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Propriedade privada e reconhecimento recíproco: fundamentos da crítica do capitalismo em Marx e Honneth e algumas consequênciasi 1 Materiais para essa pesquisa foram adquiridos com apoio da Fundação Alexander von Humboldt e do Deutscher Akademischer Austausch Dienst (DAAD). Uma versão prévia deste artigo foi apresentada no IV Simpósio Científico da Associação Serras de Minas, na Universidade Federal de Ouro Preto, em junho de 2022. Agradeço às e aos organizadoras do evento pela discussão, em especial à professora San Romanelli Assumpção e ao professor Denílson Werle pelos comentários ao texto, bem como à(o)s duas(dois) pareceristas anônimos pelos instigantes e precisos comentários ao artigo. .

Private property and reciprocal recognition: foundations of capitalism critique by Marx and Honneth and some consequences

Resumo

O artigo discute os conceitos de propriedade privada e reconhecimento recíproco em trabalhos de Karl Marx e Axel Honneth. Partindo de artigos recentes nos quais Honneth retoma a distinção entre economia e sociologia na obra madura de Marx, procura-se, por meio de uma revisão de literatura e de uma tentativa de interpretação teórica sobre o uso que ambos fazem da ideia de propriedade privada, evidenciar alguns aspectos nos quais a crítica de Honneth aponta para limitações da obra de Marx. Em um segundo momento, pretende-se esboçar uma leitura que aponte para limitações da própria interpretação honnethiana, quando comparada com o modelo de análise adotado por Marx n’O capital. A despeito disso, por fim, o artigo conclui que não se trata de recuperar o trabalho de Marx como tal, mas o modelo subjacente à sua análise do capitalismo de uma economia política do reconhecimento como crítica do modo de produção capitalista.

Palavras-chave:
Karl Marx; Axel Honneth; propriedade privada; reconhecimento recíproco; economia política

Abstract

This paper discusses the concepts of private property and reciprocal recognition in some works by Karl Marx and Axel Honneth. Taking as its point of departure recent articles in which Honneth discusses the underlying distinction between economy and society in Marx’s work, the article intends to discuss both authors’ use of the concept of private property. First, then, it shows how some criticism by Honneth is indeed fair, but then, in a second step, it proceeds to show some limits of Honneth’s analysis, when compared to Marx’s exposition in Capital. Yet, in its conclusion, the article does not try to retrieve a Marxist point of view per se; rather, what matters is the implicit analysis of capitalism through a critique of political economy centered on the concept of recognition.

Keywords:
Karl Marx; Axel Honneth; private property; reciprocal recognition; political economy

INTRODUÇÃO

A peça de teatro A Santa Joana dos Matadouros, de Bertolt Brecht, escrita entre 1929 e 1931, trata de um momento muito específico da história do desenvolvimento capitalista e de suas crises, resultando na tentativa de seu autor de representar as diversas e contraditórias posições envolvidas no conflito social da época. Como explica o tradutor da peça para o português, o crítico literário Roberto Schwarz, em uma apresentação das primeiras cenas da peça,

o assunto é a crise do capitalismo, cujo ciclo de prosperidade, superprodução, desemprego, quebras e nova concentração do capital determina as estações do entretrecho. As personagens são a massa trabalhadora, empregada ou desempregada, os magnatas da indústria da carne, os especuladores, e - disputando as consciências - os comunistas e uma variante do Exército da Salvação (os Boinas Pretas) (Schwarz, 2001SCHWARZ, Roberto. O bate-boca das classes. In: BRECHT, B. A Santa Joana dos Matadouros. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 7-13.: 9).

Inicialmente, uma tenente do grupo dos Boinas Pretas, a personagem central do enredo, Joana Dark, age como uma espécie de mediadora entre os interesses das classes, buscando conciliar a necessidade de emprego assalariado da massa popular e as condições que permitem aos industriais e especuladores oferecem emprego à massa. É nesse papel de mediadora da compra e da venda da força de trabalho que Joana se dirige pela primeira vez aos donos das indústrias da carne e saca o seguinte discurso:

E por que tanta maldade no mundo? Nestas condições não podia mesmo ser diferente. Se o cristão é obrigado a arrancar ao vizinho o pão de que necessita, para não falar na manteiga, e se até para o indispensável o irmão tem de lutar contra o irmão, é natural que os sentimentos nobres desapareçam do peito humano. Mas vamos supor que amar ao próximo não fosse nada mais que servir o freguês. Logo o Novo Testamento fica fácil de entender e é clara a atualidade dele, mesmo em nossos dias. Servir o freguês!

[…] Mas eu lhes pergunto: como podem os pobres ter moral, se eles não têm nada? É isto mesmo, como não será roubo qualquer coisa que eles peguem? Meus senhores, a força moral precisa da força aquisitiva, e basta aumentar a força aquisitiva para aparecer a força moral. Vejam que por força aquisitiva eu entendo uma coisa muito simples e sem mistério, estou pensando em dinheiro, em salário, o que nos traz de volta às questões práticas: se vocês continuarem assim, essa carne vai ficar toda para vocês, porque o pessoal lá fora está sem força aquisitiva (Brecht, 2001BRECHT, Bertolt. A Santa Joana dos Matadouros. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.: 74)

Embora esse trecho do discurso de Joana termine chamando a atenção para a crise de superprodução e os riscos políticos colocados à classe dos capitalistas devido à prática da superexploração, aqui também se deixa entrever um objeto de reflexão muito caro à crítica marxista do capitalismo: a subsunção da moral ao capital por meio da transformação do trabalho humano em mercadoria, objeto de comércio. Porém, nesse trecho do discurso de Joana Dark, a crise do capitalismo se revelava em uma dimensão além daquela teorizada por Karl Marx, já que se tratava de assumir que, após a transformação da força de trabalho em mercadoria, não apenas o trabalho resulta na produção alienada e alienante de bens, mas também se objetifica e quantifica sob a forma de um salário que se faz necessário e desejado pela classe que trabalha - “como não será roubo qualquer coisa que eles peguem?”. Nesse sentido, como notado no discurso de Joana, a troca de trabalho por “força aquisitiva”, isto é, “dinheiro, salário”, recoloca o indivíduo que trabalha no circuito do mercado, reforçando seu compromisso moral com os princípios que regem esse modo de produção. Essa tensa relação entre a justiça dos acordos e a injustiça das condições em que estes acordos são estabelecidos é tratada no primeiro volume d’O capital (Marx, 2013) em pelo menos dois momentos de destaque, inicialmente nos capítulos 4 (“A transformação do dinheiro em capital”) e 5 (“O processo de trabalho e o processo de valorização”) e, mais tarde, no capítulo 24 (“A assim chamada acumulação primitiva”). Esses dois trechos do livro são particularmente relevantes porque, para Marx, é justamente ali que se disputa a apropriação fundamental para a constituição do capitalismo enquanto sistema, isto é, a apropriação do trabalho de outrem. A questão da propriedade privada em Marx, de fato, tem diversas camadas, iniciadas com a crítica da alienação da força produtiva dos seres humanos nos Manuscritos econômico-filosóficos (Marx, 2004), mas seu núcleo se constitui na apropriação privada da força de trabalho e, consequentemente, sua crítica ao capitalismo depende de como as condições para a apropriação do trabalho livre são entendidas, incluídas aqui as pré-condições para a libertação do trabalho de suas formas pré-capitalistas, justamente o efeito da apropriação primitiva.

Todavia, uma certa unilateralidade na concepção marxista de moralidade tem sido objeto de crítica de Axel Honneth nos últimos anos (cf. Honneth, 2018aHONNETH, Axel. “A dinâmica social do desrespeito: para a situação de uma teoria crítica da sociedade”. Política & Sociedade, vol. 17, n. 40, p. 21-42, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p21 (acesso em 23 de maio de 2024)
https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v1...
, 2018b, 2020), resultando em um esforço por parte deste autor que se deixa entender como uma tentativa de corrigir a análise marxista do capitalismo por meio de uma reformulação da interpretação do conceito de mercado. Embora Honneth não discuta a ideia de propriedade diretamente, sob a objeção geral de que, ao descrever a nascente sociedade capitalista como normativamente submetida à lógica do capital, Marx teria perdido de vista um núcleo de conquistas expressas privilegiadamente nos direitos individuais, encontra-se uma ideia de que na obra do sociólogo do século XIX o potencial funcional e normativo dos mercados é ofuscado. Na exposição que se segue, quero tomar essa crítica como objeto de análise para demonstrar que existem consequências diversas, mas ambas frutíferas, a serem tiradas de cada um desses dois modelos de crítica do capitalismo, o de Marx e o de Honneth. Para ambos, o papel do direito à propriedade é central para a descrição do capitalismo, mas, ao mesmo tempo, é o status desse direito no mercado que torna o projeto de aproximação de Honneth e Marx mais difícil. Apesar disso, e sem abrir mão de indicar certos pontos pouco desenvolvidos por Honneth, quero tentar aproximá-los a fim de esboçar as linhas de uma análise do presente sob a ótica de uma economia política do reconhecimento que se afaste das limitações apontadas na teoria de Marx. Para isso, o texto começa com uma consideração sobre a análise feita por Marx a respeito da mercadorização da força de trabalho (I), passa pela crítica de Honneth a Marx (II) e termina com a tentativa de indicar as linhas da tal economia política do reconhecimento (III).

1. Marx: A propriedade da força de trabalho e as regras do mercado

Como é sabido, é no primeiro volume d’O capital que Karl Marx expõe de modo mais aprofundado a conexão entre o assalariamento da força de trabalho e sua comercialização. Trata-se ali, e esse é um dos argumentos a serem desenvolvidos neste artigo, de um processo no qual existem não um, mas dois passos: a compra da força de trabalho disponível, que é a finalização da transformação do trabalho humano em mercadoria, e a alienação prévia entre trabalho e satisfação, que é responsável pela situação de mercado, isto é, a separação entre a realização de atividades laborais e a obtenção imediata de meios de subsistência, sobre a qual Marx afirma não se tratar de “uma relação histórico-natural” (Marx, 2013: 244). Ou seja, o mercado de compra e venda da força de trabalho se diferencia do mercado de outras mercadorias porque se baseia em dois momentos distintos, um prévio ao mercado, onde se formam condições de comércio de uma mercadoria especial e outro interno ao mercado, quando essa mercadoria é tratada como outra qualquer, trocada “sem que tenha ocorrido qualquer violação das leis de troca de mercadorias” (Marx, 2013: 271). Sendo, porém, a busca por essa mercadoria o objetivo da ida do capitalista ao mercado, onde ele sabe que se encontra uma mercadoria cujo valor de uso “não se ama em si mesmo” (Marx, 2013: 263), Marx precisa supor que ali o trabalho estaria disponível para aquisição e, mais importante, que seu valor de uso não seria aplicado pelo próprio possuidor ou possuidora. A respeito do primeiro aspecto, a disposição ao comércio, ele famosamente se refere com a fórmula do trabalhador “livre em dois sentidos: de ser uma pessoa livre, que dispõe de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de, por outro lado, ser alguém que não tem outra mercadoria para vender” (Marx, 2013: 244). Já o segundo ponto, n’O capital e em seus escritos maduros de economia política, Marx trata como a separação de mercadorias em seu valor de uso e seu valor de troca. Apesar de a distinção nesses termos aparecer apenas nos escritos de crítica da economia política, o tema é um adensamento de intuições anteriores.

nicialmente, Marx parece considerar que a pessoa que vende sua força de trabalho a trata como mercadoria simples e, por isso, se encontra na situação de vivenciar a separação entre valor de uso e valor de troca em condições nas quais não é possível fazer qualquer uso da força de trabalho e, por isso, o melhor a fazer e vendê-la, alienar a si mesmo de sua capacidade de produzir algo para si mesma. Tal situação, no entanto, não é natural, mas fruto de um “pecado original” da economia política, a assim chamada acumulação primitiva:

Essa acumulação primitiva desempenha na economia política aproximadamente o mesmo papel do pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e, com isso, o pecado se abateu sobre o gênero humano. Sua origem nos é explicada com uma anedota do passado. Numa época muito remota havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e, sobretudo, parcimoniosa, e, por outro, uma súcia de vadios a dissipar tudo o que tinham e ainda mais. De fato, a legenda do pecado original teológico nos conta como o homem foi condenado a comer seu pão com suor do seu rosto; mas é a história do pecado original econômico que nos revela como pode haver gente que não tem nenhuma necessidade disso. Seja como for. Deu-se, assim, que os primeiros acumularam riquezas e os últimos acabaram sem ter nada para vender, a não ser sua própria pele. E desse pecado original datam a pobreza da grande massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, continua a não possuir nada para vender a não ser a si mesma, e a riqueza dos poucos, que cresce continuamente, embora há muito tenham deixado de trabalhar (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.: 785)

A fábula da propriedade, para Marx, esconde a história real e sua violência com o vocabulário idílico da economia política: direito e trabalho ao invés de conquista e roubo. No capitalismo, porém, esse vocabulário idílico mascara a transformação de dinheiro e mercadorias em capital, para a qual uma pré-condição deve ser cumprida: a “polarização do mercado” em possuidores de dinheiro que buscam “valorizar a quantia de valor de que dispõem por meio da compra da força de trabalho alheia” e trabalhadores livres que vendem sua força de trabalho. Aqui, então, nesta polarização estão o que Marx (2013:786) chama de “condições fundamentais da produção capitalista”, a partir das quais o capitalismo enquanto sistema de valorização se assenta. Mais do que a tese, por assim dizer, oficial, desenvolvida por Marx no capítulo sobre a acumulação primitiva - a de que a separação entre a pessoa que trabalha e as condições de realização do trabalho é o que dá origem ao capitalismo - interessa notar aqui que nessas pré-condições identificadas por ele como uma polarização está em jogo uma concepção de interação entre grupos com interesses opostos dentro de uma mesma esfera. O que posteriormente viriam a ser as classes sociais dentro do mercado capitalista, na fase de expropriação típica da constituição do capitalismo são agentes históricos de um processo de transformação. Se, de fato, como sugere Marx, a economia política encobre a realidade histórica da violência, categorias como classe social e interesse de classe também encobrem o fenômeno histórico da polarização por meio da interação. Em outras palavras, se Marx se esforça para mostrar que as classes sociais do capitalismo não surgem espontaneamente como na fábula do pecado original, ele também indicou, embora de modo indireto, contudo que, antes de se conformarem em classes com interesses opostos, essas pessoas se portavam como agentes com expectativas e projetos2 2 A esse respeito, a referência clássica é Edward P. Thompson. Diretamente sobre esta temática, ver, dele, o ensaio “Algumas observações sobre classe e “falsa consciência”, em Thompson, 2001. . É justamente esse universo de pessoas agindo tanto em relação às suas condições de subsistência quanto em relação às condições de estabelecimento de relações sociais que é reconstruído no capítulo sobre a expropriação, com o intuito de expor o “desenvolvimento que deu origem tanto ao trabalhador assalariado como ao capitalista” (Marx, 2013: 787), mas o argumento subjacente é o de que a transformação de dinheiro em capital se desenvolve como um enredo histórico no qual grupos sociais assumem papéis dramáticos.

Ocorre que a tese da separação entre trabalho e satisfação individualmente determinada já estava colocada no universo conceitual de Marx desde, pelo menos, os Manuscritos Econômico-Filosóficos, redigidos m 18443 3 Sobre a importância dos Manuscritos para o desenvolvimento da obra posterior de Marx, ver Quante, 2009, p. 216-7. . Nos Manuscritos, porém, a relação de alienação é baseada na percepção individual de que o mundo de mercadorias torna o indivíduo tanto menos importante quanto mais relevante se tornam as próprias mercadorias: “O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão” (Marx, 2004: 80). É interessante notar, então, que n’O capital, Marx busca as raízes da situação de mercado fora do mercado, nos violentos processos de cercamento e expropriação que representavam a contraparte aos processos indiretos, mas não menos violentos, de formação de uma classe de sujeitos de direito desprovidos de qualquer outra coisa que não o direito sobre sua propriedade, que nesse caso, graças àquela violência direta da expropriação se limitava à força de trabalho. Enquanto isso, nos Manuscritos, o tema da alienação tem precedência categorial sobre o da mercadorização, pois, embora no cerne do trecho dedicado ao trabalho nesse texto esteja a antropologia da alienação, ali também se encontra indicada a relação social de apropriação privada do trabalho alienado.

Isso porque, após definir que no capitalismo a atividade do trabalho se dá por meio de três “determinações do trabalho estranhado” (Marx, 2004MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo: 2004.: 82-84) - estranhamento da natureza, de si e da espécie humana4 4 Na realidade, o que Marx descreve como fenômenos determinados pelo estranhamento do trabalho são quatro formas de sociabilidade degradadas: separação entre trabalho e produtor do trabalho, incompatibilidade entre intenção e produto, apagamento do vínculo de reciprocidade com outros seres humanos e estranhamento entre humano e humanidade, conforme discutido a seguir. - Marx discute o resultado formal do estranhamento do trabalho. Segundo ele, não se trata apenas, como mencionado, de que o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais produz, mas sim de que o trabalho que se defronta com quem o produz como poder externo pertence a alguém e alguém que só pode ser “outro homem fora do trabalhador” (Marx, 2004: 86, itálicos no original). Todavia, disso não decorre, como visto n’O capital ou mesmo no Manifesto comunista, de que uma classe antagônica se coloca frente ao ser que trabalho abusando das condições em que este se encontra, mas curiosamente, Marx conclui nesse texto de juventude que “todo autoestranhamento do humano de si e da natureza aparece na relação na qual ele dá a si e à natureza a outro humano diferente de si” e, mais ainda, “Portanto, por meio do trabalho estranhado, exteriorizado o trabalhador engendra a relação de um humano estranho ao trabalho e situado fora dele com este trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho engendra a relação do capitalista com o trabalho” (Marx, 2009: 94). Mais do que imediatamente indicar que aqui as classes são resultado da alienação e não do processo histórico de pré-formação do mercado, Marx parece identificar a impossibilidade de que o trabalho seja uma forma de autorrealização no capitalismo devido à apropriação privada.

Com essa distinção analítica entre alienação e processo histórico de pré-formação do mercado não se deve entender que Marx considera que a alienação não é resultado de um desenvolvimento histórico. Não apenas nos próprios Manuscritos econômico-filosóficos o processo de alienação é tratado em sua especificidade capitalista, portanto como resultado do processo de consolidação das classes proprietária e trabalhadora, mas em outros textos da época e até no Manifesto comunista, ainda que com um vocabulário por vezes diferente, Marx entende as duas dimensões como conjuntas - para mencionar apenas um exemplo, em sua “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel -Introdução” (Marx, 2010), um dos fundamentos da crítica de Marx a Hegel é justamente a falta de historicidade das categorias deste último autor. Assim, não se trata de considerar que alienação, conforme descrita nos Manuscritos seria uma categoria a-histórica, mas afirmar que a categoria alienação, que ali possui prioridade categorial frente ao processo de pré-formação do mercado, é utilizada por ele para justificar a impossibilidade de autorrealização humana sob o modo (histórico) de produção capitalista, já que nele se estabelece (historicamente) uma oposição entre interesse humano e interesse privado. Em termos arriscadamente simplificados, se poderia dizer que, na análise da alienação, Marx está preocupado com problema da dominação, do qual o mercado capitalista é uma arena potencializadora, enquanto na apresentação histórica da formação do mercado, através da expropriação e da mercadorização, da força de trabalho ele está preocupado com as condições formativas do exercício da dominação, das quais o mercado capitalista é um resultado. Ambas as problemáticas não são contraditórias, mas indicam, como mencionado, que no segundo caso a apropriação privada é analisada como um processo em curso antes da consolidação do sistema capitalista, ao passo que no primeiro, ela é exposta como uma condição intrínseca ao capitalismo, condição esse que, em sua historicidade, fundamenta a crítica desse modo de produção, aliás.

Nos Manuscritos, esta é uma linha de tensão, dado que aqui poderia ser dito, com algum cuidado, que Marx não compreendia a alienação nos termos da exploração de classe, e sim como uma perda do sentido de apropriação que existiria entre as atividades de uma pessoa e suas finalidades. Assim, no entendimento de Rahel Jaeggi, nos Manuscritos de 1844, alienação pode ser entendida como “um distúrbio na relação que uma pessoa tem - ou deveria ter - consigo mesma e com o mundo (seja este o mundo social ou natural)” (Jaeggi, 2014: 11). No entanto, como notado por Michael Quante, já nesses mesmos Manuscritos é possível antever algumas complicações devido a dois motivos: primeiro, ao contrário de Hegel, Marx não diferencia os termos “Entäußerung” (alienação) e “Entfremdung” (estranhamento); segundo, o conceito de estranhamento era utilizado por Marx de modo não especificamente filosófico, de modo que nele se sobrepunham significados múltiplos e originários de variadas disciplinas (Quante, 2009: 248). O que decorre dessa sobreposição entre a tentativa de descrever a realidade da exploração e a formulação de uma crítica normativa é, para Quante, uma utilização algo vaga e confusa do mecanismo de crítica social por Marx, já que parte dos fenômenos descritos por ele sob o guarda-chuva da alienação/estranhamento são claramente deletérios para a sociabilidade humana, ao passo que outros são somente formas de expressividade5 5 Cabe destacar que na edição brasileira dos Manuscritos econômico-filosóficos, Jesus Ranieiri, o tradutor do texto, defende que os conceitos de alienação e estranhamento “aparecem com conteúdos distintos, e a vinculação entre eles, geralmente sempre presente, não garante que sejam sinônimos” (Ranieri, 2004: 16). Segundo a explicação de Ranieri, enquanto a alienação é um movimento genérico do ser humano, o estranhamento carrega em si as condições do sistema socioeconômico capitalista, resultando em um movimento carregado de negatividade. Não me parece, todavia, que esta diferenciação ocorra deste modo no texto de Marx, pois, como mencionado por Quante, os dois termos têm como função descrever uma posição de desconforto historicamente concreto em conexão com um horizonte (bloqueado) de autorrealização. Por exemplo, em Marx (2009: 84), itálicos do autor: “Esta realização do trabalho aparece, nas condições de economia política, como desrealização do trabalhador, a objetificação como perda do objeto e como servidão frente ao objeto, e a apropriação como estranhamento, como alienação”. É justamente a conexão entre descrição dessa realidade de empobrecimento e perda de controle, por um lado, e distorção do horizonte de autorrealização humana que Marx mobiliza aqui de modo conjunto a fim de apresentar a experiência do trabalho no capitalismo como uma inversão que torna o trabalhador não apenas “mais pobre quanto mais riqueza ele produz” (Marx, 2009: 84), mas também cada vez mais submetido ao poder do capital, isto é, como um ser cada vez mais apequenado frente às suas condições de vida. . Nos Manuscritos, porém, é possível dizer que ambos os sentidos juntos indicam - ainda que, novamente, de modo pouco diferenciado - duas dimensões da pequenez humana no mundo das mercadorias: a primeira e mais diretamente tratada por Marx, remete à perda de valor do ser humano diante da mercadoria que circula como riqueza; a segunda, menos desenvolvida no texto, remete à pequenez do realizador de trabalho frente ao apropriador desse trabalho. Colocadas no contexto da obra de juventude de Marx, essas ideias de pequenez e impotência parecem imediatamente conectadas às reflexões contidas na “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel - Introdução”, texto no qual o autor realiza a descoberta categorial do proletariado como uma classe que sofre a “injustiça por excelência” (Marx, 2010: 156), a perda de sua humanidade. Tomados em conjunto, a “Crítica”, escrita em 1843, e os Manuscritos de 1844 indicam que o resultado do fenômeno contemporâneo - a Marx - da alienação/estranhamento, de fato, se deixava antever antes como uma forma de sofrimento social das classes trabalhadoras. No entanto, a causa desse sofrimento parece decorrer de um complexo de novas relações sociais, cuja organização propicia aos humanos, inicialmente, a percepção da perda de controle sobre os resultados do próprio trabalho, se desdobra na sensação imediata de pequenez ou impotência frente ao mundo e, finalmente, se consolida na constatação de que outro ser humano, “mais poderoso” (2004: 86), se apropria do trabalho desse sujeito apequenado6 6 Assim como Marx mais tarde notava no romance inglês de aventura a difusão de uma figura típica da ordem capitalista, o engenhoso sujeito da produção e do comércio personificado em Robinson Crusoé, para essa fase da crítica da pequenez é notável o valor de espelhamento que possuem as personagens centrais dos romances de Charles Dickens, cujos arcos de formação tendem a se assentar sobre a descoberta de um valor moral soterrado pelas hierarquias sociais. .

Já nessa fase da obra de Marx é possível encontrar um modelo de crítica humanista, baseada na atividade criativa o ser humano e em cujo desenvolvimento se encontra, em última instância a ideia de autogestão das forças produtivas e dos meios de produção. Todavia, as sensações de impotência e pequenez continuarão a fazer parte da condição social do proletariado em seus escritos até seus textos de maturidade. Aqui basta mencionar que no Manifesto comunista o proletariado aparece historicamente como criação da burguesia, enquanto esta desempenha um papel revolucionário a partir de sua própria natureza. Ainda mais explicitamente, n’O capital, com postura “tímida e hesitante”, o vendedor da força de trabalho se dirige à “esfola” (Marx, 2013: 251). Nessa obra madura, porém, a exposição realizada por Marx apresenta a recuperação do valor humano não mais como alguma conexão com a capacidade expressiva ou produtiva, mas com a abolição da propriedade como um todo. Essa generalização do objeto de crítica de Marx está expressa nos dois grandes manifestos programáticos publicados pelo autor: tanto no Manifesto de 1848 (Marx e Engels, 2010) quanto na Crítica do programa de Gotha (Marx, 2012), escrita em 1875 e já sob a tentação de consolidar politicamente os achados d’O capital, Marx estabelece como finalidade de crítica social a implementação de modos de subverter a ordem capitalista de apropriação privada da força de trabalho. No primeiro caso, com a ideia de uma substituição geral do modo de produção por uma livre associação de livres produtores; no segundo, com a ideia de que o direito à satisfação das necessidades individuais é uma bandeira moral que tem precedência sobre a distribuição igualitária da propriedade, ali chamada por ele de “frutos do trabalho”. Em ambos os casos, finalmente, com a generalização do objeto da crítica, o diagnóstico inicial de apequenamento humano frente à propriedade se traduz agora em uma teoria da imposição de práticas sociais mediadas pelas ilusões7 7 Para uma explicação da centralidade da ideia de aparências ilusórias na explicação marxista da realidade, cf. Mills, 1998 projetadas pela propriedade privada, seja sob a forma de fantasmagorias seja sob a forma de contratos livres. O resultado, porém, é que Marx gradualmente amplia o escopo de uma crítica do trabalho humano e da economia política que tenta explicá-lo para uma crítica dos obstáculos impostos à autorrealização humana pela lógica do capital enquanto propriedade privada dos meios de produção; portanto, a centralidade das condições para a apropriação privada devem ser objeto de crítica.

2. Honneth: A moralidade das relações sociais e a crítica do unilateralismo econômico

Segundo Honneth, o modelo de crítica do capitalismo esboçado por Marx nos termos expostos acima possui como grande força exatamente a identificação das linhas fundamentais da mercantilização da sociedade nascente do século 19. Mais especificamente, Honneth afirma que o grande mérito da teoria do capitalismo desenvolvida por Marx é que “em sua análise, ele delineia com impressionante clareza que a diferença do novo modo de produção capitalista frente a todos os antigos e ultrapassados modos de produção consiste em não mais dever assegurar a subsistência de todos os membros da sociedade, mas se ocupar com a permanentemente crescente criação de valor e, assim, com a maximização do ganho econômico” (Honneth, 2018b: 12). O que decorreria dessa análise, de fato, é a constatação de que o capitalismo é uma ordem na qual não apenas humanos são tratados como mercadoria, mas também o capital é a finalidade da sociedade. Observada a partir dessa posição, a crítica do capitalismo formulada por Marx através da conexão entre a teoria da alienação e a organização de um mercado de compra e venda da força de trabalho efetivamente se deixa entender como a descrição de uma sociedade cuja infraestrutura institucional consiste na submissão dos valores humanos à intenção de maximização econômica. Os termos dessa descrição, isso é, os elementos dessa infraestrutura institucional seriam não outros senão alienação, propriedade privada, classes sociais e mercado capitalista, de modo que aqui se lidaria com o estabelecimento de condições sistemáticas para a exploração econômica da ação humana. Justamente a extensão desse modelo de análise, porém, é colocado em questão por Honneth.

As tentativas de reformular o marxismo fazem parte das reflexões do então jovem frankfurtiano Axel Honneth desde o começo da década de 1980, inicialmente em um texto sobre os resquícios de utilitarismo na filosofia marxista da ação (Honneth e Joas, 1986), algo que logo o levaria a desenvolver uma crítica reconstrutiva - na qual seguia os passos de Jürgen Habermas - a respeito da centralidade do trabalho para a teoria da sociedade. Nesse movimento, porém, Honneth se afasta de Marx, e também de Habermas, ao caminhar em direção a uma teoria dos elementos conflitivos da ação social, identificados por ele como as demandas por reconhecimento social que expressavam a tentativa de realizar expectativas normativas por parte dos sujeitos.

esse momento de sua produção teórica, o conceito de reconhecimento, desenvolvido de modo ainda incipiente, é uma resposta ao que Honneth percebia como déficit sociológico da teoria comunicativa habermasiana, na qual as condições de comunicação pareceriam pressupor sujeitos cuja identidade já estaria formada no momento de lutarem pela expressão pública de suas necessidades em um ambiente comunicativo. A intenção de Honneth, por outro lado, é, nas palavras de Patrícia Mattos (2006MATTOS, Patrícia. A sociologia política do reconhecimento. As contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. São Paulo: Annablume, 2006.: 87), “mostrar como os conflitos sociais são essencialmente baseados numa luta por reconhecimento social e que esta luta é o motor das mudanças sociais e, consequentemente, do processo de evolução da sociedade”. Assim, operando uma crítica interna à posição de Habermas, ele postula que a obtenção de reconhecimento se deve à realização de expectativas normativas dos indivíduos quanto à sua personalidade e ao modo como essa pessoa espera ser tratada - ou, pelo contrário, o desrespeito significa a ruptura ou não cumprimento dessas expectativas.8 Para o argumento do presente artigo, importa ressaltar que, ao conceitualizar o campo de conflitos sociais a partir das expectativas normativas, Honneth pretende ampliar o escopo do que seriam os fundamentos do conflito social para além das relações de trabalho, vistas por ele como um aspecto relevante, mas não exclusivo do conflito social. Nesse movimento, sua interlocução com Marx serviu como ponto de partida teórico, mas foi gradualmente deixada em segundo plano.

A relação de Honneth com Marx só seria retomada diretamente décadas depois, em um texto no qual ele se perguntava sobre uma possível trilha moral escondida em O capital (Honneth, 2018a). Seu artigo parte da constatação de que talvez seja exagerado atribuir a Marx uma leitura a respeito das lutas políticas do século 19, segundo a qual os agentes em conflito buscariam interpretar de modo adequado as normas constitucionais modernas introduzidas pela Revolução Francesa; ao mesmo tempo, segue Honneth, é incontestável que “tanto no 18 Brumário quanto no escrito sobre a Comuna de Paris [A luta de classes na França] as partes em conflito são apresentadas como atores coletivos que estão moralmente convencidos da legitimidade de suas ações porque elas podem apelar a normas já implicitamente aceitas dentro da sociedade” (Honneth, 2018a: 672). Embora sua preocupação ali seja a de destrinchar uma lógica moral de ação que ultrapasse o modelo da luta entre classes antagônicas, Honneth o faz inicialmente recorrendo à ideia de que as conclusões apresentadas por Marx em seus estudos sobre a sociedade capitalista são desigualmente convincentes devido ao fato de que na crítica da economia política o modelo adotado é a esquematização das posições de classe, ao passo que nos estudos históricos a incorporação de material empírico e análise histórica é conduzida com mais sutileza, resultando em uma maior abertura a uma “camada de conflituosidade normativa” (idem: 677). Enquanto na leitura oficial, a das posições de classe, o modelo mais bem-acabado é o de classes sociais encarnando posições estruturais, no segundo caso as arenas de interação entre as classes sociais são palco de uma permanente disputa a respeito dos limites de imposição do poder de uma classe sobre a outra ou da resistência de uma classe frente a outra. Este é o caso, por exemplo, das disputas pela duração da jornada de trabalho (cf. Renault, 2013RENAULT, E. “Marxism, politics, and social experience”, In: JAEGGI, R. & LOICK, D. (Orgs.) Deutsche Zeitschrift für Philosophie. Sonderband 34. Karl Marx - Perspektiven der Gesellschaft, 2013, p. 285-296.; para uma exposição teoricamente informada sobre um caso histórico brasileiro, Silva, 1996SILVA, Josué Pereira da. Três discursos, uma sentença. Tempo e trabalho em São Paulo - 1906/1932. São Paulo: Annablume, 1996.) e também das disputas sobre a definição conceitual e categorial do que seja o trabalho decente (novamente, para reconstruções teoricamente informadas, cf. Rosenfield e Pauli, 2012; Rosenfield e Mossi, 2020). O segundo destes modelos teóricos, que pressupõe uma separação conceitual entre mercado e capitalismo, resulta, ao mesmo tempo, em uma ampliação do escopo da análise das sociedades capitalistas, pois passa a considerar como pré-condições para a consolidação do mercado não apenas a pré-história da exploração (a violenta expropriação), mas também as condições normativas que precedem a ordem capitalista (as expectativas e vocabulários morais dos envolvidos no estabelecimento de mercados e contratos). A ideia de que uma teoria crítica da sociedade deva se guiar pelas disputas envolvidas no estabelecimento de limites precisos para a ação mercadológica é o que vai orientar toda a interpretação recente que Honneth faz de Marx.

Em um conjunto de artigos que em alguma medida continua seu livro sobre A ideia do socialismo (2015), Honneth procura tornar mais precisa sua crítica à unilateralidade da análise marxista da economia ao afirmar que, assim como na análise da mercadoria é possível identificar uma dimensão econômica (o valor de troca) e uma dimensão social (o valor uso, permeado de aspectos projetivos e normativos), também em outras categorias da análise do mercado capitalista a observação desse duplo caráter teria sido frutífera. Assim, embora quase todos os fenômenos da esfera econômica sejam assentados sobre “procedimentos culturais e normativos” (Honneth, 2018b: 25), Marx teria restringido sua análise desse processo ao destrinchamento dos mecanismos de maximização da obtenção de ganho. Isso se tornaria tanto mais penoso para sua caracterização sobre a nascente sociedade capitalista devido ao fato de que, para ele, a descrição da atividade humana seria subsumida, como um todo, ao processo de apropriação da natureza descrito como ‘relações de produção’ (Honneth, 2020: 85). Consequentemente, como resultado do desenvolvimento das forças produtivas, Marx observa antes o desenvolvimento de meios de produção capitalistas nos quais se espelha “um entendimento da liberdade meramente assentado sobre o egoísmo privado” (2020: 93), isto é, a organização burguesa das relações de produção. Desse movimento, então, se desdobram dois problemas analíticos, segundo Honneth.

Ainda de acordo com Honneth, por um lado, Marx perderia de vista o conjunto de relações sociais que realizam a liberdade9 9 A concepção do capitalismo como um sistema que amplia liberdades é, evidentemente, bastante problemática e tem sido um dos pontos de maior polêmica na recepção da obra recente de Honneth. Seria impossível, nos limites desse artigo, sequer esboçar um balanço dessa polêmica, que é reconhecida pelo próprio autor (Cf. Honneth, 2015, especialmente a Introdução e o capítulo 2), mas é óbvio que Honneth não desconsidera que a realidade fática do capitalismo comporta uma desproporcionalmente grande dimensão de distorções e falsos desenvolvimentos junto com uma desproporcionalmente pequena dimensão de realização concreta dos potenciais normativos de liberdade. Assim, para além da volumosa bibliografia já canônica (incluindo aqui contribuições decoloniais e feministas) crítica à tese que o capitalismo possui pressupostos morais, existe uma também relevante bibliografia que discute os limites dessa concepção em diálogo mais direto com a tese de Honneth, questionando, entre numerosos outros aspectos, se mercados podem ser considerados esferas de liberdade (Jütten, 2015) ou quais critérios éticos seriam adequados a uma forma de vida capitalista (Jaeggi, 2018). Nesse âmbito, embora em diálogo indireto com Honneth, as reflexões de Nancy Fraser (cf. Fraser e Jaeggi, 2020, especialmente cap. 1 e 2) são particularmente relevantes, na medida em que mobilizam a bibliografia decolonial e feminista mencionada acima a fim de historicizar as condições de possibilidade de formação do capitalismo, ressaltando suas características de gênero, colonialidade e racialização.. em paralelo às ameaças representadas pelo sistema de livre concorrência e maximização dos ganhos individuais; por outro lado, ele não conseguiria conectar adequadamente sua crítica da economia política à ideia mesma de que classes sociais lutam entre si e em determinadas circunstâncias pela realização de seus interesses econômicos. Quanto ao primeiro aspecto, a grande mácula resultante do afunilamento de sua análise é que Marx não tem mais diante dos olhos “o conjunto da infraestrutura da sociedade, com a separação entre o estado público, a economia privada e o direito que, de algum modo, realiza uma mediação entre ambos” (Honneth, 2018b: 8). Já quanto ao segundo aspecto, as lutas de classe deveriam, segundo Honneth, ser observadas tendo em vista o princípio de que “a margem de manobra para a persecução do princípio do lucro varia com as condições institucionais e culturais que vigoram em cada determinado momento” (Honneth, 2020: 98-9). Decisiva para essas reflexões é a ideia de que existem condições institucionais que ampliam ou delimitam a ação econômica e, logo, as condições sob as quais o imperativo da transformação do capital em mais capital podem ser limitadas.

Não por acaso, nos artigos em que defende que as categorias da análise econômica utilizadas por Marx poderiam ser separadas em suas dimensões de comércio e de utilidade, Honneth afirma que, se este procedimento fosse aplicado à categoria da exploração, a consequência de um tal modo de apresentação da crítica do capitalismo seria a constatação de que

faz notável diferença para a experiências das pessoas envolvidas, mas também para a produtividade das empresas se a apropriação do trabalho excedente se dá por meio da ameaça física, se é forçada pelo fingimento de sedutora generosidade patriarcal ou se é formatada pela utilização de um certo grau de co-determinação, em alguma medida cooperativa (Honneth, 2018bHONNETH, Axel. “A dinâmica social do desrespeito: para a situação de uma teoria crítica da sociedade”. Política & Sociedade, vol. 17, n. 40, p. 21-42, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p21 (acesso em 23 de maio de 2024)
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: 25).

No âmbito da sociologia do trabalho e da economia política, tal afirmação já indica que o modelo de crítica do capitalismo seguido por Honneth se apoia na identificação de que as tensões internas ao mercado se situam na dimensão comunicativa que possibilita ou limita a expansão desenfreada da extração de valor e a imposição de imperativos de maximização de ganhos pessoais. Essa posição, cabe notar, é resultado de uma alteração da concepção honnethiana sobre o lugar do reconhecimento na arquitetura de sua teoria. Se, como exposto no início dessa sessão, em seus primeiros escritos, o conceito de reconhecimento ocupava o lugar de uma expectativa normativa, desde o início dos anos 2000, em alguma medida devido a seu debate com Nancy Fraser, mas em maior parte devido à própria mudança de escopo de sua teoria, conforme expressa no longo estudo O direito da liberdade (2011) o autor passou a considerar a ideia de reconhecimento como princípio implícito de organização das relações sociais modernas, isto é, como objeto de uma condição de legitimidade de sociedades modernas. Nesse sentido, o reconhecimento passa a ser objeto de uma “reconstrução normativa” (Honneth, 2011: 23), um procedimento que visa identificar o potencial do reconhecimento implícito nas esferas de interação de sociedades modernas, ao mesmo tempo em que o reconstrói em sua corporificação institucional, que são as formas de exercício da liberdade enquanto autonomia nessas sociedades. Conforme Emil Sobottka (2015SOBOTTKA, Emil. Reconhecimento. Novas abordagens em Teoria Crítica. São Paulo: Annablume, 2015.: 99), nesse estudo Honneth opera “deslocando o foco de sua análise do efeito positivo da luta sobre a formação de autorrelações práticas sadias para a questão da liberdade e de suas expressões institucionais”. Com isso, sua teoria do reconhecimento - agora entendido como um princípio implícito à pretensão de realização da “liberdade social” (Honneth, 2011: 81) - permite que da posição original por meio da qual Honneth pretendia continuar criticamente o modelo teórico de Habermas em vista da crise da sociedade do trabalho e da consolidação de novos modelos de conflito social (Neves e Souza, 2018NEVES, Paulo Sérgio Costa; SOUZA, Luiz Gustavo da Cunha de. Redistribuição ou reconhecimento, 15 anos depois. Política & Sociedade, vol. 17, n. 40, p. 7-20, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p7 (acesso em 23 de maio de 2024)
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; Neves, 2018) ele agora possa, como mostra Thor Veras (Veras, 2020VERAS, Thor. Fisionomia da vida patológica. Crítica ao capitalismo em Axel Honneth. Rio de Janeiro: Ape’Ku, 2020.: 260) “constatar no desenvolvimento das sociedades ocidentais uma série de redes estáveis de práticas sociais nas quais o comportamento exercido nas relações pessoais era reciprocamente previsível”. Com isso, afinal, o deslocamento de perspectiva em sua teoria do reconhecimento torna explícita a tensão com a obra de Marx (cf. Sobottka, 1015: 107-8), uma vez que os agentes do mercado são vistos não mais como representantes de classes, mas como membros de uma comunidade cooperativa - embora, evidentemente, Honneth jamais ignore que esses membros ocupam posições desiguais nessa esfera. É no primeiro artigo aqui tratado, aquele sobre “A moral em O capital”, que a crítica de Honneth a Marx se deixa formular como um modelo explicitamente assentado na interpretação do conteúdo normativo de normas de orientação da ação política.

Ali, Honneth afirma que o afunilamento da visão marxista sobre a luta de classes resulta da vinculação, na crítica da economia política, entre classes sociais e uma “posição fundamental de posse ou despossessão dos meios de produção” (2018a: 674). Justamente isso teria impedido Marx de perceber que ao lutar pela determinação da forma concreta como deveriam ser realizados fenômenos como a liberdade contratual ou a propriedade privada, as classes sociais mobilizariam o “conteúdo semântico de princípios já institucionalizados” (Honneth, 2018a: 674). Como consequência, ele não seria capaz de perceber algo que estava presente em seus textos históricos, a saber,

[a]s frações da classe trabalhadora reclamam, nas palavras de Marx, a “verdade” ou, como nós poderíamos dizer, o excedente de validade normativo da ideia já institucionalmente estabelecida da “propriedade privada” (p. ex.: Marx, 1971, p. 342), quando demandam a transformação da democracia meramente “política” em democracia “social”. Os agrupamentos da burguesia a ela contrapunham uma outra interpretação normativa da mesma instituição da “propriedade privada” ao eventualmente apoiar a representação parlamentar, mas não permitindo que esta fosse válida também para a esfera de produção (Honneth, 2018aHONNETH, Axel. “A dinâmica social do desrespeito: para a situação de uma teoria crítica da sociedade”. Política & Sociedade, vol. 17, n. 40, p. 21-42, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p21 (acesso em 23 de maio de 2024)
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: 672).

A propriedade privada, junto com todos os direitos individuais, aparece aqui como objeto de luta, mas também como projeto normativo. Mais especificamente, como um projeto alternativo à crítica da economia política que a toma coma a causa primordial do capitalismo, dado que, na interpretação proposta por Honneth, a ela se associa uma forma de realização da liberdade, mediada pelos conteúdos normativos de uma época. É por isso que, nesse modelo, a entrada no circuito do mercado não é a mesma coisa que a participação na lógica de ampliação do capital, aliás: com a primeira estão associadas as lutas pela realização de valores normativos de sociabilidade, com a segunda a realização de valores de eficiência.

Todavia, é essa distinção que leva ao último ponto. Seguida a crítica de Honneth a Marx até aqui, concluiu-se que há um ganho analítico em separar os conceitos de capitalismo e mercado. Disso se desdobra que a objeção de fundo às discussões sobre propriedade - e, consequentemente, também sobre trabalho e renda - não pode ser formulada nos termos de uma recusa radical à tese de que há justiça nas instituições do capitalismo. Finalmente, a conclusão deve se fechar com a ideia de que a renda individual decorrente da propriedade e da venda da própria força de trabalho é um termo de disputa, não apenas de dominação. Justamente, porém, onde Marx parece aceitar de modo implícito todo esse movimento, no capítulo 8 d’O capital, aquele sobre a duração da jornada de trabalho, há uma curiosa indicação de que as coisas não são tão simples assim. Ali ele fala sobre o “impulso vital” do capital (Marx, 2013: 307), que é o que está por trás das ambições burguesas. Com essa imagem, no entanto, não está associada meramente uma ideia de que o capital é incontrolável, como, por exemplo, no Manifesto comunista (p. e. Marx e Engels, 2010: 43-45). Antes, trata-se de notar que a classe burguesa carrega projetos normativos para os quais, além da maximização do lucro também desempenham papéis importantes outros aspectos, como a consolidação de leis e a aplicação de formas de organização do trabalho - nesse caso, a aplicação de leis frouxas o bastante para a realização do máximo dispêndio de força de trabalho com a menor resistência (Marx, 2013: 338). Mas, se voltarmos aos termos e aceitarmos a sugestão de Honneth de que “a margem de manobra” dos agentes da economia política e da justiça social variam com condições institucionais e sociais, talvez seja o caso de notar adicionalmente que a produção dessas condições - da infraestrutura social de uma época, para usar seu vocabulário - também é objeto de ação e disputa entre os grupos sociais e se perguntar se ali também as classes sociais não possuem agência.

3. Uma economia política do reconhecimento

Uma característica distintiva do capitalismo, segundo Marx, é que o capitalista sabe o que procurar no mercado. Isso significa que o mercado já contém realizadas suas pré-condições. Para Marx, os proprietários de mercadorias se encontram em um mercado onde têm “de se reconhecer como proprietários privados” (Marx, 2013: 159) que agem como portadores de mercadorias, mas também que, enquanto possuidor de dinheiro “encontre no mercado a força de trabalho como mercadoria” (idem: 243). Nesse sentido, o mercado é onde se realiza sob uma aparência de reciprocidade a relação jurídica historicamente não natural entre dois sujeitos igualmente privados, igualmente proprietários e desigualmente capazes de executar suas vontades. Assim, enquanto Honneth interpreta o surgimento do mercado como resultado de “diferenciações funcionais” que, posteriormente, se deixam penetrar e conduzir pelo desenvolvimento desenfreado de uma das esferas, é possível considerar que a análise histórica da pré-formação do mercado apresentada por Marx n’O capital contém um movimento que ecoa a descrição do papel iminentemente revolucionário da burguesia, isto é, a consolidação de um espaço ampliado de extração do capital, o mercado de compra e venda da força de trabalho, é resultado de agência social. Nesse sentido, utilizando o método honnethiano da reconstrução normativa para criticar o próprio Honneth, a pressão burguesa sobre o processo histórico poderia ser lida como o exercício da capacidade de formar e consolidar um mercado no qual a força de trabalho vira mercadoria não apenas para o burguês que sempre desejou possuí-la, mas também para a classe trabalhadora, que finalmente se vê compelida a agir como vendedora, forçando finalmente os grupos sociais a assumirem seus papéis dramáticos e “se reconhecerem como proprietários privados”, conforme citado acima. Ou seja, o desenvolvimento desenfreado do princípio de maximização do interesse econômico no mercado seria, sim, o reflexo daquele impulso vital do capital realizado dentro das circunstâncias históricas de ascensão das relações sociais capitalistas, mas não porque de alguma forma um modo de produção econômica baseado na transformação do trabalho em mais valor fora projetado pela nascente burguesia enquanto ação histórica; antes, o mercado se consolida historicamente como uma esfera de exploração - e de aparência ilusória de igualdade formal - porque as negociações e disputas políticas entre os grupos sociais possibilitaram o estabelecimento de relações de exploração no mercado. Nesses termos é possível entender porque Marx define que “O que caracteriza a época capitalista é, portanto, que a força de trabalho assume para o próprio trabalhador a forma de uma mercadoria que lhe pertence, razão pela qual seu trabalho assume a forma do trabalho assalariado” (Marx, 2013: 245, nota 41, itálico adicionado). É curioso notar que o vocabulário utilizado por Marx para descrever essas transações no mercado trata as classes sociais não como meros pólos de uma confrontação social, como era o caso no Manifesto, mas como atores de uma peça dramática, como dramatis personae.

Na própria estrutura do livro, no entanto, Marx separa os dois processos históricos que transformam a capacidade produtiva humana - o trabalho - em mercadoria, pois, se a reconstrução da acumulação primitiva se encontra no final do volume, na seção destinada à acumulação do capital, o uso do trabalho como mercadoria é tema de um arco que se estende do capítulo 2 ao capítulo 8 deste mesmo primeiro volume, justamente o arco das figuras dramáticas. Novamente, é notável que a transformação do trabalho em mercadoria ocorre exclusivamente dentro do mercado - e devido à ação dos atores do mercado, as classes sociais e, ainda mais gritante, por meio de uma negociação encenada pelos agentes da sociedade - enquanto que a alienação e a consequente apropriação dos frutos da alienação ou da produção de mais valor ocorre fora do mercado (cf., a esse respeito, Roberts, 2017ROBERTS, William Clare. Marx’s Inferno. The political theory of Capital. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2017., cap. 4, especialmente p. 106-108, onde o autor discute a antecedência da relação de negociação frente a exploração violenta da força de trabalho no mercado). Como bem sabia a Joana Dark de Brecht, no mercado a força moral que impele à manutenção da sociedade é expressa em um contrato justo; como bem sabia o velho Marx, porém, a justiça do mercado é justa porque apaga a injustiça que o cria; finalmente, como bem sabia o jovem Marx, a injustiça que cria o mercado se abate sobre as produtoras e os produtores exatamente porque essas pessoas devem almejar, como discursava Joana, à conquista da força aquisitiva. O ciclo parece se fechar, mas o que Marx não parecia conseguir explicar é como indivíduos, particularmente indivíduos levados a comercializar sua força de trabalho, seriam capazes de se expressar no mercado capitalista se não pela aquisição de força aquisitiva10 10 Cabe aqui uma nova menção a Roberto Schwartz, que, ao republicar seu ensaio sobre A Santa Joana dos Matadouros como nota introdutória à tradução da peça, adicionou o título “O bate- oca das classes”, com o que se explica que, em suas palavras, Aa] linguagem [da peça], agressivamente artificial e heterogênea, força a promiscuidade de estilos verbais com repugnância recíproca” (Schwarz, 1987: 90; cf. também “Apresentação” in Brecht, 2001). Embora irônica, a representação que Marx faz da relação entre patrão e empregado no momento da compra e venda da força de trabalho não deixa de repousar sobre a confluência de interesses, como, por exemplo, aqui: “O possuidor do dinheiro pagou o valor de um dia de força de trabalho; a ele pertence, portanto, o valor de uso dessa força de trabalho durante um dia, isto é, o trabalho de uma jornada. A circunstância na qual a manutenção diária da força de trabalho custa apenas meia jornada de trabalho, embora a força de trabalho possa atuar por uma jornada inteira, e, consequentemente, o valor que ela cria seja o dobro de seu próprio valor diário - tal circunstância é, certamente, uma grande vantagem para o comprador, mas de modo algum uma injustiça para com o vendedor” (Marx, 2013: 270). . Nesse sentido, o ciclo não se fecha de verdade porque ao participar do ciclo do mercado, as pessoas efetivamente almejam o salário que podem obter vendendo a força de trabalho como um direito - historicamente esse direito recebeu várias formas: direito ao salário regular, ao salário justo, direito ao trabalho, direito ao lazer; sempre foi, no entanto, o direito a vender sua força de trabalho.

Para Honneth, isso se deve precisamente ao olhar afunilado de Marx para as relações sociais, a respeito das quais ele perde de vista o fato de que a separação funcional entre economia e Estado, cada qual com suas tensões internas, demandava também a função mediadora do direito às liberdades individuais, dentre as quais a liberdade de propriedade (2018b: 8). Consequentemente, se ele acertadamente sugere que o escopo do conflito social deva ser tratado com cuidado para não transformar toda a sociedade em relações de produção, Honneth poderia ter dado um passo adicional e sugerido também que nas atuais condições da economia política, a luta de classes parece ter se movido para fora do trabalho, e se realiza hoje em âmbitos como como a prática do direito e a definição de políticas sociais pelo Estado. Isso, finalmente, não equivale a repetir a velha fórmula de que o direito é um campo de forças e tampouco a ainda mais antiga ideia de que o Estado age como comitê da classe dominante, embora rica literatura já tenha tirado consequências muito frutíferas dessas constatações (basta pensar Claus Offe (1984, cap. 4) e na ideia de que o Estado possui uma “seletividade estrutural” que favorece a burguesia). O que parece sumamente atual no texto de Brecht, descontada a ironia com que o autor observa a coisa toda, é que no discurso da Joana Dark está colocada uma demanda por justiça como renda em um momento de crise aguda. Autores como Jürgen Habermas e Seyla Benhabib (p. e., Habermas, 2015HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Editora Unesp, 2015., cap. 4; Benhabib, 1986, cap. 4) já mostraram que a melhor maneira de entender Marx é tomar sua caracterização do capitalismo como a de um sistema em crise permanente e, em vista disso, a crise enfrentada pela Joana e pelos trabalhadores sem renda do trabalho se repete sob outras formas. Em um momento em que a financeirização do capital e a organização da economia de plataformas cavalgam o processo de expansão mundial do capital conduzido pelas grandes corporações criando uma visível e, ao mesmo tempo, impalpável rede de desresponsabilizações no mercado, nos deparamos com problemas básicos para a conformação de políticas de seguridade de renda associadas ao trabalho e à venda da força de trabalho. Esses últimos continuam a existir e a gerar capital, mas, por exemplo, quem é o patrão a quem apelamos quando a jornada de trabalho como motorista de aplicativos se torna excessiva? A quem reclamamos a garantia de um tempo de recuperação física e emocional quando somos representantes comerciais autônomas? Para onde se dirige a reclamação de que é necessário um contrato com renda mínima quando somos forçados a entrar no circuito do mercado via esquemas de pirâmide disfarçados de comércio e serviços? Essas são questões básicas e iniciais para uma teoria da justiça que se preocupe com os conceitos de propriedade e renda quando observadas do ponto de uma economia política do neoliberalismo. São também questões que indicam que a ironia brechtiana ganha tons mais sombrios justamente porque a margem de manobra na qual classes sociais agem ainda parece abrir espaço para que a economia seja reorganizada sob a forma de uma cadeia de desresponsabilização, direitos sejam depenados e políticas sociais de distribuição de renda ou de tributação sejam utilizadas em favor da realimentação do poder vigente.

Frente às questões colocadas acima, a ideia, recuperada nos trabalhos recentes de Honneth, do reconhecimento como um princípio implícito das formas da liberdade moderna poderia ser tomada como ponto de partida para uma crítica político-econômica precisamente porque aquelas situações mencionadas, que creio serem identificáveis na paisagem social do capitalismo em seu regime neoliberal, expressam a destruição de vínculos nos quais agentes coletivamente recorrem umas às outras e outros, seja por meio de conflitos, disputas ou formas de competição, seja por meio da reivindicação de direitos, políticas de seguridade ou expressões de solidariedade. Com isso quero dizer, para concluir este artigo, que o que foi apresentado como uma interlocução normativa entre Marx e Honneth a respeito do estatuto conceitual e político da ideia de propriedade não deixa de ter implicações para a compreensão da organização do regime neoliberal do capitalismo, uma vez assumido o pressuposto de que tanto a formação histórica de mercados (e do mercado capitalista de compra e venda da força de trabalho em particular) quanto a entrada de agentes no ciclo do mercado expressam disputas e lutas entre grupos e classes sociais a respeito da forma assumida por essa relação de mercado. Mais do que recusar uma compreensão do capitalismo neoliberal como um projeto político de desmonte da sociedade pregressa , creio que os desdobramentos da economia política do reconhecimento pleiteada no presente artigo fazem jus a e conectam um complexo de problemas referentes às disputas, às práticas de expropriação e às condições de apequenamento humano presentes na conformação histórica de relações de mercado, por um lado, e um complexo de problemas referentes às formas de ação coletivamente orientadas (cooperativas ou competitivas), às práticas de exploração e às condições de desresponsabilização e submissão de um princípio de reciprocidade típico da divisão do trabalho moderna pelo ‘impulso vital’ de maximização individualizada do capital, por outro. Todavia, e essa é a nota positiva com a qual quero terminar, os espaços da economia, dos direitos sociais e das políticas de justiça igualitária são justamente aqueles onde histórica e repetidamente provou-se que a disputa pela realização de critérios de justiça foi mais produtiva do que a negação de sua importância, isto é, espaços onde lutas por reconhecimento e disputas pela conquista de dignidade e segurança têm se provado formas de interação que abrem horizontes de crítica do presente.

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  • VERAS, Thor. Fisionomia da vida patológica. Crítica ao capitalismo em Axel Honneth. Rio de Janeiro: Ape’Ku, 2020.
  • 1
    Materiais para essa pesquisa foram adquiridos com apoio da Fundação Alexander von Humboldt e do Deutscher Akademischer Austausch Dienst (DAAD). Uma versão prévia deste artigo foi apresentada no IV Simpósio Científico da Associação Serras de Minas, na Universidade Federal de Ouro Preto, em junho de 2022. Agradeço às e aos organizadoras do evento pela discussão, em especial à professora San Romanelli Assumpção e ao professor Denílson Werle pelos comentários ao texto, bem como à(o)s duas(dois) pareceristas anônimos pelos instigantes e precisos comentários ao artigo.
  • 2
    A esse respeito, a referência clássica é Edward P. Thompson. Diretamente sobre esta temática, ver, dele, o ensaio “Algumas observações sobre classe e “falsa consciência”, em Thompson, 2001.
  • 3
    Sobre a importância dos Manuscritos para o desenvolvimento da obra posterior de Marx, ver Quante, 2009QUANTE, Michael. Kommentar. In: MARX, K. Ökonomisch-philosophische Manuskripte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009, p. 209-411., p. 216-7.
  • 4
    Na realidade, o que Marx descreve como fenômenos determinados pelo estranhamento do trabalho são quatro formas de sociabilidade degradadas: separação entre trabalho e produtor do trabalho, incompatibilidade entre intenção e produto, apagamento do vínculo de reciprocidade com outros seres humanos e estranhamento entre humano e humanidade, conforme discutido a seguir.
  • 5
    Cabe destacar que na edição brasileira dos Manuscritos econômico-filosóficos, Jesus Ranieiri, o tradutor do texto, defende que os conceitos de alienação e estranhamento “aparecem com conteúdos distintos, e a vinculação entre eles, geralmente sempre presente, não garante que sejam sinônimos” (Ranieri, 2004: 16). Segundo a explicação de Ranieri, enquanto a alienação é um movimento genérico do ser humano, o estranhamento carrega em si as condições do sistema socioeconômico capitalista, resultando em um movimento carregado de negatividade. Não me parece, todavia, que esta diferenciação ocorra deste modo no texto de Marx, pois, como mencionado por Quante, os dois termos têm como função descrever uma posição de desconforto historicamente concreto em conexão com um horizonte (bloqueado) de autorrealização. Por exemplo, em Marx (2009: 84), itálicos do autor: “Esta realização do trabalho aparece, nas condições de economia política, como desrealização do trabalhador, a objetificação como perda do objeto e como servidão frente ao objeto, e a apropriação como estranhamento, como alienação”. É justamente a conexão entre descrição dessa realidade de empobrecimento e perda de controle, por um lado, e distorção do horizonte de autorrealização humana que Marx mobiliza aqui de modo conjunto a fim de apresentar a experiência do trabalho no capitalismo como uma inversão que torna o trabalhador não apenas “mais pobre quanto mais riqueza ele produz” (Marx, 2009: 84), mas também cada vez mais submetido ao poder do capital, isto é, como um ser cada vez mais apequenado frente às suas condições de vida.
  • 6
    Assim como Marx mais tarde notava no romance inglês de aventura a difusão de uma figura típica da ordem capitalista, o engenhoso sujeito da produção e do comércio personificado em Robinson Crusoé, para essa fase da crítica da pequenez é notável o valor de espelhamento que possuem as personagens centrais dos romances de Charles Dickens, cujos arcos de formação tendem a se assentar sobre a descoberta de um valor moral soterrado pelas hierarquias sociais.
  • 7
    Para uma explicação da centralidade da ideia de aparências ilusórias na explicação marxista da realidade, cf. Mills, 1998MILLS, C. W. “Alternative epistemologies”, in: ALCOFF, L. M. (org.), Epistemology. The big questions. Malden/Oxford: Blackwell, 1998.
  • 8
    Cf., para uma exposição sumarizada da posição, Honneth 2018HONNETH, Axel. “A dinâmica social do desrespeito: para a situação de uma teoria crítica da sociedade”. Política & Sociedade, vol. 17, n. 40, p. 21-42, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p21 (acesso em 23 de maio de 2024)
    https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v1...
    c. Adicionalmente, Silva, 2008SILVA, Josué Pereira da. Trabalho, cidadania e reconhecimento. São Paulo: Annablume, 2008., cap. 2, Sobottka, 2015SOBOTTKA, Emil. Reconhecimento. Novas abordagens em Teoria Crítica. São Paulo: Annablume, 2015., cap. 1 e Simmin, 2018, cap. 2.
  • 9
    A concepção do capitalismo como um sistema que amplia liberdades é, evidentemente, bastante problemática e tem sido um dos pontos de maior polêmica na recepção da obra recente de Honneth. Seria impossível, nos limites desse artigo, sequer esboçar um balanço dessa polêmica, que é reconhecida pelo próprio autor (Cf. Honneth, 2015, especialmente a Introdução e o capítulo 2), mas é óbvio que Honneth não desconsidera que a realidade fática do capitalismo comporta uma desproporcionalmente grande dimensão de distorções e falsos desenvolvimentos junto com uma desproporcionalmente pequena dimensão de realização concreta dos potenciais normativos de liberdade. Assim, para além da volumosa bibliografia já canônica (incluindo aqui contribuições decoloniais e feministas) crítica à tese que o capitalismo possui pressupostos morais, existe uma também relevante bibliografia que discute os limites dessa concepção em diálogo mais direto com a tese de Honneth, questionando, entre numerosos outros aspectos, se mercados podem ser considerados esferas de liberdade (Jütten, 2015JÜTTEN, Timo. “Is the market a sphere of social freedom?”. Critical horizons, vol. 16, n. 2, p. 187-203, May 2015. https://doi.org/10.1179/1440991715Z.00000000047 (acesso em 23 de maio de 2024)
    https://doi.org/10.1179/1440991715Z.0000...
    ) ou quais critérios éticos seriam adequados a uma forma de vida capitalista (Jaeggi, 2018JAEGGI, Rahel. Um conceito amplo de economia: economia como prática social e a crítica ao capitalismo. Civitas: Revista de Ciências Sociais, vol. 18, n. 3, p. 503-522, 2018. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018.3.32368 (acesso em 23 de maio de 2024)
    https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018....
    ). Nesse âmbito, embora em diálogo indireto com Honneth, as reflexões de Nancy Fraser (cf. Fraser e Jaeggi, 2020FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate. Uma conversa na Teoria Crítica. São Paulo: Boitempo, 2020., especialmente cap. 1 e 2) são particularmente relevantes, na medida em que mobilizam a bibliografia decolonial e feminista mencionada acima a fim de historicizar as condições de possibilidade de formação do capitalismo, ressaltando suas características de gênero, colonialidade e racialização..
  • 10
    Cabe aqui uma nova menção a Roberto Schwartz, que, ao republicar seu ensaio sobre A Santa Joana dos Matadouros como nota introdutória à tradução da peça, adicionou o título “O bate- oca das classes”, com o que se explica que, em suas palavras, Aa] linguagem [da peça], agressivamente artificial e heterogênea, força a promiscuidade de estilos verbais com repugnância recíproca” (Schwarz, 1987: 90; cf. também “Apresentação” in Brecht, 2001BRECHT, Bertolt. A Santa Joana dos Matadouros. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.). Embora irônica, a representação que Marx faz da relação entre patrão e empregado no momento da compra e venda da força de trabalho não deixa de repousar sobre a confluência de interesses, como, por exemplo, aqui: “O possuidor do dinheiro pagou o valor de um dia de força de trabalho; a ele pertence, portanto, o valor de uso dessa força de trabalho durante um dia, isto é, o trabalho de uma jornada. A circunstância na qual a manutenção diária da força de trabalho custa apenas meia jornada de trabalho, embora a força de trabalho possa atuar por uma jornada inteira, e, consequentemente, o valor que ela cria seja o dobro de seu próprio valor diário - tal circunstância é, certamente, uma grande vantagem para o comprador, mas de modo algum uma injustiça para com o vendedor” (Marx, 2013: 270).
  • 11
    A melhor formulação dessa posição, a meu juízo, é a de Wendy Brown (2015BROWN, Wendy. Undoing the demos. Neoliberalism stealth revolution. New York: Zone books, 2015.), em Undoing the demos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2022
  • Aceito
    17 Jan 2024
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