos iniciaram com a produção de marmitas solidárias para pessoas em situação de rua e se expandiu como uma rede de discussões sobre direitos sociais, saúde, educação, trabalho e renda do povo negro periférico (Barbosa Filho; Melo, 2022BARBOSA FILHO, I. O.; MELO, L. C. S. Tem gente com fome, dá de comer!: resistências coletivas ao aumento da fome em tempos de pandemia da covid-19 em Pernambuco. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2022.).

Vemos, desse modo, que a população negra é movimento, e se potencializa de diversas formas para enfrentar a crise socioeconômica atravessada por iniquidades alimentares; e é essencial que seja apoiada e amplificada na busca por justiça social e saúde pública. Findamos com a frase de Jurema Werneck (2010WERNECK, J. Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo. Revista da ABPN, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 7-17, 2010.), que enaltece a ancestralidade africana na luta para existir e resistir: “Nossos passos vêm de longe, mas a caminhada ainda é longa”.

Considerações finais

Os elementos aqui analisados buscam, de forma sucinta, sinalizar que a questão social e racial também se manifesta na esfera alimentar e nutricional, e isso produz reflexos nos modos de comer, viver, adoecer e morrer das populações. Ao fim deste ensaio, evocam-se alguns questionamentos em meio aos argumentos problematizados: como e por que ainda há uma camada importante da população na linha da insegurança alimentar, considerando os significativos avanços nos campos da agricultura, tecnologia e nutrição? O que motiva a criminalização dos movimentos dos povos originários, historicamente perseguidos pelo Estado e elites agrárias? Que interesses estão ocultos por trás dos discursos de monopolistas e grandes representantes do agronegócio? A quem servem os representantes políticos da Frente Parlamentar da Agropecuária e seus apoiadores?

É válido ressaltar que o tema centrado na fome, insegurança alimentar e suas interfaces com a crise neoliberal capitalista no atual contexto pandêmico da covid-19 no Brasil circunscreve a necessidade de identificar a posição, o lugar e quem são as pessoas que habitam desertos humanos alimentares, construídos sócio-historicamente a partir de uma lógica capitalista, neoliberal, colonial e necropolítica. Vale frisar que essa lógica tem corpos e populações bem definidas, sendo ela preta, pobre e periférica, que ficam a mercê da racionalidade de mercado, sendo extremamente segregadora com o advento da crise sanitária, em que o Estado não se posicionou para proteção das pessoas mais vulnerabilizadas, operando políticas de morte pela ação/omissão, entre outras dimensões, também pela produção da fome.

Entendemos que o compromisso científico da saúde coletiva deve estar primordialmente atrelado aos interesses do bem-estar da sociedade e, por isso, à chamada para as agendas públicas de ações intersetoriais, em busca de uma transformação social, de maneira que a estrutura de políticas adotadas hoje esteja no enfrentamento do controle de uso de agrotóxicos, da exploração desenfreada dos recursos naturais, da exclusão e abandono das populações pobres, negras, mulheres, indígenas e campesinas. Caso contrário, estaríamos incentivando uma ficção intelectual que produz argumentos fantasiosos de reprodução apenas daquilo que já está instituído com a racionalidade política biomédica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2022
  • Revisado
    06 Nov 2023
  • Aceito
    10 Mar 2024
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