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O conceito de camponês no Brasil: usos e críticas

The concept of peasant in Brazil: uses and critiques

Resumo

O conceito de “camponês” é hoje um dos mais difundidos entre os estudiosos do espaço social rural. No Brasil, a mobilização do termo (muitas vezes ao nível da doxa) se resume a duas situações: como opção teórica e como opção ideológica, isto é, como constructo teórico-conceitual mobilizado no campo acadêmico, sobretudo por cientistas sociais, para analisar o meio rural e, nele, os pequenos agricultores, e também como uma nova orientação ideológica dos movimentos sociais populares do campo, que buscam convergir forças e ressignificar antigas pautas por meio da tríade agroecologia, reforma agrária e campesinato. Ao analisar como a categoria se faz presente na imagística cultural brasileira, este artigo buscou problematizar suas deficiências e potencialidades em ambas as situações.

Palavras-chaves:
camponês; opção ideológica; opção teórica; crítica

Abstract

The concept of “peasant” is today one of the most widespread among scholars of rural social space. In Brazil, its mobilization (often at the level of doxa) comes down to two situations: as a theoretical option and as an ideological option, that is, as a theoretical-conceptual construct mobilized in the academic field, especially by social scientists, to analyze the rural environment and, within it, small farmers, and also as a new ideological orientation of popular social movements in the countryside, which seek to converge forces and give new meaning to old agendas through the triad of agroecology, agrarian reform and peasantry. By analyzing how the category is present in Brazilian cultural imagery, this article sought to problematize its shortcomings and potential in both situations.

Keywords:
Peasant; ideological option; theoretical option; critique

Seringueiro, eu não sei nada! / E no entanto estou rodeado / Dum despotismo de livros, / Estes mumbavas que vivem / Chupitando vagarentos / O meu dinheiro o meu sangue / E não dão gosto de amor... / Me sinto bem solitário / No mutirão de sabença / Da minha casa, amolado / Por tantos livros geniais, / “Sagrados”, como se diz... / E não sinto os meus patrícios!

Mário de Andrade, Acalanto do seringueiro. Clã do jabuti, 1927ANDRADE, Mário de. Clã do jabuti. São Paulo, Editora Cupolo, 1927.: 105-106.

Introdução

A compreensão do que seja o camponês e o campesinato no Brasil continua, conforme Maria Wanderley (2014______. O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. 25-44, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600002>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), a ser objeto de um amplo e provocativo debate que envolve de acadêmicos e pesquisadores a burocratas e movimentos sociais. De fato, muito já foi dito sobre a composição social do campesinato, e talvez mais ainda sobre o futuro que lhe aguarda, conforme a conhecida dicotomia desaparecimento versus resistência. Mas talvez haja algo que ainda não tenha sito suficientemente explorado: o que significa ser camponês no Brasil? Como e por quem a categoria tem sido utilizada? Quais as suas vantagens, deficiências e consequências? A importância de se colocar este problema é reforçada pelo fato de que, apesar de sua relativa difusão, no Brasil, o conceito de camponês não satisfaz, ou o faz apenas de modo parcial, nenhum dos “dois realismos” de que falava Roland Barthes (2010______. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. 5° ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.: 56), pois embora tenha como objetivo teórico-conceitual “decifrar o real”, não possui sequer a capacidade de “dizer a realidade”. Em outras palavras, lhe falta o referente. Entre signo e significante há como que um hiato2 2 O signo consiste na representação linguística ou semiológica do significante, o que equivale a afirmar que categoria camponês é o signo pelo qual se representa o significante, isto é, o indivíduo que se identifica ou que é identificado como camponês. O referido hiato ocorre quando a identificação entre ambos é precária ou inexistente. Sobre o assunto, cf. Barthes (2001), Merleau-Ponty (1991) e Saussure (2012). . Chamar agricultores familiares, caipiras, colonos, caboclos, roceiros, sertanejos etc. de camponeses pode equivaler a uma representação teórica altamente abstrata que satisfaz as exigências intelectuais, mas será sempre pouco realista, já que opera por transubstanciação.

Se uma expressão “é perfeita na medida em que é compreendida sem equívoco”, como afirmou Merleau-Ponty (1991: 96), então as categorias camponês/campesinato são como que imperfeitas: seu significado é muitas vezes desconhecido ou rechaçado, seu referente é incerto, e seus usos alternam e misturam ideologia com ciência. Conforme Zander Navarro (2010NAVARRO, Zander. A agricultura familiar no Brasil: entre as políticas e as transformações da vida econômica. In.: GASQUES, José G; VIEIRA FILHO, José E. R; NAVARRO, Zander. (Org.) A agricultura brasileira: desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: IPEA, 2010.: 192), a categoria “camponês” tem sido utilizada com frequência pelos cientistas sociais, sobretudo por aqueles de inspiração marxista, em suas análises acerca do meio rural brasileiro, mas é “apenas ocasionalmente empregada em documentos de vulgarização, como jornais, e quase nunca pelos próprios produtores”. Por quê? Talvez porque ela não faça parte da imagística cultural brasileira. A sua pouca mobilização pela sociedade civil não significa, porém, que o seu significado seja totalmente desconhecido, mas antes que ele difere daquele usual entre aqueles que a mobilizam de maneira deliberada.

O objetivo deste artigo consiste, portanto, em aprofundar o conhecido preceito sociológico enunciado por Durkheim (2000DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. Tradução de Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.: 130), segundo o qual “antes de examinar os fatos, convém fixar o sentido das palavras”. Assim, procurou-se inverter aqui o clássico pressuposto que consiste em conceber os camponeses reais a partir das teorias do campesinato para, a partir dos camponeses reais, ou daquilo que se entende como tal, conceber a teoria do campesinato no Brasil. Logo, era preciso romper com a doxa, o que necessariamente levou a uma análise crítica da forma e do conteúdo que caracterizam os seus usos acadêmico-intelectuais para, na sequência, contrastá-los com seus equivalentes entre os movimentos sociais, ao invés de simplesmente analisar esses últimos pelos primeiros.

Para apreender o camponês como opção teórica, recorreu-se à análise de alguns clássicos sobre o tema, bem como de publicações contemporâneas nacionais e internacionais, o que permitiu apreender os sentidos minimamente consensuais do que se entende por camponês e como, quando e com quais objetivos a categoria foi importada para o Brasil. A fim de mapear o seu significado junto à sociedade civil, segundo uma perspectiva diacrônica de longo prazo, foram consultadas fontes lexicográficas originais que remontam ao início do século XVIII. A análise deste material permitiu compreender não só o porquê de ela ser inusual no Brasil, mas também as razões que levam muitos pequenos agricultores a não quererem se identificar ou ser identificados como camponeses, uma vez que além de não se sentirem representados, veem nela uma categoria estigmatizada, haja vista que o seu significado cultural difere substancialmente da sua acepção teórica e ideológica. Por fim, nesta última etapa foram entrevistadas algumas lideranças de movimentos sociais, sindicatos e organizações de classe que permeiam de movimentos camponeses, passando pelos agricultores familiares, ao agronegócio.

Definições de camponês

A família camponesa, para Karl Marx, é “praticamente autossuficiente, produzindo diretamente a maior parte do que consome e obtendo, assim, os seus meios de subsistência mais da troca com a natureza do que do intercâmbio com a sociedade” (2011: 142). Uma classe composta por indivíduos que vivem à margem da economia de mercado, o que não exclui eventuais interações, e que ocupa uma posição social inferior em relação às demais classes, tal é a definição minimamente consensual de campesinato que permeia, por exemplo, as reflexões de Barrington Moore Jr. (1975) acerca da sua importância política nas sociedades modernas, análise cujo mérito consiste em demonstrar que a dimensão social do campesinato pode sobrepujar seu desempenho econômico. O mesmo ocorre com Eric Wolf (1976WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. Tradução de Oswaldo C. C. Silva. 2° ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.), que parte das relações entre os camponeses e a sociedade da qual fazem parte para definir, a partir dos seus intercâmbios, aquilo a que chamou de sociedades camponesas. Essas interações e os seus efeitos, tema sobre o qual se debruçou recentemente Jan Ploeg (2016PLOEG, Jan D. van der. Camponeses e a arte da agricultura: um manifesto chayanoviano. Porto Alegre/São Paulo, Ed. UFRGS/UNESP, 2016.), dão margem a interpretações por vezes divergentes e contraditórias, a exemplo daquelas que pregam o desaparecimento do campesinato ou, ao contrário, sua resiliência.

A definição de camponês e o lugar do campesinato nas modernas sociedades urbano-industriais, como sugere Favaretto (2006), constituem temas corriqueiros na antropologia, na economia e, principalmente, na sociologia rural. Para Shanin (1982SHANIN, Teodor. Defining peasants: conceptualisations and de-conceptualisations: old and wew in a marxist debate. The Sociological Review, v. 30, n. 3, p. 407-432, 1982. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1982.tb00661.x>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), porém, a despeito de alguns importantes trabalhos, até aproximadamente a década de 1970 a problemática camponesa estava ainda muito distante do interesse que passaria a despertar desde então, quando passou a ser constantemente referida pelo seu reconhecimento político, pela dinamização internacional da economia e suas implicações, pelos movimentos sociais e pelas concepções teórico-conceituais que passaram a adotá-la como uma espécie de “moda” no campo acadêmico-intelectual.

Situado neste quadrante histórico, Mintz (1973MINTZ, Sidney W. A note on the definition of peasantries. The Journal of Peasant Studies, v. 1, n. 1, p. 91-106, 1973. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/03066157308437874>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) foi um daqueles que se destacaram ao frisar que menos do que uma definição abstrata para o campesinato, era preciso focar na elaboração de tipologias socioeconômicas que permitissem classificá-lo e compará-lo em diferentes sociedades. Dentre as características priorizadas, segundo uma perspectiva chayanoviana, constam a composição interna do campesinato, a relação entre camponeses e não camponeses no meio rural, os saberes tradicionais e seus significados culturais, e, por fim, o desenvolvimento histórico do campesinato de uma dada região ou sociedade. Se Mintz não foge às características básicas do ser camponês em sua problematização - pequena propriedade, agricultura marginalmente integrada à economia de mercado, forte presença da família e de saberes tradicionais -, destaca, no entanto, que cada país tende a ter um tipo próprio de campesinato, produto de eventos históricos específicos.

Para Silverman (1979SILVERMAN, Sydel. The peasant concept in anthropology. The Journal of Peasant Studies, v. 7, n. 1, p. 49-69, 1979. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/03066157908438091>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), que parte de uma perspectiva antropológica, antes de se tornar uma categoria analítica, o campesinato foi abordado como uma forma de integração social e cultural específica, semelhante a aldeias, situada no interior de comunidades mais amplas, fase em que o foco recaía menos no campesinato em si do que nas pequenas comunidades rurais, camponesas ou não. Apesar de existirem diferentes concepções acerca do campesinato, duas delas se destacariam: aquela que o apreende segundo seus padrões ideológicos e de significado e aquela que busca situá-lo junto aos padrões produtivos e relações de poder em meio à sociedade mais ampla. Este argumento é próximo, inclusive antropologicamente, daquele defendido por Eric Wolf (1976WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. Tradução de Oswaldo C. C. Silva. 2° ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.), segundo o qual o camponês constitui um tipo social que pode ser encontrado desde as primeiras formações sociais, normalmente ocupando posições inferiores no espaço social (o que se refletiria na incorporação dessas limitações pelo indivíduo ao longo do seu processo de socialização e na formação, pela mesma via, do que se poderia chamar de um ethos camponês).

A depender de como a categoria é utilizada, ela pode conter, de acordo com Teodor Shanin (1982SHANIN, Teodor. Defining peasants: conceptualisations and de-conceptualisations: old and wew in a marxist debate. The Sociological Review, v. 30, n. 3, p. 407-432, 1982. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1982.tb00661.x>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), uma definição precisa ou imprecisa. Segundo ele, as características comuns ao campesinato podem ser encontradas em diferentes recortes espaciais e temporais, podendo, em alguns casos, contribuir para tornar o camponês uma espécie de figura mítica (positiva ou negativa). Seria demasiado complicado, por este motivo, defender a existência de um “modo de produção camponês”, uma vez que esta concepção estática ignoraria a dinamicidade representada pelo fato de que os camponeses pertencem a sociedades e períodos históricos específicos. Ademais, além de recurso teórico, o campesinato constituiria grupos e classes dentro de sociedades capitalistas, o que o levaria a estar cada vez mais vinculado aos movimentos sociais reivindicatórios de inspiração marxista-leninista. A categoria camponês teria, portanto, um “significado político” acessório à sua acepção teórico-conceitual. É o que transparece nas reflexões de Barkin (2004BARKIN, David. Who Are the Peasants? Latin American Research Review, v. 39, n. 3, p. 270-281, oct. 2004. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/1555480>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) para América Latina, para quem o campesinato da região estaria cada vez mais se articulando na forma de movimentos sociais que lutam por reconhecimento político. Não é diferente, aliás, a opinião de Vergés (2011VERGÉS, Armando B. Os novos camponeses: leituras a partir do México profundo. Tradução de Maria A. Pandolfi. São Paulo: Cultura Acadêmica; Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural, 2011.), que argumenta que campesinato e militância são fenômenos intercambiáveis.

Em comum, as diferentes concepções teóricas do campesinato partem de um relativo consenso acerca de suas características constitutivas: produção em pequena escala, por vezes chamada de subsistência ou de economia fechada, com eventual comercialização dos excedentes (ou, mais recentemente, destinada à comercialização local, sobretudo na forma de hortigranjeiros); elevada integração familiar; valorização de saberes tradicionais e significados culturais; forte vínculo afetivo-emocional com o espaço rural, que é a uma só vez local de habitação e produção; e exclusão ou marginalização social e política.

A categoria no Brasil - opção teórica

Atualmente muito difundida no campo acadêmico, camponês é, não obstante, uma das categorias mais problemáticas no que se refere à abordagem teórica do meio rural brasileiro. Florestan Fernandes (2008FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. 5° ed. rev. São Paulo: Global Editora, 2008.: 68) foi um dos primeiros sociólogos a perceber o quanto é “difícil escolher um termo aceitável” que realmente represente a realidade objetiva e que, ao mesmo tempo, satisfaça as exigências teórico-conceituais. Segundo ele, não só o Brasil “não chegou a conhecer um campesinato propriamente dito”, como as condições de vida no meio rural favorecem mais a dispersão do que a constituição de aglomerados com características aldeãs. Logo, o “termo ‘campesinato’ acaba sendo, pois, uma solução descritiva precária”, cuja aceitabilidade depende da consciência de que “não se trata de uma formação societária definida, mas de uma classe social em vir a ser”. Em outras palavras, na prática, o referente ainda não existia. Sérgio Buarque de Holanda, já década de 1930, também destacava as impossibilidades do emprego desta categoria ou de suas equivalentes. Conforme Holanda (1995: 88), a formação histórico-social brasileira inviabilizou o emprego da palavra aldeia com o mesmo sentido que tinha em Portugal: “salvo muito raras exceções, a própria palavra ‘aldeia’, no seu sentido mais corrente, assim como a palavra ‘camponês’, indicando o homem radicado ao seu rincão de origem através de inúmeras gerações, não corresponde no Novo Mundo a nenhuma realidade”.

Conforme José de Souza Martins (1981MARTINS, José S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.: 21-23), a categoria surgiu no Brasil por volta da década de 1950 em estreita associação com o Partido Comunista do Brasil, sendo posteriormente mobilizada por alguns setores da Igreja Católica e intelectuais urbanos. Martins reconhece, com efeito, que as palavras camponês e campesinato “são das mais recentes no vocabulário brasileiro, aí chegadas pelo caminho da importação política”, segundo um projeto encabeçado “pelas esquerdas” a fim de encampar as “lutas dos trabalhadores no campo”. Junto com a categoria latifundiário, ambas constituiriam “palavras políticas, que procuram expressar a unidade das respectivas situações de classe e, sobretudo, que procuram dar unidade às lutas dos camponeses. Não são, portanto, meras palavras”. Que a categoria seja um vir a ser é comprovado pela declaração de que ela “pretende ser também a designação de um destino histórico”. Uma vez que a matriz geradora deste destino idealizado, de onde foi importada a categoria e sua imagística, era a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, naturalmente o “destino do camponês brasileiro passa a ser concebido através de um entendimento estrangeiro de destino do camponês (como estranha é a própria palavra nova que o designa) e que não corresponde à sua realidade”.

Contemporâneo dos fatos, Guerreiro Ramos (1995RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995.) teceu duras críticas aos perigos dessa importação de teorias e de conceitos para apreender a realidade brasileira, daí o descritivismo casuístico, o dedutivismo, o dogmatismo e a alienação que caracterizariam essas abordagens3 3 A crítica de Guerreiro Ramos não deve ser tomada de forma unilateral, o que equivaleria a ignorar o cabedal de conhecimentos já produzido pela sociologia, mas como um contraponto à aplicação de teorias e conceitos sem a prévia avaliação das condições empíricas e teóricas que asseguram a sua aplicabilidade. . Como opção teórica, o uso da categoria camponês é recente, haja vista que dois clássicos da sociologia rural escritos à época praticamente não a mencionam: ambos, Antônio Cândido (2010) e Maria Isaura Pereira de Queiroz (2009QUEIROZ, Maria I. P. Uma categoria rural esquecida (1963). In.: WELCH, Clifford A et al. (Orgs.). Camponeses brasileiros: leituras e interpretações clássicas. São Paulo: Editora UNESP, 2009. v. 1.), estudaram pequenos agricultores que viviam à margem de grandes propriedades, afastados dos centros urbanos, marcados pela economia de subsistência e envoltos em saberes tradicionais. Cândido os chamou de caipiras; Queiroz de sitiantes, segundo ela a grande categoria esquecida do meio rural brasileiro.

Como opção teórica, segundo Martins (1981MARTINS, José S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.), a figura do camponês cumpriria com a função de reunir sob uma mesma categoria os mais diversos grupos existentes no Brasil, tais como caboclos, caipiras, colonos, roceiros, sertanejos etc., em um projeto semelhante, embora em uma perspectiva internacional, ao das “identidades multinacionais” de Vergès (2011VERGÉS, Armando B. Os novos camponeses: leituras a partir do México profundo. Tradução de Maria A. Pandolfi. São Paulo: Cultura Acadêmica; Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural, 2011.). Por este ângulo, a categoria seria permeada por um elevado grau de arbitrariedade. Esta peculiaridade, no entanto, não lhe é exclusiva. O mesmo ocorre com a categoria produtor rural, vinculada ao agronegócio, e também com a categoria agricultor familiar, que possuiria certos vícios de origem. É o que transparece, por exemplo, na crítica de Afrânio Garcia Jr. (2003), para quem a categoria “agricultor familiar” visa reunir sob um mesmo rótulo um público altamente heterogêneo, o que equivaleria a desconsiderar tanto a diversidade de categorias já estudadas pela sociologia rural como ao fomento de um reducionismo político ou jurídico, de onde o uso sociológico da categoria como uma subordinação às demandas dos campos político e ideológico. Ocorre que, objetivamente analisado, este raciocínio vale, mutatis mutandis, tanto para o camponês como para o produtor rural.

O descompasso entre signo e significante se deve também à maneira como a categoria tem sido utilizada. José de Souza Martins, por exemplo, classifica como “movimentos camponeses” a Guerra de Canudos (1896-1897) e a Guerra do Contestado (1912-1914), e o mesmo ocorre com os livros organizados por Motta e Zarth (2008MOTTA, Márcia; ZARTH, Paulo. (Orgs.) Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. São Paulo: Editora UNESP, 2008. v. 1.) e por Fernandes, Medeiros e Paulilo (2009FERNANDES, Bernardo M; MEDEIROS, Leonilde S.; PAULILO, Maria I. (Orgs.) Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas: o campesinato como sujeito político nas décadas de 1950 a 1980. São Paulo: Editora da UNESP, 2009.) que, além disso, são permeados, a começar por seus títulos, por palavras como resistência, lutas e conquistas, o que demonstra o quanto as opções teóricas e ideológicas se confundem. A teorização opera como que por transubstanciação: chamam-se camponeses grupos, classes, movimentos e épocas em que a palavra não era (e ainda não é) sequer considerada como uma possibilidade. Esta tendência pode ser igualmente observada em estudos que atingiram um elevado grau de compreensão de determinados públicos e realidades, como é caso das análises sobre os colonos realizadas por Giralda Seyferth (2011SEYFERTH, Giralda. Campesinato e Estado no Brasil. Mana, v. 17, n. 2, p. 395-417, mai./ago. 2011. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-93132011000200006>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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). A autora demonstra estar ciente de que a categoria camponês é geral e inexata, mas ressalta que ela tem “repercussões bem precisas no campo das relações sociais” (2011: 396); campo, entretanto, que é menos o sociológico do que o objeto da sociologia. A transubstanciação é evidenciada quando a autora afirma que, “olhando os discursos ‘nativos’”, chegou à conclusão de que “os próprios camponeses reivindicam um modo de vida diferenciado, articulado a certas percepções de ruralidade” (2011: 401) que, não raro, estão na contramão do que entendem por campesinato.

A simples existência de características distintivas ingênitas não seria o suficiente para diferir colonos de camponeses e ambos de empreendedores rurais, considerando que cada qual possui seus “discursos nativos” que “reivindicam um modo de vida diferenciado”? Chamá-los indistintamente de camponeses não equivaleria a uma arbitrária supressão das identidades reais por uma identidade fictícia? É verdade que Seyferth alega que “é preciso deixar de lado o problema metodológico de saber qual é a relação exata existente entre as tipificações da vida cotidiana e as abstrações científicas”, porquanto “as teorias estão sempre encaixadas em uma interpretação mais geral da realidade” (2011: 402), e também que está ciente de que entre os colonos “não há referência direta ao campesinato” (2011: 410), mas mesmo assim os classifica como camponeses. As ressalvas indicam antes a inadequação do que a aplicabilidade. Sem entrar ainda no mérito das consequências sindicais e políticas deste hiato identitário, pode-se dizer que há limites de teorização que devem ser observados. Maria Wanderley (2014______. O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. 25-44, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600002>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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: 31), por exemplo, alega que “os conceitos de campesinato e agricultura familiar podem ser compreendidos como equivalentes”. Porém, como a própria autora reconhece, mesmo as “categorias familiares consideradas ‘em transição’ e ‘periféricas’ não hesitam em se definir como agricultores, em suas práticas presentes e em seus projetos de futuro”, já que, “para eles, a produção para o próprio consumo ou para o consumo interno do seu estabelecimento é uma prática que os legitimam como agricultores familiares” (2014: 40), e não como camponeses. Não há equivalência, uma vez que as concepções são não apenas diferentes, mas divergentes.

Com o objetivo de identificar como os pequenos agricultores beneficiários do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE se identificavam, Valadão, Souza e Freitas (2022VALADÃO, William B; SOUZA, Junia M. M; FREITAS, Alair F. “Camponês” ou “agricultor familiar”: como os agricultores participantes do PNAE em Viçosa-MG se reconhecem. Revista Grifos, v. 31, n. 57, p. 1-25, 2022. Disponível em: <https://doi.org/10.22295/grifos.v31i57.6705>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) chegaram à conclusão de que a identificação com a categoria camponês é mínima, bem como que os seus entrevistados se dividiam entre aqueles que a desconheciam e aqueles que a viam como sinônimo de atraso e de subsistência, enquanto a categoria agricultor familiar, ao contrário, era tomada de forma positiva. Mais interessante, talvez, seja o fato de que os autores tenham identificado neste público a presença de características do campesinato clássico, o que os predispõem para uma tomada de posição em que as opções teórica e ideológica se fundem: de um lado, se dizem “preocupados” com o fato de que um público tão heterogêneo seja classificado como agricultores familiares, já que isto os aproximaria “cada vez mais das vertentes mercadológicas capitalistas em detrimento ao modo camponês até então observado”; de outro, afirmam ser “de suma importância promover mecanismos de conscientização” acerca da “relevância histórica que permeia a terminologia camponês”, pois as “conquistas” dos agricultores familiares resultaram da “luta por acesso à terra e da resistência para a permanência no campo” (2022: 22).

Afora o jogo duplo que permeia os usos teóricos deste conceito, as abordagens acima parecem fundamentar, em diferentes escalas, o contraponto crítico de Koselleck (1992KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 134-146, jul./dez. 1992. Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/reh/article/view/1945/1084>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), segundo o qual a canonização de alguns conceitos tem como efeito a necessidade de acomodar a realidade à linguagem, e não o contrário. Existem, obviamente, outras maneiras “menos engajadas” de se usar a categoria, e que parecem, quanto ao conteúdo, constituir como que uma atualização da perspectiva de Max Weber (2007WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução de José M. M. Macedo. 1° ed. 6° reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.: 67), para quem a existência social do camponês, “o qual leva a vida da mão para a boca”, é a verdadeira antítese do espírito do capitalismo. Assim, se o atual agricultor familiar tem em suas origens a agricultura camponesa, como querem Baiardi e Alencar (2014BAIARDI, Amilcar; ALENCAR, Cristina M. M. Agricultura familiar, seu interesse acadêmico, sua lógica constitutiva e sua resiliência no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. S045-S062, jan./dez. 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600003 >. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), o camponês é menos o passado do que o ultrapassado, segundo uma perspectiva que, conforme Maria Wanderley (2003WANDERLEY, Maria N. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidades. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 11, n. 2, p. 42-61, Out. 2003. Disponível em: <https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/238>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), tende a valorizar antes as rupturas do que as continuidades. É nesse sentido que se deve entender as considerações de Guanziroli e Sabbato (2014GUANZIROLI, Carlos E; SABBATO, Alberto D. Existe na agricultura brasileira um setor que corresponde ao “Family Farming” americano? Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. S085-S104, jan./dez. 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600005>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) que, ao usarem a categoria camponês como sinônimo de “agricultor familiar pobre” em sua análise da correspondência do family farming estadunidense entre os agricultores brasileiros, chegaram à conclusão de que o campesinato, segundo sua acepção clássica, praticamente não existe no Brasil atual.

Comparado à categoria agricultor familiar, o exógeno conceito de camponês possui limitações teóricas consideráveis, já que não permite classificar, sem incorrer em incoerências ou contradições, os muitos casos em que pequenos agricultores estão ativamente inseridos no mercado, muitas vezes através de contratos com grandes multinacionais da avicultura, fumicultura, suinocultura, vitivinicultura etc., e que nem por isso deixam de produzir para sua subsistência em conjunto a unidade familiar. Ao que parece, os usos teóricos mais ortodoxos da categoria guardam ainda certa sintonia, talvez ao nível do inconsciente, com a sua dimensão ideológica original. É o que transparece em Marques (2008MARQUES, Marta I. M. A atualidade do uso do conceito de camponês. Revista NERA, v. 11, n. 12, p. 57-67, jan./jun. 2008. Disponível em: <https://doi.org/10.47946/rnera.v0i12.1399>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), que advoga pelo uso teórico da categoria camponês, dada sua afinidade (ideológica) com as lutas sociais do campo, e também João Cleps Júnior, (2018) quando afirma, em relação ao impeachment de 2016, que ele “mudou a conjuntura da questão agrária com a proposição de políticas agrárias privilegiando o binômio latifúndio-agronegócio e provendo minimamente as reivindicações do campesinato”. Esta forma de usá-la comporta um léxico próprio, sendo comumente utilizada como contraponto à figura do latifundiário, situação em que as noções de lutas, militância, reivindicações, resistência, conquistas etc., também se fazem presentes.

O camponês na imagística cultural brasileira

Para passar do camponês como opção teórica para o camponês como opção ideológica, e assim apreender as suas duas principais acepções no Brasil contemporâneo, é preciso estar ciente de como a categoria se faz presente na imagística cultural brasileira. Adjetivo ou substantivo, camponês constitui por si ou por associações uma categoria marcada pelo estigma. O seu pecado original possui grande abrangência espacial e temporal. Jacques Le Goff (2005: 299-300), por exemplo, argumenta que na Idade Média europeia o camponês era visto como um animal selvagem, cuja imagem era reproduzida à exaustão com “uma feiura horrível, bestial, e apenas de longe lembrava uma figura humana”; com tal aspecto, o paraíso só lhe seria acessível por “trapaça”, de onde o inferno como “seu destino natural”. Sua condição material precária estava associada atitudes moralmente condenáveis. A embriaguez constante era uma delas. Conforme Le Goff e Truong (2006: 58), a embriaguez foi duramente reprimida pelo cristianismo porque as conversões “se davam sobretudo entre os camponeses” que, “muito apreciadores de bebedeiras”, estavam naturalmente inclinados aos “pecados da carne”, outro mal que era preciso combater.

Na França de fins do século XVIII, argumenta Foucault (2002FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto C. M. Machado e Eduardo J. Morais. 3° ed. Rio de janeiro: NAU Editora, 2002.: 101-102), o estigma já estava consagrado pela convenção, de onde a “ideia fixa da pilhagem camponesa”, isto é, “desses vagabundos e trabalhadores agrícolas frequentemente desempregados, na miséria, vivendo como podem, roubando cavalos, frutas, legumes, etc.”. Nada mais natural, com efeito, do que a analogia de Voltaire (2000VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas. Tradução de Paulo Neves. 2° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.: 169), para quem “o hebraico está para o grego assim como a linguagem de um camponês para a de um acadêmico”. Mas, e no Brasil, qual a concepção usual que se tem do camponês junto à imagística cultural, ou seja, junto ao cidadão comum que não a mobiliza como opção teórica e tampouco como opção ideológica? Para responder à questão e concomitantemente mapear aquilo que Norbert Elias (2000ELIAS, Norbert. Introdução: ensaio teórico sobre as relações estabelecios-outsiders. In.: ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.: 23) chamou de a “sociodinâmica da estigmatização”, é preciso lançar mão de uma perspectiva diacrônica. Nesse sentido, os preceitos da história conceitual de Reinhart Koselleck (2006______. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma P. Maas e Carlos A. Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto Ed.; Editora PUC-Rio, 2006.) podem ser de grande utilidade.

Antes, porém, convém seguir o pressuposto sociolinguístico de Fernando Tarallo (1997TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Editora Ática, 1997.), que preconiza que é preciso partir do presente ao passado e, em seguida, de volta ao presente, ou seja, para iniciar a pesquisa semântica é necessário conhecer as atuais acepções de uma palavra para só então ter pleno conhecimento do seu processo de constituição e significação. A consulta às obras de Osmar Barbosa (2004BARBOSA, Osmar. Grande dicionário de sinônimos e antônimos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.), Antônio Houaiss e Mauro S. Villar (2009HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1° ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.) e Aurélio Ferreira (1999FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3° ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.) permite estabelecer uma primeira equivalência entre as categorias que podem ser tomadas como sinônimos de camponês. São elas: campesino, campestre, campônio, aldeão, rústico, montanhês. Não é das menores constatações que se pode fazer o fato de não haver qualquer associação da palavra com as categorias agricultor familiar, caboclo, caipira, trabalhador rural etc., o que evidencia que entre a sua mobilização teórico-conceitual e o seu sentido usual a equivalência, se existe, é precária.

As diferenças valorativas estão presentes já no século XVIII. Por exemplo, no dicionário de língua portuguesa (1793: 162-163), de autoria desconhecida, oposto à terra agricultável, arável, cultivável tem-se o meio agreste, cujos sinônimos são “camponês, rústico, pertencente ao campo. Bravio, silvestre, que nasce sem se plantar ou cultivar. Grosseiro, sem civilidade. Tosco, rude. Áspero ao tato”. Se a ausência de cultivo representa um estado selvagem e rústico, o meio cultivado, no duplo sentido do termo, representa sua domesticação, isto é, sua valorização. Caberia não ao camponês, mas ao agricultor esta tarefa, já que é ele “o que cultiva e agriculta”, e que por isso mesmo é “bom, curioso, destro, experimentado, prático, prudente”. Por este ângulo, camponês e agricultor são antônimos. Ao que tudo indica, mesmo no meio rural, sobretudo o europeu, o camponês e o aldeão (seu equivalente semanticamente mais próximo) ocupavam os piores lugares do espaço social. Prova é que no Rafael Bluteau, no seu Suplemento Primeiro (1727______. Suplemento ao vocabulário português e latino. Lisboa: Off. de José A. Silva, 1727. (t.1, A-L): 97), fez questão de usar categorias diferentes para acentuar sua analogia: se “Baco não só foi agricultor das vinhas, mas também dos campos”, as ascólias, por outro lado, eram festas que os “camponeses de Atenas celebravam em honra de Baco” (1727: 78). Deus é agricultor, e seus devotos, camponeses.

No segundo tomo do seu Vocabulário português e latino, Bluteau definiu camponês como “homem do campo. Rústico, agreste. Que assiste mais no campo que na cidade, rure habitants, homo rusticanus, homo agrestis” (1712: 88). A definição é retomada no suplemento de 1728, quando a atualiza com os acréscimos “montanhês, montezinho, aldeão, rústico, grosseiro, agreste, boçal, chavasco” (1728: 93), enquanto que o se entende por chavasco é o mesmo que “grosseiro, rude, chambão, agreste, camponês” (1728: 99). Partindo das características dos “rústicos, ou camponeses”, como afirmou em seu suplemento de 1727 (1727: 280), pode-se facilmente chegar a palavras como rústico, definida no seu sétimo tomo como “homem do campo. Grosseiro, vilão, descortês” (1720: 402), ou vilão, que significa “rústico, camponês, montanhês, aldeão, vilanês”, palavras originadas de vilania, que remete à “vileza, baixeza, rusticidade, grosseria”, conforme o suplemento de 1728 (1728: 410).

A definição dada por Francisco Freire (1765______. Dicionário poético para uso dos que principiam a exercitar-se na poesia portuguesa. Lisboa: Oficina Patriarcal, 1765. (t. 2, M-Z): 124-125), no seu tomo primeiro, aponta para a mesma acepção, já que camponês seria o mesmo que “montanhês, agricultor, lavrador, colono”. Não é diferente a forma como Freire definiu a palavra campestre (1765: 123), que significa “camponês, montanhês, agreste, rústico, aldeão”, pelo lado dos personagens, e “grosseiro, inculto, hórrido, hirsuto, duro, forçoso, robusto” etc., pelo lado de suas características, de onde os exemplos “rústico habitador de humilde aldeia. De áspero trato, de ásperos costumes. Quem compra com suor quanto granjeia.” Mais sugestivo ainda é que, no fim de sua definição, acrescenta um “vide camponês”, por se tratar, segundo parece, de seu sinônimo. A indicação também poderia se aplicar à palavra rústico, presente no seu segundo tomo (1765: 182), já que ela se aplica tanto ao camponês quanto ao que é “grosseiro, agreste, inculto, áspero, hórrido, silvestre”, de onde os exemplos “de feroz trato, bárbaros costumes. O bárbaro cultor do agreste campo. Hórrido habitador de vil aldeia. Quem com dura fadiga o pão granjeia.”

As concepções de camponês no século XIX parecem não diferir daquelas do período anterior, salvo pela diferença de que, devido à diferenciação linguística consagrada neste período, e considerando que todas as definições apontam para o fato de que aldeão e camponês são categorias equivalentes, tem-se a certeza de que ela não fazia parte da realidade brasileira, uma vez que não a representava por falta de um referente concreto. É o que se pode inferir, por exemplo, da definição dada a aldeão por Domingos Vieira no tomo primeiro do seu Grande dicionário de português, onde se lê que aldeão equivale a “camponês, lapão, jornaleiro, cabaneiro, hortelão. Natural ou morador da aldeia; rústico, grosseiro, simples; lorpa, rude” (1871: 286). No primeiro tomo do seu Dicionário da língua portuguesa,Silva (1823SILVA, Antônio M. Dicionário da Língua Portuguesa: recopilado de todos os impressos até o presente. 3° ed. Lisboa: Tipografia de M. P. de Lacerda, 1823. (t.1, A-F): 72) define agreste como o mesmo que “campestre, montesino, do campo; rústico, camponês”, demonstrando com isso o cenário em que situa o camponês, definido simplesmente como “pessoa do campo” (1823: 349). Ambos os lexicólogos reconhecem que campônio, por proximidade etimológica, é outro sinônimo possível para camponês. Neste caso, é significativo que Domingos Vieira, no segundo tomo do seu Grande dicionário (1873: 71), defina campônio não só como o “que é do campo”, mas também como palavra usada, “em geral, no sentido pejorativo de: camponês, rude, estúpido, sem educação”.

António Couto (1842COUTO, António M. Dicionário da maior parte dos termos homônimos e equívocos da língua portuguesa. Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1842.: 101) associa o camponês ao vilão, definindo este último como aquele “que habita na vila, rústico, labrego, camponês, plebeu, que não é de linhagem”, acepções retomadas logo adiante (1842: 343), quando define rústico como “campestre, quinhão, camponês, pastoril, campônio, pastor, lavrador; homem que habita o campo; rude, no sentido figurado de descortês, inurbano, incivil, ignorante, malcriado etc.” Correlação essa que pode ser encontrada no tomo primeiro do Novo dicionário de Eduardo Faria (1859FARIA, Eduardo. Novo dicionário da língua portuguesa: seguido de um dicionário de sinônimos. 4° ed. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial, 1859. (t.1, A-E): 650-651), segundo o qual “quando alguém se exprime com grosseria, dureza e certa ferocidade, dizemos que seus costumes, maneiras e linguagem são agrestes”, ou seja, expressão que “é de ordinário injuriosa, e se toma em mau sentido. Mais suave é a de rústico, que vem de rus, e significa homem tosco e grosseiro, oposto ao urbano”. Campesino, por sua vez, seria “igual a campestre quanto à derivação, porque ambos vêm de campus; contudo, aquele é menos extenso, pois indica por sua terminação o que habita ou vive no campo, homem ou animal”, enquanto que “campestre se estende a tudo o que pertence ao campo”, o que o leva a concluir que “campesino é mais poético que campestre”, já que se refere ao habitante e não ao habitat.

As palavras agreste, campestre, campesino e rústico também se encontram definidas em Henrique Brunswick (1899BRUNSWICK, Henrique. Dicionário de sinônimos da língua portuguesa. Lisboa: Editora de Francisco Pastor, 1899.: 54-55). Agreste é “aplicado a pessoas ou ao que lhes é particular, refere-se à grosseria, à rudeza, à baixeza, e nunca se toma em bom sentido”, motivo pelo qual o “homem agreste é grosseiro a ponto de ser intratável; as maneiras agrestes, os costumes agrestes, não podem ser suportados por quem está habituado à delicadeza e ao trato do mundo, pois ultrapassam todas as leis da conveniência”. O mesmo ocorre com rústico, do “latim rusticus, de rus, campo, como antônimo de urbs, cidade”, que diz respeito a tudo aquilo “que tem o caráter próprio da simplicidade aldeã ou camponesa, isto é, do que carece da polidez das cidades”. Deriva daí que o “homem rústico carece de urbanidade, não conhece os usos da gente fina e pode faltar às leis da conveniência fundadas por mútua convenção social”. As figuras do campesino/camponês não encerrariam, portanto, nada do aspecto positivo que teria o campo em suas acepções bucólica ou agrícola.

Talvez uma das constatações mais importantes que se possa fazer acerca do significado da categoria camponês no Brasil seja o fato de que alguém como Henrique de Beaurepaire-Rohan, especializado nas acepções brasileiras, tenha afirmado que o caipira, de resto um típico brasileirismo, fosse o equivalente nacional do “labrego, aldeão e camponês em Portugal” (1889: 26-27). Em outras palavras, em um passado recente era consensual o fato de que não havia camponês no Brasil, segundo a sua acepção clássica. Curiosamente, porém, as definições atuais não enfatizam esta distinção, limitando-se tão somente à sua definição universal. O Aurélio define camponês como “aquele que habita e/ou trabalha no campo, campino, campônio; campestre” (1999: 383); para o Houaiss camponês é “relativo ou pertencente ao campo, campestre; aquele que vive e/ou trabalha no campo, campônio”, e também “aquele que pertence a um grupo social formado por pequenos fazendeiros e trabalhadores rurais de baixa renda; figurativo pejorativo: indivíduo rústico, rude, campônio” (2009: 380); para o Michaelis, seria algo “próprio do campo; rústico; o que mora ou trabalha no campo” (1998: 408). Como se pode observar, apenas o dicionário Houaiss faz referência aos atributos negativos tão frequentemente associados ao camponês desde o século XVIII. O mesmo dicionário traz ainda uma outra particularidade: o camponês pode ser classificado como pequeno fazendeiro ou trabalhador rural. Chamá-lo, contudo, de pequeno fazendeiro é incorrer em uma contradição, já que fazendeiro é aquele que detém posses e prestígio. Por este ângulo, mais correto seria agricultor familiar.

Cabe frisar que mesmo em Portugal, onde há correspondência entre signo e significante, o uso da categoria não está isento de contradições. É o que transparece na entrevista concedida por Adélia Vilas Boas (2022BOAS, Adélia V. O que é a “Agricultura familiar”? Palavras Cruzadas, episódio 126, 27 jun. 2022. Disponível em: https://www.rtp.pt/play/p8296/e625604/palavras-cruzadas. Acesso em: 20 jul. 2022.
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), integrante da Confederação Nacional da Agricultura - CNA, ao programa Palavras Cruzadas. Confrontada com o fato de que em Portugal a categoria está um “bocadinho em desuso” e que “há muito tempo” não se ouve “falar em camponeses”, constatação que é ratificada por Adélia, ainda assim ela alega que prefere usá-la porque além de ter uma “afinidade com a palavra”, ela é muito utilizada no “contexto internacional” e no “movimento camponês” para “se referir aos agricultores familiares, aos pastores”. A despeito de sua maior representatividade, também aqui a categoria é tomada como uma opção ideológica que relativiza ou ignora o fato de que a sua mobilização não apenas desconsidera o estigma e a crescente racionalização econômica, como parece apontar para uma estratégia que busca convergir na figura do camponês pautas características dos movimentos sociais populares e das novas (e urbanas) ruralidades, segundo o sentido a elas atribuído por Carmo (2009CARMO, Renato M. A construção sociológica do espaço rural: da oposição à apropriação. Sociologias, v. 11, n. 21, p. 252-280, jan./jun. 2009. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-45222009000100011>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) e Veiga (2006VEIGA, José E. Nascimento de outra ruralidade. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 333-353, mai./ago. 2006. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142006000200023>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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).

O campesinato no Brasil contemporâneo - a opção ideológica

Como já foi assinalado, a categoria e sua imagística correspondente surgiram no Brasil por volta de 1950; no entanto, tiveram a sua institucionalização barrada pelo golpe de Estado de 1964. Conforme José de Souza Martins (1981MARTINS, José S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.: 90), ao mesmo tempo em que esta ruptura institucional obstaculizou as lutas camponesas, pavimentou o caminho para a sindicalização: segundo ele, a promulgação do Estatuto do trabalhador Rural, Lei n. 4.214, de 02 de março de 1963, revogado pela Lei n. 5. 889, de 08 junho de 1973 (ainda em vigor), serviu para “esvaziar ainda mais as Ligas Camponesas”, uma vez que representava a “vitória dos que davam prioridade e importância ao trabalhador assalariado rural em relação aos camponeses”. A repressão que se abateu então sobre alguns trabalhadores rurais, para Regina Bruno (1997BRUNO, Regina. Senhores da terra, senhores da guerra: a nova face política das elites agroindustriais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária/UFRRJ, 1997.), foi determinante para a desarticulação do movimento camponês, associado à época ao comunismo e à subversão da ordem, razão pela qual ainda hoje, como argumenta Wanderley (2014______. O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. 25-44, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600002>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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: 30), a categoria camponês “carrega um forte conteúdo político, pois ela é frequentemente associada ao movimento camponês”.

Conforme Francisco Julião (1962JULIÃO, Francisco. Que são as ligas camponesas? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1962.), membro-fundador do movimento, as Ligas Camponesas de fato constituíram um movimento de luta e de contestação que tinham por objetivo combater as desigualdades sociais e o latifúndio improdutivo. Ao contrário da sua congênere teórico-conceitual, aqui a categoria possuía um sentido estrito: diferentemente dos proletários e dos semi-proletários, os primeiros compreendendo os assalariados agrícolas e os últimos os colonos, peões, camaradas e empreiteiros, o campesinato era composto por arrendatários, condiceiros, foreiros parceiros, vaqueiros e sitiantes, portanto, pelo público mais vulnerável do campo, de onde, em condições habituais, “só emerge para ir habitar o mocambo, a favela, a maloca, o prostíbulo, o hospital, o cárcere e, por fim, o cemitério” (1962: 11). Para Octávio Ianni (2009IANNI, Octávio. A utopia camponesa (1986). In.: WELCH, Clifford A et al. (Orgs.). Camponeses brasileiros: leituras e interpretações clássicas. São Paulo: Editora UNESP, 2009. v. 1.: 143-144), porém, o movimento camponês possuiria duas graves deficiências desde sua origem: era demasiado radical e não menos idealista. Como tal, ele “nega a ordem burguesa, as forças do mercado, as tendências predominantes das relações capitalistas de produção. Em geral, a radicalidade desse movimento está em que implica outro arranjo da vida e trabalho”, o que lhe permite ver na comunidade camponesa tanto uma “utopia construída pela invenção do passado” como ou uma “quimera de algo impossível no presente”, ou seja, “uma fantasia alheia às leis e determinações que governam as forças produtivas e as relações de produção no capitalismo”, podendo ser, na melhor das hipóteses, uma “fabulação do futuro”, tal seria o “significado maior do protesto desesperado e trágico do movimento social camponês”.

As reflexões de Moacir Palmeira (1989PALMEIRA, Moacir. Modernização, Estado e questão agrária. Estudos Avançados, v. 3, n. 7, p. 87-108, set./dez. 1989. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40141989000300006>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) acerca da extinção das Ligas Camponesas e da sua subsequente sindicalização permitem compreender melhor como e por que a categoria “camponês” foi excluída do campo político ao longo do regime autoritário civil-militar. Para Palmeira, o Estatuto da Terra representou alguns importantes avanços, a exemplo do reconhecimento político da “questão agrária” e do fato de ter elevado ao nível da existência política a figura do trabalhador rural, já que até aquele momento a agricultura brasileira era tratada como um “todo indivisível”. Foi por esta mesma época que surgiram também as principais categorias jurídico-econômicas - trabalhador rural, produtor rural e empregado rural -, o que teria fomentado o abandono de “identidades tradicionais” e a consequente “dispersão de identidades”. Entretanto, dado que a figura do camponês jamais fez parte da imagística cultural brasileira, as “identidades tradicionais” suplantadas não podiam ser senão a dos caboclos, caipiras, colonos, roceiros etc. Incentivados pela norma legal, os movimentos sindicais substituíram a categoria por outras equivalentes: segundo Moacir Palmeira, pela categoria trabalhador rural, como previsto no Estado da Terra; conforme Leonilde Medeiros (2021MEDEIROS, Leonilde S. 2021. Atores, conflitos e políticas públicas para o campo no Brasil contemporâneo. Caderno CRH, v. 34, p. 1-16, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.43440>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), pela categoria produtores de subsistência; de acordo com Maria Wanderley (2014______. O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. 25-44, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600002>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), pelas categorias pequenos produtores, agricultores de subsistência e produtores de baixa renda, todas com “forte conteúdo depreciativo”.

Diferentemente de alguns movimentos sindicais, as reivindicações dos movimentos sociais populares, sobretudo a principal delas - a reforma agrária -, continuaram vinculadas à figura do camponês, compondo uma imagística que parece estar passando atualmente por um “resgate”, segundo uma interpretação que o associa aos saberes tradicionais, à preservação ambiental, à agroecologia e, como notou Wanderley (2014______. O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, supl. 1, p. 25-44, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600002>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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: 31), “à profunda crítica aos processos da modernização conservadora”. Antigas e novas pautas são colocadas lado a lado. É o que transparece na fala de João Pedro Stédile (2019STÉDILE, João P. Entrevista concedida ao Brasil de Fato Pernambuco, em 24 mai. 2019. Disponível em: https://www.brasildefatope.com.br/2019/05/24/confira-entrevista-de-joao-pedro-stedile-mst-ao-brasil-de-fato-pernambuco. Acesso em: 08 mar. 2022.
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) membro-fundador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Segundo Stédile, “nós não lutamos só por terra. Nós lutamos para que a produção agrícola nas terras seja feita sem veneno”, isto é, “o nosso compromisso é produzir alimentos agroecológicos”. Afora a reforma agrária e a agroecologia, o “terceiro grande objetivo” do movimento, como afirmou Stédile (2020), “é transformar o camponês, que vai ser o beneficiário da terra”, em “um zelador da natureza”. Conforme Stédile (2021), a “luta de classes no campo” estaria “marcada pela disputa de três propostas para a agricultura”: em primeiro lugar, tem-se o “latifúndio improdutivo, o latifúndio atrasado, predador”, cujos membros “destroem a natureza”; em segundo, o agronegócio, caracterizado pelo “capital moderno”, mas “que não produz alimentos”, apenas “commodities para exportação”; por último, o “terceiro modelo é da agricultura familiar, da agricultura camponesa, da reforma agrária, que somos nós”.

Essa tríade - agroecologia, campesinato e reforma agrária - visa sintetizar as principais pautas dos movimentos sociais tendo em vista convergir apoio entre os pequenos agricultores para lutar contra o ultrapassado latifúndio improdutivo e o moderno agronegócio. Para o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores do Rio Grande do Sul - MPA-RS, Plínio Simas (2022SIMAS, Plínio. Entrevista concedida ao autor. Palmeira das Missões, 25 out. 2022.), essas três pautas “têm todo o conteúdo necessário para ter um país com capacidade de produção de alimento para toda a sua população”. A afinidade do MPA com o MST fica visível não apenas pela declaração explícita de que “nós fizemos uma boa articulação com o MST”, mas também pela veemência com que o movimento defende suas pautas, “esse agronegócio sem gente, esse agronegócio usurpador da riqueza, esse a gente combate todo dia”, afirma Simas. Ronaldo Ramos (2022RAMOS, Ronaldo. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.), assessor de política agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, também alega que “esse enfrentamento ao avanço do agronegócio, da agricultura patronal ou industrial propriamente dita, isso de fato tem sido um dos grandes enfrentamentos nosso”, o que é confirmado por Lauri Sieb (2022SIEB, Décio Lauri. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.), também ele assessor de política agrícola da CONTAG, segundo o qual “não dá para tratar todo mundo igual”, com as “mesmas políticas, tem que ter políticas diferenciadas em relação ao agronegócio, aos grandes, e dentro da própria agricultura familiar”.

Evidentemente, essas pautas nem sempre atingem o fim esperado. Por exemplo, para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Agricultores Familiares de Santa Cruz do Sul, Sinimbu, Vale do Sol e Herveiras - STR-SCS, Sérgio Luiz Reis (2022REIS, Sergio L. Entrevista concedida ao autor. Santa Cruz do Sul, 20 out. 2022.), a questão camponesa não é representativa do setor, a começar pelo fato de que “na nossa região não é tão conhecida essa denominação do camponês”. Em sua opinião, o “nosso agricultor aqui objetiva realmente renda para a família. Inclusive eu tenho muito esse conceito, assim, quando vai falar em agricultura camponesa, parece para a gente mais a agricultura de subsistência”, portanto uma agricultura que ocupa um lugar inferior em sua escala de valores, o que fica visível quando afirma que não se pode “desclassificar o agricultor familiar por estar uma classe acima da subsistência”. Reis se refere à crítica, por parte dos movimentos sociais populares, que tende a classificar os agricultores familiares como “agronegocinho”. O “radicalismo, para mim, não é bom em lugar nenhum. Eu vejo muitas vezes os movimentos sociais, na minha opinião, pecando um pouco nisso. Tem a obrigação de ser agroecológico, tem que brigar com o agro”, enquanto que o melhor para todos seria “deixar os radicalismos de lado”. Convém salientar que Reis faz uma distinção clara entre a agricultura familiar e o agronegócio, e inclusive critica a conduta daqueles que “caem nessa tentação” de se identificar com o agronegócio, talvez porque não façam “uma análise mais aprofundada para ver as consequências disso, as condições diferentes em que a gente trabalha”.

Sua opinião, embora possa parecer conservadora aos olhos daqueles que são mais ortodoxos no uso da teoria do campesinato, nada mais é do uma leitura pragmática da realidade objetiva. Nela, transparece não o camponês idealizado e as pautas que lhe estão agregadas, mas a concepção usual do que se imagina ser um camponês: alguém que, ao menos economicamente, encontra-se ainda no estágio da agricultura de subsistência, etapa associada à pobreza e ao atraso. Concepção semelhante pode ser observada junto ao presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Sul - UNICAFES-RS, Gervásio Plucinski (2022PLUCINSKI, Gervásio. Entrevista concedida ao autor. Porto Alegre: 24 out. 2022.). Em sua opinião, há casos em que o pequeno agricultor chega ao ponto de preferir “ser chamado de agro do que de agricultor familiar”, o que refletiria uma “concepção de sociedade” em que o indivíduo “avança um pouco no econômico” e, consequentemente, “quer esquecer um pouco aquele grupo que ele pertenceu ou que estava antes, enfim, quer se enxergar num outro grupo”. Não obstante as diferenças entre aqueles que se sentem satisfeitos como agricultores familiares e aqueles que aspiram a ser membros do agronegócio, ambos negam a identificação com o campesinato.

Isto se explica não apenas pelo estigma original, mas também pela forma como a categoria tem sido mobilizada, isto é, pelo seu viés ideológico e militante. Segundo Plucinski (2022PLUCINSKI, Gervásio. Entrevista concedida ao autor. Porto Alegre: 24 out. 2022.), muitas lideranças da entidade que representa “realmente querem se afastar de pautas político-partidárias”, atitude que contrasta com movimentos sociais, mais afeitos ao Partido dos Trabalhadores - PT. Com relação à reforma agrária, apesar de reconhecer a importância da pauta, defende que, “para muitos dos agricultores familiares, seria mais importante para eles uma política de crédito fundiário”, uma vez que “para o nosso público, que a gente atua”, o “tema da reforma agrária não é um tema que se debata, que se discuta, que tenha alguma ressonância no meio do nosso público”. Quanto à agroecologia, mesmo reconhecendo sua importância, Plucinski alegou ter chamado a atenção de outros membros da UNICAFES para o fato de que este “tema não dialoga com o agricultor”, dado que a agroecologia é hoje menos uma realidade efetiva do que uma “concepção ideal”. Quanto às categorias utilizadas, Plucinski não só afirmou que a UNICAFES opta pelo uso da categoria agricultor familiar, como frisou que atualmente “não tem nenhum debate que pudesse, digamos assim, juntar esse público todo numa denominação campesina”. Sua conclusão é taxativa: “se você casar esses temas num único público”, “vai se ter pouca adesão de pessoas nesta proposta”. Diferentemente do que ocorre com camponês como opção teórica, neste caso o hiato entre signo e significante torna-se um problema de representatividade que pode gerar consequências nada desprezíveis4 4 Para uma reflexão detalhada de como o agronegócio se beneficia desta situação, bem como das divergências entre pequenos e médios agricultores, cf. Severo (2023b). .

O pragmatismo característico de alguns setores representativos dos pequenos e médios agricultores, porque mais atentos, conscientemente ou não, aos impactos da imagística cultural brasileira no dia a dia, é evidenciado também pelo posicionamento de algumas instituições mais fortemente vinculadas aos movimentos sociais, quando não pelos próprios movimentos. Por exemplo, a CONTAG, de acordo com Ronaldo Ramos (2022RAMOS, Ronaldo. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.), reconhece a importância da produção de alimentos saudáveis, pauta que “está cada vez mais em evidência, principalmente nas camadas, digamos assim, mais abastadas da sociedade”, mas nem por isso deixa de destacar que a agroecologia “não é compreendida por todos os setores”, mas tão somente “por quem está no dia a dia no debate”, daí sua substituição pela expressão alimentos saudáveis. Lauri Sieb (2022SIEB, Décio Lauri. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.) igualmente argumenta que a “agroecologia é referência nossa para produção”, e por isso é fomentada pela CONTAG, “mas uma coisa é referência, outra é a vida, a prática, no dia a dia, então não é simples e fácil”. Quanto à reforma agrária, Ramos (2022), afirma que, “lamentavelmente, essa pauta, apesar de continuar sendo uma pauta extremamente importante, ela vem sendo enfraquecida ao longo dos anos”.

Não é preciso ir aos quadros do agronegócio, em cujo léxico praticamente não constam as palavras camponês/campesinato, para encontrar a razão dos contrastes, atritos e insulamentos entre os pequenos agricultores. As declarações de Plínio Simas (2022SIMAS, Plínio. Entrevista concedida ao autor. Palmeira das Missões, 25 out. 2022.), do MPA-RS, permitem compreender melhor as afirmações de Sérgio Reis, do STR-SCS. A fim de destacar seu vínculo com o campesinato, Simas se apresenta como um crítico dos sindicatos que, em sua opinião, insistem em equiparar a agricultura familiar ao que chamou de “agronegocinho”, visando com isso “negar a agricultura camponesa, porque a agricultura camponesa não é só um nome, tinha um conceito, conceito de ser lutadores, de ter feito parte da guerrilha, ter ideologia”, e dialogar com o agronegócio, a exemplo do que aconteceria com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul - FETAG-RS, que “dialoga, troca posição, tem unidade em torno das pautas do agronegócio, do grande agronegócio”, o que o levou a declarar que, “estrategicamente, a gente nunca vai estar junto”.

Mais interessante do que as divergências entre os pequenos agricultores é o fato de que Simas está consciente da limitação das pautas encabeçadas pelo campesinato brasileiro. Como ele mesmo afirma, “a palavra camponês não está no meio dos nossos agricultores”, isto é, “não está no dia a dia do agricultor de modo geral”, o que equivale a afirmar que o seu referente não existe senão quando constantemente fomentado, ao contrário do que ocorre com todas as demais categorias do meio rural brasileiro. Conforme Simas, houve “um grande movimento, uma estratégia de colocar se camponês é perigoso, é revolucionário”, e quais consequências que poderiam advir da sua adoção. O que a sua fala demonstra, porém, é que ao contrário da convergência esperada, o que se tem conseguido com essa identificação como camponês é antes uma maior demarcação de fronteiras entre os pequenos e médios agricultores do que a sua união diante das agriculturas patronal e empresarial. É o que transparece, por exemplo, ao afirmar que “quando a gente fala agricultor familiar, nós botamos camponeses para diferenciar dessa agricultura familiar”, isto é, do “agronegocinho”.

Esta constatação é reforçada pela fala de Carlos Joel Silva (2022SILVA, Carlos Joel. Entrevista concedida ao autor. Porto Alegre, 11 nov. 2022.), presidente da FETAG-RS. Segundo ele, “a gente respeita todos os movimentos que tem no setor”, embora não deixe de salientar que “eles têm um público específico, que é aquele público que já vem dos assentamentos, que são as pessoas, não vou dizer mais pobres, mas com menos condições”, enquanto que os “nossos sindicatos” atendem “toda a agricultura familiar. Aí nós temos uma agricultura familiar desenvolvida”, sem necessariamente ser parte ativa do agronegócio, como o próprio Silva reconhece, a exemplo de Sérgio Reis do STR-SC e de Gervásio Plucinbski, da UNICAFES-RS. É devido a essas diferenças constitutivas - um melhor desempenho econômico e sua consequente aprovação social, afora um ethos que está em sintonia com a imagística cultural brasileira - que, na concepção de Joel Silva, os pequenos agricultores muitas vezes “não se enxergam” como camponeses, posto que “eles têm uma visão de que [agricultura] camponesa é o pessoal dos sem-terra, de invadir a propriedade, de fazer acampamento, eles têm essa ligação”.

Aos seus críticos focados na problemática camponesa, os setores dominantes do campo contrapõem-se com falas como as de Xico Graziano (2018GRAZIANO, Xico. Opinião publicada no portal Poder 360, em 04 jul. 2018. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/o-esquerdismo-verde-e-retrogrado-e-obscurantista-diz-xico-graziano/. Acesso em: 28 jul. 2022.
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), que os chama, provocadoramente, de “esquerdistas verdes” retrógrados, posto que “defendem um modelo de produção agrária tipo o campesinato europeu de meados do século 20” e “imaginam, no Brasil, ser possível alimentar 210 milhões de pessoas com hortas domésticas e lavouras capinadas com enxada, pragas combatidas com calda de fumo, colheitas feitas à mão”, o que faz dessas pautas uma “volta ao passado”. O diretor técnico da Associação Brasileira dos Produtores de Milho - ABRAMILHO, Daniel Rosa (2022ROSA, Daniel Felipe Marra e. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 01 nov. 2022.), corrobora este entendimento. Segundo afirma, o motivo pelo qual os pequenos e médios agricultores preferem se vincular ao agronegócio e não ao campesinato tem a ver com a dialética “subsistência versus o que vou chamar de lucro”, ou seja, “essa visão do campesinato, do pequeno agricultor com a enxada na mão, tomando um sol [risos], isso é subsistência, pobreza, isso não dá... hoje é com tecnologia, a gente não pode mais ficar amarrado nisso de botar a população a trabalhar no sol”, até mesmo porque o “médio produtor ele, como todos, inclusive na cidade”, quer “ter um empreendimento que dê lucro, que dê retorno”, e não apenas subsistir.

Diante destas declarações e do impacto que causam junto à sociedade como um todo, porque contam com a imagística cultural a seu favor, é praticamente nulo o efeito simbólico de uma fala como a de Plínio Simas (2022SIMAS, Plínio. Entrevista concedida ao autor. Palmeira das Missões, 25 out. 2022.), para quem “não somos aquele camponês que achamos que tem que voltar para o cabo da enxada”, mas sim aquele que acredita que “tem que ter tecnologia, mas tecnologia acessível à pequena propriedade”. Sem dúvida, e pelo mesmo motivo, encontra mais eco na sociedade civil, porque conforme às suas convenções, uma declaração algo jocosa como a de Daniel Rosa (2022ROSA, Daniel Felipe Marra e. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 01 nov. 2022.), para quem “campesinato é igual filhote de pombo: dizem que tem, a gente nunca viu”. Como opção ideológica, o campesinato no Brasil contemporâneo padece de um considerável insulamento que o leva a restringir suas pautas a públicos específicos. É o que transparece quando da demarcação de fronteiras entre os agricultores familiares, e também por parte destes ao se afastarem do que imaginam ser o camponês, e, não menos importante, da forma como os setores dominantes o tratam, que oscila entre o descrédito deliberado e o simples desdém.

Considerações finais

De acordo com o assessor de política agrícola da CONTAG, Ronaldo Ramos (2022RAMOS, Ronaldo. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.), tem-se hoje a impressão de que paira sobre os pequenos e médios agricultores uma interpretação, por vezes fomentada por agentes estatais, de que “quem não está no agronegócio, está no atraso”, opinião que é corroborada por Lauri Sieb (2022SIEB, Décio Lauri. Entrevista concedida ao autor. Brasília, 26 out. 2022.), para quem as tentativas de “desqualificar os movimento sociais, os grupos, o MST, o nosso movimento”, resultam de “uma questão de visão de sociedade” favorável aos setores dominantes do campo. Como notaram Regina Bruno (2016______. Desigualdade, agronegócio, agricultura familiar no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 24, n. 1, p. 142-160, abr./set. 2016. Disponível em: <https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/712>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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) e Caio Pompeia (2020POMPEIA, Caio. “Agro é tudo”: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, ano 26, n. 56, p. 195-224, jan./abr. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-71832020000100009>. Acesso em: 18 mai. 2024.
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), é conhecida a estratégia, entre os setores patronais e o agronegócio, que consiste em desqualificar, quando não estigmatizar seus críticos e opositores. Contudo, não se pode esquecer que mesmo entre os pequenos e médios agricultores, a problemática camponesa conta com pouca simpatia, podendo, em certas ocasiões, contribuir à sua revelia senão para aproximá-los do agronegócio, ao menos para distanciá-los dos movimentos sociais populares. Ignorar as causas e consequências das representações sociais acerca do que se imagina ser um camponês pode acarretar uma série de contrariedades, o que é facilmente explicado pela falta de correspondência entre os seus usos acadêmico-ideológicos e a imagística cultural brasileira.

Frente ao exposto, entende-se o porquê de Navarro (2010NAVARRO, Zander. A agricultura familiar no Brasil: entre as políticas e as transformações da vida econômica. In.: GASQUES, José G; VIEIRA FILHO, José E. R; NAVARRO, Zander. (Org.) A agricultura brasileira: desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: IPEA, 2010.: 199) afirmar que “causa alguma perplexidade a perenidade do termo camponês (e seu correlato campesinato) na literatura de cientistas sociais brasileiros”, embora seja “ainda mais inexplicável uma organização política”, como o MST e a Via Campesina, “insistir” em um “termo praticamente inexistente na linguagem dos mais pobres do campo no Brasil”. Entre os usos teóricos e ideológicos da categoria, parece persistir uma interpretação segundo a qual o campesinato constituiria um grupo caracterizado pela resistência aos efeitos negativos do modo de produção capitalista. A partir daí não é difícil imaginar que ele seja potencialmente subversivo. Isto, porém, seria ignorar os princípios básicos do marxismo, haja vista que próprio Marx (2011MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. Tradução de Nélio Schneider. 1° ed. São Paulo: Boitempo, 2011.) reconhecia a existência de camponeses tanto revolucionários como conservadores. Se há alguma justificação para o uso de camponês como opção teórico-conceitual, não se pode dizer o mesmo enquanto opção ideológica, uma vez que não só a categoria é inexistente na linguagem oficial (utilizada pelo Estado em seus campos jurídico e político), como não possui a capacidade política de representar os pequenos e médios agricultores que, de forma geral, não se identificam como camponeses5 5 Para uma análise comparada das categorias jurídico-econômicas que orientam a atuação do Estado entre os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP, cf. Severo (2023a), especialmente cap. IV; sobre a relação Estado/Agronegócio no Brasil e as categorias oficiais, cf. Severo (2024). .

Como opção teórica, o conceito possui ainda a estranha singularidade de constituir um estrangeirismo semântico, situação em que a palavra pertence ao vernáculo, mas falta-lhe um referente histórico concreto (o que não ocorre com as categorias agricultor familiar e produtor rural, que são amplamente difundidas, porque representativas). Sua mobilização para estudar a realidade rural brasileira sugere que Norbert Elias (1997______. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.: 114) tinha razão ao afirmar que “pessoas cujo conhecimento se baseia em livros tendem a obscurecer a diferença entre reflexões de generalidade superior sobre o uso social exposto em livros e o próprio uso social relativamente isento de reflexões ou com reflexões menos elevadas”, ou seja, tendem a acreditar na existência empírica do camponês teórico. É possível que Mário de Andrade tivesse algo semelhante em mente ao escrever ironicamente que, mesmo rodeado de livros ditos “sagrados”, não era capaz de compreender o seringueiro, seu patrício.

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  • 2
    O signo consiste na representação linguística ou semiológica do significante, o que equivale a afirmar que categoria camponês é o signo pelo qual se representa o significante, isto é, o indivíduo que se identifica ou que é identificado como camponês. O referido hiato ocorre quando a identificação entre ambos é precária ou inexistente. Sobre o assunto, cf. Barthes (2001BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. Tradução de Izidoro Blikstein. 14° ed. São Paulo: Cultrix, 2001.), Merleau-Ponty (1991) e Saussure (2012SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José P. Paes e Izidoro Blikstein. 34° ed. São Paulo: Cultrix, 2012.).
  • 3
    A crítica de Guerreiro Ramos não deve ser tomada de forma unilateral, o que equivaleria a ignorar o cabedal de conhecimentos já produzido pela sociologia, mas como um contraponto à aplicação de teorias e conceitos sem a prévia avaliação das condições empíricas e teóricas que asseguram a sua aplicabilidade.
  • 4
    Para uma reflexão detalhada de como o agronegócio se beneficia desta situação, bem como das divergências entre pequenos e médios agricultores, cf. Severo (2023b______. A classe média rural brasileira e o agronegócio: cooptação e hegemonia. Lua Nova, n. 120, p. 123-166, set./dez. 2023b. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-123166/120>. Acesso em: 18 mai. 2024.
    https://doi.org/10.1590/0102-123166/120...
    ).
  • 5
    Para uma análise comparada das categorias jurídico-econômicas que orientam a atuação do Estado entre os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP, cf. Severo (2023aSEVERO, Marconi. O agronegócio brasileiro: hegemonia e projeto de sociedade. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Centro de Ciências Sociais e Humanas - CCSH, Universidade Federal de Santa Maria: Santa Maria, 2023a.), especialmente cap. IV; sobre a relação Estado/Agronegócio no Brasil e as categorias oficiais, cf. Severo (2024).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2023
  • Aceito
    18 Jan 2024
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