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Genocídio da juventude negra: notas sob a concepção da sociologia da ação disposicional

Black youth genocide: notes on the conception of the Sociology of dispositional action

Resumo

Reconhecendo a modernidade/colonialismo como um fenômeno que mobilizou o significante racial como pressupostos balizadores para as formas de dominação, este artigo intenta uma compreensão teórica sobre o genocídio da juventude negra à luz da sociologia da ação disposicional, onde se localiza sua originalidade, uma vez que as pesquisas no campo da segurança pública tendem a abordagens inseridas ou espelhadas na teoria da escolha racional e modelos analíticos afeitos ao “economicismo”. A partir de conceitos balizadores, como habitus, campo e capital, propõe-se um modelo analítico que evidencie a organicidade do que chamamos de “capital racial”, um mecanismo analítico disposicional revelador daqueles aspectos fundamentais na conformação da sociedade brasileira, um recurso social que passa a disponibilizar certo quantum de controle nas ações e nas estruturas compartilhadas e que atua como regente da exploração da população negra e do genocídio agenciado pelo Estado. Como projeto em andamento, pretende apontar caminhos para a pesquisa aplicada e teórica, no campo das políticas públicas relativas à segurança, à violência e às desigualdades.

Palavras-chave:
Genocídio da juventude negra; Capital racial; Sociologia disposicional; Estado; Polícia

Abstract

Recognizing modernity/colonialism as a phenomenon that mobilized the racial signifier as one of the guiding assumptions for the domination forms, this article attempts a theoretical understanding the of the black youth genocide in the light of the dispositional sociology action, where its originality lies, since research in the field of public security tends towards approaches based on or mirroring the theory of rational choice and analytical models related to "economism". Based on key concepts such as habitus, field and capital, the aim is to develop an analytical model that highlights the organic nature of what we call "racial capital" operating as a dispositional analytical mechanism that reveals those fundamental aspects in the shaping of Brazilian society, a social resource that makes a certain amount of control available in shared actions and structures, and which acts as the ruler of the black population exploitation and the genocide carried out by the State. As an ongoing project, it aims to point the way to applied and theoretical research in the field of public policies relating to security, violence and inequalities.

Keywords:
Genocide of black youth; Racial capital; Dispositional sociology; State; Police

Introdução

Este artigo pretende apresentar uma reflexão teórico-conceitual que agregue elementos para a compreensão não somente das políticas da raça mas, sobretudo, da perenização do racismo enquanto elemento balizador da estrutura social de sociedades de passado colonial (colonizadas e colonizadoras), para as quais a sociedade e o Estado brasileiro servem como estudo de caso privilegiado. Este elemento vem transigindo o exercício do poder, realizando a dominação e a exploração de poucos grupos sociais específicos sobre muitos outros - classificados como raças inferiores -, revelando o jogo da dissimulação. Ao extrapolar o campo de análise, por meio da sociologia da ação disposicional, ou da sociologia relacional, as discussões que se seguem intentam levantar um diálogo explanativo, uma abordagem sociológica, crítica e elucidativa que aponte possíveis hipóteses sobre a gênese social do fenômeno conhecido como genocídio da juventude negra. Como nos ensina Pierre Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), o “princípio gerador” pode ser a fibra ótica que nos conduza a desvelar os princípios essenciais das distinções que se evidenciam nos comportamentos e nas instituições sociais no ordenamento objetivo do mundo social.

Nessa perspectiva, defendemos que a modernidade/colonialismo - um fenômeno de âmbito global que mobilizou o significante racial e passou a organizar o mundo segundo uma sociogênese e ontogênese dos seres humanos - seja reconhecida como marco histórico fundador das sócio-lógicas que, isocronamente, nas relações intersubjetivas expostas à construção opositora das distinções raciais, contribuíram para a instituição de um “capital racial” - aqui entendido como poder simbólico, o elemento determinante da naturalização das políticas da raça, da estratificação racial/social, das desigualdades raciais, que invariavelmente conduz à operacionalização do genocídio da população negra em simulacro, internalizado como ordinário no cotidiano da vida social - pois, como se pretende mostrar, o capital é um recurso social que se acumula, que converge para disposições estruturalmente vantajosas da rede de interações e, finalmente, que se detém e se pode utilizar em práticas legítimas de controle do Outro. Este capital racial - como dispositivo institucionalizado pelo Estado na contemporaneidade - determina tanto as políticas como as relações socais intrínsecas do controle dos corpos e confere, consequentemente, sob olhares da percepção racializada, uma posição subalterna às pessoas reconhecidas como descendentes das raças (pressuposto di-visão ainda presente) consideradas inferiores na origem deste mundo social.

Tal perspectiva permite o aprofundamento da discussão sobre os homicídios de jovens negras(os) quando ressaltamos o potencial analítico da abordagem disposicional contraposta à perspectiva da teoria da escolha racional1 1 No campo da segurança pública, prescrevem-se análises sobre o suposto comportamento criminoso, perfazendo observações reducionistas do fenômeno e orientando modelos mecanicistas. Identificamos este conjunto de abordagens pelo termo “economicista”, frequentemente utilizado por Bourdieu (criticamente em relação à Elster e Boudon), em contraponto teórico-analítico de sua sociologia da prática. , frequentemente associada à objetividade pressuposta do Estado Democrático de Direito e, por consequência, congruente e contumaz idealizado, quase que de forma automática, em pesquisas do campo da segurança pública (Beato Filho, 1999BEATO FILHO, Cláudio C. Políticas públicas de segurança e a questão policial. São Paulo em Perspectiva, v. 4, n. 13, p. 13-27, 1999.; Resende & Andrade, 2011RESENDE, João Paulo de; ANDRADE, Mônica Viegas. Crime social, castigo social: o efeito da desigualdade de renda sobre as taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros. Estudos Econômicos, v. 41, n. 1, p. 173-195, 2011.; Odon, 2018ODON, Tiago Ivo. Segurança pública e análise econômica do crime: o desenho de uma estratégia para a redução da criminalidade no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 55, n. 218, p. 33-61, 2018.). Questiona-se, desse modo, os discursos que legitimam as ações do Estado sob a retórica da neutralidade e da universalidade. O Estado assume certa relevância nas análises, por considerar que sua gênese seja indissociável de um processo de interdependência dos diversos campos que compõem o espaço social que, por sua vez, acompanha a constituição progressiva do monopólio estatal da violência física e simbólica. Ao estimar a possibilidade de uma convergência entre as estratégias­2 2 Não remonta a um planejamento racional, previamente estruturado, mas a uma orientação que não supõe as formas explícitas de saber e tem seus pressupostos arraigados no habitus e nos interesses da posição social/racial. e dispositivos de controle estatais oficiais, com o código de comportamento que orienta as práticas e relações sociais intersubjetivas, é importante destacar que

[...] a segurança pública constitui, assim, um campo formado por diversas organizações que atuam direta ou indiretamente na busca de soluções para problemas relacionados à manutenção da ordem pública, controle da criminalidade e prevenção de violências. Não se confunde com o Sistema de Justiça Criminal e nem se resume às organizações policiais, por mais que essas tenham papel central no debate público acerca da área (Lima, 2022LIMA, Renato Sérgio. Como funciona a segurança pública no Brasil. In: Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022., p. 473).

O foco de interesse da discussão aqui levantada perpassa as formas elementares das relações intersubjetivas que geram poder, contexto histórico e práticas sociais que, em princípio, sob a concepção da sociologia da ação disposicional, permitem-nos entender como se criaram as condições de existência de um poder simbólico, onde prepondera o significante racial, que se beneficia da convertibilidade em capital racial em recurso de prestígio social, capaz de organizar as sociedades ditas democráticas e operar a manutenção de dispositivos e políticas de caráter genocida e etnocida. Ao revelar como a sociedade brasileira constituiu histórica e politicamente um capital racial, a mobilização do significante racial no âmbito do Estado deverá mostrar, com mais nitidez na atuação das polícias, como se configura o instrumento de imposição da força, frequentemente letal, desproporcionalmente estimulada em abordagens contra corpos negros e incursões em territórios de maioria negra - a polícia como instituição de Estado, inserida na interseção dos campos do espaço social de maneira singular.

O termo genocídio (Power, 2004POWER, Samantha. Genocídio: a retórica americana em questão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.) foi introduzido, no cenário político brasileiro, pelo Movimento Negro Unificado (MNU), como reivindicação de reconhecimento de que, desde “o período colonial até os dias que correm, as populações negras e mulatas têm sofrido um genocídio” (Fernandes, 2016FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectivas, 2016., p. 18), um fenômeno histórico-social-político. O MNU é responsável por apontar que “as políticas universais não conseguem contemplar a raça da maneira como esta necessita” (Gomes, 2017______. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017., p. 113). Ao tensionar as mais diversas áreas do conhecimento, reordenando a agenda científica no Brasil, o MNU havia compreendido a tese de que “a produção das representações do mundo social, que é uma dimensão fundamental da luta política, é quase um monopólio dos intelectuais” (Bourdieu, 2003______. Questões de sociologia. Lisboa: Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003., p. 66). O conceito ganhou força com o ato público realizado pelo MNU, em 1978, diante do assassinato de mais um homem negro, sob tortura, em uma delegacia em Guaianazes, SP, e do fato de os atletas negros do voleibol do Clube de Regatas Tietê serem impedidos de usar a piscina (Gonzalez & Hasenbalg, 1982GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.). No mesmo ano em que foi publicada a obra seminal de Abdias do Nascimento (1978), onde o autor descortina as faces e os dispositivos “ocultos” de efetivação do genocídio da população negra, desde a educação formal, as políticas de embranquecimento, o extermínio físico, entre outros, chamando atenção tanto para ação quanto para omissão do Estado, o termo passou a ser adotado oficialmente no relatório final da CPI do assassinato de jovens negras(os), concluído em 2016 (Farias, 2016FARIAS, Lindbergh (relator). Relatório Final CPI - assassinato de jovens. Brasília: Senado Federal, 2016.). Assente-se, assim, a importância do Movimento Negro

[...] educador, um ator coletivo e político que reeduca e emancipa a sociedade, a si próprio e ao Estado, produzindo novos conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais e o racismo no Brasil, em conexão com a diáspora africana (Gomes, 2020GOMES, Nilma Lino. A força educativa e emancipatória do Movimento Negro em tempos de fragilidade democrática. Revista Teias, v. 1, n. 62, 2020., p. 364).

Uma das dimensões objetivas (empíricas) do genocídio na contemporaneidade pode ser constatada nos vários anuários da segurança pública, atlas da violência e instrumentos que mensuram tal realidade, desde 1998. A maior parte dessas(es) jovens foram vítimas da violência policial, ou seja, do Estado. A juventude negra, em regra, está sobrerrepresentada em todas as edições, chegando a 84% de jovens negras(os), em 2022, em relação às(aos) 14% de jovens brancas(os). A tese objetivista contida em tais cifras foi contundentemente contestada por Jair Costa-Junior (2023).

Quando o MNU instiga a problemática do genocídio como categoria analítica respaldada pela prática nativa, nos campos intelectual, político e social, aponta a necessidade de discussão, sob a perspectiva de um mecanismo ocultado e dissimulado por tanto tempo, denunciando-o e constringindo sistematicamente uma lógica de dominação institucionalizada. Acreditamos que este trabalho tem a função de revelar este ocultamento, de promover o debate crítico no campo acadêmico e contribuir para uma avaliação criteriosa da singularidade dos mecanismos estruturantes da luta classificatória nas sociedades colonizadas e racializadas, nas quais o capital racial se estabelece como elemento significante fundamental para a reprodução das disposições e dos recursos do campo de interação social. Por fim, como primeira exploração desta inovação teórico-conceitual no campo dos estudos sobre segurança pública e violência, apresentamos a seguir uma problematização mais crítica e reflexiva do que efetivamente uma análise comparada entre casos empíricos da globalização moderna e a colonialidade.

Esperamos que este trabalho estabeleça bases sólidas para aplicações futuras aos casos empíricos que esperam por aportes e necessitam de referências analíticas mais adequadas.

Sociologia da ação disposicional ou sociologia relacional

A sociologia da ação disposicional ou sociologia relacional tem Bourdieu como um de seus principais precursores e expoentes. Foi formulada tendo como base uma veemente crítica à teoria da escolha racional, ao mesmo tempo que se aproximou ou complementou outras teorias, como o interacionismo simbólico, a etnometodologia e a fenomenologia. O olhar desconfiado possibilitou um significativo movimento de reflexão e reformulação de noções e conceitos referenciados pelo individualismo metodológico (de inspiração weberiana), de forma a desvencilhá-los da camisa de força do objetivismo materialista e reducionista dos mecanismos da ação social sobre bases exclusivamente atomizadas em indivíduos racionais - o que levou às análises convencionadas do chamado economicismo (ver, especialmente, Elster, 1994ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.).

Ao desfocar das reiteradas oposições, a partir de uma rigorosa e metódica contestação da partogênese teórica típica da tradição escolar ou da visão escolástica do pensamento, centrou seus esforços analíticos em perceber onde fosse possível conciliá-las ou combiná-las, o que o conduziu a uma quase “natural” superação das dicotomias teóricas e das tradições canônicas para aquele momento histórico. O materialismo, por exemplo, tem uma propensão particular em cair no economicismo que endossa a tendência espontânea da luta pelas classificações, consistindo em reduzir o Outro à sua verdade objetiva. A contrapelo, Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 229) focou em “fazer uma teoria materialista do simbólico que tradicionalmente se opõe ao material”. Crítica ampliada por Lélia Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Lélia Gonzalez: primavera para as rosas negras. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.), que percebeu que, no marxismo, a categoria “raça” é convertida em temática economicista e, por consequência, em instrumento de dominação. Enquanto Carlos Antonio Costa Ribeiro (2006RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. Classe, raça e mobilidade social no Brasil. Revista de Ciências Sociais, v. 4, n. 49, p. 833-873, 2006., p. 854) concluiu que, “as chances de mobilidade ascendente de pessoas com origens nas classes mais baixas são inteiramente determinadas pela origem de classe e a cor da pele não tem relevância”, Elaine Meire Vilela e Cláudia Noronha (2021VILELA, Elaine Meire NORONHA, Cláudia L. Ayer de. Análise da mobilidade social intergeracional entre brancos, pretos e pardos na região metropolitana de Belo Horizonte. Congresso Brasileiro de Sociologia, “Sociedade, Estado e natureza”. Belém, PA, 2021.) atestaram o contrário, deixando nítido, no diferencial entre as abordagens, que “o conhecimento estatístico é um ‘meio’ e não um ‘fim em si’, posto que está a ‘serviço’ da necessidade interpretativa” (Souza, 2013SOUZA, Jessé. Em defesa da sociologia: o economicismo e a invisibilidade das classes sociais. Revista Brasileira de Sociologia, v. 1, n. 1, 2013., p. 148). Ao preterir os “marcadores classificatórios” raciais por questões analíticas essencializadas, redutoras, Ribeiro (2006) contribui para o reforço de um imaginário e a

[...] manutenção do mito da democracia racial [...] bem como para consolidar estratégias sócio-políticas que legitimam o controle social, o confinamento (territorial ou carcerário) e a continuidade das estratégias de genocídio da população negra (Costa-Junior, 2023, p. 76-77).

Reside neste ponto a convocação de maior relevância para uma análise teórico-interpretativa do fenômeno brasileiro, sob a concepção da sociologia da ação disposicional, lançando mão de uma abordagem convergente com a perspectiva crítico-assimilativa, nos moldes propostos por Alberto Guerreiro Ramos (1996), manejando “sociologicamente o conhecimento sociológico” na análise dos fatores infraestruturais que constituíram a sociedade brasileira. Destarte, ocorre um aprofundamento - mediado pelo “pensamento genético” (contextualização histórica, social e política) - do fato de que a dominação em sociedades colonizadas, como a brasileira, tem como mecanismo imperativo a força simbólica da raça como significante primordial e produtor de distinções e de exploração. Entende-se, assim, que a luta classificatória tem como ponto essencial de representação a raça, convertendo-se, consequentemente, em capital econômico na consagração e na naturalização da hierarquia produzida. Nesta perspectiva, a “proposta de redução sociológica [se insere] como uma atitude crítico-assimilativa e uma preocupação metodológica, consideradas fundamentais para assegurar o fazer-sociológico em contextos periféricos” (Amaral de Oliveira & Alves, 2023, p. 258). Vale salientar, que “as tradições materialistas empobrecidas que não abrem espaço para o simbólico custam a explicar essa espécie de obediência generalizada sem apelar para a coerção e, por outro lado, não conseguem compreender o fenômeno da acumulação inicial” (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 229).

Para Bourdieu,

as relações de força são relações de comunicação, isto é, que não há antagonismo entre uma visão fisicalista e uma visão semiológica ou simbólica do mundo social [...] as reações de força mais brutais - é o que diz Hume - são ao mesmo tempo relações simbólicas (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 225).

Esta é a origem do pensamento que concebeu os conceitos de poder simbólico, capital simbólico e violência simbólica, constituindo-se como elementos teóricos que permitiram a superação das oposições entre as diferentes tradições, mostrando a necessidade da conciliação para pensar o universo simbólico que se configura e se aparelha nas relações e pelas relações. Nesta perspectiva, as interações são compreendidas como o elemento mais relevante e capaz de desvelar coisas e por onde as estruturas se revelam (Bourdieu, 2003______. Questões de sociologia. Lisboa: Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003.).

A consistência da sociologia da ação disposicional se coaduna nos conceitos de habitus, campo, capital - e prioriza a relação de mão dupla - uma cumplicidade infraconsciente e infraliguística existente entre as estruturas objetivas (dos campos sociais) e as estruturas incorporadas (do habitus nas/os agentes) - como princípio de ajustamento. Utilizam-se de teses e pressupostos que não são evidenciados ou tornados conscientes no desenrolar das ações. Destarte, a teoria do habitus “visa fundar uma possibilidade de uma ciência das práticas escapando à alternativa do finalismo e do mecanicismo” (Bourdieu, 2003______. Questões de sociologia. Lisboa: Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003., p. 125).

Trabalhos como os de Heli José Gonçalves (2012GONÇALVES, Heli José. Controle social e violência: uma análise da Polícia Militar de Minas Gerais. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social (PPGDS) Universidade Estadual de Montes Claros, 2012.) ou de Alba Zaluar e Maria Cristina Leal (2001ZALUAR, Alba; LEAL, Maria Cristina. Violência extra e intramuros. Revista Brasileira de Sociologia, v. 16, n. 45, 2001.) utilizam o conceito de habitus de modo aparentemente inadequado ou pelo menos parcial. Enquanto o primeiro entende tal conceito como treino específico e pontual em um campo, as autoras o distanciam da categoria raça, deixando de apontá-la como signo relevante na constituição da sociedade brasileira e vetor de disseminação da violência simbólica e objetiva. Deste modo, promove a exclusão do plano explanativo de uma categoria determinante e constitutiva do comportamento social brasileiro, parte do processo de reprodução social das assimetrias que ocultam raça no mecanismo sócio-histórico da dominação em sociedades colonizadas e geradora de “práticas distintas e distintivas [que] estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que distinto e o que é vulgar etc.” (Bourdieu, 1996______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996., p. 22).

Vale acrescentar que a noção de habitus remete à habitualidade, ao costumeiro, como elemento agregador das experiências cotidianas e integrais dos indivíduos e das coletividades, gerador de segurança - diríamos, ontológica - para atuar em determinadas situações recorrentes. Requisita uma reflexão histórica e contextual que ilustra as trajetórias projetadas e percorridas dos atores sociais imbricados no campo (ações que se inscrevem num microcosmo) e refletem, de maneira transversal e interdependente, as formas mais estáveis das disposições no espaço social (revelando as inscrições dos significados e sua marcação legítima num macrocosmo das relações de poder). A ausência de tratamento ou de consideração da categoria raça em pesquisas sobre a sociedade brasileira desvela a tendência à visão fisicalista do “antirracialismo de Estado” (Bernardino-Costa, Santos & Silvério, 2009), definindo que, apesar de a raça no Brasil remontar a uma alegoria estética, portanto física e corporalizada, incidindo sobre a cor da pele e sobre os traços fenotípicos (Costa-Junior, 2018), desconsidera-se que o “racismo constitui-se em um sistema de dominação e opressão estrutural pautado numa racionalidade que hierarquiza grupos e povos baseado na crença da superioridade e inferioridade racial” (Gomes, 2017______. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017., p. 98), tal como engrenagens de um dispositivo de racialidade/biopoder de definição da vida e da morte (Carneiro, 2005CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser no fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, USP, São Paulo, 2005.).

O habitus é um princípio cognitivo e incorporado de construção e de configuração de uma estrutura mental que guarnece a percepção, o senso de classificação e de distinção, a partir da codificação dos sistemas simbólicos, uma vez que, “tendo sido inculcado em todas as mentes socializadas de uma certa maneira, é ao mesmo tempo individual e coletivo; uma lei tácita (nomos) da percepção da prática que fundamenta o consenso sobre o mundo social” (Bourdieu, 1996______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996., p. 127). São esquemas classificatórios e representacionais, disposições3 3 Também pode ser percebido como exposição, princípio elementar da lógica da incorporação de práticas e dos sentidos das linguagens compartilhadas, a partir da exposição ao mundo social, por meio dos processos de socialização. incorporadas pelos indivíduos. O corpo socializado (com certo habitus) é uma das formas de existência da sociedade projetada na materialidade das formas de interação social cotidiana.

A escolha racional, por conseguinte, implica uma leitura da realidade social que enxerga as(os) agentes sociais providas(os) de uma autonomia necessária e autossuficiente, desconsiderando a primazia de quaisquer ordens de condicionamento agindo sobre ou influenciando as suas escolhas e ações; “segundo a hipótese antropológica: [...] acredita-se que o princípio da ação é a compreensão clara do interesse buscado por meio de um cálculo racional” (Bourdieu, 1996______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996., p. 142). A racionalidade é a chave analítica desmembrada por Max Weber (1979WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.) para explicar compreensivamente o sentido da conduta humana na formação do capitalismo moderno, por vieses segmentados em relação a fins e valores. É compreendida também como simplificação da natureza humana, definida como a busca desimpedida de ganho por parte dos atores, sejam eles individuais ou coletivos (Portes, 2010PORTES, Alejandro. Economic sociology: a systematic inquiry. New Jersei: Princeton University Press, 2010.), embora nenhuma ação possa ser considerada de um todo racional.

Além de atribuir às(aos) agentes uma condição supra-humana de se eximirem das influências dos processos de socialização e da imprevisibilidade de qualquer cálculo que envolva as relações, reduz o mundo e a ação humana à dimensão econômica, na qual todo universo e toda sorte de perspectiva se resumem exclusivamente à tomada de decisão utilitária por agentes atomizadas(os), o que realça uma atitude ingênua, na ausência de um termo mais adequado, uma vez que

negar a existência das disposições adquiridas é [...] negar a existência da aprendizagem como transformação seletiva e duradoura do corpo, que se opera por reforço ou enfraquecimento das conexões sinápticas (Bourdieu, 1998______. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Betrand, 1998., p. 120).

Entende Bourdieu (1996______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996., 2003) que as(os) adeptas(os) da visão economicista são, em uma acepção sociológica, engenheiras(os) sociais comprometidas(os) com interesses particulares de visibilidade, por conseguinte, acabam reproduzindo a ordem hegemônica estabelecida, mobilizando uma linguagem de aparelho, onde o slogan e o anátema se inserem como formas de terrorismo - enfim, um processo que vai contra a consolidação da(o) intelectual pública(o). Aponta-nos Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Lélia Gonzalez: primavera para as rosas negras. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.), que a sociologia acadêmica tem se posicionado no sentido de justificar as desigualdades vivenciadas pela população negra no Brasil. Segundo Bourdieu (2003), a sociologia cumpre a função de armar-nos do conhecimento para transformar a dominação, uma vez que ele considera a sociologia, bem como sua teoria, “uma espécie de manual de ginástica intelectual, um guia prático que é preciso aplicar a uma prática [...] um dos instrumentos de libertação mais poderosos com que contamos” (Bourdieu, 1996, p. 8).

O conceito de habitus é, por sua porosidade ao contexto histórico, o vetor das reflexões que nos permite meditar sobre as condições para a aquisição dos sentidos do mundo social e os fundamentos dos princípios de classificação e de distinção, consequentemente, da constituição da gama de capital simbólico existente em uma sociedade e revela, em um mesmo golpe, as antinomias da dominação simbólica. Por excelência de um conceito que recobre

um sistema de formas e categorias universais, mas um sistema de esquemas incorporados que, construídos no decorrer de uma história coletiva, são adquiridos no decorrer de uma história individual e funcionam no estado prático e para a prática (Bourdieu, 2007______. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo; Porto Alegre: Editora USP; Zouk, 2007., p. 435).

Habita nossos esquemas mentais um mundo de concepções qualitativas que empregam valores (morais) aos julgamentos e distinções que estão sempre implícitos em nossos atos e dão significados às nossas condutas e às avaliações sobre o mundo e sobre o outro.

O mundo do sentido comum de que falam os fenomenologistas é um mundo sobre o qual as pessoas se põem de acordo sem sabê-lo, fora de qualquer contrato, sem sequer saber que afirmaram o que quer que seja sobre esse mundo (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 230),

o que torna a linguagem compartilhada inteligível a todas(os), nos mais diversos sentidos e formas de expressão, desde as(os) mais corriqueiras(os) às(aos) mais complexas(os), transmutando o habitus no ente “acomodador”, o véu ofuscante dos efeitos das construções sociais distintivas, a serviço da operacionalização do capital simbólico, da violência simbólica que recobre tal capital e do poder simbólico revestido em tais categoriais e convertido em costume, naturalizado e desconsiderado em sua dimensão de poder e instrumentalização da opressão.

Esboços para uma análise genética

A abordagem pautada no “pensamento genético”, como parte dos métodos da sociologia da ação disposicional, abre-nos um profuso panorama, tanto de caráter teórico como metodológico, para esboçar um delineamento explicativo das possíveis razões da persistência de práticas análogas àquelas consumadas nas relações interpessoais e institucionais na sociedade colonial na contemporaneidade, sendo a arma mais poderosa contra o pensamento de Estado, pois: “não se pode fazer sociologia de um fenômeno contemporâneo sem fazer uma história genética e uma sociologia genética desse fenômeno” (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 132). Assim, a pesquisa histórica, intermediada pelo pensamento genético, auxilia-nos a perceber que ocorreram discussões de suma relevância para a atualidade, remetentes à implementação das instituições. Ambos - a pesquisa histórica e o pensamento genético - são compreendidos como instrumentos capazes de abalar o senso de naturalização e as concepções naturalizadas sobre a ordem social vigente, ao buscarmos o sentido sob o qual se sustentam as relações e o mundo social.

Posto que o Estado é situado como dispositivo aglutinador de um metapoder que se insere como artefato histórico do qual a própria história se incumbiu de legitimar a sua própria alienação, fazendo-se existir como algo óbvio, evidente, nas coisas e nas mentes (sob a forma de disposições), forçando seu desaparecimento

por efeito da imposição simbólica que tende a pô-lo ao abrigo do questionamento científico [...] é justamente a naturalização, sob a forma de doxa, de pressupostos mais ou menos arbitrários que estiveram na própria origem do Estado (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 165-166).

A história, em seu caráter perene e curso contínuo, como entidade de atravessamento do tempo e dos fenômenos, converte-se no próprio instrumento de esquecimento e naturalização da ordem social.

Denise Ferreira Silva (2022SILVA, Denise Ferreira. Homo modernus: para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobgô, 2022.) delineia que seja imprescindível alcançarmos os meios para delimitarmos os efeitos de significação que permitiram ao racial, ao cultural e à nação instituírem os sujeitos modernos, onde o “homem negro e o homem branco emergem como significantes de uma diferença irredutível” (Silva, 2022, p. 95), a partir da elaboração de narrativas que irão incidir sobre a sociogênese e a ontogênese das identidades de maneira visceral. Em convergência com o pensamento genético, Silva (2022) incita-nos a mapear os contextos históricos que pavimentaram os caminhos para a instituição do racial, no imaginário social, como realidade autoevidente e irrecusável, abdicando às formulações teoricamente espúrias sobre o racial. Para Aparecida Sueli Carneiro (2005CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser no fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, USP, São Paulo, 2005.), a racialidade veio se constituindo no contexto de implementação da modernidade ocidental, servindo à articulação de um campo ontológico, um campo epistemológico e um campo de poder, na conformação de uma engrenagem que agrega saberes, poderes e modos de subjetivação que instituem um dispositivo de poder.

Lançar luzes nas partes nebulosas dos processos compartilhados e assimetrias que a história, narrada de pontos de vista cultural e epistêmico específicos, mascarou e concebê-las como base de reflexão relevante para pensar a configuração antecedente das dinâmicas sociais e do modo como elas influem nas relações contemporâneas não incorre em um exercício arqueológico, mas em analisar as práticas e estratégias que conferiram a significação atual a determinados atributos sociais. Alberto Guerreiro Ramos (1995, p. 45) observou que a “descoberta da historicidade do pensamento é o que veio possibilitar o refinamento científico das ciências sociais, inclusive da sociologia”. Neste sentido, resulta em buscar compreender os motivos pelos quais compreendemos e como compreendemos, enquanto indivíduos e sociedade, por se tratar de processos de trajetória longínqua onde “a escrita da mente como efeito de um determinante exterior” (Silva, 2022SILVA, Denise Ferreira. Homo modernus: para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobgô, 2022., p. 97) definiu uma hierarquia entre os níveis de humanidade percebidos entre as pessoas, tomando como referência a classificação racial.

Assevera Ângela Davis (2018DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2018.) que a consolidação de ideologias que sustentam a violência de Estado não é discutida com seriedade, considerando que seu fundamento se assenta no colonialismo e na escravidão, sendo estes temas ou fenômenos marginalizados e ignorados em relevância analítica nas ciências sociais e humanas de base hegemônica, especialmente, na sociologia. Muito embora constate Paula Barreto e equipe (2017BARRETO, Paula et al. Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos sociológicos no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia , v. 5, n. 11, p. 113-141, 2017.) que, a partir da década de 1970, ocorreu maior inserção da temática racial nos estudos e o racismo passou a ser abordado de modo mais abrangente, considerando sua relevância e seus efeitos, porém, a discussão provocada ainda foi desproporcionalmente insuficiente, especialmente ao compará-la com outros estudos. Constatamos o epistemicídio da produção de pesquisadoras(es) negras(os), como constata Carneiro (2005CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser no fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, USP, São Paulo, 2005.), e averiguamos as autorias dos estudos sobre raça e racismo visibilizadas. Isso levando-se em conta o teor que denota o olhar “comprometido com as ideologias” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Lélia Gonzalez: primavera para as rosas negras. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.), pois, assim como discorreu Ramos (1995, p. 43), incluindo sociólogos daquele período, “faltam-lhes suportes vivenciais e o conhecimento da gênese histórica destes sistemas”. Tal afirmação remete tanto à posição social e ao pertencimento racial das pessoas inseridas na academia quanto à sua propensão à adoção das “formas terminais” dos sistemas sociológicos europeus, tomando como base o teor de suas proposições, ditas científicas, no reforço de ideologias e visões subjugadoras da configuração social brasileira, sob olhares ausentes de criticidade a teorias estrangeiras.

Há, portanto, relevantes elementos históricos tratados com indiferença ou que são obscurecidos nas análises de fenômenos sociais contemporâneos, em um misto de “senso comum douto” e “racismo epistêmico que invalida consciente ou inconscientemente qualquer perspectiva de conhecimento que não seja ocidental e branca” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Lélia Gonzalez: primavera para as rosas negras. São Paulo: Diáspora Africana, 2018., p. 27), nutrido por uma psicologia colonial ainda em incipientes vias de desvanecimento do seio das ciências sociais e da sociologia. Assim, a análise historicizada do senso prático auxilia-nos a restituir a significação de fenômenos como o genocídio da juventude negra, uma vez que,

por mais que a vista as circunscreva à superfície atual das águas e restrinja os seus significados ao uso no tempo presente, estão marcadas por atitudes e conotações que remetem a instituições e expectativas do passado (Oliveira, 2014OLIVEIRA, João Pacheco de. Pacificação e tutela militar na pacificação dos territórios. Mana, v. 20, n. 1, p. 125-161, 2014., p. 125).

Prelúdio para um capital simbólico

A sociedade que hoje conhecemos como brasileira, participou de um processo de globalização que, por meio da modernidade/colonialismo, ocorre na universalização do que Achille Mbembe (2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018.) chamou de “‘ciência colonial’ cujo último avatar é o ‘africanismo’”, onde a “racialização aparece como um processo lógico-ideal constitutivo da própria modernidade” (Silvério, 2022SILVÉRIO, Valter Roberto. Rejeições articuladas e reconfigurações do racismo. São Paulo: Entremeios, 2022., p. 116). Intermediado por um conjunto de agentes e instituições, recorrendo a um amplo aglomerado de linguagens que propagou a imagem do povo negro como sujeito racial e exterioridade selvagem, passível de desqualificação moral e instrumentalização prática, constituindo-o como resíduo calcinado e objeto de exploração, massa descartável, coalescente à consciência ocidental do negro (Mbembe, 2018).

O Brasil foi o caso mais pomposo, em todos os aspectos, desde o territorial, o temporal ao contingente populacional imigrado à força. Ocupado no início da colonização (1500) e tendo isto transcorrido ao longo de aproximadamente quatro séculos ininterruptos, recebeu aproximadamente dez milhões de pessoas africanas em situação de escravização (Voyages, 2013), somadas, obviamente, ao contingente populacional autóctone. Norbert Elias (1997ELIAS, Norbert. Os alemães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997., p. 77) definiu a colonização da América do Sul como “um dos mais extremos exemplos de desvalorização de um código que fornece significado e orientação a um grupo”. Para fins da exploração, porém, justificada supostamente na necessidade de conversão, no fato de que tais povos seriam regidos

por valores e padrões de comportamento absolutamente diversos dos ocidentais. Estes povos, que desconheciam a religião cristã, praticavam a poligamia, a feitiçaria e a antropofagia, ofendiam frontalmente [...] os padrões morais dos europeus” (Oliveira, 2014OLIVEIRA, João Pacheco de. Pacificação e tutela militar na pacificação dos territórios. Mana, v. 20, n. 1, p. 125-161, 2014., p. 127).

No contexto da modernidade/colonialismo, a fantasmagoria propalada sobre a noção de raça estribou-se em atributos físicos, culturais, genotípicos, morais, geoespaciais, entre outros, e estabeleceu um novo padrão de poder, que “converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade” (Quijano, 2005QUIJANO, Alejandro. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2005., p. 118), conformando representações e classificações sociais na atribuição de lugares baseados em diferenças fenotípicas: “A ordem colonial se baseia na ideia de que a humanidade estaria dividida em espécies e subespécies que podem ser diferenciadas, separadas e classificadas hierarquicamente” (Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018., p. 123), instituindo um complexo sistema de estratificação e segregação racial/social que se evidencia(va) na composição racial dos grupos majoritariamente predominantes em cada segmento.

A capacidade de imposição das distinções e sua consequente justificação continham em seu subtexto a asseveração da falácia de superioridade racial humana e incluíam, igualmente, a desproporcionalidade bélica e a disposição para o uso da violência na contenção dos povos dominados, fazendo uso, para tais fins, de modo rudimentar e privado, do “monopólio da violência”. Notabiliza Elias (1997ELIAS, Norbert. Os alemães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997., p. 162) que “os Estados são caracterizados pelas pessoas que são seus governantes e que, em qualquer época dada, reivindicam para si o monopólio da força física”, que é a materialização do diferencial de poder simbolicamente exercido nas relações sociais, por meio da criação ou da apropriação dos dispositivos de Estado.

Ao analisar a ordem social pós-colonial, constata Frantz Fanon (2008FANON, Frantz. Pele negra, máscara branca. Salvador: Editora UFBA, 2008.) que as jovens nações, presumivelmente independentes, apesar de passarem às mãos de uma nova equipe, conservam os velhos circuitos instalados pelo regime colonial, cuja superestrutura reflete a estrutura social. E, nessa perspectiva, o monopólio da força física é entendido como mecanismo de controle social não planejado que “surgiu gradualmente no transcurso de centenas de anos como parte de um processo social a longo prazo, até que atingiu o nível de hoje” (Elias, 1994______. A Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994., p. 162). As estruturas burocráticas de Estado surgiram em razão do avanço das prerrogativas internacionais que inquiriam as nações colonizadoras sobre as condições “humanitárias” observadas nas colônias, em tese e em discurso, para a alteração dos modelos sociais pautados nos princípios iluministas para a gestão dos territórios e das relações sociais. Santiago Castro-Gómez, contudo, afirma:

[...] a ascensão dos Estados-nação na Europa e na América durante os séculos XVII a XIX não é um processo autônomo, mas tem uma contrapartida estrutural: a consolidação do colonialismo europeu além-mar (Castro-Gómez, 2000, p. 92).

Os Senados das Câmaras (século XVII) representaram os primeiros exemplares de organização burocrática em território colonial brasileiro. Tinham seu corpo político formando por portugueses de nascimento ou de ascendência, exclusivamente homens, considerados “nobres da terra”, casados com mulheres brancas e cristãs velhas, e detentores de propriedades (Russel-Wood, 2012). A função de vereança era oficializada por nomeação efetivada pela coroa portuguesa e tinha como propósito expresso manter e ampliar os poderes (legislativo e executivo) nas mãos do grupo colonizador, visando a imposição de um padrão de dominação político-cultural baseado no modelo da cultura europeia e da conjectura do “direito” sobre os corpos, como também na exploração de seus respectivos territórios. Com isso,

promover práticas que pretendessem conter o que poderiam ser comportamentos individuais e coletivos aberrantes ou desviantes, e fazer com que os infratores agissem em conformidade com o comportamento padrão (Russel-Wood, 2012, p. 23).

Expostas(os) a um rigoroso processo de reificação de suas identidades coletivas e étnicas, portanto, da subjugação de suas subjetividades, classificadas(os) e tradadas(os) como raças inferiores, negras(os) e indígenas, toda sua cultura e valores, foram consideradas(os) inadequadas(os) ao padrão (europeizado) de civilização que se almejava implantar a partir daquele espaço colonial. “O que está nela em jogo é o poder de se apropriar, se não de não de todas às vantagens simbólicas associadas à posse de uma identidade legítima” (Bourdieu, 1989______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Betrand, 1989., p. 125), mas também o de não colocar a sua identidade à prova ao estabelecer severos parâmetros distintivos das demais identidades no jogo das interações..

O foco do controle social sempre foram as populações racializadas e, naquelas incipientes organizações burocráticas, torna-se mais evidente tal estratégia política, ao serem destinados recursos financeiros e políticos irrestritos para as rendas de carceragem e contratações de capitães-do-mato (Russel-Wood, 2012; Cotta, 2012COTTA, Francis Albert. Matrizes do sistema policial brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012.), considerados o primeiro protótipo de polícia conhecido em território colonial brasileiro (Reis, 1995REIS, João José. Quilombos e revoltas escravas no Brasil. São Paulo: Revista USP, n. 28, p. 14-39, 1995.), dotando o exercício do poder e o controle senhorial de certa institucionalidade. Serviam também como ferramenta de desarticulação simbólica, ao incorporarem em seus quadros cativos, negros, indígenas, libertos, forros e mestiços, estrategicamente para o exercício das atividades repressivas e desmantelamento de quilombos (Flauzina, 2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.). Implantada no século XVI, a “intendência [de polícia] assumiria o papel civilizador daquele espaço colonial” (Cotta, 2012, p. 67), atuando em coarticulação com os primeiros: “a vigilância torna-se, então, um meio fundamental de concentração de recursos políticos na formação do Estado-nação, caracterizando um processo sócio-histórico de pacificação interna” (Souza, 2015SOUZA, Robson Sávio Reis. Quem comanda a segurança pública no Brasil? Belo Horizonte: Letramento, 2015., p. 42), tendo a incumbência de “manter a ordem e civilizar os hábitos de uma população negra e mestiça” (Cotta, 2012, p. 70).

A intenção dos colonizadores - com a pacificação - era promover, gradativamente, a alteração radical das condições socioculturais e econômicas da população autóctone e da população negra escravizada ou liberta, no encetamento de uma normativa pautada na cultura europeia (Oliveira,2014OLIVEIRA, João Pacheco de. Pacificação e tutela militar na pacificação dos territórios. Mana, v. 20, n. 1, p. 125-161, 2014.), por meio de um conjunto de estratégias de coações objetivas e violências simbólicas visando alcançar o embranquecimento objetivo e subjetivo4 4 Um conjunto de estratégias objetivas e simbólicas, direcionadas às populações (consideradas raças inferiores), para a introjeção das práticas culturais, das crenças e dos modos de vida da cultura dominante ou “universal”. .

As transformações ocorridas a partir da modernidade/colonialismo são vistas como um projeto de dominação, de proporções globais e de caráter totalizante, visando a homogeneização dos comportamentos e a ratificação das distinções raciais. Envolvia, com isso, entre as narrativas de legitimação,

garantir com nosso domínio, a paz, a segurança e a riqueza a tantos desafortunados, que nunca puderam conhecer essas benesses, estabelecer em terras ainda infiéis uma população laboriosa, moral e cristã [...]. Mas todas essas razões também mobilizavam o significante racial (Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018., p. 122).

A segurança pública é analisada como campo cuja natureza e localização, associadas à estrutura oficial de Estado, têm sua origem na própria fundação do Estado moderno, como dispositivo de dominação e consagração do poder simbólico. Segundo Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 164-165), nessa política, encontram-se dois corpos como produtos históricos do Estado, “corpos que se produziram produzindo o Estado, que o Estado deve produzir produzindo-se, a saber”, os corpos das polícias e do sistema de justiça. As instituições estão concebidas nas sociedades de forma tão bem ajustadas a fins nunca formulados explicitamente que desaparecem como instituições, por sua existência nas mentes e nos regulamentos:

[...] tudo leva a pensar que o essencial que do que se vive e se vê no campo, isto é, as evidências as mais impressionantes e as experiências as mais dramáticas, encontra seus princípios completamente em outro lugar (Bourdieu, 2012______. A miséria do mundo. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012., p. 159).

As polícias brasileiras surgem no encalço da extinção do sistema escravocrata como dispositivo de controle que, em sua gênese, encontramos os precedentes originários (capitães-do-mato), o modelo militarizado pautado no exército e a constituição do Estado que a elas confia tal função. Afinal, “o perigo racial, em particular, constituiu desde as origens um dos pilares dessa cultura do medo intrínseca à democracia liberal” (Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018., p. 147). Nesse transcurso histórico, a prática policial, sustentada na suposta manutenção da ordem, vem se pautando na perseguição das populações negra e indígena (não brancas) e seus territórios, como representação da ameaça, retroalimentada por um processo de incorporação de um habitus reproduzido desde a dimensão sócio-histórica, cultural e política. Enfatiza Carneiro:

Na construção do Outro como ameaça e perigo, a interdição que se processa é a da não admissão do Outro na plena humanidade, o seu deslocamento para um território intermediário entre a humanidade plena e a animalidade (Carneiro, 2005CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser no fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, USP, São Paulo, 2005., p. 126).

Essas decisões que determinam o foco das polícias são, na concepção sociológica aqui adotada, “ritos de instituição” que impõem e imprimem princípios de visão e de divisão social e se convertem em estruturas mentais capazes de instaurar diferenças definitivas (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), como as diferenças entre a(o) negra(o) e a(o) branco a(o), reproduzindo um processo de instauração do habitus no campo da segurança pública e do exercício do controle que se torna o locus fundamental de acumulação e de conversão de capitais. Enfim, é o campo que se organiza sob as bases de uma economia moral em que a produção do capital simbólico está fortemente associada ao acúmulo e à convertibilidade de capital racial.

Empiria ou homologias disposicionais?

Apesar de não desprezar a empiria, Bourdieu a via como obstáculo ao conhecimento, “porque trabalhar empiricamente pode ser uma maneira de escapar da reflexão teórica” (Bourdieu, 2014, p. 159). Porquanto os dados empíricos aqui levantados representam fatos históricos de um tempo em que, consoante às hipóteses entretecidas, a força de sustentação dessas práticas se encontra originalmente ancorada alhures. Pesquisas na área da segurança pública, em diferentes estados brasileiros, constatam que, de modo majoritário, as(os) policiais são provenientes das classes baixas (Rosemberg, 2008ROSEMBERG, André. Polícia, policiamento e o policial na província de São Paulo, no final do Império: a instituição, prática cotidiana e cultura. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.; Mauch, 2007MAUCH, Cláudia. Considerações sobre a história da polícia. Revista Métis: História & cultura, v. 6, n. 11, p. 107-119, 2007.; Flores, 2016FLORES, Giane Carolina. Farda, saúde e etnia: a presença de populares negros na polícia de Porto Alegre através dos registros da Santa Casa de Misericórdia (1888-1894). Revista História, v. 3, n. 6, p. 309-320, 2016.; Sinhoretto, 2013SINHORETTO, Jacqueline et al. A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais. Relatório final de pesquisa. Brasília; São Carlos, SP: MJ-SENASP; Editora UFSCar, 2013.) e, como a história e a estrutura da sociedade brasileira nos escancaram, são majoritariamente negras(os), em conformidade com a “divisão racial do trabalho” e a “divisão racial do espaço” (Gonzalez & Hasenbalg, 1982GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.), por consequência, segmentando racialmente as classes sociais.

Diante dos dados de sua pesquisa, Giane Carolina Flores (2016FLORES, Giane Carolina. Farda, saúde e etnia: a presença de populares negros na polícia de Porto Alegre através dos registros da Santa Casa de Misericórdia (1888-1894). Revista História, v. 3, n. 6, p. 309-320, 2016.) interroga-se sobre como as(os) policiais se resguardavam da autoridade conferida à função, ao se depararem com o fato de terem, em comum, a mesma classe social e a mesma condição racial que seus alvos, uma vez que um comportamento de comiseração não se observava na prática cotidiana. Flores (2016) faz eco a Mauch (2007MAUCH, Cláudia. Considerações sobre a história da polícia. Revista Métis: História & cultura, v. 6, n. 11, p. 107-119, 2007.), concordando que as ações policiais eram baseadas também pelas avaliações que estes indivíduos faziam das situações e dos sujeitos nelas envolvidos, colocando em prática seus próprios valores e interpretações, já que possuíam poder de escolha [discricionariedade] “na aplicação da lei” (Flores, 2016). Podemos considerar que as(os) policiais estão susceptíveis a reproduzir a política da seletividade racial, impelidas(os), patentemente, por um capital racial que determina a representação social das pessoas originárias de grupos específicos ou a elas assemelhadas. Formas de atuação racialmente diferenciadas, segundo o território e seus habitantes, mas justificadas como procedimento padrão (Araújo, 2017ARAÚJO, Ricardo Augusto Nascimento M. Entrevista: Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo. (S.1). Entrevista concedida a Luiz Adorno. Abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia, diz novo comandante da Rota. UOL, 2017. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/24/abordagem-no-jardins-e-na-periferia-tem-de-ser-diferente-diz-novo-comandante-da-rota.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 17 mar. 2023.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul...
).

Conforme avalia um interlocutor policial: “a PM recruta seus homens da sociedade e a sociedade brasileira é racista” (Sinhoretto, 2013SINHORETTO, Jacqueline et al. A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais. Relatório final de pesquisa. Brasília; São Carlos, SP: MJ-SENASP; Editora UFSCar, 2013., p. 113). O racismo é admitido como fenômeno estruturante da sociedade, com efeito, colocado como trato social aceito e, em certa medida, natural, quando consentido enquanto comportamento trivial de quaisquer instituições ou cidadãos(ãs). Outra pesquisa, de abordagem qualitativa, expõe como os modos operandi de tratamento é racialmente definido e elemento “legitimador” de intervenções violentas. Destaque para abordagem sofrida por jovens negros:

[...] abordado não, chegou batendo mesmo. Eu saí igual uma bala, menino. No dia que eles [policiais] pararam nós três. Eles cismaram que a gente tinha que dar a eles um revólver. Uma hora com as mãos na cabeça, mais meia hora com as mãos pra trás e mais meia hora no formigueiro (Costa-Junior, 2018, p. 392).

Na relação oposta, os jovens brancos alegam:

[...] nunca tive nenhuma abordagem com a polícia. Nunca conversei com nenhum policial. Nem problema algum [...] com certeza. Toda vez que eu vi alguém sendo abordado pela polícia parecia ser alguém de alguma comunidade, mais pobre ou vulnerável. [...] Eu acho que aqui no Brasil, como a grande parte da população mais pobre é negra [...]” (Costa-Junior, 2018, p. 319).

A pesquisa de Jacqueline Sinhoretto e equipe (2013SINHORETTO, Jacqueline et al. A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais. Relatório final de pesquisa. Brasília; São Carlos, SP: MJ-SENASP; Editora UFSCar, 2013.) apontou que as polícias têm como alvos prioritários símbolos referentes à cultura negra que, por sua vez, se apresentam para além da cor da pele, o que revela que haja outros marcadores da racialidade, típicos dos estilos e dos adornos de jovens de periferias ou favelas, o kit peba, no Distrito Federal; em Minas e no Rio de Janeiro, a(o) funkeira(o); e em São Paulo, a cultura Hip Hop. São elementos relevantes não apenas por desvelarem a polaridade racial, ignorada pela visão acadêmica de caráter economicista (Beato Filho, 1999BEATO FILHO, Cláudio C. Políticas públicas de segurança e a questão policial. São Paulo em Perspectiva, v. 4, n. 13, p. 13-27, 1999.; Resende & Andrade, 2011RESENDE, João Paulo de; ANDRADE, Mônica Viegas. Crime social, castigo social: o efeito da desigualdade de renda sobre as taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros. Estudos Econômicos, v. 41, n. 1, p. 173-195, 2011.; Odon, 2018ODON, Tiago Ivo. Segurança pública e análise econômica do crime: o desenho de uma estratégia para a redução da criminalidade no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 55, n. 218, p. 33-61, 2018.), que tende a subsumir raça à classe, inferindo que, nas classes empobrecidas e em seus territórios, predominam tendências a toda ordem de atividades ilícitas e criminosas, mas também por defenderem a presença ostensiva das polícias em periferias e favelas e a discricionariedade como mecanismo objetivo e irrefutável da atuação policial (Muniz, 2012MUNIZ, Jaqueline. Discrecionalidad policial y aplicación seletiva de la ley en democracia. Artículo elaborado para el Curso de Gestión Organizacional en Seguridad Pública y Justicia Criminal del NEV, USP, 2012.).

A inscícia predominante em tais perspectivas ofusca o fato de que a própria presença do aparelho repressivo condiciona e impulsiona a produção de dados sociais, justificando, com efeito, a continuidade das intervenções nesses locais, dado que “a regularidade estatística entre aqueles fatores criminogênicos” (Cerqueira & Lobão, 2004CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Revista de Ciências Sociais, v. 47, n. 2, p. 233-269, 2004., p. 234) determina a intervenção. Trata-se, em outros termos, de

um ato de imposição simbólica que tem a seu favor toda força do coletivo, do senso comum, porque ela é operada por um mandatário do Estado, detentor do monopólio da violência simbólica legitima (Bourdieu, 1989______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Betrand, 1989., p. 146).

Defensora declarada da atuação seletiva das polícias, Jacqueline Muniz (2012MUNIZ, Jaqueline. Discrecionalidad policial y aplicación seletiva de la ley en democracia. Artículo elaborado para el Curso de Gestión Organizacional en Seguridad Pública y Justicia Criminal del NEV, USP, 2012.) associa o argumento aos “parcos recursos” na segurança pública, deixando escapar o lado mais obscuro do pensamento economicista - ou da teoria da escolha racional - credor de uma leitura complacente do genocídio aplicado em uma sociedade multicultural erigida do colonialismo, onde a discricionariedade instituída, sob o véu de um poder simbólico, seleciona racialmente, de maneira incorporada e automatizada, desvelando, desse modo, que o economicismo “nada mais conhece além do interesse material e a busca de maximização do lucro monetário” (Bourdieu, 1989______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Betrand, 1989., p. 69).

Ao ignorar, assim, a sobrerrepresentação racial e justificando a repressão histórica aos territórios de maioria negra, no discurso reproduzido pelas corporações policiais fica explícito que se convenceram de que “são capazes de identificar objetivamente uma clivagem [classe e raça] da outra. Admitem a filtragem de classe, mas negam que ela seja produtora de uma desigualdade racial inscrita na ação policial” (Sinhoretto, 2013SINHORETTO, Jacqueline et al. A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais. Relatório final de pesquisa. Brasília; São Carlos, SP: MJ-SENASP; Editora UFSCar, 2013., p. 104). Por ser o racismo

[...] desqualificado pelas lógicas da razão ocidental como fenômeno determinante da ordem social, converte-se no principal dispositivo de justificação do extermínio direto ou da abreviação da vida pela imposição de condições indignas à população negra (Costa-Junior, 2023, p. 78),

o que aponta para a finalidade da discussão teórica depreendida neste artigo, referente ao genocídio da juventude negra que notadamente tem suas raízes em práticas institucionalizadas e nos imaginários instituídos com a modernidade/colonialismo.

A teoria da escolha racional pode ser considerada introduzida no campo da segurança pública, inicialmente a partir das formulações de Gary Becker (1968BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach. The Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, p. 169-217, 1968.), por sua presumível capacidade de explicar uma sequência de fenômenos sociais e “um amplo leque de comportamentos não econômicos”, baseado em modelos analíticos da Economia Neoclássica (Baert, 1997BAERT, Patrick. Algumas limitações das explicações da escolha racional na ciência política e na sociologia. Revista brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, 1997.). Associa-se a ela um limitado número de teorias, na busca por explicações sobre os fenômenos da criminalidade que passaram a exercer significativa influência nas orientações das políticas de segurança pública, a partir dos anos 1970 (Cerqueira & Lobão, 2004CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Revista de Ciências Sociais, v. 47, n. 2, p. 233-269, 2004.). A contradição está no fato de se estudar fenômenos culturais condicionados pela lógica econômica como se fossem determinados por interesses específicos (Bourdieu, 2003______. Questões de sociologia. Lisboa: Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003.).

Nota-se a convergência entre o pensamento institucional das polícias, das(os) agentes de segurança pública e das(os) produtoras(es) do discurso intelectual e acadêmico, convergência esta que sustenta a ideia econômica da criminalidade, especialmente sobre a constituição do Estado, da construção das identidades dos grupos em interação e da operacionalização da segregação racial no Brasil, esta última encoberta pelo mito da democracia racial (Gonzalez & Hasenbalg, 1982GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.). Outro relevante ponto em tais abordagens, nítido em Daniel Cerqueira e Waldir Lobão (2004CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Revista de Ciências Sociais, v. 47, n. 2, p. 233-269, 2004.), evidencia-se na crença quanto à superação do racismo biológico, reproduzida das “contribuições” de Cesare Lombroso e que não é percebida como operação de uma translação da dimensão biológica para a cultural. Stuart Hall (2013______. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013., p. 76-77) elucida que raça “é a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema socioeconômico de exploração e exclusão - ou seja, racismo”, no qual as duas lógicas (a biológica e a cultural) operam um sistema de significados por meio da equivalência em outra dimensão de interdependência.

Vale considerar que o argumento central da teoria da escolha racional - referente ao cálculo dos benefícios do crime em relação às recompensas do trabalho formal (Cerqueira & Lobão, 2004CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Revista de Ciências Sociais, v. 47, n. 2, p. 233-269, 2004.) - contém em seu subtexto a narrativa que a “negritude” como signo que expressa afrodescendência tenha maior afinidade com a natureza (animal?) e, consequentemente, a ideia de que corpos negros sejam ordinariamente preguiçosos e indolentes (Hall, 2013______. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.). Outrossim, quando analisamos no cenário brasileiro as variáveis consideradas nas abordagens, fica nítido o viés racial, pela ausência da categoria raça, uma vez que há uma normalização balizada pela lógica branca (eurocêntrica) que predefine um padrão moral, estético, comportamental e religioso, bem como um tipo de organização social e territorial que, apesar de ser obra do Estado (Costa-Junior, 2023), é vista como o modo de vida de alguns grupos, associado às peculiaridades culturais originárias ou derivadas das culturas africanas ou indígenas.

Sob o julgo do colonialismo, “o recurso aos castigos corporais, às torturas, ao tronco, aos capitães-do-mato e à repressão” (Bastide & Fernandes, 2008BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Global, 2008., p. 116) ditava o tratamento dos povos racializados, entre outras formas de tortura, como o açoitamento, seguido da aplicação de salmoura nas feridas; pau-de-arara; besunte com óleo ou mel, seguido de exposição a abelhas, marimbondos e formigas (Chiavenato, 2012CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.). As legislações concediam o direito a infringir torturas às pessoas escravizadas, oficializando o “direito de espoliação de um grupo sobre o outro” (Bastide & Fernandes, 2008, p. 104). Alerta-nos Elias (1997ELIAS, Norbert. Os alemães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.) que observar o padrão de comportamento entre as pessoas é tão importante quanto observar as leis e sua aplicação, por se constituir uma das manifestações do monopólio da violência.

Práticas de extermínio público também foram registrados nessa época. Francis Albert Cotta (2012COTTA, Francis Albert. Matrizes do sistema policial brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012., p. 232) recupera, do Diário do alferes de dragões Pedro Gomes Barbosa ao capitão de dragões José Luís Saião (Quartel de Gouveia, 15 de junho de 1792), o registro onde consta que a patrulha habitual, tendo suspeitado de dois homens negros, atirou contra eles levando-os a óbito. Alegaram terem atirado em suas pernas, mas os homens caíram e os tiros atingiram suas cabeças. O Quilombo de Palmares, em 1675, foi alvo de uma incursão liderada por capitães-do-mato juntamente com as guardas reais, responsáveis por promover a dizimação de uma população de aproximadamente “18 a 20 mil pessoas” (Chiavenato, 2012CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012., p. 140). Importa enfatizar as semelhanças com as práticas registradas em “autos de resistência” (Autos de resistência, 2018) e operações em favelas, por não se constituírem meras semelhanças históricas. Nilma Lino Gomes e Ana Amélia de Paula Laborne (2018, p. 4) evidenciam que “a cor da pele, quanto mais escura, mais se torna uma marca que estigmatiza. A periferia e a favela como locais de moradia, são suficientes para que o extermínio seja decretado”, confirmando a lógica de produção do capital racial em seu processo acumulativo e de conversão ao capital simbólico que regula as disposições no campo da segurança pública.

A produção e a manutenção de identidades marginalizadas envolvem um comportamento reiterado por meio das práticas intersubjetivas e institucionais que atravessam as relações sociais, de formas objetivas e simbólicas, dotando de certa organicidade a realidade social e as figurações das representações sociais incrustradas no imaginário social. O Estado é locus de gestão de todo tipo de capital, segundo Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), responsável por gerar e garantir os ativos fiduciários e as realidades históricas como objetos de fascinação.

O poder instituído nas mentes: capital racial

A modernidade/colonialismo engendrou um complexo e parcialmente exitoso sistema de dominação, dado que alcançou, de modo crucial, o dashboard dos seres humanos, onde repousam os pressupostos que determinam o sentido di-visão de mundo e suas ações: a percepção cognitiva e incorporada da realidade (Merleau-Ponty, 2011). Autodeclarados modernos (os europeus, a priori), pela força das práticas depreendidas, não somente alcançaram o monopólio do poderio financeiro mas também se autoposicionaram como centro político desse “navio-mundo” (Ferdinand, 2022FERDINAND, Malcolm. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022.) e constituíram-se como hegemonia cultural e científica, sobretudo por instituírem um capital racial como mecanismo determinante e condutor das percepções incorporadas da realidade vivida, objetivamente, nas mentes e nos corpos. Segundo Silvia Rivera Cusicanqui (2010), a recolonização tornou admissível a incongruência que é a reprodução das estruturas coloniais de opressão na contemporaneidade, convertendo as noções de igualdade e cidadania em meras caricaturas.

A incongruência apontada torna-se passível de “tolerância” somente ao dispor - como regente das mentes e como imaginário social - um capital racial capaz de conduzir as (in)consciências à crença de sua realidade na afirmação das diferenças raciais. Desde os tempos longínquos da história, o fenótipo inscreve-se como o elemento legitimador e justificador de ações violentas, muito embora sua instrumentalização como dispositivo de dominação remonte à sombria história recente do ocidente (Moore, 2007MOORE, Carlos. Racismo & sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.). É, portanto, a partir deste contexto que se inicia sua configuração como poderoso atributo intersubjetivo de distinção entre os humanos, fazendo incorporar a dimensão geoespacial, “como limite absoluto da relação existencial” (Sodré, 2023SODRÉ, Muniz. O fascismo da cor: uma radiografia do racismo nacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023., p. 126) e o significante racial como marcadores de idiossincrasias sociogenéticas e ontogenéticas. Pois, como sintetizou Fanon (2005______. Os condenados da terra. Juiz de fora, MG: Editora UFJF, 2005., p. 30), “a civilização branca, a cultura europeia, impuseram ao negro um desvio existencial”. A razão ocidental - as ciências de modo geral - exerceu um papel primordial na analítica da racialidade, uma vez que “a universalidade científica rege estratégias de subjugação racial” (Silva, 2022SILVA, Denise Ferreira. Homo modernus: para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobgô, 2022., p. 122), como parte de um contexto global de ratificação da dominação e de “um inconsciente racial da política negra no mundo contemporâneo [e uma] primitiva psicologia dos povos e das emoções” Mbembe (2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018., p. 86).

O Brasil contou entre seus representantes na elaboração de teorias pseudocientíficas (como, por exemplo, Nina Rodrigues), que presumivelmente constatavam a inferioridade e degenerescência das pessoas negras, indígenas e seus descendentes, sustentando a legitimação do genocídio perpetrado pelo aparato repressivo do Estado à medida que remontavam a concepções raciais alusivas à predisposição genética para o crime e a lascívia (Góes, 2016GÓES, Luciano. A “tradução” de Lombroso na obra de Nina Rodrigues - o racismo como base estruturante da criminologia brasileira. São Paulo: Revam, 2016.). Ao retroalimentar a tese que subjaz o capital racial, como a matéria-prima original que consubstancia a indução às diferenças atribuídas ao pertencimento racial e romantizando as desigualdades raciais/sociais, as dimensões fundamentais que satisfazem os mecanismos de reprodução e produção da ordem simbólica não simplesmente definem o modo de reprodução em si mesmas mas também determinam a força e a solidificação das formas de capital que, acumuladas e convertidas, se concentram nas disposições relacionais do espaço social e consagram a hierarquia e a lógica própria da dominação.

Portanto, um mecanismo instituinte dos poderes que promovem sua mobilização, consciente ou não, pautada nas diferenças raciais, associando-as àquelas instâncias de valoração ou insignificância, por condicionamento das configurações sinápticas dispostas no jogo cotidiano das interações, uma vez que ocorreu “com a constituição dessa razão e com a transformação em senso comum e habitus” (Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018., p. 61). Deste modo, sua lógica de perpetuação, ou seja, sua significação fenomenológica, reside em sua instituição ou conversão em capital racial (poder simbólico), considerando que o capital, em síntese, é uma forma de distinção social, relação e energia sociais, uma vez reconhecidas como autoevidentes e incorporadas no habitus produzem efeitos de nomeação e consagração na ordem social; “uma propriedade qualquer: física, econômica, cultural, social [ou racial]), que ao percebê-las atribuem-lhes valores” (Bourdieu, 1996______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1996., p. 107).

O capital racial se expressa hierarquicamente por meio de um conjunto de símbolos de insignificância (pessoas pretas e indígenas), em oposição aos símbolos de respeito e de reconhecimento (pessoas brancas), consagrando simbólica e de forma real/prática a significação da representação racial/social,

como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão de mundo; poder quase mágico que permite o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao poder específico de mobilização (Bourdieu, 1989______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Betrand, 1989., p. 14).

Como nos explica Hall,

significa utilizar a linguagem para, inteligivelmente, expressar algo sobre o mundo ou representá-lo a outras pessoas. [...] processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados entre os membros de uma cultura (Hall, 2016HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016., p. 31).

Em outras palavras, “o que foi racialmente codificado, segue sendo racialmente significado, atualizado e incorporado” (Costa-Junior, 2023, p. 69).

Para tanto, o genocídio da juventude negra não se constitui um fenômeno transcendental, do ponto de vista teórico-fenomenológico, tampouco um fato que seja agenciado por falhas corporativas de cunho técnico-racional de parte da administração pública, mas parte do código incorporado no comportamento generalizado de uma sociedade estruturada por práticas coloniais, que não abandonou a ideia de diferenças raciais como denotativo de graus de humanidade e erigiu um capital racial capaz de insuflar as estruturas cognitivas e sociais a remontarem suas teses - em termos bourdiesianos, defendemos que, ao contrário do que sustenta a lógica racionalista e economicista de Estado, em situações históricas da colonização, a acumulação principal de recursos convertíveis no plano simbólico se dá preferencialmente a partir da racialização e, consequentemente, da acumulação do capital racial e seus usos cotidianos nessas sociedades.

A violência, tanto a física como a simbólica, justamente por se ancorar na ideia de legitimidade do Estado e suas leis, como fundamento de uma suposta organicidade e legalidade, originou e mantém um capital racial, seu fundamento e seu substrato na atualidade, ao passo que o dota de mais poder. O foco do Estado, por sua condição de instância oficial e da oficialização da ordem social, tem suas práticas convertidas em processos de reiteração e de afirmação das representações sociais, reproduzindo perpetuamente as assimetrias racializadas na sociedade, em que os discursos e as práticas da segurança pública retroalimentam e geram mais violência racial.

Considerações: capital racial, um maestro

O esforço depreendido neste artigo centrou-se em construir um caminho teórico e também explanativo sobre como a modernidade/colonialismo, em seu modus operandi, legado pelo Estado, e as vias de sua influência nos costumes e nas instituições instituíram um poder simbólico como regente das relações. No caso, um capital racial, em razão da mobilização do significante racial, como denotativo de superioridade e de inferioridade humanas, funcionando como mecanismo de opressão que assegurou o domínio de um povo sobre outros e o soerguimento da sociedade capitalista globalizada, reorganizando ou ordenando as relações, segundo as hierarquias e as posições que os grupos assumiram daquele momento em diante, em conformidade com as narrativas da dominação. O conceito de capital racial atuou como mecanismo disposicional que recobre um contexto histórico e político de institucionalização de um vigoroso poder simbólico em sociedades colonizadas, como o caso brasileiro.

Como resultado, naturalizam-se as desigualdades raciais/sociais e as opressões das quais são consequência. Os conceitos que estruturam a sociologia da ação disposicional - campo, habitus e capital - funcionaram como ferramentas auxiliares ao pensamento genético, que permitiu esboçar uma compreensão possível sobre os fundamentos dos sentidos que as relações raciais ensejam na contemporaneidade, analisados com base em aspectos que remontam à gênese da sociedade brasileira.

Demostramos, ainda, que a aplicação do termo genocídio no contexto brasileiro é parte da agência do MNU, por meio de uma aguçada leitura crítica e da compreensão do sentido que rege a atuação do Estado brasileiro. Sua inserção na arena política reverbera no campo científico, indagando criticamente o pensamento hegemônico ocidental e o sentido da democracia brasileira (histórica e politicamente influenciado pelo mito da democracia racial) pelas(os) afrodescendentes, na luta por reconhecimento social e pela ressignificação das representações sociais, contrapondo as narrativas e as estratégias estatais que justificam a manutenção de políticas supostamente universais que incidem diferencialmente sobre a população negra e determinam precárias condições de existência e/ou sua morte. Ao desvelar que o Estado atua de forma sistemática, perpetrando por dispositivos variados a lógica da violência física e simbólica contra a população negra brasileira, encontrando nas polícias seu mecanismo mais letal e patente, o que confere sentido ao termo genocídio.

A crítica à teoria da escolha racional e às lógicas do economicismo entra em cena, por entendermos que a operacionalização acrítica de tais abordagens “cria” os quadros que justificam as intervenções que, invariavelmente, serão direcionadas às populações afrodescendentes, com especial atenção ao campo da segurança pública, retroalimentando os pressupostos da seletividade racial. Nessa agenda político-intelectual de intervenção, entende-se que o genocídio seja orquestrado por um capital simbólico - o capital racial -, que condiciona as estruturas cognitivas individuais e sociais a remontarem as teses coloniais relativas à representação sobre tais grupos sociais como modo de simbolizar o desvalor de suas vidas, pois as lógicas de segmentação da sociedade brasileira, antes de obedecerem a critérios econômicos (classes sociais), segue, na verdade, uma orientação étnico-racial como princípio di-visão desde sua conformação.

Assim, falar de genocídio é, antes de tudo, considerar uma composição de pressupostos arbitrários operacionalizados pelo aparato de Estado, de maneira a incidir sobre a vida das(os) descendentes de povos outrora escravizados, nos mais diversos aspectos de suas existências, uma vez que a premissa que subjaz tanto a ação quanto a omissão do Estado seja coadunar para sua eliminação, explicitando, dessa maneira, a permanência de um projeto de dizimação dessas populações nos tempos atuais, como pressuposto de atualização do habitus de uma sociedade enraizado na escravidão e no colonialismo. Sugere-se, com isso, que a realização do mecanismo empírico da violência simbólica, empreendida pelo Estado colonialista e escravocrata, deve ser operacionalizada criticamente por uma análise da evolução histórica do capital racial nas sociedades modernas. Eis um projeto urgente a ser desenvolvido.

Acreditamos que estes primeiros passos, desenvolvidos de maneira mais concentrada nos campos teórico e conceitual, sirvam de orientação no caminho de uma análise crítica alternativa que possa ser melhor desenvolvida empiricamente em trabalhos futuros, comparando os casos históricos e as diversas tramas percorridas no Brasil e na América Latina.

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  • 1
    No campo da segurança pública, prescrevem-se análises sobre o suposto comportamento criminoso, perfazendo observações reducionistas do fenômeno e orientando modelos mecanicistas. Identificamos este conjunto de abordagens pelo termo “economicista”, frequentemente utilizado por Bourdieu (criticamente em relação à Elster e Boudon), em contraponto teórico-analítico de sua sociologia da prática.
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    Não remonta a um planejamento racional, previamente estruturado, mas a uma orientação que não supõe as formas explícitas de saber e tem seus pressupostos arraigados no habitus e nos interesses da posição social/racial.
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    Também pode ser percebido como exposição, princípio elementar da lógica da incorporação de práticas e dos sentidos das linguagens compartilhadas, a partir da exposição ao mundo social, por meio dos processos de socialização.
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    Um conjunto de estratégias objetivas e simbólicas, direcionadas às populações (consideradas raças inferiores), para a introjeção das práticas culturais, das crenças e dos modos de vida da cultura dominante ou “universal”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2023
  • Aceito
    01 Set 2023
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