Resumo
A partir de uma experiência vivenciada durante uma pesquisa de doutorado, pretende-se discutir os trâmites burocráticos da pesquisa social no Brasil e algumas implicações práticas. São levantadas questões como o lugar e o poder decisório concedido (ou não) ao indivíduo ou povo indígena, bem como reflexões acerca das resoluções da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sua aplicabilidade e a (in)adequação dos formulários e modelos para as pesquisas de caráter social. Este artigo levanta as questões éticas, analisando os fluxos operacionais dos e entre os órgãos que normatizam pesquisas com indígenas e inclui reflexões sobre como o rastro deixado pela condição tutelar de povos indígenas ainda baliza as normativas em pesquisa. Pretende-se, ao compartilhar a experiência, contribuir para o debate das implicações éticas nas situações em que a neutralidade é substituída pelo vínculo, bem como desmistificar a ideia de que a simplificação de processos excessivamente burocráticos seja uma ameaça aos preceitos éticos.
Palavras-chave: Comitês de Ética em Pesquisa; População Indígena; Ética em Pesquisa
Abstract
Based on an experience that occurred during a doctoral research, this article aims to discuss the bureaucratic procedures of social research in Brazil and some of its practical implications. We raise some questions regarding location and the decision-making power granted (or not) to an indigenous individual or population, as well as reflections on the resolutions approved by the National Committee for Research Ethics, their applicability and the (in)adequacy of forms and models used in social research. The article focuses on ethical issues, analyzing operational flows from and among agencies responsible for regulating research carried out with indigenous populations. It also includes reflections on the trace left by the tutelary condition of indigenous people and how this condition continues to limit research guidelines. By sharing this experience, this article intends to incite debates on the ethical implications of situations in which neutrality is replaced by bonds, as well as to demystify the idea that simplifying overly bureaucratic procedures would be a threat to ethical principles.
Keywords: Research Ethics Committees; Indigenous Populations; Ethics in Research
Introdução
Este artigo pretende compartilhar experiências e reflexões sobre o trajeto percorrido para conseguir autorização de ingresso em terra indígena e apreciação ética para uma pesquisa de doutorado envolvendo mulheres indígenas. Durante o longo percurso, questionamentos sobre normas e protocolos em defesa da ética em pesquisa e dos sujeitos considerados vulneráveis foram frequentes e encontraram respaldo em consistente produção bibliográfica. Assim, neste texto são discutidos os trâmites burocráticos da pesquisa social no Brasil e algumas implicações práticas, bem como o lugar e o poder decisório concedido (ou não) ao indivíduo ou povo indígena.
É preciso salientar que enquanto este manuscrito era produzido, representantes das Ciências Humanas e Sociais (CHS) conseguiram a aprovação da Resolução nº 510/2016 (Brasil, 2016). Essa resolução trata das especificidades éticas das pesquisas que utilizam metodologias advindas dessa área de conhecimento. Entretanto, toda a descrição da experiência se dá anterior a essa resolução e, por considerar que esta não é uma conquista definitiva e acabada, entende-se que o compartilhamento da vivência poderá colaborar com as discussões no campo da ética e dos fluxos operacionais que pretendem garanti-la no transcorrer das pesquisas.
Em que pese a necessária existência, importância e seriedade dos órgãos responsáveis pela aprovação de pesquisas no país, há que se considerar o impacto da desarticulação entre os órgãos, da morosidade e da falta de clareza de algumas questões conceituais no andamento de pesquisas de caráter social.
No Brasil, antes da publicação da Resolução 510/2016, pesquisas em/com seres humanos (independente da área de conhecimento, técnica ou método) deveriam seguir as normativas da Resolução nº 466/2012 (Brasil, 2013). Ressalta-se, entretanto, que populações indígenas não foram contempladas na resolução mais atual. Assim, pesquisas envolvendo essas populações estão incluídas em “áreas temáticas especiais”, sendo a aprovação do projeto condicionada à apreciação nas instâncias: Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) local, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de consulta às lideranças indígenas; caso haja interesse em acessar conhecimento tradicional, inclui submissão ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O novo olhar que a sociedade internacional lança sobre a dignidade humana após o fim da Segunda Guerra Mundial conduziu à necessidade de se instituir normativas protetoras aos sujeitos participantes das pesquisas. Nesse sentido, o Código de Nuremberg, de 1947, criado para colaborar no julgamento dos crimes nazistas, e a Declaração de Helsinki, que estabelece diretrizes para pesquisas clínicas desde 1964, representam marcos e têm amparado documentos e resoluções que tratam de ética em pesquisa em diversos países (Guerriero; Minayo, 2013).
O primeiro documento a estabelecer diretrizes éticas em âmbito nacional para pesquisas envolvendo seres humanos foi a Resolução 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Brasil, 1996), atualizada em junho de 2013, com a publicação da Resolução 466/2012 (Brasil, 2013). Pautado pelas resoluções e mediante uma plataforma on-line, o sistema CEP/Conep avalia, monitora e aprova pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil, por meio de formulários eletrônicos únicos (independente da natureza da pesquisa) que o pesquisador preenche antes de iniciar a pesquisa.
Analisando as origens históricas das resoluções e sua fundamentação em documentos emitidos por instituições cujo foco de ação e atenção são as pesquisas clínicas e experimentais, se aceita prontamente que sejam necessárias no sentido de preservar a vida e assegurar a dignidade e integridade dos pesquisados. Generalizando desse modo, parece ser uma exigência inquestionável. Porém, há muito mais sutilezas éticas do que se poderia supor a partir dessa afirmação, e que não podem ser desprezadas, a partir do reconhecimento de que a ciência não é produzida apenas por meio da intervenção nos corpos, tampouco a ética está garantida ao preencher formulários ou seguir protocolos.
Percurso metodológico
A intenção em expressar a experiência vivenciada com a Funai e o sistema CEP/Conep sob a forma de um manuscrito surgiu durante a caminhada. Diante das primeiras dificuldades, como informações desencontradas, dúvidas no preenchimento da plataforma on-line e uma perspectiva de prazos mais elásticos, a revisão do cronograma de pesquisa foi a primeira providência. A princípio, a pesquisa de doutorado era prioridade e dedicar-se a um assunto novo não estava cogitado. Entretanto, a certa altura, foi inevitável a reflexão sobre as tensões dos trâmites éticos e suas implicações práticas no estudo proposto. Percebeu-se que o aprofundamento sobre essa questão passou a ser condição fundamental para que a pesquisa de doutorado pudesse fluir.
Apesar de um minucioso estudo dos decretos e resoluções, houve a necessidade de buscar autores que vinham debatendo sobre a incoerência da adoção pelo sistema CEP/Conep de um modelo único de formulário e regras únicas para qualquer pesquisa que envolvesse seres humanos, não distinguindo ou considerando peculiaridades das diferentes áreas de conhecimento. Um diário de campo passou a ser construído para que os entraves e as dificuldades de cada etapa pudessem guiar o recorte dos assuntos e as discussões.
Simultaneamente à vivência com o sistema CEP/Conep, a troca de informações, correspondências e documentos com a Funai passou a alimentar o diário. Nesse caso, as tentativas de compreender o funcionamento da estrutura organizacional dessa fundação, o fluxo de informações entre o órgão e a Conep e as atribuições dos setores por onde o projeto de pesquisa tramitava culminaram no levantamento de informações por meio de artigos, decretos, normativas, ligações telefônicas e solicitações no portal da transparência on-line.
O objetivo deste estudo não é apenas compartilhar as informações levantadas ao longo do percurso, mas, sobretudo contribuir para o debate das especificidades das pesquisas não biomédicas no Brasil, os entraves burocráticos envolvidos e algumas consequências práticas para o trabalho de campo, partindo de nossa experiência. É importante esclarecer que não há pretensão em aprofundar reflexões epistemológicas da bioética, sendo essa uma primeira limitação do manuscrito. Além disso, a complexidade do sistema CEP/Conep (e suas inúmeras particularidades regionais), bem como as instáveis políticas direcionadas à Funai não permitem que a experiência relatada possa ser considerada como um parâmetro para as pesquisas de caráter social com populações indígenas.
Proteção de corpos e subjetividades em pesquisa
Proteger subjetividade ou conhecimentos tradicionais é tão importante quanto proteger corpos. Contudo, os cuidados e ferramentas para garantir a proteção destes não são os mesmos daqueles. Uma pesquisa que tem seu curso definido pelos vínculos e relações ao longo do caminho dificilmente elencará com precisão todos os riscos, danos e benefícios envolvidos no processo. Então, como garantir o resguardo da ética apesar dos formulários e protocolos?
As conceituações de “pesquisa” e “pesquisa envolvendo seres humanos”, dadas pelas resoluções do CNS, embora caracterize de forma clara e concisa o que seja o ato de pesquisar, não contemplam as particularidades que envolvem os diferentes campos de pesquisa e as diversas formas de se participar de uma pesquisa, ou as implicações éticas advindas dos múltiplos enfoques metodológicos existentes (Brito; Peres; Vaz, 2011). Pode-se dizer que as resoluções pautam-se no modelo biomédico de fazer ciência, ou seja, no modelo experimental/clínico, cujas pesquisas apresentam interface entre biologia e medicina. Entretanto, como será discutido adiante, também para pesquisas biomédicas há controvérsias, existindo um forte debate que oscila entre o resguardo da ética, a burocracia e os interesses comerciais.
O termo “bioética” é recente, se considerarmos o contexto histórico, e vem passando por sucessivas modificações desde que surgiu na década de 1970. Garrafa (2012) pondera que embora tenha despertado como um termo abrangente, que envolvia observar aspectos da vida em geral sob o ponto de vista ético, sofreu uma redução significativa do conceito inicial a partir de sua incorporação no âmbito biomédico. Tanto a Resolução 466/2012 quanto os protocolos elencados na plataforma do sistema CEP/Conep são prioritariamente voltados às pesquisas biomédicas, contudo, a partir da publicação da Resolução 510/2016 está prevista uma revisão nos protocolos e procedimentos.
Para Oliveira (2004), a não distinção entre pesquisa “em” seres humanos e “com” seres humanos é um equívoco grave. Eleger como único o olhar biocêntrico sobre a prática de pesquisar ou sobre a ética no desenvolvimento de pesquisas iguala áreas de conhecimento, pesquisadores e sujeitos das pesquisas, impondo um modelo e um modo de fazer ciência. Cuidados éticos são imprescindíveis tanto àquele que pretende testar um novo medicamento ou procedimento cirúrgico quanto ao que se propõe a investigar os efeitos da propaganda no consumo familiar, por exemplo. É evidente que sendo pesquisas de natureza distintas, com impactos e riscos diferentes, não cabem no mesmo formulário, quiçá na mesma lógica.
Por outro lado, é necessário considerar que essa é apenas uma das muitas questões que estiveram por longo tempo implicadas ao propor uma pesquisa social no Brasil. Víctora (2011) coloca como fundamental a problematização de questões envolvendo a escolha das técnicas de pesquisa, a inserção e participação do pesquisador nos diferentes contextos de pesquisa e os procedimentos de análise e interpretação dos dados. Segundo a autora, são debates necessários e fundamentais para o fortalecimento da ética em pesquisas sociais.
A pesquisa que desencadeou a escrita deste artigo é de caráter social, pois se vale de método qualitativo de coleta e análise de dados, envolvendo técnicas advindas das CHS. Embora existam objetivos que se vinculem a desvendar como determinada política pública se reflete no modo de produzir cuidado e saúde, nenhuma intervenção nos corpos está prevista.
Assim, o preenchimento do formulário on-line (Plataforma Brasil) do sistema CEP/Conep foi um desafio, especialmente nos quesitos: número de sujeitos, termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e previsão de riscos. A definição prévia do número de sujeitos é de preenchimento obrigatório, assim como a descrição detalhada dos grupos nos quais os sujeitos serão divididos (incluindo as intervenções a que estarão expostos). Em pesquisas sociais nem sempre isso é possível, já que a interação com os informantes iniciais, com a comunidade e as situações vivenciadas em campo pode levar à inclusão de outros sujeitos; além disso, o pesquisador pode optar pela não divisão dos sujeitos em grupos ou por não incluir intervenções além da entrevista e/ou da observação.
Ao relativizar a questão da definição do número de sujeitos (ou de entrevistas, grupos focais, informantes etc.) e sua relação com a ética, Víctora (2011) aponta que a preocupação maior não deveria ser o número de pessoas a ser abordada, mas sobre “o que” e “como” se conversa com essas pessoas. Reforça ainda que “um tamanho de amostra maior ou menor não multiplica nem divide as questões éticas da pesquisa” (Víctora, 2011, p. 110).
Essa afirmativa nos leva a refletir que, mais do que definir previamente o número de sujeitos em pesquisas qualitativas, os critérios de escolha da população a ser estudada ou o momento escolhido para interromper a busca por sujeitos e informações sejam pautas mais pertinentes do ponto de vista ético. No caso em análise, essas questões foram as primeiras a permear a coleta de dados, trazendo redirecionamentos. Os sujeitos da pesquisa são mulheres indígenas da etnia Krahô, de diferentes aldeias. Percebeu-se que o modo como as relações sociais desse grupo se apresentam no cotidiano, como a constante presença do marido ou das irmãs nas conversas, e o vínculo que vai sendo construído são elementos que certamente definirão o número de sujeitos. Além disso, o tempo para a realização e conclusão do estudo não é o mesmo para criar e aperfeiçoar os vínculos, o que faz o planejamento (como número de aldeias, quais e quantos sujeitos serão visitados/entrevistados) ser constantemente revisto.
Outro desafio diz respeito ao TCLE, cuja inadequação nas pesquisas sociais vem sendo amplamente debatida (Guerriero; Dallari, 2008; Sarti; Duarte, 2013; Víctora, 2011; Víctora et al., 2004) desde o surgimento da Resolução 196/1996. Pode-se dizer que uma das principais conquistas da nova resolução é a ampliação das técnicas e registros para a obtenção do consentimento esclarecido; entretanto, a submissão do projeto é anterior ao novo documento. Tal como postulado inicialmente e mantido na Resolução 466/2012, o TCLE prevê que os participantes da pesquisa sejam informados e esclarecidos sobre todas as consequências possíveis de seu ingresso na pesquisa, incluindo riscos a que estarão expostos, medidas de proteção e benefícios previstos, cabendo ao pesquisador se responsabilizar pela minimização desses riscos e a reparação de danos eventuais. É um documento que deve ser produzido e assinado por ambas as partes antes do início de qualquer pesquisa que envolva seres humanos. Nota-se que o modelo de proteção em que está ancorado o TCLE é o da pesquisa clínica e experimental, pressupondo um risco iminente à saúde das pessoas.
Para Diniz (2010), uma reconfiguração do modelo contratual do TCLE seria fundamental uma vez que, excetuados casos excepcionais, pesquisas sociais envolvem riscos similares às relações sociais cotidianas, sendo consideradas de risco mínimo.
De acordo com Víctora (2011), o TCLE na pesquisa qualitativa deveria estar menos voltado a repetir o modelo de riscos e benefícios das pesquisas biomédicas, priorizando o comprometimento do pesquisador na contextualização dos dados coletados no processo interpretativo. Em nossa experiência, grande parte da reformulação do TCLE solicitada pela Conep esteve relacionada com a descrição dos riscos, modos de prevenção, danos possíveis e sua eventual reparação. Passados alguns meses do início do trabalho de campo, observamos que, embora a preocupação ética deva estar o tempo todo ao lado do pesquisador, as nuances de conduta e o que pode ou não ser um risco ou dano toma realmente corpo após a entrada em campo. Ademais, sem dúvida, o senso crítico e ético pesa tanto ou mais quando se está fora dele. Parece-nos que a forma como o pesquisador lida com os vínculos formados (até mesmo depois de encerrado o trabalho de campo), a escolha dos dados a serem divulgados e a maneira de interpretá-los podem impactar os sujeitos de forma mais direta que qualquer risco pressuposto inicialmente.
Depois de concluídos os ajustes no TCLE, o documento ficou extenso o que tornou desafiador o encontro inicial com as lideranças, já que a linguagem escrita não prevalece na cultura indígena e parte considerável do povo Krahô não detém domínio pleno da língua portuguesa. Assim, o TCLE pareceu inconveniente para um primeiro encontro, no qual o diálogo e a necessidade de descobrir um pouco mais sobre o outro era nitidamente mais urgente e importante para ambas as partes. Juntos numa roda de conversa, a tentativa de leitura formal do TCLE não foi cogitada, pois criaria um ambiente artificial e poderia comprometer a confiança. Assim, a estratégia foi concluir a tarefa lançando o conteúdo do termo de maneira informal na roda. Ficou evidente o pouco interesse pelo documento e pelo que nele estava escrito, o desejo era saber do outro, era falar sobre si mesmo, falar sobre o coletivo das aldeias, das habilidades, das crianças e dos animais que também entraram na roda.
Esse parece ser um dos maiores progressos da nova resolução. Desde que a pesquisa se enquadre nos parâmetros de uma pesquisa social, o art. 4º (Brasil, 2016) esclarece que o consentimento pode ser obtido e registrado em qualquer das fases de execução da pesquisa, bem como retirado a qualquer momento, sem prejuízo ao participante. Traz ainda que o consentimento e o assentimento podem ser realizados por meio de expressão oral, escrita, linguagem de sinais (ou outros) e passa a considerar válida diversas formas de registro, como o escrito, sonoro, magnético (ou outras). Não está claro se pesquisas com populações indígenas poderão usufruir da nova resolução parcialmente ou se continuarão vinculadas à resolução anterior.
Fluxos (in)operacionais das pesquisas envolvendo povos indígenas
É preciso considerar que o sentido da existência de resoluções, normas e fluxos operacionais para o desenvolvimento de pesquisas não repousa prioritariamente na necessidade de organizar dados e serviços, mas na preservação da dignidade e saúde humana, no resguardo da ética e no desenvolvimento e avanço da ciência. Dito em outras palavras, as regras, fluxos e formulários não devem ser um fim em si mesmo, mas operar em prol tanto de pesquisados quanto de pesquisadores, ou seja, da produção do conhecimento. Não parece que essa matéria esteja bem resolvida no Brasil, pois não é raro encontrar divergências entre pesquisadores.
Em agosto de 2015, foi publicada no Jornal Folha de S.Paulo uma carta aberta a então presidente do Brasil, criticando o excesso de burocracia que impede o avanço da pesquisa clínica no país, mediante proposta de revisão das normas pela Conep. A indignação dos pesquisadores que assinam a carta nos leva a considerar que talvez o olhar biocêntrico do sistema CEP/Conep não seja o grande empecilho, uma vez que pesquisas clínicas se enquadram nesses parâmetros. Para eles está claro, “a causa é uma só: a burocracia” (Carta..., 2015, A7). Utilizam termos como atraso, preconceito e dependência tecnológica e comercial para argumentar que a ética tem sido utilizada como “desculpa para a burocracia” (Carta..., 2015, A7). Por outro lado, Palácios e Rego (2015) alertam que no caso das pesquisas clínicas, é necessário que o debate passe pela exposição dos interesses comerciais que geralmente as acompanham e não se sobreponham ao interesse e proteção dos participantes, tampouco desqualifique o sistema CEP/Conep.
Mas o entrave burocrático não é exclusividade de pesquisas clínicas. Se a pesquisa envolver indivíduo ou povo indígena, o caminho igualmente será longo. É o CEP da instituição que ampara o pesquisador, que aprova o projeto em primeira instância e o encaminha à Conep, através da plataforma on-line. No caso desta pesquisa, já nessa etapa, vivenciamos um impasse. O CEP que analisou o projeto o aprovou. Entretanto, exigia a autorização de entrada em terra indígena para seguir o trâmite. Ocorre que a Funai, responsável pela emissão da autorização, aguarda a aprovação da Conep para concedê-la. Estagnamos. O projeto pôde seguir o fluxo no sistema CEP/Conep após pouco mais de quatro meses e dois pareceres negando o andamento do processo.
Não é possível generalizar a experiência, menos ainda supor que o vivenciado seja a regra, provavelmente foi uma exceção, mas é ilustrativo de como um processo pode ser prejudicado em função dessas particularidades. São mais de 620 CEP vinculados à Conep, sendo sua composição interdisciplinar e uma atividade caracterizada pelo voluntariado (Batista; Andrade; Laurentino, 2012). A Carta Circular nº 002/2011 Conep/CNS (Tannous, 2011), em que a presidente da comissão apela para que as instituições considerem a relevância social dos serviços prestados pelos membros do CEP e reconheçam sua carga horária de trabalho como atividade em pesquisa, nos dá a dimensão das fragilidades envolvidas no contexto da produção científica no Brasil.
A obtenção da autorização para a entrada em território indígena segue um caminho paralelo à Conep, mas interdependente. O documento que regulamenta a entrada em terra indígena para fins de pesquisa é a Instrução Normativa nº 1/PRESI, de 1995 (Brasil, 1995), emitida pela Funai. Os documentos a serem providenciados devem ser encaminhados diretamente à presidência do órgão e, de acordo com a normativa, serem analisados pela Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas (CGEP). No caso em debate, o trâmite para a autorização definitiva levou 11 meses para ser concedido.
Apenas apontar o longo tempo, de maneira isolada do contexto, não é coerente. A autorização depende de documentos de outras instituições, como a “análise de mérito” emitida pelo CNPq e a aprovação ética pela Conep. A anuência das lideranças indígenas é obrigatória, e a consulta deve ser realizada pela Funai com participação do pesquisador. Mais importante que esmiuçar as falhas de comunicação e orientações ambíguas é ponderar sobre algumas questões de ordem organizacional.
A CGEP foi extinta em 2009, pelo Decreto nº 7056/2009 (Brasil, 2009), que posteriormente foi revogado pelo Decreto nº 7778, de 2012 (Brasil, 2012), mas manteve a extinção da coordenação. Nenhuma outra coordenação ou órgão seccional é citado nos decretos em substituição à CGEP. Em resposta à solicitação realizada ao portal da transparência, a Funai informou que a Assessoria de Acompanhamento aos Estudos e Pesquisas (AAEP), quando demandada, presta assessoria direta à presidência no que se refere ao ingresso em terras indígenas para fins de pesquisa. Sendo a AAEP uma estrutura única, não dispõe de quadro fixo, estando os servidores lotados na presidência do órgão indigenista em função de diversas demandas. Esse fato pode ter contribuído com alguns contratempos relacionados aos atrasos, notadamente o processo de consulta às lideranças indígenas.
Em ofício, a Funai se comprometeu a realizar o procedimento, mas após seis meses não foi possível que mediasse o encontro por questões de cortes no orçamento e limitação do uso do veículo para situações emergenciais. Essa situação exigiu um novo trâmite burocrático para a entrada temporária em território indígena.
É interessante descrever a experiência para a chegada em território indígena. Com o documento de autorização temporária em mãos, emitido pela Funai, para a consulta das lideranças, a instrução era a de que seria necessário comparecer à filial regional, localizada no município onde pesquisa seria realizada, para apresentar o documento. O local é uma casa simples, em condições precárias, com pintura desgastada, mobília escassa sendo difícil a identificação do local como um setor público. Após explicar os objetivos, o funcionário responsável não solicitou vistas ao documento, limitando-se a escrever numa folha A4, de próprio punho, que a pesquisadora havia passado por lá e apresentado a documentação necessária.
A imprensa tem noticiado uma conjuntura desfavorável ao órgão, como queda no número de funcionários e orçamento anual, agravamento das tensões nas demarcações de terras, bem como um enfraquecimento no poder decisório por passar um período de dois anos (2013-2015) sob presidência interina (Arruda, 2015; Greenpeace, 2015; Pellegrini, 2015). Convém ressaltar que por ser o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, tem um papel fundamental no estabelecimento e execução das políticas voltadas aos povos indígenas, bem como na promoção e proteção de seus direitos.
Não há que se apontarem causas isoladas, instituições e/ou pessoas quanto ao excesso de tempo gasto para conseguir desenvolver pesquisas com povos indígenas. Sem dúvida há cuidados que são imprescindíveis. No entanto, reconhecer o impacto da desarticulação de órgão e setores, bem como das fragilidades operacionais no andamento das pesquisas é condição básica para o avanço da ciência.
Povos indígenas como sujeitos vulneráveis das pesquisas
A Resolução 466/2012 diz que toda pesquisa envolve riscos em tipos e gradações diferentes. Nela, o pesquisador é descrito como aquele que é corresponsável pela integridade e bem-estar dos participantes, já que a referida resolução define vulnerabilidade como:
O estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido (Brasil, 2013, II.25).
Se partirmos dessas definições e fizermos a leitura considerando as pesquisas sociais, estamos diante de um paradoxo, já que a ideia de um pesquisado frágil e passivo em contato com um pesquisador ativo e responsável se contrapõe à superação do conceito de que o sujeito das pesquisas se reduz a mero objeto de estudo, negando o caráter politizador que tende a permear pesquisas dessa natureza (Schuch, 2010).
Convém ponderar que “vulnerabilidade” abarca uma gama de significados para além do descrito na resolução. Indivíduos ou grupos podem ser considerados vulneráveis sob um ou diversos aspectos da vida em sociedade, a ideia que sustenta o termo é a de que existe uma maior fragilidade perante outros grupos da sociedade. Assim, a categorização de povos indígenas como vulneráveis merece algumas considerações.
Estudos envolvendo populações indígenas estão incluídos em “áreas temáticas especiais”, ao lado de estudos de novas terapias invasivas, reprodução humana, organismos geneticamente modificados, manipulações genéticas, medicina fetal, entre outros. Fica subentendido que o critério da vulnerabilidade é o motivo que leva comunidades indígenas a integrar a lista das áreas especiais, muito embora não esteja na redação da resolução de forma explícita. Corrobora com a afirmativa, a citação desses povos como tutelados no item IV.6.e (Brasil, 2013), sendo, portanto, coerente ao conceito de vulnerabilidade presente na resolução.
Ocorre que permitir que comunidades indígenas sejam (sub)entendidas como “pessoas ou grupos que tenham sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida” (Brasil, 2013, II.25) vai na direção oposta das lutas e reivindicações desses povos, que clamam pelo direito à cidadania há tempos.
A ponderação de Lima (2014) faz sentido nesse contexto:
Se o tutor tem como encargo instruir, ele age simultaneamente de modo a se eternizar na posição de fonte única de autoridade, da transmissão dos conhecimentos e modos corretos de vivenciar o pertencimento a uma comunidade mais abrangente. O pensamento do tutelado, suas ações, crenças, alternativas e capacidade de julgamento são permanentemente desautorizados em sua diferença, já que se considera que eles sejam construídos com base em um conhecimento imperfeito da realidade social em que se devem inserir (Lima, 2014, p. 28).
O autor relembra que foi a partir da constatação, por parte da administração imperial e republicana brasileiras, de que haveria insuficiência para a vida cívica, e com loucos e mulheres casadas (entre outros), que indígenas passam a constar no Código Civil de 1916 como relativamente incapazes e sujeitos ao regime tutelar.
A Constituição Federal de 1988, ao defender o respeito à diferença cultural dos povos indígenas, representou um salto para o reconhecimento de que a tutela de seus interesses se faz por meio da promoção e manutenção de seu patrimônio cultural, com grande possibilidade de que eles próprios defendam seus direitos (Souza; Barbosa, 2011).
Não se pretende, a partir dessas colocações, negar a importância da Conep ou da Funai no resguardo da dignidade e integridade de indivíduos ou coletivos indígenas (e não indígenas) ao participar de pesquisas, mas questionar o viés epistemológico que ampara as normativas que pretendem garantir essa proteção.
Ao analisar os direitos das comunidades indígenas no contexto das pesquisas sociais, Milmaniene (2010) lembra que nos últimos anos são os sujeitos das investigações que têm assumido a defesa de seus direitos, em alguns casos, estipulando condições e regras para as atividades de pesquisa; o que nem sempre agrada pesquisadores. Aponta que: “esse complexo processo de reivindicação de seus direitos individuais e coletivos possibilita a afirmação deles como sujeitos políticos” (Milmaniene, 2010, p. 295)2.
O relatório da 5ª edição da Conferência Nacional de Saúde Indígena (2014) ocorrida em 2014 pode ser um exemplo. Nele está reconhecida a importância e a necessidade de fiscalização e acompanhamento de pesquisas pelos órgãos competentes, como Conep, Funai entre outros; entretanto, o desejo dos povos indígenas em participar de outras etapas e assumir certo controle sobre as atividades de pesquisa está claramente descrito no relatório, tal como no item 110, do subeixo 2.1:
As instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa interessadas em pesquisar a saúde e tudo de interesse dos povos indígenas devem consultar previamente as comunidades indígenas e suas respectivas organizações, respeitando os direitos garantidos por meio da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Posteriormente, submeter o projetode pesquisa ao sistema CEP-Conep/CNS, CLSI, DSEI/Sesai e Funai (Souza et al., 2014, p. 100).
A vulnerabilidade socioeconômica e cultural a que a maioria dos povos indígenas está exposta não parece, por si só, legitimar o conceito de vulnerabilidade tal como tratado na Resolução 466/2012 (Brasil, 2013). Além disso, é preciso reconhecer que há diversos povos indígenas, cujas particularidades também os expõem em maior ou menor grau às condições vulneráveis, seja de que tipo for.
Não é possível descrever aqui um processo histórico tão longo e complexo como a interação com e entre povos indígenas, tampouco as políticas indigenistas que se seguiram a essa interação. O que não torna dispensável afirmar que as múltiplas concepções que a sociedade e o estado brasileiro mantêm em torno dos povos indígenas, suas diferentes vulnerabilidades, bem como a situação ambígua de tutelado vs. cidadão livre, têm suas raízes nesse percurso.
Resolução 510/2016: avanços e incertezas
No decorrer da peregrinação para aprovação do projeto de pesquisa, descobriu-se que um movimento interessante vinha acontecendo. Representantes das CHS vinham mobilizando-se há algum tempo com associações e a própria Conep em busca de normativas éticas específicas para as pesquisas dessa área de conhecimento. Consulta pública, debates e embates, minutas não consensuais e a pressão de pesquisadores não biomédicos fomentaram o processo. Assim, enquanto este manuscrito era finalizado, ocorreu a aprovação da Resolução 510/2016 no Conselho Nacional de Saúde.
As inovações vão muito além das novas formas de registro do TCLE; a substituição do conceito restrito e simplista de vulnerabilidade por um critério de situação de vulnerabilidade e a não emissão de julgamentos sobre o desenho metodológico (desde que os procedimentos metodológicos não impliquem riscos) são exemplos de avanços concretos.
A pesquisa com indígenas não é contemplada com clareza na nova resolução, a não ser em seu art. 13 em que cita as comunidades indígenas, a título de exemplo, ao abordar a obtenção do consentimento da autoridade ou liderança comunitária. Com exceção a essa breve citação, o art. 32 é claro em seu parágrafo único: “Em situações não contempladas por essa Resolução, prevalecerão os princípios éticos contidos na Resolução CNS nº 466 de 2012” (Brasil, 2016). Em se tratando de uma pesquisa advinda das CHS, entretanto com povo ou indivíduo indígena, qual resolução estaria prevalecendo?
É possível que esses impasses sejam resolvidos na medida em que forem construídos os instrumentos e formulários que serão acrescentados ao sistema CEP/Conep. Uma nova resolução com a tipificação e gradação dos riscos está prevista, bem como a criação de formulários próprios e sua inserção na plataforma on-line, tão logo ocorra atualização do sistema. É fato que esse novo sistema de análise e mérito ético se consolidará durante a caminhada, mas certamente um cuidado fundamental será administrar quais, quantos e que tipo de formulários serão adotados, a fim de evitar um encontro com aquilo que tanto se tem procurado esquivar: a burocracia.
No caso das pesquisas envolvendo indígenas, uma parceria entre Conep e Funai poderia fomentar a redução de documentos ao mínimo necessário, de modo que antedesse a ambas instâncias de modo sincronizado.
Considerações finais
Certamente é consenso que a postura ética deveria permear toda a pesquisa, incluindo as etapas após trabalho de campo. Entretanto, enquanto o sistema CEP/Conep desconsiderou as inúmeras particularidades das pesquisas sociais, fortaleceu a ideia de uma ética atrelada ao consentimento concedido ou ao preenchimento de formulários e aprovação da pesquisa em instâncias reguladoras, reduzindo-a a momentos pontuais. O risco, ao que parece, é o de que a ética esteja sendo difundida como um processo burocrático, manufaturada e alinhada a interesses e objetivos que não fazem sentido fora da lógica de seus idealizadores.
É fato que há uma linha tênue entre o dano irreparável e os interesses comerciais em algumas pesquisas clínicas, e medidas protetoras são absolutamente pertinentes. Ainda assim, as salvaguardas deveriam acompanhar um amplo debate sobre outros caminhos para além do controle burocrático. Como nos lembram Palácios e Rego (2015), o Brasil é admirado internacionalmente por possuir um sistema integrado de comitês de ética, amparado pelo controle social e pela participação democrática de diferentes instituições, órgãos e serviços de saúde. Portanto, pode-se considerar que temos um sistema fértil e promissor para o avanço de alguns entraves, a exemplo da recente aprovação da nova resolução. Dessa conquista, é importante destacar a exigência equânime de profissionais das duas grandes áreas científicas (Ciências Biomédicas e CHS) nas composições tanto da Conep quanto dos CEP, o que vai permitir que a relatoria dos projetos seja encaminhada a membros com competência técnica da área.
Todavia, embora a resolução seja um avanço de grande magnitude para o campo da ética nas pesquisas sociais, não necessariamente há, ao menos em curto prazo, perspectivas para a desburocratização do processo como um todo. A criação de um novo caminho dentro do sistema CEP/Conep, com formulários específicos já está previsto e deve ocorrer em breve, assim como uma resolução específica para gradação e avaliação dos riscos. São ganhos que podem trazer mais coerência e simplificar o processo. Podem, mas não necessariamente vão.
Cabe considerar que a simplificação de processos excessivamente burocráticos não pode ser entendida como retrocesso, tampouco uma ameaça aos preceitos éticos. Ao contrário, a proteção aos indivíduos que participam de pesquisas pode estar mais garantida quando a responsabilidade pela ética estiver claramente compartilhada, ultrapassando formulários e documentos.
Silveira e Hüning (2010) são abertamente contrários à ideia de se institucionalizar a ética, no caso, representado pelos comitês: “Do nosso ponto de vista, um comitê de ética é desnecessário (se for democrático) ou é um equívoco (se for autoritário). Nossa perspectiva é a de que a ética se produz através de processos singulares realizados pelos agentes neles envolvidos” (p. 390).
Embora não haja plena concordância com a ideia radical proposta pelos autores, a experiência foi clara em apontar que, de fato, é nos processos singulares e subjetivos que as posturas éticas ou não éticas podem ser experimentadas, a despeito do que possa estar registrado em formulários. Não significa dizer que os autores consideram formulários e comitês dispensáveis, mas que desburocratizar os processos passa necessariamente por auxiliar o pesquisador a ter uma noção maior do peso de seu comportamento, ainda que haja um documento oficial de aprovação ética. Algo que parece óbvio, mas que pode facilmente se perder diante da ausência de reflexões a respeito, seja por parte dos comitês, seja por parte de pesquisadores.
Tomanik (2013) também escolhe o caminho do meio. Reconhece a importância dos CEP em tempos em que a pressão por produtividade pode atropelar processos e procedimentos importantes. Entende que ampliar o papel dos comitês, institucionalizando discussões e reflexões sobre a ética nos projetos e relatórios de pesquisa, pode fortalecer tanto o campo como as próprias instituições.
É possível que as questões mais centrais levantadas pelo artigo encontrem no atestado médico de não portador de moléstia contagiosa, exigido pela Funai, seu melhor representante. Considerando que doenças contagiosas podem ser adquiridas pelo pesquisador em qualquer tempo, qual seria o sentido prático de um atestado emitido meses ou anos antes do contato com indígenas? É evidente que caberá ao pesquisador julgar se seu estado de saúde permite a inserção no campo em determinado tempo. Em outras palavras, é fato que as questões éticas que mais importam (e com maior potencial de dano) estarão sempre no curso da pesquisa, muitas vezes longe da vigilância do sistema.
Há, ainda, formas mais sutis de inobservância ética melhor perceptíveis em longo prazo, que podem incluir, por exemplo, o uso inadequado de dados ou mesmo a não divulgação de informações que poderiam beneficiar os sujeitos das pesquisas. Como medir e reparar esses danos? Ramos et al. (2010) ao realizarem uma revisão sobre a eticidade nas pesquisas qualitativas encontraram um expressivo número de artigos publicados que não faziam qualquer menção aos aspectos éticos, implícita ou explicitamente. Os autores ponderam que o achado não permite afirmar que tenha havido falhas nos procedimentos éticos, apenas que não foram apontados. Essa lacuna supõe que a discussão da ética em pesquisas sociais é campo em construção. Além disso, pede um amplo debate e um olhar diferenciado e cuidadoso sobre uma forma de pesquisar onde não cabe a neutralidade; ao contrário, pressupõe uma relação de confiança e a criação de vínculo entre as partes. Nesse sentido, quando um artigo suprime os aspectos e dilemas éticos vivenciados na trajetória da pesquisa perde-se a oportunidade de ampliar a discussão relacionada aos conceitos de dano, reparação, risco ou não risco nas pesquisas sociais. Um horizonte favorável à ressignificação da ética nas pesquisas ganha contornos muito mais visíveis, o que torna o compartilhamento dessas informações em artigos científicos uma condição bastante relevante para o aprofundamento da questão e a caminhada nessa seara.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
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Recebido
30 Mar 2016 -
Aceito
03 Out 2016