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Correlação espacial: padrão heterogêneo de mortalidade por covid-19 no Brasil

RESUMO

Este estudo ecológico analisou a correlação espacial entre indicadores socioeconômicos, demográficos e óbitos por covid-19 no Brasil. As variáveis independentes abrangeram população, sexo, idade, raça, alfabetização e índice de Gini, enquanto a variável dependente foi a mortalidade por covid-19. Os dados socioeconômicos e demográficos foram obtidos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, e os dados de casos e óbitos de covid-19 foram obtidos do site do Ministério da Saúde. A análise incluiu o cálculo dos Índices de Moran Global de forma uni e bivariada. Os resultados revelaram correlação espacial significativa das variáveis independentes com mortalidade por covid-19. Destaca-se correlação positiva moderada para os indivíduos alfabetizados e de 20 a 59 anos. Portanto, existe associação entre fatores socioeconômicos e mortalidade por covid-19, com variações entre os estados brasileiros. Essa conclusão ressalta a necessidade de implementar medidas intersetoriais para assegurar o acesso universal à saúde e alocar recursos de maneira equitativa entre os estados.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Sars-CoV-2; Indicadores sociais; Indicadores econômicos; Mortalidade.

ABSTRACT

This ecological study analyzed the spatial correlation between socioeconomic and demographic indicators and deaths due to COVID-19 in Brazil. The independent variables covered population, sex, age, race, literacy, and Gini index, while the dependent variable was COVID-19 mortality. Socioeconomic and demographic data were obtained from the Continuous National Household Sample Survey, and data on COVID-19 cases and deaths were obtained from the Ministry of Health website. The analysis included the calculation of univariate and bivariate Global Moran’s Indices. The results revealed a significant spatial correlation of the independent variables with COVID-19 mortality. A moderate positive correlation stands out for literate individuals aged 20 to 59 years. Therefore, there is an association between socioeconomic factors and COVID-19 mortality, with variations between Brazilian states. This conclusion highlights the need to implement intersectoral measures to ensure universal access to health and allocate resources equitably across states.

KEYWORDS
COVID-19; SARS-CoV-2; Social indicators; Economic indexes; Mortality.

Introdução

A pandemia de covid-19 atingiu de forma heterogênea a população, especialmente no Brasil, que está entre os dez países com maior desigualdade do mundo11 Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Inequality, geographic situation, and meanings of action in the COVID-19 pandemic in Brazil. Cad Saúde Pública. 2021;36(12):e00208720. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00208720
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. Não há uma uniformidade na ocorrência da covid-19, mas sabe-se que o agravamento e o óbito estão associados às características sociodemográficas e à preexistência de comorbidades. Ademais, os indivíduos com maior grau de vulnerabilidade social estão suscetíveis a um maior impacto pela covid-19, sendo primordial a consideração dos determinantes sociais de saúde para identificação da vulnerabilidade à doença11 Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Inequality, geographic situation, and meanings of action in the COVID-19 pandemic in Brazil. Cad Saúde Pública. 2021;36(12):e00208720. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00208720
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. Estudo realizado no México destacou que o coeficiente de letalidade por covid-19 também foi maior em municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que permite estabelecer que a doença tem efeitos mais graves nas camadas mais desprotegidas da população22 Chávez-Almazán LA, Díaz-González L, Rosales-Rivera M. Socioeconomic determinants of health and COVID-19 in Mexico. Gac Med Mex. 2023;158(1). DOI: https://doi.org/10.24875/GMM.M22000633
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Os fatores socioeconômicos, como baixa renda, afetam as condições de vida, como residência em bairros mais carentes e condições de moradia, especialmente moradias apertadas ou superlotadas, além do baixo nível educacional, que está indiretamente associado ao maior risco de desenvolver as formas graves da doença33 Khalatbari-Soltani S, Cumming RC, Delpierre C, et al. Importance of collecting data on socioeconomic determinants from the early stage of the COVID-19 outbreak onwards. J Epidemiol Community Health. 2020;74(8):620-623. DOI: https://doi.org/10.1136/jech-2020-214297
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A análise da associação entre os fatores socioeconômicos e a taxa de mortalidade por covid-19 evidenciou que renda per capita, taxa de desemprego, comorbidades e dificuldade de acesso aos serviços de saúde são fatores de risco associados a maior taxa de mortalidade por covid-1944 Cajachagua-Torres KN, Quezada-Pinedo HG, Huayanay-Espinoza CA, et al. COVID-19 and drivers of excess death rate in Peru: A longitudinal ecological study. Heliyon. 2022;8(12):e11948. DOI: https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e11948
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. Do mesmo modo, análises também apontam uma relação entre a mortalidade por covid-19 e fatores socioeconômicos, como baixa renda, desemprego, comorbidades, etnia negra, baixo nível de educação e indivíduos mais idosos33 Khalatbari-Soltani S, Cumming RC, Delpierre C, et al. Importance of collecting data on socioeconomic determinants from the early stage of the COVID-19 outbreak onwards. J Epidemiol Community Health. 2020;74(8):620-623. DOI: https://doi.org/10.1136/jech-2020-214297
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Desta maneira, os estudos sobre covid-19 envolvendo fatores socioeconômicos e perfil de pacientes abordam a associação em períodos específicos da pandemia11 Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Inequality, geographic situation, and meanings of action in the COVID-19 pandemic in Brazil. Cad Saúde Pública. 2021;36(12):e00208720. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00208720
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2 Chávez-Almazán LA, Díaz-González L, Rosales-Rivera M. Socioeconomic determinants of health and COVID-19 in Mexico. Gac Med Mex. 2023;158(1). DOI: https://doi.org/10.24875/GMM.M22000633
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3 Khalatbari-Soltani S, Cumming RC, Delpierre C, et al. Importance of collecting data on socioeconomic determinants from the early stage of the COVID-19 outbreak onwards. J Epidemiol Community Health. 2020;74(8):620-623. DOI: https://doi.org/10.1136/jech-2020-214297
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-44 Cajachagua-Torres KN, Quezada-Pinedo HG, Huayanay-Espinoza CA, et al. COVID-19 and drivers of excess death rate in Peru: A longitudinal ecological study. Heliyon. 2022;8(12):e11948. DOI: https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e11948
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, sendo recortes com espaço de tempo pequeno e localizados. Com vistas a minimizar essa lacuna do conhecimento, este estudo teve como objetivo analisar a correlação espacial entre os indicadores socioeconômicos e demográficos e óbitos por covid-19 nos estados brasileiros, no período de março de 2020 a junho de 2022.

Material e métodos

Trata-se de um estudo ecológico analítico. Os dados relativos à população, sexo, idade, raça, alfabetização e índice de Gini foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), referente ao ano de 2015, pois corresponde à última atualização desses dados; e os dados referentes à mortalidade pela doença, no período de março de 2020 a junho de 2022, foram obtidos na plataforma eletrônica do Ministério da Saúde, intitulada ‘Covid-19 no Brasil’.

Neste estudo, as variáveis independentes foram população, sexo, idade, raça, alfabetização e índice de Gini, considerando-se os números absolutos. A variável dependente foi a mortalidade por covid-19 no Brasil. Ressalta-se que a variável raça foi dividida em duas categorias (brancos e não brancos), devido à subnotificação desse dado, que gerou um valor n baixo. Assim, para viabilizar a análise estatística, foi necessário agrupar as raças preto, pardo, amarelo e indígena na categoria não branco.

Foram realizadas análises descritivas das variáveis independentes e da mortalidade (variável dependente). Para avaliar as autocorrelações espaciais das variáveis de interesse, foram calculados os Índices de Moran Global (IMG), de forma bivariada. Para a estimativa da autocorrelação espacial, utilizou-se o IMG, que varia entre -1 e +1 e fornece sua significância estatística (p). Para todas as análises, adotou-se um nível de significância menor que 5%.

O software GeoDa 1.20.0.10 foi utilizado para os cálculos dos índices55 Anselin L, Syabri I, Kho Y. GeoDa: an introduction to spatial data analysis. In: Fischer M, Getis A. Handbook of applied spatial analysis: Software tools, methods and applications. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg; 2010. p. 73-89. DOI: https://doi.org/10.1007/978-3-642-03647-75.
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. O software QGIS 3.26.0 para a elaboração dos mapas e distribuições de frequências66 QGIS.org. QGIS Geographic Information System [Internet]. [local desconhecido]: QGIS Association; 2022 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: http://www.qgis.org
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. Foi realizada a análise bivariada para avaliação da correlação espacial entre a variável dependente mortalidade de covid-19 e as variáveis independentes (sexo, idade, raça, alfabetismo, índice de Gini). Essa análise gerou o Índice de Moran Local (IML) e os mapas de correlação espacial. Para a correlação espacial bivariada, os clusters foram interpretados em um dos cinco tipos: Não significante: regiões que não entraram em nenhum cluster; Alto-Alto: regiões com alta frequência da variável de interesse e alta frequência de mortalidade; Baixo-Baixo: regiões com baixa frequência da variável de interesse e baixa frequência de mortalidade; Baixo-Alto: regiões com baixa frequência da variável de interesse e alta frequência de mortalidade; Alto-Baixo: regiões com alta frequência da variável de interesse e baixa frequência de mortalidade77 Anselin L. Local Indicators of Spatial Association - LISA. Geogr Analysis. 1995;27(2):93-115. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1538-4632.1995.tb00338.x
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Os valores de correlação gerados pelos IMG e IML puderam ser avaliados como positivos ou negativos e como fracos (< 0,3), moderados (0,3-0,7) ou fortes (> 0,7), como utilizado na avaliação da correlação de Pearson.

Por se tratar de pesquisa com dados secundários, sem identificação pessoal e de domínio público, e conforme a Resolução nº 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde88 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2016 maio 24; Seção I:44., dispensou apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Resultados

No período estudado, destaca-se o estado do Rio de Janeiro, onde foi registrado o maior coeficiente de mortalidade (428,92 óbitos/100.000 habitantes), seguido por Mato Grosso (421,6 óbitos/100.000 habitante), Roraima (407,10 óbitos/100.000 habitantes) e Rondônia (407,10 óbitos/100.000 habitantes) (tabela 1).

Tabela 1
Óbitos/100.000 hab. por Unidades Federativas e regiões brasileiras no período de 27/03/2020 a 24/06/2022. Brasil, 2022

Durante o período do estudo, foi possível verificar uma correlação espacial positiva moderada com relação à mortalidade por covid-19 e indivíduos de 20 a 59 anos (IMl = 0,31; p < 0,01), mortalidade pela doença e alfabetizados (IMl = 0,48; p < 0,01), ou seja, estados com maior mortalidade possuíam maior população de indivíduos de 20 a 59 anos e de indivíduos alfabetizados (tabela 2).

Tabela 2
Índice de Moran Bivariado das variáveis independentes sexo, idade, etnia e alfabetização em relação à mortalidade de covid-19 no Brasil. Brasil, 2022

Com relação à etnia, pode-se observar uma correlação espacial positiva fraca quanto à mortalidade por covid-19 e indivíduos brancos (IMl = 0,26; p < 0,01). Também foi verificada uma correlação espacial negativa moderada com relação à mortalidade e ao índice de Gini, ou seja, estados com maior mortalidade possuíam menor índice de Gini (IMl = -0,310; p < 0,01). Apesar de não ter sido significante a relação entre distribuição espacial de mortalidade e sexo, pode-se observar uma correlação positiva entre mortalidade por covid-19 e sexo masculino (tabela 2).

No que se refere à distribuição espacial, os resultados evidenciam padrão heterogêneo de mortalidade por covid-19 no Brasil, destacando-se a correlação de mortalidade com índice de Gini, idade entre 20 e 59 anos, indivíduos brancos e alfabetizados, refletindo a complexidade e os desafios no enfrentamento da pandemia em um país de dimensão continental (figura 1).

Figura 1
Correlação espacial de mortalidade por covid-19 com as variáveis: sexo, idade, raça, alfabetismo e índice de Gini. Brasil, 2022

Os mapas demonstram a formação de clusters quando verificada a correlação espacial de mortalidade por covid-19 com as variáveis independentes, sexo, idade, raça, alfabetismo e índice de Gini (figura 1).

Mapas de autocorrelação espacial da mortalidade por covid-19 no Brasil: A - BiLisamap, proporção de indivíduos alfabetizados no Brasil; B - BiLisamap, proporção de indivíduos não brancos no Brasil; C - BiLisamap, proporção de indivíduos de 60 ou mais anos no Brasil; D - BiLisamap, proporção de indivíduos de 20 a 59 anos no Brasil; E - BiLisamap, proporção de indivíduos de 0 a 19 anos no Brasil; F - BiLisamap, proporção de homens no Brasil; G - BiLisamap, incidência de covid-19 no Brasil no período de 27/03/2020 a 24/06/2022; e H - BiLisamap, índice de Gini.

Em geral, na autocorrelação espacial com relação a mortalidade e alfabetizados, indivíduos com 60 anos ou mais, homens e quanto à incidência, houve formação de cluster do tipo alto-alto, abrangendo estados da região Sudeste e Centro-Oeste, principalmente Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Os clusters do tipo baixo-baixo de mortalidade e idade de 20 a 59 anos e pessoas alfabetizadas concentraram-se mais na região Nordeste, envolvendo os estados do Maranhão, Piauí, Ceará e Pernambuco.

Com relação ao índice de Gini e mortalidade, obteve-se a formação de cluster alto-alto em um estado isolado, São Paulo. Outro ponto observado foi a formação de clusters inversos nas regiões Nordeste e Sudeste, com relação a indivíduos não brancos e mortalidade, sendo verificados os tipos alto-baixo e baixo-alto, respectivamente.

Discussão

A distribuição espacial de mortalidade por covid-19 no período estudado e as variáveis independentes apresentaram uma correlação espacial e a formação de diversos clusters para cada região, fato associado à diversidade regional. Assim, verificou-se correlação positiva entre mortalidade e indivíduos com idade de 20 a 59 anos e alfabetizados; positiva fraca entre mortalidade e brancos; e negativa moderada entre mortalidade e índice de Gini, confirmando correlação espacial da mortalidade por covid-19 com indicadores socioeconômicos e demográficos.

Essas correlações podem estar associadas à abrangência do período do estudo, pois perpassou as diversas ondas da pandemia de covid-19, em que foram adotadas diferentes medidas pelos gestores a fim de minimizar o impacto da doença, além do início e evolução da vacinação.

A distribuição heterogênea dos casos e a mortalidade por covid-19 podem ser relacionadas à chegada das novas variantes do vírus em tempos diferentes em cada região, adoção e adesão da população às medidas não farmacológicas de prevenção da doença, início e adesão da população à vacinação, além das vulnerabilidades sociais já existentes e da estrutura de saúde99 Spinella C, Mio AM. Simulation of the impact of people mobility, vaccination rate, and virus variants on the evolution of Covid-19 outbreak in Italy. Sci Rep. 2021;11(1):23225. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-021-02546-y
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. Durante a pandemia, diversas variantes foram identificadas, ocasionando ondas epidêmicas da covid-19, como a Alfa, a Beta, a Gama, a Delta e a Ômicron (+). As variantes, Alfa e Delta foram associadas a um maior coeficiente de mortalidade, que pode estar relacionado com a capacidade de ambas de gerar muitas infecções em pouco tempo, sobrecarregando os serviços de saúde1010 Bedoya-Sommerkamp M, Medina-Ranilla J, Chau-Rodríguez V, et al. Variantes del SARS-CoV-2: epidemiología, fisiopatología y la importancia de las vacunas. Rev. Peru Med. Exp. Salud Publica. 2021;38(3):442-451. DOI: https://doi.org/10.17843/rpmesp.2021.383.8734
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Também foi verificado que o risco de hospitalização, devido às formas mais graves da doença, estava relacionado com as variantes Alfa e Beta1111 Rovida F, Cassaniti I, Paolucci S, et al. SARS-CoV-2 vaccine breakthrough infections with the alpha variant are asymptomatic or mildly symptomatic among health care workers. Nat Commun. 2021;12(1). DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-021-26154-6
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. Em janeiro de 2021, o Brasil foi notificado pelas autoridades sanitárias do Japão que uma nova variante foi identificada em quatro japoneses que haviam retornado de Manaus1212 Fujino T, Nomoto H, Kutsuna S, et al. Novel SARS-CoV-2 Variant in Travelers from Brazil to Japan. Emerg. Infect. Dis. 2021;27(4). DOI: https://doi.org/10.3201/eid2704.210138
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. A partir de então, verificou-se que a nova variante, denominada P.1, linhagem B.1.1.28.1, Gama, estava circulando no estado do Amazonas desde outubro de 20201313 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Plano nacional de operacionalização da vacinação contra a COVID-19 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/plano-vacinao-covid19-ed5-17mar21-cgpni.pdf
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. No Paraná, foi evidenciado que os coeficientes de mortalidade triplicaram em jovens com idade entre 20 e 29 anos e dobraram em adultos na faixa etária de 30 a 59 anos após o surgimento e a disseminação da variante Gama1414 Oliveira MHS, Lippi G, Henry BM. Sudden rise in COVID-19 case fatality among young and middle-aged adults in the south of Brazil after identification of the novel B.1.1.28.1 (P.1) SARS-CoV-2 strain: analysis of data from the state of Parana. medRxiv. 2021. DOI: https://doi.org/10.1101/2021.03.24.21254046
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Diferente das variantes anteriores, a infecção pela variante Ômicron não causa perda de olfato ou de paladar, sendo sintomas mais recorrentes cansaço, dores musculares, febre, tosse seca, dor de garganta, dor de cabeça e taquicardia1515 Orellana-Centeno JE, Guerrero Sotelo RN. La variante SARS-CoV-2 ómicron. Rev. ADM. 2022;79(1):28-31. DOI: https://doi.org/10.35366/103815
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. Estudo realizado no Centro Médio Nacional, na Coreia do Sul, com 40 pacientes infectados com a variante Ômicron, verificou que 47,5% foram casos assintomáticos1616 Kim MK, Lee B, Choi YY, et al. Clinical Characteristics of 40 Patients Infected With the SARS-CoV-2 Omicron Variant in Korea. J Korean Med. Sci. 2022;37(3):e31. DOI: https://doi.org/10.3346/jkms.2022.37.e31
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. Já no Brasil, verificou-se que a mortalidade de pacientes hospitalizados com Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (Sars-CoV-2) aumentou durante a onda de covid-19 surgida pela variante Ômicron. Em particular, pessoas com mais de 60 anos de idade, presença de comorbidades e o sexo masculino apresentaram maior risco de morte pela doença causada por essa variante, por outro lado, a dose de reforço da vacina contra covid-19 contribuiu para uma diminuição da probabilidade de morte1717 Colnago M, Benvenuto GA, Casaca W, et al. Risk Factors Associated with mortality in hospitalized patients with COVID-19 during the omicron wave in Brazil. Bioengineering (Basel). 2022;9(10):584. DOI: https://doi.org/10.3390/bioengineering9100584
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Nesse contexto, nota-se que a pandemia atravessou diversas fases. No Brasil, na primeira fase, de fevereiro a maio de 2020, verificou-se uma interiorização dos casos, ocasionando dificuldade de acesso para ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e aumentando a ocorrência de óbito. No período de junho a agosto de 2020, a covid-19 já tinha se espalhado por todo o País, sendo registrados, em média, 1000 óbitos diários, além de regiões como Centro-Oeste e Sul, que vivenciaram situações críticas de ocupação de leitos de UTI. Na terceira fase, de setembro a novembro de 2020, houve uma redução de casos e óbitos pela doença, de forma que as medidas de isolamento foram sendo flexibilizadas, em graus e tempos diferentes pelos estados, entretanto, não havia vacina, sendo terreno fértil para o desenvolvimento de novas variantes1818 Fundação Osvaldo Cruz (BR). Boletim Observatório Fiocruz COVID-19: Boletim especial: balanço de dois anos da pandemia Covid-19: janeiro de 2020 a janeiro de 2022 [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2022 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/55828
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Diante do afrouxamento das medidas de restrição, no final de 2020, o cansaço da população das medidas restritivas e as festas de final de ano culminaram em um aumento dos casos e óbitos, a partir do final de 2020, iniciando a quarta fase, que foi até junho de 2021. Nesse período, considerado o mais dramático da pandemia, circulava a variante Gama, e o despreparo do sistema de saúde contribuiu para aumento na mortalidade, chegando à média de 3000 óbitos diários por covid-19. Essa fase da pandemia levou ao colapso dos sistemas de saúde em diversos estados, que apresentaram deficiência de equipamentos, insumos para UTI e esgotamento da força de trabalho dos profissionais da saúde. Destaca-se o colapso do sistema de saúde e funerário na região Norte, apresentando falta de leitos de UTI e de insumos e equipamentos1919 Carvalho R. Amazonas apresenta colapso no sistema de saúde por causa do coronavírus. Estadão [Internet]. 2020 abr 15 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,amazonas-apresenta-colapso-no-sistema-de-saude-por-causa-do-coronavirus,70003272136
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Nessa conjuntura, no Brasil, a vacinação se iniciou na segunda quinzena de janeiro, concomitantemente à rápida transmissão da variante Gama, identificada em Manaus, que vivenciou picos explosivos de mortalidade. A situação vivenciada em Manaus obrigou o Ministério da Saúde a destinar cotas extras de vacinas anticovid-19 para o Amazonas, direcionadas a indivíduos com mais de 70 anos e colaboradores da saúde, a fim de frear o avanço da pandemia. A mortalidade por covid-19 no Amazonas, entre abril e maio de 2020 e janeiro de 2021, mostrou mudança no perfil de óbito por sexo e faixa etária ao se comparar a primeira com a segunda onda da pandemia no estado. Verificou-se um aumento na proporção de óbitos por covid-19 entre mulheres e na faixa etária de 20 a 59 anos de ambos os sexos. Além disso, houve aumento relativo nos coeficientes de mortalidade e letalidade nas diferentes faixas etárias e sexos2020 Orellana JDY, Cunha GM, Marrero L, et al. Changes in the pattern of COVID-19 hospitalizations and deaths after substantial vaccination of the elderly in Manaus, Amazonas State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2022;38(5). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT192321
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A faixa etária com maior risco de óbito está associada aos mais idosos, podendo ter como justificativa a imunossenescência, situação em que o sistema imunológico se enfraquece devido ao aumento da produção de citocinas e ao enfraquecimento nas células T e B, além da presença de comorbidades, que aumentam com a idade, influenciando o aumento da mortalidade de idosos2121 Ejaz R, Ashraf MT, Qadeer S, et al. Gender-based incidence, recovery period, and mortality rate of COVID-19 among the population of district Attock, Pakistan. Braz J Biol. 2023;83:e249125. DOI: https://doi.org/10.1590/1519-6984.249125
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. Assim, a idade é um dos riscos demográficos relacionados com o desenvolvimento da forma grave da covid-19.

Com relação à mortalidade por covid-19 e sexo, estudos evidenciaram que maiores números de óbitos ocorreram no sexo masculino2121 Ejaz R, Ashraf MT, Qadeer S, et al. Gender-based incidence, recovery period, and mortality rate of COVID-19 among the population of district Attock, Pakistan. Braz J Biol. 2023;83:e249125. DOI: https://doi.org/10.1590/1519-6984.249125
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,2222 Silva VVA. A covid-19 enquanto questão social: classe, escolaridade e cor da pandemia no Pará. Holos. 2021;1:1-14. DOI: https://doi.org/10.15628/holos.2021.11519
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. Isso pode estar associado à maior prevalência de diabetes, câncer e doenças cardíacas entre os homens, além dos níveis mais baixos de resistência imunológica do homem associados ao comportamento imunossupressor da testosterona2020 Orellana JDY, Cunha GM, Marrero L, et al. Changes in the pattern of COVID-19 hospitalizations and deaths after substantial vaccination of the elderly in Manaus, Amazonas State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2022;38(5). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT192321
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. Fato semelhante foi identificado em estudo realizado em 63 países, com maior taxa de mortalidade no sexo masculino pela covid-19, relacionada à maior presença de comorbidades como diabetes e doenças cardíacas, além de fatores biológicos, como uma expressão mais alta do receptor de enzima conversor de angiotensina 2, utilizada pelo Sars-CoV-2, para entrar na célula hospedeira2323 Geldsetzer P, Mukama T, Jawad NK, et al. Sex differences in the mortality rate for coronavirus disease 2019 compared to other causes of death: an analysis of population-wide data from 63 countries. Eur. J. Epidemiol. 2022;37(8):797-806. DOI: https://doi.org/10.1007/s10654-022-00866-5
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Sobre a etnia não branca, o estudo identificou correlação espacial negativa, ou seja, formação de clusters alto-baixo na região Nordeste, com um elevado número de indivíduos não brancos e baixa mortalidade, e baixo-alto na região Sudeste, com um número reduzido de indivíduos não brancos e alta mortalidade por covid-19, podendo-se associar a maior taxa de mortalidade em indivíduos não brancos no período estudado.

Por outro lado, em Rondônia, entre as notificações com o quesito raça/cor informado, a maior letalidade foi identificada entre os pretos2424 Escobar AL, Rodriguez TDM, Monteiro JC. Lethality and characteristics of deaths due to COVID-19 in Rondônia: an observational study. Epidemiol. Serv. Saúde. 2021;30(1):e2020763. DOI: https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000100019
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. Essa relação de mortalidade por covid-19 e a população negra pode estar associada tanto à maior incidência de doenças associadas quanto à desigualdade socioeconômica2525 Magesh S, John D, Li WT, et al. Disparities in COVID-19 Outcomes by Race, Ethnicity, and Socioeconomic Status. JAMA Netw Open. 2021;4(11):e2134147. DOI: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.34147
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As regiões Sul e Sudeste apresentaram as maiores taxas de internação por 100 mil habitantes, no entanto, a mortalidade intra-hospitalar foi maior nos estados do Norte e do Nordeste. Ao verificar as diferenças raciais, observou-se que os indivíduos brancos foram os mais hospitalizados, mas os pretos apresentaram maiores taxas de mortalidade. Esses dados podem estar associados às desvantagens relativas às condições de moradia, distribuição de renda, educação e menor acesso aos serviços de saúde2626 Zeiser FA, Donida B, Costa CA, et al. First and second COVID-19 waves in Brazil: A cross-sectional study of patients’ characteristics related to hospitalization and in-hospital mortality. Lancet Reg Health Am. 2022;6:100107. DOI: https://doi.org/10.1016/j.lana.2021.100107
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Nesse contexto, também se destacam a renda e o emprego ocupado pela população negra, que, muitas vezes, desenvolve atividades que favorecem a contaminação pela covid-19. Parte considerável dessa população ocupa postos de trabalho que não podem ser desempenhados de forma remota, assim, o perfil raça e etnia foram diretamente correlacionados com a exposição ao Sars-CoV-22727 Gemelas J, Davison J, Keltner C, et al. Inequities in Employment by Race, Ethnicity, and Sector During COVID-19. J Racial Ethn Health Disparities. 2021;9(1):350-355. DOI: https://doi.org/10.1007/s40615-021-00963-3
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Na Inglaterra, foi identificada hesitação com relação à vacina anticovid-19 entre indivíduos negros e asiáticos, sendo uma das preocupações a insegurança quanto aos efeitos colaterais. Assim, para uma melhor adesão à vacina, torna-se necessário um olhar mais amplo para as comunidades, tentando envolvê-las, pedindo auxílio a líderes comunitários, assistentes sociais, conselhos locais, além de maior divulgação de informações publicamente disponíveis e de qualidade e transparência sobre os possíveis efeitos colaterais2828 Eberhardt J, Ling J, Horsley L, et al. Exploring COVID-19 Vaccine Confidence with People from Black and Asian Backgrounds in England. J Racial Ethn Health Disparities. 2022;10(4):1899-1909. DOI: https://doi.org/10.1007/s40615-022-01372-w
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No período de julho a novembro de 2021, reduziu-se a incidência da covid-19 no País, acompanhada de queda no número de casos graves e óbitos, resultando em redução das taxas de ocupação das UTI. No período supracitado, evidenciou-se a efetividade da vacinação em andamento, por meio da redução da transmissão e da gravidade da doença, sendo que 60% da população adulta brasileira estava vacinada, porém, ainda eram registradas cerca de 250 mortes diárias1818 Fundação Osvaldo Cruz (BR). Boletim Observatório Fiocruz COVID-19: Boletim especial: balanço de dois anos da pandemia Covid-19: janeiro de 2020 a janeiro de 2022 [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2022 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/55828
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Após a vacinação com vacina BioNTech, Pfizer, foi identificado que 33 indivíduos entre 3.720 profissionais de saúde apresentaram a infecção pela variante Alfa, no entanto, foram assintomáticos ou apresentaram sintomas leves da doença1111 Rovida F, Cassaniti I, Paolucci S, et al. SARS-CoV-2 vaccine breakthrough infections with the alpha variant are asymptomatic or mildly symptomatic among health care workers. Nat Commun. 2021;12(1). DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-021-26154-6
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. Nos Estados Unidos, a eficácia geral da vacina da Pfizer contra a infecção da variante Delta do vírus Sars-CoV-2 diminuiu de 93% em um mês após a vacinação completa para 53% após quatro meses2929 Tartof SY, Slezak JM, Fischer H, et al. Effectiveness of mRNA BNT162b2 COVID-19 vaccine up to 6 months in a large integrated health system in the USA: a retrospective cohort study. Lancet. 2021;398(10309):1407-1416. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02183-8
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Ademais, além da vacinação, a capacidade de estrutura dos sistemas de saúde foi importante na pandemia. Estudo criou e mapeou o Índice de Infraestrutura de Saúde (IIS) nos estados brasileiros, constatando existirem disparidades regionais na distribuição espacial da infraestrutura do sistema de saúde, sendo os menores índices registrados na região Norte, em estados como Amapá e Roraima, locais onde o sistema de saúde foi gravemente afetado pela pandemia3030 Vivanco VE, Morais TC, Daboin BG, et al. Evolution of mortality and lethality due to covid-19 in the state of Roraima, Brazil, from march 2020 to july 2021. J Hum Growth Dev. 2021;31(3):447-457. DOI: https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.12184
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Outro ponto a ser considerado é o desalinhamento e a descoordenação entre União, estados e municípios no enfrentamento da pandemia no Brasil, desde a fase inicial até a execução do Plano Nacional de Imunização anticovid-19. No início da vacinação, houve uma escassez de doses de vacinas, além da divergência de calendários vacinais e de critérios de priorização de grupos entre estados e municípios, e, especialmente, pelos atrasos na compra de vacinas pelo governo federal, bem como pelas manifestações até mesmo antivacinas desse nível de gestão3131 Maciel E, Fernandez M, Calife K, et al. The SARS-CoV-2 vaccination campaign in Brazil and the invisibility of science evidences. Ciênc saúde coletiva. 2022;27(3):951-956. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232022273.21822021
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32 Brandão CC, Mendonça AVM, Sousa MF. O Ministério da Saúde e a gestão do enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Brasil. Saúde debate. 2023. 47(137):58-75. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202313704
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-3333 Fleury S, Fava VMD. Vacina contra Covid-19: arena da disputa federativa brasileira. Saúde debate. 2022;46(esp1):248-264. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E117
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No Brasil, com o avanço da vacinação anticovid-19, foi verificada redução do número de casos graves e internações clínicas e em UTI, além do número de óbitos2121 Ejaz R, Ashraf MT, Qadeer S, et al. Gender-based incidence, recovery period, and mortality rate of COVID-19 among the population of district Attock, Pakistan. Braz J Biol. 2023;83:e249125. DOI: https://doi.org/10.1590/1519-6984.249125
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. Em Manaus, foram verificadas mudanças nos padrões de internação e mortes por covid-19 posteriores ao início da vacinação, sendo reduzidas as taxas de internação e morte pela doença, principalmente na faixa etária de 60 a 69 anos2020 Orellana JDY, Cunha GM, Marrero L, et al. Changes in the pattern of COVID-19 hospitalizations and deaths after substantial vaccination of the elderly in Manaus, Amazonas State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2022;38(5). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT192321
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De julho a novembro de 2021, considerada a quinta fase da pandemia, foi verificada redução de casos graves e óbitos por covid-19, mesmo diante da elevada disseminação da variante Delta, sendo perceptível a eficácia da vacinação. Destaca-se que, diante de 40% da população elegível vacinada, foram notificados, em média, 500 óbitos diários; e com 60% vacinados, foram registrados, em média, 250 óbitos por dia. Na sexta fase da pandemia, de dezembro de 2021 a janeiro de 2022, foi verificada nova onda da pandemia com a variante Ômicron, aumentando o número de casos e a taxa de ocupação de leitos de UTI, no entanto, essa ascensão se deu em menor proporção ao se comparar essa fase com as outras da pandemia1818 Fundação Osvaldo Cruz (BR). Boletim Observatório Fiocruz COVID-19: Boletim especial: balanço de dois anos da pandemia Covid-19: janeiro de 2020 a janeiro de 2022 [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2022 [acesso em 2023 set 13]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/55828
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Apesar das medidas terapêuticas, e ao contrário do que foi encontrado neste estudo, análises mostram que os contextos socioeconômico e político são fatores determinantes quanto ao número de casos e óbitos pela doença, assim, a densidade demográfica e o índice de Gini estão associadas à mortalidade pela covid-193434 Cestari VRF, Florêncio RS, Sousa GJB, et al. Social vulnerability and COVID-19 incidence in a Brazilian metropolis. Ciênc saúde coletiva. 2021;26(3):1023-1033. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021263.42372020
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,3535 Poiatti ND, Pedroso NC. Desigualdade internacional no combate à Covid-19 e os seus impactos nos gastos públicos. Saúde debate. 2022;46(esp8):21-34. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042022E802
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. A desigualdade social impacta na adoção de medidas preventivas, pois a população pertencente aos estratos mais vulneráveis da sociedade representa a maioria dos trabalhadores informais, serviço doméstico, comercial, transporte e correio, que se mantiveram ativos mesmo durante as fases mais críticas da pandemia. Ademais, a escassez de renda influencia a disponibilidade de recursos devido à ausência de investimentos em infraestrutura comunitária, como educação, transporte, saneamento, habitação e serviços de saúde2222 Silva VVA. A covid-19 enquanto questão social: classe, escolaridade e cor da pandemia no Pará. Holos. 2021;1:1-14. DOI: https://doi.org/10.15628/holos.2021.11519
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Limitações do estudo

O estudo apresenta fatores limitantes relacionados com a subnotificações e à utilização dos Censos retroativos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), referente ao ano de 2015. No entanto, esses fatores não interferiram na qualidade dos resultados apresentados, uma vez que, por meio dos dados utilizados, foi possível identificar correlações espaciais entre as variáveis independentes e a mortalidade por covid-19, verificando a heterogeneidade dos estados com suas particularidades e formas de enfrentamento, sendo crucial para o direcionamento de projetos e ações governamentais nas esferas municipais, estaduais ou federal, conforme seu perfil.

Contribuições para a prática entre os indicadores socioeconômicos e demográficos e óbitos por covid-19 nos estados brasileiros

Este estudo abrange a identificação da associação entre os indicadores socioeconômicos e demográficos e os óbitos por covid-19, oferecendo informações relevantes para a prática clínica e a gestão de recursos de saúde. Ainda, os resultados evidenciam, para os profissionais da saúde, a importância de se considerar a influência dos indicadores socioeconômicos locais na dinâmica de uma doença infecciosa, sendo essencial a inclusão desses na elaboração dos planos de contingência de surtos e epidemias.

Conclusões

Observou-se correlação espacial entre os indicadores socioeconômicos e demográficos e óbitos por covid-19 nos estados brasileiros, com formação de clusters no coeficiente de mortalidade e das categorias descritas, verificando significância entre mortalidade e idade, etnia, alfabetização e índice de Gini. Assim, verifica-se a necessidade de adoção de medidas intersetoriais, a fim de garantir o acesso universal à saúde e a alocação equitativa de recursos para minimizar as desigualdades sociais.

  • Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)

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Editado por

Editora responsável: Jamilli Silva Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2024
  • Aceito
    10 Jun 2024
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