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Estado Democrático de Direito e a reforma da Constituição: retrocessos de Direitos Fundamentais e a sala de máquinas do constitucionalismo latino-americano

Democratic State of Law and the reform of the Constitution: setbacks in Fundamental Rights and the engine room of Latin American constitutionalism

Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo investigar o tema do princípio democrático e seus vínculos com questões essenciais para a efetividade da Constituição, como a prática dos últimos anos de reformas constitucionais e mudanças legislativas que vêm causando uma preocupante erosão nas instituições republicanas e na proteção dos direitos fundamentais, assim como causando uma sistemática violação da dignidade da pessoa humana. Da mesma maneira, entre outros, a obra de Roberto Gargarella contribuiu para explicar a falta de efetividade dos direitos fundamentais na América Latina e no Brasil. Como tentativa de solucionar a questão da não eficácia dos direitos, optou-se por trazer a teoria de Peter Häberle sobre a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a necessidade do advento de uma cultura constitucional, que poderia ser concretizada a partir das ideias de Gregorio Peces-Barba para uma educação em cidadania e direitos humanos. A questão da crise do Estado Democrático de Direito é uma das controvérsias fundamentais da contemporaneidade. A metodologia da pesquisa foi desenvolvida mediante o método indutivo.

Palavras-Chaves:
Estado de Direito; Democracia; Reforma constitucional; Direitos fundamentais.

Abstract:

The present work aims to investigate the theme of the democratic principle and its links with issues essential to the effectiveness of the Constitution, such as the practice of constitutional reforms and legislative changes in recent years that have been causing a worrying erosion in republican institutions and the protection of human rights, as well as causing a systematic violation of the dignity of the human person. In the same way, among others, the work of Roberto Gargarella contributed to explaining the lack of effectiveness of fundamental rights in Latin America and Brazil. As an attempt to resolve the issue of the non-effectiveness of rights, it was decided to bring Peter Häberle’s theory about the open society of Constitution interpreters and the need for the advent of a constitutional culture, which could be implemented based on the ideas og Gregorio Peces-Barba for education in citizenship and human rights. The issue of the crisis of the Democratic Rule of Law is one of the fundamental controversies of contemporary times. The research methodology was developed using the inductive method.

Keywords:
Rule of Law; Democracy; Constitutional reform; Human rights

Introdução

O presente artigo tem como objetivo examinar a vinculação do princípio político democrático com a reforma da Constituição e a cultura constitucional. Ao mesmo tempo para a análise dos temas a obra de Roberto Gargarella contribui ao teorizar os motivos pelos quais as sociedades latino-americanas não têm uma efetiva garantia dos direitos fundamentais. Da mesma forma, será trazido a baila a proposta de Peter Häberle de valorização de uma cultura constitucional no seio da sociedade contemporânea. Com a intenção de formar uma sociedade mais justa, igualitária e democrática para que os direitos fundamentais sejam de conhecimento de todos e assim exigidos na realidade social. Trata-se de uma consequência do ponto de partida representado pelas ideias de uma educação em cidadania e direitos humanos, tanto a partir das ideias de Gregorio Peces-Barba (2007)PECES-BARBA, Gregorio. Educación para la Ciudadanía y Derechos Humanos. Madrid: Espasa Calpe, 2007. como das ideias libertárias de Paulo Freire (1987FREIRE, Paulo. 17ª ed. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1987.; 1993FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993.; 2001FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16ª ed. Paz e Terra, 2001.).

O poder de reforma da Constituição deve servir para aprimorar a Democracia, melhorar as condições de vida do povo, proteger ainda mais a dignidade da pessoa humana, garantir os direitos fundamentais e a soberania popular. Na realidade o que é feito com o instituto da reforma constitucional? Por que ele é utilizado para piorar a situação do cidadão?

A crítica de Paulo Bonavides está voltada para a deturpação dos verdadeiros objetivos de dito instituto. O professor da Universidade Federal do Ceará, falecido em 2020, explica os limites do poder de reforma da Constituição nesse sentido, critica a transformação do Estado constitucional social e democrático em um estado neocolonial e ainda faz duras críticas (Bonavides, 1996, p. 56-63)BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996. ao que foi feito com o poder de revisão constitucional temporário previsto nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (artigo 3º).

O que foi realizado nos últimos anos com as reformas na Constituição do Brasil é um exemplo de erosão democrática que foi constantemente denunciado por Paulo Bonavides (2001 b, p. 50-107)BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros , 2001b.. Somente uma cultura constitucional, uma educação para a cidadania e os direitos humanos, poderá salvar a democracia e trazer a efetividade dos direitos fundamentais prevista na Constituição e na Legislação Internacional.

Para fazer valer a dignidade da pessoa humana deve-se adotar uma educação igual para todos, uma educação humanista no sentido da valorização dos direitos fundamentais de todos. A hermenêutica assim poderá ser a da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição proposta pelo constitucionalista alemão. Peter Häberle é um fundamental autor no tema sobre a cultura constitucional. A metodologia da pesquisa foi desenvolvida mediante o método indutivo.

1. Estado Democrático de Direito e poder de reforma da Constituição

O Estado Constitucional e Democrático do pós-guerra consolida a sua estrutura em quatro pilares fundamentais e vitais, sem os quais o mesmo irá ruir, estes são: 1. o princípio democrático: vinculado com a sua organização política a partir da soberania popular, mas delimitado pela própria Constituição; 2. o princípio da supremacia constitucional: vinculado ao princípio da unidade do Sistema, ou seja, para garantir a coerência entre os diferentes conteúdos, segurança jurídica e uma relação entre iguais; 3. a garantia dos direitos fundamentais: vinculada com a não violação da dignidade da pessoa humana; e 4. a justiça social para garantir a satisfação plena da dignidade da pessoa humana.

Conforme o princípio político democrático se entende que corresponde ao povo o exercício indiscutível do poder constituinte. O povo é o titular do poder, tanto do poder constituinte como do poder constituído. Ninguém estará acima do povo, não há mais o soberano absoluto, acima de tudo e sem responsabilidade. No Estado Democrático de Direito temos a consagração dos princípios e das regras da Constituição, ela sim pode ser limitadora e é suprema. Assim, segundo o princípio da supremacia se considera que a Constituição é lex superior, isto é, hierarquicamente uma norma superior que obriga de igual maneira tanto aos governantes como aos governados (um governo de leis, não governo de homens). A partir desse ponto deve-se ter a organização política, desde a soberania popular, demarcada por regras previamente estabelecidas que limitem o exercício do poder nos parâmetros da dignidade da pessoa humana e da garantia dos direitos fundamentais. Direitos alicerçados e fundamentados nos pilares dos princípios da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais são frutos das reivindicações dos mais débeis (Ferrajoli, 1999, p. 50-54)FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil.Tradução de Perfecto A. Ibáñez e Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999., dos grupos dos mais fracos e das demandas de proteção da dignidade da pessoa humana1 1 Para um estudo sobre a dignidade da pessoa humana ver as obras de Ingo W. Sarlet (2002), Daniel Sarmento (2016) e o clássico de Immanuel Kant (1980), a Fundamentação da metafísica dos costumes, publicado pela primeira vez em 1785. . Assim as garantias dos direitos fundamentais irão evoluir conforme as reivindicações e as necessidades de extensão para proteger a dignidade da pessoa humana. A dignidade deve ser garantida também levando-se em conta a justiça social, para assim: 1. construir uma sociedade verdadeiramente livre, mais justa e solidária; 2. garantir o desenvolvimento nacional com a inclusão de todos os membros da Sociedade, uma vez que sejam atendidas as necessidades humanas básicas2 2 As necessidades humanas básicas são o mínimo existencial para uma pessoa viver com dignidade. Segundo a professora espanhola María José Añón Roig (1994), em conformidade com as propostas de Len Doyal e Ian Gough (1994), o catálogo de necessidades humanas básicas e satisfatórias são: alimentação, água, moradia, trabalho, saúde, segurança, educação, autonomia etc. Evidentemente que aqui resumidas e sem os matizes que encerram. Veja-se: AÑÓN ROIG, María José. Necesidades y Derecho: un ensayo de fundamentación. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994; e DOYAL, Len; GOUGH, Ian. Teoría de las necesidades humanas. Tradução de José Antonio Moyano e Alejandro Colás. Barcelona: Icaria/ Fuhem D.L., 1994. ; 3. somente a partir da solidariedade conseguiremos conciliar a liberdade com a igualdade para assim efetivamente erradicar a extrema pobreza e a marginalização, e assim reduzir as desigualdades sociais e regionais; 4. garantir uma educação libertadora e igualitária, um ensino que dê oportunidade a todos, uma educação em cidadania e direitos humanos para assim promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, orientação sexual, deficiência física ou psicológica, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 - doravante CRFB-1988).

Neste sentido a organização estatal moderna, que se desenvolverá historicamente, a partir da preparação intelectual dos livres pensadores dos séculos XVI, XVII e XVIII, levará aos processos revolucionários liberais, em um primeiro momento terá como protagonista a classe burguesa. Os primórdios intelectuais da necessidade de um leviatã - um estado forte - iniciando assim a delimitação de um Estado que irá unificar o poder. Um Estado forte (o estado absoluto é o primeiro estado moderno) que posteriormente será domesticado pelos movimentos de Direito Natural Racionalista (Peces-Barba, 1995, p. 100-204)PECES-BARBA, Gregorio. La diacronía del fundamento y del concepto de los Derechos: el tiempo de la historia. In: PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 100-204., delimitando assim um pacto social, um contrato social, a partir das ideias de tolerância (a inicial tolerância religiosa como contrapartida do estado confessional e das guerras de religião), dos ideais de humanização do direito penal e do processo penal (a tortura fazia parte do processo penal e a pena de morte era amplamente prevista) e da primordial ideia de limitação do poder do Estado. A passagem do Estado Absoluto ao Estado Liberal de Direito é de fundamental importância. Aqui já delimitando e positivando os direitos naturais modernos em direitos fundamentais de liberdade. De todas as maneiras essa forma de organização da sociedade necessitará expandir sua previsão de direitos fundamentais para proteger aos mais débeis de cada época (Peces-Barba, 1995, p. 160-173)PECES-BARBA, Gregorio. La diacronía del fundamento y del concepto de los Derechos: el tiempo de la historia. In: PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 100-204.. Certamente que no século XIX com a revolução industrial, os mais fracos serão os menos favorecidos na sociedade liberal, os pobres, o trabalhador, alijados do jogo político pelo analfabetismo, pela miséria e a fome e pelo advento e limitação do então sufrágio censitário (somente os privilegiados, os que eram proprietários e tinham renda eram alistáveis e elegíveis). As classes trabalhadoras, ajudadas pelos movimentos populares e socialistas, irão reivindicar o sufrágio universal, as liberdades sociais como a de reunião e a de associação, os direitos sociais, como a criação de uma saúde e educação pública para todos, a regulamentação das relações de trabalho, direitos previdenciários, direitos trabalhistas etc. No âmbito da doutrina constitucional brasileira será Paulo Bonavides quem escreverá uma interessante obra sobre o assunto, sobre a passagem Do Estado liberal ao Estado social (Bonavides, 2001 a)BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7ª edição. São Paulo: Malheiros , 2001a. 3 3 Leciona Paulo Bonavides (2001, p. 211): “Não fora a Revolução Socialista do século XX, o mundo estaria ainda atado à cruel liberdade individualista do capitalismo selvagem do século XIX, da mesma forma que, sem a Revolução Francesa, continuaria ou gênero humano vivendo debaixo do cetro daqueles reis e rainhas, diante de cujo despotismo o povo se prostrava, coisificado e genuflexo, sem direitos, sem liberdade, sem participação”. Segue o professor: “Foi, por conseguinte, a Grande Revolução do século XVIII que, no campo das ideias políticas e filosóficas, reformou o mundo. E o reformou com valores da liberdade, igualdade, e fraternidade, preparando transformações substanciais tanto relativamente à competência dos poderes soberanos, graças às limitações constitucionais ao seu exercício, como no tocante às esferas dos direitos básicos, doravante centro de gravidade de todo o processo de liberdade civil e social do Homem e razão de ser da nova ordem jurídica e constitucional da Sociedade”. E concluiu o professor Bonavides: “Criou a Sociedade vocacionadamente universal de nosso tempo o primado dos direitos humanos fundamentais. Entraram eles, já, na consciência de todos os povos, por obra daquelas Revoluções, cujo alcance intentamos medir e interpretar”. .

No segundo pós-guerra do século XX, como é consabido, diversos movimentos desenvolvem o que se pode entender como um novo paradigma do Direito, uma nova era que convencionalmente chama-se de Estado Democrático de Direito, ou mesmo Estado Constitucional, uma nova era que cada autor chamará de uma forma, resumidamente e para não entrar na polêmica terminológica, ou mesmo de conteúdo, chamamos de Direito Constitucional Contemporâneo. Um Estado que deve ser delimitado por uma Constituição, por isso constitucional, e por uma Democracia estabelecida pela Lex superior, e que trará a dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias fundamentais como norma a ser cumprida e delimitadora da atuação de todos: Estado, governo e Sociedade. Um Direito Constitucional, um Estado Democrático de Direito, uma Democracia que deverá conciliar a dignidade da pessoa humana com as liberdades, com a igualdade dentro do espírito da Solidariedade. Então, dito Estado Constitucional terá como parte de sua estrutura, segundo os autores Luigi Ferrajoli (2008, p. 25-41 e 102-109)FERRAJOLI, Luigi. La esfera de lo indecidible y la división de los poderes. In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Tradução de Perfecto A. Ibáñes, et al. Madrid: Trotta , 2008. p. 102-109., Riccardo Guastini (2003, p. 49-73)GUASTINI, Riccardo. La “constitucionalización” del ordenamiento jurídico: el caso italiano. In: CARBONELL, Miguel. (org). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta , 2003. p. 49-73. e Luis Prieto Sanchís (2013, p. 23-60)PRIETO SANCHÍS, Luis. El constitucionalismo de los derechos: Ensayos de filosofia política. Madrid: Trotta , 2013., as seguintes características: 1. A Constituição apresenta um caráter normativo, força vinculante e não será mais uma mera diretriz; 2. A Constituição ocupa posição privilegiada no Sistema de Normas (princípio da supremacia da Constituição); 3. A Constituição é uma norma diretamente aplicável (CRFB-1988, art. 5º, §1º); 4. Controle de Constitucionalidade (mecanismos de proteção da Constituição que terão como intérprete e última instância uma Corte Suprema); 5. O conteúdo da Constituição se caracteriza pela inclusão de princípios, valores, normas topoi, que veiculam a todos (nas relações dos indivíduos entre si e com o Estado); 6. Interpretação da legislação infraconstitucional de acordo com a Constituição e seus princípios; 7. Uma bem estruturada Rigidez Constitucional; 8. A existência de um núcleo da esfera do indecidível (limitações no poder de reforma da Constituição pela existência das Cláusulas Pétreas); 9. A influência da Constituição nas relações políticas.

Para o tema do presente artigo, ressaltamos a questão da rigidez constitucional, que é destacada pela maioria dos constitucionalistas contemporâneos como uma das mais fundamentais características do novo constitucionalismo do segundo pós-guerra. A rigidez constitucional para Bonavides resulta da necessidade de dar “(...) uma certa estabilidade ou permanência que traduz até certo ponto o grau de certeza e solidez jurídica das instituições num determinado ordenamento estatal”. (p. 175). José Afonso da Silva (2001, p. 42)SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª edição. São Paulo: Malheiros , 2001. diz que:

Rígida é a constituição somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os da formação das leis ordinárias ou complementares. Ao contrário, a constituição é flexível quando pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo procedimento de elaboração das leis ordinárias. Na verdade, a própria lei ordinária contrastante muda o texto constitucional.

Quando trata do assunto Paulo Bonavides (2020, p. 66)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020. ensina que as Constituições rígidas, são “(...) as que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. Demandam um processo de reforma mais complicado e solene”. Acrescenta ainda o saudoso professor da Universidade Federal do Ceará que “(...) quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição nomeadamente as do espaço Atlântico. Variável, porém, é o grau de rigidez apresentado”. Já as Constituições flexíveis, segundo Bonavides (2020, p. 66)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020., “(...) são aquelas que não exigem nenhum requisito especial de reforma. Podem, por conseguinte, ser emendadas ou revistas pelo mesmo processo que se emprega para fazer ou revogar a lei ordinária”4 4 Como é muito comentado pela doutrina, o exemplo mais emblemático de constituição flexível é a Inglaterra, na qual as partes escritas da sua Constituição podem ser juridicamente alteradas pelo parlamento com a mesma facilidade com que se faz ou se altera uma lei ordinárias. Também na atualidade Israel, Nova Zelândia e Hungria, desde 1989, são exemplos de países que têm uma Constituição flexível. .

A reforma constitucional, como é consabido, é uma preocupação desde as primeiras constituições escritas do constitucionalismo moderno5 5 O constitucionalismo é um movimento histórico, político e jurídico, que se desenvolverá mais concretamente a partir dos inícios da modernidade, e que, segundo Maurizio Fioravante (2014, p. 9), se traduz em uma corrente de pensamento que tem finalidades políticas concretas que consistem na limitação dos poderes públicos e na consolidação de esferas de autonomia garantidas mediantes normas. O movimento do constitucionalismo desde o princípio procura também a construção de um poder comum, diante do qual, reivindica limites e garantias. Na contemporaneidade o constitucionalismo está fortemente vinculado com as garantias dos direitos fundamentais e com a proteção da dignidade da pessoa humana. . Em efeito, a preocupação pela existência da possibilidade de futuramente reformar a Constituição é uma das dez características do constitucionalismo moderno descrito por Horst Dippel (2007, p. 6-10)DIPPEL, Horst. História do Constitucionalismo Modernos: novas perspectivas. Tradução de António Manuel Hespanha; Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. 6 6 Horst Dippel (2007, p. 10) chama de os dez traços essenciais do constitucionalismo moderno determinados e previstos pela primeira vez na Virgínia em 1776 e que são sua base até hoje em dia. Também chamado por Dippel (2007, p. 15) de Decálogo Constitucional inaugurado em Virginia em 1776 e que toda Constituição para ser moderna deve ter: 1º. soberania popular; 2º. princípios universais; 3º. direitos humanos; 4º. governo representativo; 5º. a constituição como direito supremo; 6º. separação de poderes; 7º. governo limitado; 8º. responsabilidade do governo; 9º. imparcialidade e independência dos tribunais; 10º. o reconhecimento do direito de reformar o seu próprio governo e do poder de revisão da constituição. Para delimitar conceitualmente que uma determinada Constituição é fruto do constitucionalismo moderno, a mesma deve ter essas dez características essenciais do decálogo (DIPPEL, 2007, p. 10). Na mesma linha o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 determina que: Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. . O autor alemão em seu reconhecido decálogo do constitucionalismo moderno já determinava que estabelecer regras para futuramente mudar a constituição, já era uma das características da Constituição da Virgínia de 1776. A mais emblemática e a que irá determinar o futuro do constitucionalismo moderno, segundo Dippel, será exatamente a Constituição da Virgínia e sua declaração de Direitos. A preocupação com o tema se deu também nos debates e na Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada pela famosa Convenção da Filadélfia de 17877 7 Digamos que no constitucionalismo dos antigos, muito bem descrito por Canotilho (2003), as leis de organização do Estado eram consuetudinárias e esparsas, quer dizer baseadas em costumes ou em várias leis escritas, já que - a exemplo da atual inglesa - esse tipo de constituição é classificada pela doutrina como histórica e costumeira. Assim podemos afirmar que essas constituições, se é que poderíamos classificá-las, quanto à mutabilidade são constituições flexíveis. Assim então, as constituições flexíveis são aquelas que não preveem as normas procedimentais mais difíceis para reformar a constituição, muda-se a constituição com as mesmas normas e procedimentos de uma lei comum ou ordinária. .

Como sabemos o instituto da Reforma Constitucional no plano da doutrina do Direito, classicamente, se define como um conjunto de normas procedimentais pelas quais são estabelecidas regras no texto da própria Constituição que preveem um mecanismo de mudança do texto da mesma, mais complexo e difícil, assim obstaculizando e dificultando a reforma da Constituição8 8 Cada país terá a suas normas, diferentes entre si, de processo legislativo especial e qualificado para a reforma constitucional. Ver as diferenças nas importantes lições de direito constitucional comparado dos professores, respectivamente da Universidade de Bolonha e da Universidade de Roma, Lucio Pegoraro e Angelo Rinella (2021, p. 379-414). PEGORARO, Lucio; RINELLA, Angelo. Sistemas constitucionais comparados. Volume 2. Tradução de Manuellita Hermes. São Paulo: Contracorrente, 2021. . As regras de reforma do texto constitucional se diferem das normas para a criação de leis ordinárias ou complementares, evidentemente pelo motivo deste fato a doutrina chama as constituições atuais de rígidas. As normas constitucionais de reforma da própria Constituição são positivadas pelo legislador constituinte originário e são regras mais rígidas9 9 Para reformar a constituição temos a existência de um processo legislativo especial e qualificado, que dificulta a reforma com um trâmite mais complexo, previsto no artigo 60 da CRFB-1988. Já para aprovar uma lei ordinária ou lei complementar está previsto um processo legislativo comum ou ordinário que é mais fácil, menos complexo, previsto nos artigos 47, 61, 65 e 69 da CRFB-1988. . De todas as formas, o estudo e análise da normativa da reforma constitucional, sem nenhuma dúvida, compreendem uma questão muito mais rica e complexa que o mero diagnóstico formal e procedimental. Não é por muito dizer que a questão da reforma da constituição e seus limites está claramente vinculado com o regime político democrático e todos os pilares do constitucionalismo moderno-contemporâneo anteriormente vistos.

Como exemplo de que o tema das reformas da constituição está vinculado com a Democracia, evidentemente, está o fato de que somente constituições não democráticas serão aquelas que não terão normas de reforma, as constituições imutáveis10 10 Para Bonavides (2020, p. 173): “A pretensão à imutabilidade foi o sonho de alguns iluministas do século XVIII. Cegos de confiança no poder da razão, queriam eles a lei como um produto lógico e absoluto, válido para todas as idades, atualizado para todas as gerações. Dessa fanática esperança comungou um membro da Convenção, conforme nos lembra notável publicista francês, pedindo durante os debates do Ano III a pena de morte para todo aquele que ousasse propor a reforma da Constituição”. . Essas serão as constituições autoritárias, outorgadas e as chamadas bonapartistas11 11 Essas últimas fruto do que José Afonso da Silva (2001, p. 41-42) chamará em nossa doutrina brasileira de constituições do tipo cesaristas, ou seja, outorgadas por um ditador (um líder) e que são posteriormente colocadas em votação por uma consulta popular, um referendo, que as irá aprovar. Certo dizer que referendo sempre feito na escuridão da ditadura, nada democrático. Na Europa essas constituições são chamadas de bonapartistas. No século XX na história das constituições latino-americanas duas constituições foram assim aprovadas, as atuais do Chile de 1980 e do Peru de 1993, levadas a cabo a partir das ditaduras de Pinochet e Fujimori. , ainda que a maioria das constituições autoritárias sejam também rígidas.

Com relação a possibilidade de ausência de um procedimento de reforma, poderia ser em um primeiro momento pela existência de cláusulas expressas da Constituição, segundo as quais a reforma da mesma estivera expressamente proibida. De todas as formas esse fato é uma anomalia e totalmente em dissonância com o Estado constitucional atual ou mesmo com o constitucionalismo moderno, resta pensar que mesmo o constitucionalismo norte-americano de 1776 ou mesmo a Convenção da Filadélfia de 1787 já pensou a questão da reforma constitucional, assim como o processo revolucionário francês em suas Assembleias Constituintes de 1791, 1793 e 1795 já previam a reforma da própria Constituição. O fenômeno da imutabilidade constitucional é absurdo e nada democrático12 12 Assim leciona nosso autor constitucionalista: “A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução e ao golpe de Estado a solução das crises. A força e a violência, tomadas assim por arbítrio das refregas constitucionais, fariam cedo o descrédito da lei fundamental”. (BONAVIDES, 2020, p. 173-174). , ainda que faça parte da história constitucional13 13 Com efeito, de todas as maneiras a ausência de regras sobre um processo de reforma deu razão a diversas interpretações, contraditórias e simplórias, ainda que faça parte da história constitucional não merece muito nossa atenção, mas como expoente exemplar que constituições imutáveis podemos citar algumas do século XIX como as cartas francesas de 1815 e 1830, o Estatuto Albertino da Itália de 1848 e a carta espanhola de 1876. .

O poder de reforma constitucionalmente previsto e exercido pelo poder constituinte derivado é por sua própria natureza um poder limitado, contido num quadro de limitações explícitas e implícitas, como o próprio nome diz derivado da Constituição a cujos princípios deve se sujeitar obrigatoriamente. Para Bonavides (2020, p. 177-178)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020. essas limitações expressas podem ser temporárias, circunstanciais e materiais. Ditas limitações na CRFB-1988 estão previstas no artigo 60 e - não havendo as temporárias14 14 As limitações temporais estão previstas em alguns textos constitucionais que limitam no tempo a reforma da constituição, paralisando o poder constituinte derivado reformador até o transcurso de alguns anos (BONAVIDES, 2020, p. 175-176). Os exemplos descritos por Bonavides são algumas constituições francesas da história anteriores ao século XX. Ademais, pode-se afirmar que no Brasil a Revisão Constitucional previstas no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB-1988 são temporárias, pois estabelecem uma data para a mesma, ainda que uma Proposta de Emenda Constitucional tentou voltar com a revisão constitucional em nosso país (PEC 157 de 2003 de autoria do deputado federal Luiz Carlos Santos). - são: 1. circunstanciais: a do § 1º que diz que a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, do estado de defesa e estado de sítio; e 2. materiais: as do § 4º, as cláusulas pétreas, ou a esfera do indecidível15 15 Sobre aquelas matérias que não se decide mais, como leciona Ferrajoli, exatamente sobre aquelas que o legislador constituinte, o consenso da Assembleia Nacional Constituinte e os dogmas do constitucionalismo garantista contemporâneo já decidiram, nem que as maiorias queiram pode-se mudar uma cláusula pétrea. como alude Ferrajoli (2008, p. 102-109)FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional. In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Tradução de Perfecto A. Ibáñes, et al. Madrid: Trotta , 2008. p. 25-41., a federação, a democracia, a separação dos poderes e os direitos fundamentais; ademais o § 5º que diz que a matéria rejeitada ou havida prejudicada não poderá ser objeto de nova proposta de Emenda na mesma sessão legislativa.

2. A Sala de máquinas do constitucionalismo latino-americano

Roberto Gargarella em seu livro La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo en América Latina (1810-2010), alude a uma metáfora como se existisse uma sala de máquinas da Constituição dos países da América Latina. Poderíamos traduzir a metáfora do professor argentino como a existência de uma casa de máquinas que seria o motor, a alma, do navio que estabelece os rumos do constitucionalismo e da sociedade latino-americana (Gargarella, 2014, p. 309-346). O que quis dizer Gargarella é que o modelo latino-americano de constitucionalismo propositalmente é elitista, e assim privilegia uma classe dominante (normalmente branca e conservadora) e que é patente sua obstinação por incorporar os avanços da modernidade e da contemporaneidade, ou seja, os mais variados direitos fundamentais devem estar previstos na Constituição. Podemos assim afirmar que toda ditadura e todo o Estado de exceção, é dizer, todo regime não democrático quer ter aparência de legalidade e tem uma obsessiva necessidade de se autodenominar como uma democracia. A crítica de Gargarella (2014, p 332-334)GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014. é sobre a eficácia dos direitos fundamentais na elitista sociedade latino-americana. Nas palavras do professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), dissimula-se a situação com um amplo e contemporâneo rol de direitos humanos constitucionalizados, mas que não serão efetivos (Gargarella, 2014, p. 309-346GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014. e 2021 b, p. 49-56GARGARELLA, Roberto. La derrota del derecho en América Latina: siete tesis. Buenos Aires: Siglo Ventiuno , 2021b.). A Constituição brasileira de 1988 é um bom exemplo do que foi dito. A CRFB-1988 é uma ótima constituição, tem um excelente e inovador rol de direitos e garantias fundamentais, mas infelizmente não são eficazes ditos direitos fundamentais16 16 Os direitos humanos servem como fenômeno de legitimidade do ordenamento jurídico ou como medidor do desenvolvimento de uma Sociedade, como comenta Nicolás López Calera (1997, p. 206) em seu livro sobre filosofia do Direito. Hoje em dia uma vez visto o Índice de Desenvolvimento Humanos, o IDH, criado pelos economistas Amartya Sen em colaboração com Mahbub ul Haq, pode-se mensurar aproximadamente um factível desenvolvimento humano de um país levando-se em consideração os índices de renda, mortalidade infantil, expectativa de vida da população, saúde, educação etc. Infelizmente a República Federativa do Brasil, ainda que com constantes manipulações dos índices levadas a cabo pelos deferentes governos, ainda tem seu IDH muito baixo. A posição do Brasil em 87ª posição no ranking entre 191 países em 2021 quando seu índice de IDH mundial foi de 0,754, em contraste com uma queda nos últimos anos que revela que vamos caindo nos últimos anos. Em 2020 estávamos em 86ª, com índice de 0,758, ou seja, vamos caindo. Atlas Socioeconômico - Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/indice-de-desenvolvimento-humano-idh-e-idhm> Acesso em 28 dez. 2022. , já que falta uma prática a favor dos mesmos, seja no dia-a-dia das instituições públicas, na mentalidade da sociedade, ou mesmo em medidas para incrementar uma visão favorável aos direitos humanos na educação, na mídia, na política, em políticas públicas e em outros setores da sociedade. Não há uma visão favorável aos direitos humanos na sociedade brasileira nem vontade política a favor dos mesmos. Muito pelo contrário, há uma campanha diuturna contra os direitos humanos fundamentais.

Na opinião de Gargarella a obstinação de incluir mais e mais direitos é um faz de contas, pois não há possibilidades fáticas de implementação. Já que nossas elites, as classes dominantes, admiram as sociedades da Europa e estudam a partir de autores do norte, e assim querem estar entre as sociedades civilizadas, a hipocrisia deve imperar. O faz de conta do constitucionalismo simbólico na doutrina brasileira já foi denunciado por Marcelo Neves (2011)NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011., entre outros, como o próprio Raymundo Faoro (2001FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato brasileiro. 3ª edição. São Paulo: Globo, 2001.). O modelo latino-americano de constitucionalismo falha ao não dar condições de efetividade para os direitos fundamentais. Uma vez que ao incorporar direitos fundamentais para inglês ver, e ao mesmo tempo mantem potencialmente intocada ou pouco modificada a parte mais estruturante da Constituição, isso é, a das normas essencialmente constitucionais, a relacionada com a organização do poder ou a sala de máquinas. De uma forma ou de outra o professor da UBA denuncia o fundamental problema em algo básico para dar coerência ao sistema no todo: a questão do princípio da unidade da Constituição.

A sala de máquinas, ou casa de máquinas, do constitucionalismo da América Latina está dissociada dos amplos direitos fundamentais positivados na Constituição. O motor da casa de máquinas da Constituição leva a sociedade para onde a elite quer, a ineficácia dos direitos fundamentais, a fome e a miséria dos povos, enfim a desgraça das maiorias não é por casualidade, e sim uma forma de opressão, de manutenção da submissão dos menos favorecidos às elites dominantes (Gargarella, 2014, p. 332-334)GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014.. Os oprimidos conhecem assim seu lugar de subordinação e obediência, e como denunciou Paulo Freire em seu livro sobre a Pedagogia do Oprimido (1987)FREIRE, Paulo. 17ª ed. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1987., o acanhado homem humilde a partir de uma educação opressora segue sendo submisso e sonha em ser como o opressor. Assim, a casa-grande e a senzala seguem! Agora com a ilusão ou a remota possibilidade de uma ascensão social que deveria premiar aos bem adestrados pela ideologia neoliberal, o que está muito bem divulgado pela mídia na manipulação da opinião pública nas farsas do empreendedorismo e da meritocracia que seduzem aos mais incautos17 17 A farsa de manipulação da opinião pública está muito bem descrita por Noan Chomsky e Edward Herman (2003) e a da meritocracia neoliberal de nossos tempos por Micheal Sandel (2020). Ademais sobre o neoliberalismo de nossos tempos um interessante estudo é o de Rubens Casara (2021). Veja-se: CHOMSKY, Noan; HERMAN, Edward S. A manipulação do público: política e poder econômico no uso da mídia. Tradução Balzán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 2003; e CASARA, Rubens. Contra a miséria neoliberal. São Paulo: Autonomia Literária, 2021. .

Gargarella (2021 a, p. 181-183GARGARELLA, Roberto. El derecho como uma conversación entre iguales: Qué hacer para que las democracias contemporâneas se abran - por fin - al diálogo ciudadano. Buenos Aires: Siglo Ventiuno, 2021a. e 2021 b, p. 55)GARGARELLA, Roberto. La derrota del derecho en América Latina: siete tesis. Buenos Aires: Siglo Ventiuno , 2021b. alude ao problema como se o texto constitucional fosse dividido em diversas partes desconexas, como se a organização do poder fosse desmembrada dos direitos fundamentais constitucionalizados, como se pudessem ser autônomas ambas as partes. De maneira que se poderia introduzir modificações significativas em uma de suas seções ou em alguns de seus artigos, deixando intacto ao resto. Como se o sistema não fosse uno (o princípio da unidade do sistema seria somente uma retórica). Sabemos que a modificação de um artigo pode acabar com todo o arcabouço dos direitos fundamentais e violar a estrutura dos mesmos, levando a uma ineficácia geral. O conceito de direitos fundamentais deve abranger os direitos civis e políticos, os direitos sociais e os direitos de solidariedade. Os direitos fundamentais constitucionalizados são complementários18 18 Uma das marcantes características que permearam a evolução dos direitos humanos é a complementariedade. Segundo esta característica, um direito complementa o outro, não havendo hierarquia entre eles. Assim, “os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade do alcance dos objetivos previsto pelo legislador constituinte” (MORAES, 2000, p. 41). . Um depende do outro, não podendo haver hierarquização entre os direitos. São as características essenciais dos direitos humanos fundamentais: a igualdade, a universalidade, sua vinculação com a proteção da dignidade da pessoa humana e a complementariedade19 19 As características dos direitos humanos dependendo do autor podem ser várias, mas citamos aqui as mais essências no presente texto. Dessa forma, os direitos humanos fundamentais apresentam diversas características que são muito bem resumidas por Alexandre de Moraes (2000, p. 41). As aludidas características são: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade. . Seria o que Gregorio Peces-Barba chama de conceito integral dos Direitos Fundamentais (Garcia, 2016, p. 209-232)GARCIA, Marcos Leite. Reflexões sobre o conceito de Direitos Fundamentais de Gregorio Peces-Barba. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais. Brásilia, v.2, N.1, p. 209-232. Jan./jun. 2016..

Assim, o legislador constituinte latino-americano nas palavras de Roberto Gargarella, ou mais especificamente o legislador constituinte brasileiro de 1988, introduziu importantíssimas e profundas novidades na Carta Magna acrescentando um fundamental rol de Direitos Humanos para dar a nossa Sociedade uma estrutura constitucional com o devido caráter social e democrático, enquanto - conteúdo da tese central de Gargarella - é mantida incólume a velha organização política do poder elitista, hostil à democracia, retrógada e como sabemos desde sempre que sustenta a prática dos chamados por Faoro donos do poder que formam uma classe inimiga dos menos favorecidos, dos movimentos populares, dos trabalhadores, dos partidos políticos que representam os trabalhadores e dos que se destacam por defender e reivindicar os direitos humanos dos mais débeis. Somente então que, desde essa atitude, se criaram constituições com duas almas, bifrontes como Jano: uma face que olha para atrás, virada para um passado conservador, e outra face que olha para frente, virada para um futuro digno, libertador e igualitário (Gargarella, 2014, p. 332-334GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014. e 2021 b, p. 49-56)GARGARELLA, Roberto. La derrota del derecho en América Latina: siete tesis. Buenos Aires: Siglo Ventiuno , 2021b.. Dever-se-ia então, segundo Gargarella (2014, p. 347-366)GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014., haver uma reforma apropriada que mudaria de modo significativo a organização do poder para ficar mais ajustada à Democracia, a cara mais humanista de Jano.

Que a Constituição seja una e consistente, que seja uma parte complementaria da outra. Que se acabe com as contradições internas, como as que encerram o sistema político que levam aos constantes golpes de Estado na região, aos golpes coloridos e híbridos como os ocorridos nas últimas décadas (Korybko, 2018)KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. Tradução de Thyago Antunes. São Paulo: Expressão Popular, 2018.. O problema resulta gravíssimo para a manutenção da democracia na América Latina quando se pretende reformar direitos modificando somente a parte referente aos direitos enquanto se mantem intacta a parte da organização do poder20 20 Gargarella (2014, p. 309-346, 2021 a, p. 147-159 e 2021 b, p. 49-56) aponta dois dos maiores problemas dos direitos fundamentais no continente americano. Em primeiro lugar, a questão do hiperpresidencialismo, já assim chamado por Carlos Santiago Nino; e, em segundo lugar, os ataques antidemocráticos aos governos legítimos que querem instituir políticas públicas favoráveis aos direitos fundamentais dos mais humildes, como recentemente, e na época da guerra fria e da doutrina da segurança nacional (toda vez que se inclinaram a favor dos menos favorecidos, um golpe de estado é perpetrado). Presidencialismo e ataques e pouco caso aos direitos sociais, são os dois problemas mais emblemáticos da casa de máquinas do constitucionalismo latino-americano. A questão do presidencialismo, que em nossas latitudes são entendidas como uma espécie de absolutismo como o fenômeno do populismo, caudilhismo político, coronelismo ou como se quiser chamar. O hiperpresidencialismo, um superpoderoso executivo, que levou a golpes de Estado, pretensas democracias que viveram da fraude, que sobrevivem desde o século XIX e que é uma grave falha que continua mesmo no que se pretensamente tem-se como mais contemporâneo como o novo constitucionalismo latino-americano. .

Agora bem, reforçando a teoria de que são as elites econômicas que subjugam a sociedade latino-americana, todos os gravíssimos problemas quase sempre estão no tocante aos direitos sociais, ou mesmo no pouco caso ou na aprovação de reformas contrárias aos mesmos, violando assim o núcleo da esfera do indecidível, e sobre as quais as respectivas Supremas Cortes não enfrentam com a devida coragem pelo fato de serem inconstitucionais. Já que violam cláusulas pétreas e ao mesmo tempo a dignidade da pessoa humana. Esse fenômeno se refere ao que Ferrajoli (2021)FERRAJOLI, luigi. Manifesto pela igualdade e Por uma constituição da Terra. Tradução de Sergio Cademartori. Caxias (RS): Ed. Unilasalle, 2021. em suas últimas obras chama de processo de desconstitucionalização dos Direitos21 21 Assim, o iusfilósofo italiano apregoa que “Consequentemente, se o projeto da esquerda é inovação e transformação revolucionária ou reformadora da realidade social através de leis de implementação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais, o projeto da direita é a conservação de estruturas naturais ou transmitidas pela tradição e / ou pela entrega da vida social ao livre jogo do mercado, também concebido como um lugar de relações naturais. Não por acaso o reformismo liberal é sempre antiestatista e sob a bandeira da desregulamentação: por desconstitucionalização, deslegificação, desestatalização e, portanto, desmantelamento do estado social e da esfera pública, redução de direitos sociais e privatização de benefícios a eles correspondentes. ‘Liberalização’ é a sua senha: o que significa? liberação de poderes privados, econômicos e financeiros de limites, restrições e controles políticos e legais e sua transformação em poderes selvagens”. FERRAJOLI (2021, p 69). . Desconstitucionalização, revogação ou flexibilização dos direitos fundamentais sociais. Os acontecimentos no Brasil dos últimos anos é um bom exemplo. Também a pandemia levou ao desespero e a fome aos mais débeis, os mais frágeis, os vulneráveis e como comenta Boaventura de Sousa Santos (2021, p. 103-106)SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo: Boitempo, 2021.: deixou mais ainda as veias abertas das desigualdades e das discriminações22 22 Veias abertas as quais o autor português e professor da Universidade de Coimbra subdivide em: 1. as linhas abissais com predominância econômica: trabalhadores dependentes, precários, informais, ditos autônomos, desempregados, trabalhadores sazonais, trabalhadores de rua, moradores nas periferias, pobres das cidades, favelas etc., os sem-teto ou população de rua; 2. as linhas abissais com predominância racista-colonialista: os povos indígenas, populações da matriz africana/negras e povos quilombolas, o povo cigano, refugiados e imigrantes etc. 3. as linhas abissais com predominância sexista: as mulheres, trabalhadoras e trabalhadores de sexo, LGBTQIA+. 4. As linhas abissais de predominância religiosa: preconceitos e conflitos; 5. linhas abissais do mundo carcerário presos e presas. Entre outras linhas abissais que explicam a tragédia humana (SANTOS, 2021, p. 106-142). .

Em quase toda América Latina, e no Brasil também, as declarações robustas em direitos sociais sofrem uma transformação, ou mesmo seguem sendo, de imediato em meras folhas de papel adormecidas, e nos últimos anos ditas modificações são frutos de reformas levadas a cabo baixo o engodo da modernização, e de falsas promessas de que o mercado acabará com os problemas econômicos e as crises do momento. O sistema capitalista vive do medo, das crises, e ao mesmo tempo alimenta o preconceito, o ódio e cultiva as saídas extravagantes e fantasiosas dos salvadores da pátria, nutrindo assim aos movimentos nazi-fascistas. Enquanto os direitos sociais são cláusulas adormecidas e/ou abolidas, revogadas em benefício de uns poucos, muitos são os ressentidos sociais que se radicalizam com os discursos de ódio ao diferente e em contra os direitos humanos. As teorias negadoras dos direitos humanos cada vez mais, em bases pouco sólidas, crescem e se tornam mais falaciosas e mentirosas. E apregoam o ódio ao adversário político, ao diferente, cultuam a morte e sonham com a eliminação física dos que consideram seus inimigos. A história se repete, Primo Levi (1988)LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. - em seu principal livro É isto um homem? - descreve que o prisioneiro de Auschwitz era o judeu, o cigano, o homossexual, o comunista e o que pensava diferente, o inimigo do Partido Nazista.

A crítica apresentada por Gargarella cabe muito bem para nossa sociedade brasileira em vários aspectos, mas principalmente pela formação elitista e escravagista, historicamente demonstrada e que infelizmente é ainda atual na sociedade brasileira. Claro está que é uma crítica sobre o constitucionalismo no continente, mas a mesma tem uma semelhança muito grande com as críticas de Paulo Bonavides (2001, c)BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2ª edição. São Paulo: Malheiros , 2001c., que a igual que António Avelãs Nunes (2016)NUNES, António José Avelãs. O neoliberalismo não é compatível com a democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016., entre outros, chama a atenção para a transformação do Estado Democrático em um frio e calculista Estado neoliberal23 23 Bonavides, antes mesmo do tema estar em voga, já em 1999 (1ª edição do livro Do Estado constitucional ao Estado neocolonial) alertava para a questão de que golpes de Estado institucionais já causavam erosão na democracia contemporânea. Segundo Bonavides (2001, c, p. 84), o golpe de Estado institucional é diferente e é feito na calada da noite, quando o cidadão descansa de difícil luta do dia-a-dia pela sobrevivência: “é distinto do clássico golpe de estado que geralmente remove governos constitucionais e instala no poder ditaduras militares e civis”. Se referia Bonavides sobre o fenômeno que Ferrajoli (2011) chamará de poderes selvagens econômicos, ou seja, dos capitais invasores, movediços e flutuantes da especulação predatória do capitalismo neoliberal e desumano. No sentido contrário da dignidade humana preconizada por Emmanuel Kant na Metafísica dos Costumes: o homem deve ser o fim de todos as coisas e não um mero meio. O Estado social e democrático de Direito, o Estado Constitucional, se transforma assim em um frio Estado mínimo e tecnocrata, que afasta cada vez o cidadão dos centros de decisões e do poder. A soberania popular será transformada em mera retórica vazia de conteúdo no Estado neoliberal. Nosso autor era um lúcido crítico e sua leitura deveria ser obrigatória em todos os cursos jurídicos, e cursos de outras áreas, principalmente na época em que vivemos. . Em tempos de radicalização do neoliberalismo, advindo do capitalismo pragmático e selvagem, nos quais valem os poderes selvagens (Ferrajoli, 2011FERRAJOLI, Luigi. Poderes salvajes: la crisis de la democracia constitucional. 2ª ed. Tradução de Perfecto A. Ibáñez. Madrid: Trotta , 2011.) ou os poderes invisíveis (Bobbio, 2000)BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7.ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. Título oriinal: Il futuro della democrazia. desumanizadores, as ideias de Paulo Bonavides, António Avelãs Nunes (2016), Roberto Gargarella (2014) e Gerardo Pisarello (2014PISARELLO, Gerardo. Procesos constituyentes: Caminos para la ruptura democrática. Madrid: Trotta , 2014.) são muito alentadoras no sentido de que os mais recentes e importantes constitucionalistas de nosso meio são independentes, originais e íntegros.

Dessa maneira, uma questão de extrema importância é o gravíssimo fenômeno da erosão democrática. O tema da erosão democrática é ainda pouco aludido e em construção, assim podemos citar que nos últimos anos vem sendo estudado por alguns dos mais importantes cientistas políticos da atualidade: entre outros, além de Roberto Gargarella (2021 a, p. 277-294; 2021 b, p. 57-64), Adam Przeworski (2020)PRZEWORSKI, Adam. Crises da democracia. Rio de Janeiro: Zahar , 2020., Chris Thornhill (2021)THORNHILL, Chris. Crise democrática e Direito Constitucional. Tradução de Diógenes Moura Breda e Glenda Vicenzi. São Paulo: Contracorrente, 2021., Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018)LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. escreveram importantes trabalhos sobre o tema, Ferrajoli de uma forma ou de outra fala sobre o assunto quando denuncia o processo de desconstitucionalização que através da ideologia neoliberal arrisca-se revogar e tirar da Constituição direitos sociais com reformas como a trabalhista, a previdência social, e fomentar amplas campanhas midiáticas para realizar privatizações da área da saúde e da educação. Também devemos destacar o tema paralelo da erosão constitucional, conforme ensina Karl Loewenstein (1983, p. 122) LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Traducão e estudo prévio de Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1983., criador da terminologia: “(...) a erosão da consciência constitucional ocorre quando há uma desvalorização da constituição escrita, ou seja, a omissão dos poderes públicos desvaloriza a função da Constituição”. A prática de condutas a partir do Estado que desrespeitam a Constituição ou que tenta abolir suas normas mais essenciais, ou mesmo mediante a omissão das normas da Constituição, assim como a não educação em cidadania e em direitos humanos, o não conhecimento do povo de sua própria constituição certamente que leva a erosão democrática assim como a erosão da consciência constitucional.

3. A necessidade de uma cultura constitucional

Será para fundamentar sua teoria da sociedade aberta dos intérpretes da constituição que Peter Häberle dissertará inicialmente sobre a importância de que a população tenha uma cultura constitucional. Podemos afirmar, baseado na Hermenêutica Constitucional do mestre alemão, que a cultura constitucional diz respeito ao nível de conhecimento que os membros de determinada sociedade têm sobre sua própria Constituição (Häberle, 1997)HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição; contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. 24 24 O livro do professor Peter Häberle, Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, foi traduzido no Brasil por Gilmar Ferreira Mendes e publicado em 1997 pela Sergio Antonio Fabris Editor. Escrito originalmente em 1975, o livro tem uma fundamental tese sobre os novos tempos da sociedade democrática do Direito Constitucional contemporâneo. : Uma questão de cidadania! No entanto, a cultura constitucional não se limita ao conhecimento que o povo tem do conteúdo do texto constitucional, mas também consiste na questão da opinião que a própria Sociedade tem da sua Constituição: Uma questão de consciência e de conhecimento dos próprios direitos humanos! Assim, o itinerário para que o cidadão seja favorável à constituição, será no sentido de que deve haver uma política pública resultante do consenso determinado pelo legislador constituinte - dando ênfase: consenso proposto na Assembleia Nacional Constituinte -, e que deve ser observado para impulsionar uma cultura constitucional, a partir de uma educação em cidadania e direitos humanos. Dessa forma, deve ser implementada uma educação democrática para todos, igualitária, desde a infância e em todos os níveis e cursos para defender os valores democráticos da Constituição. A educação de um país que pretende ser democrático deve estar a favor da Constituição, e de seus fundamentos como a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, dos direitos fundamentais constitucionalizados e previstos pela comunidade internacional (a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948): Uma questão de educação para a democracia e os direitos humanos!

A cultura constitucional deve se estabelecer, ser cultivada, ser alabada, ser protegida, no próprio sentimento que a população deve ter com relação aos dizeres da Constituição. Assim as diferentes mídias, todas livres e democráticas, mas concessões públicas, devem ter o compromisso com a Constituição, com os valores cívicos democráticos e com os direitos humanos (direitos fundamentais constitucionalizados e direitos humanos previstos em documentos internacionais), todas conquistas humanas civilizatórias. O assunto é para ser levado a sério: trata-se dos fundamentos de nossa civilização, do viver civilizadamente. Nesse sentido os meios de comunicação devem estar de acordo com as regras da democracia constitucional. A cultura constitucional se faz entre todos os membros da sociedade do Estado democrático de Direito. Todos devem ter o compromisso ético com o pacto democrático que representa a Constituição. Os meios de comunicação, as declarações de pessoas públicas, a atuação de agentes públicos, a história política do país que deve ser contada, enfim, todas essas formas de atuação devem estar vinculadas com a verdade, para Häberle (2008, p. 142)HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Tradução de Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor , 2008. a verdade é um valor constitucional, a verdade é um valor cultural. Quando alguém de maneira vil, sem escrúpulo e fundamentos, faz apologia a crimes (por exemplo, à tortura, ao linchamento de seres humanos, às execuções sumárias), aos assassinatos perpetrados por agentes do Estado, deveria ser chamado pela justiça para se explicar, e assim processado por crime de apologia a crime; ou quando alguém atenta contra as instituições do Estado democrático de Direito, deveria ser igualmente chamado a público para explicar os motivos (sob pena de arcar com uma condenação por crime contra as instituições democráticas), a verdade deve ser sempre exigida.

Peter Häberle (2008)HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Tradução de Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor , 2008., em seu livro sobre a verdade constitucional, cita o valor da busca da verdade como uma questão constitucional, o direito à verdade é um direito fundamental, seja a busca de uma justiça de transição e o direito fundamental à verdade nas comissões da verdade que procuram reestabelecer a justiça e a história das ditaduras que praticaram atrocidades anteriormente: os crimes de lesa humanidade devem ser tratados com rigor, assim passa-se a página da história. Para tal basta comparar de como é tratado a questão na Alemanha e no Brasil. Na Alemanha revisionismos históricos absurdos como a negação do Holocausto são considerados crime, no Brasil não. No Brasil faz-se impunemente apologia a doutrinas racistas e a crimes de lesa humanidade como a tortura, execuções sumárias e o desaparecimento forçado de pessoas.

Assim sendo, Peter Häberle (1997, p. 37)HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição; contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. define a cultura constitucional como a reunião de atitudes, atividades, valores e experiências, tanto na esfera pessoal do indivíduo (ética privada), quanto nas associações, em órgãos estatais ou em quaisquer outros entes que de alguma forma se relacionam com a Constituição (ética pública). É nesse sentido que Häberle (2010, p. 384)HÄBERLE, Peter. Métodos y princípios de interpretación Constitucional: Un catálogo de problemas. Revista de Derecho Constitucional Europeo, Granada, n. 13, p. 379-414. Jan. 2010. trata a cultura constitucional como expressão de um estado de desenvolvimento cultural, que serve como instrumento para a representação cultural de um determinado povo, servindo como reflexo do seu patrimônio cultural e também como fundamento de suas esperanças. Não é, portanto, concebível que em uma sociedade democrática alguém para proteger interesses escusos, interesses privados ou para defender seus poderes selvagens, ou seja, poderes econômicos e de classe (donos do poder, classe dominante) venha a escorraçar a Constituição e a democracia. A verdade constitucional de Häberle (2008, p. 37)HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Tradução de Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor , 2008. determina que está em três níveis:

(...) as três liberdades fundamentais do Estado constitucional, a ‘eterna busca da verdade’ se torna possível: da liberdade de prática religiosa, da liberdade das artes e da liberdade da ciência (...). O Estado neutro do ponto de vista religioso e da mundividência, o Estado constitucional que refuta o papel de juiz da arte e deixa espaço para as ciências e para sua respectiva autonomia libera, assim, as forças da pessoa humana e deixa percorrer um caminho próprio na busca da verdade (grifos no original).

Para Häberle (1997)HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição; contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. o cidadão da sociedade aberta dos intérpretes é ao final de contas também um intérprete. A democracia e os direitos fundamentais devem ser a base de sua interpretação. Para tal é inconcebível (incompreensível) um cidadão que defenda, ou vote (claro, o voto é livre), a favor de quem quer desconstitucionalizar Direitos do rol dos que estão previstos na Constituição. Somente em uma sociedade sem cultura constitucional isto é possível, como a brasileira que sofreu com três mudanças constitucionais que instituíram, em nome de uma economia neoliberal que somente traz prejuízos para o cidadão, aberrações antidemocráticas e inconstitucionais como as seguintes reformas à Constituição brasileira de 1988: a Emenda Constitucional que estabelece limites de gastos sociais por vinte anos (EC 95/2017), a flexibilização das normas trabalhistas, a chamada a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que somente piorou as relações de trabalho tirando direitos constitucionais do trabalhador; e da reforma da previdência social (EC 103/2019), todas aprovadas após o golpe de Estado de 2016, no qual foi derrubado o governo democrático da presidente Dilma Rousseff, com apoio da imprensa, do judiciário e do parlamento alegando desculpas pouco republicanas (Avritzer, 2016)AVRITZER, Leonardo. O péndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019..

Para compreender a Constituição é necessário conhecê-la, e esse conhecimento se dá ao longo da vida, através da educação e da prática de valorização da mesma, em todos os âmbitos da sociedade na construção de uma mentalidade favorável à Constituição e seus direitos fundamentais. Para Häberle (2001, p. 33)HÄBERLE, Peter. Per una dottrina della costituzione come scienza della cultura. Tradução italiana de Jörg Luther. Roma: Carocci Editore, 2001. deve-se pensá-la como a ficção de um contrato (o contrato que espelha o consenso da Assembleia Nacional Constituinte), como atualidade prática e como proteção do cidadão, do ser humano e de sua dignidade, pois é a Constituição que garante os direitos da pessoa humana. Assim como um contrato entre todos, e com todos, incluindo evidentemente o Direito e o Estado que dela são parte, são concebidos, instituídos por ela, Häberle (2001, p. 33)HÄBERLE, Peter. Per una dottrina della costituzione come scienza della cultura. Tradução italiana de Jörg Luther. Roma: Carocci Editore, 2001. afirma que os marcos da democracia e dos direitos fundamentais são necessários para estabelecer os objetivos educativos e os valores de orientação com o propósito de desenvolver uma cultura constitucional.

Para Häberle (1997HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição; contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.; 2003)HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Tradução de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Autónoma de México, 2003., ademais na sociedade aberta dos intérpretes da constituição, uma interpretação pluralista se dá com todos os membros da sociedade, daí certamente vem a importância da educação para a cidadania e direitos humanos, a educação para que todos possam adquirir uma cultura constitucional, uma educação com a constituição e pelos valores democráticos. Assim evitamos novos fatos como Auschwitz, como destaca Theodor Adorno (1995, p. 119)ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. In: ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 119-138. quando se refere a uma educação após a tragédia dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, formando um cidadão culto, responsável, humanista e com uma boa noção da importância do Estado democrático de Direito. Em outras palavras, Häberle (2003, p. 57)HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Tradução de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Autónoma de México, 2003. diz que a constituição por si só (como uma mera folha de papel - acrescentamos aludindo a Ferdinando LassalleLASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4ª edição. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998.), não é capaz de garantir que o Estado constitucional seja aqui e agora. O autor entende que a dimensão jurídica é apenas um aspecto da Constituição: do ponto de vista jurídico, o povo tem uma Constituição, é o titular do poder, mas de um ponto de vista mais amplo e cultural, o povo não conhece a sua constituição. Observa Häberle (2003, p. 57)HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Tradução de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Autónoma de México, 2003. que o Estado constitucional não pode ser deixado somente para os juristas, e isso é muito importante porque na verdade somos todos nós (o povo) responsáveis pela Constituição. A realidade é outra, faz-se necessária a educação e mentalidade a favor da constituição e dos direitos. Do contrário a Constituição será uma mera folha de papel e os poderes de fato é que irão mandar na sociedade, sejam esses poderes econômicos, poderes invisíveis nas palavras de Norberto Bobbio (2000)BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7.ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. Título oriinal: Il futuro della democrazia. ou poderes selvagens nas palavras de Luigi Ferrajoli (2011)FERRAJOLI, Luigi. Poderes salvajes: la crisis de la democracia constitucional. 2ª ed. Tradução de Perfecto A. Ibáñez. Madrid: Trotta , 2011., como já foi dito.

Uma Constituição cultural deve ser indispensavelmente plural, entendendo-se por plural uma Constituição que abrange e protege tanto os direitos das maiorias, quanto das minorias, entenda-se as minorias não somente numéricas, mas sobretudo as minorias sociológicas como as mulheres, crianças e adolescentes, homossexuais, deficientes físicos e mentais, negros, indígenas, etc. Assim, como exemplo, a questão do racismo, sobre a qual podemos afirmar que não é suficiente que a Constituição tenha positivado que a prática do racismo é crime para que tal delito não ocorra. Pelo contrário, é necessário que se fomente uma mudança de mentalidade cultural pluralista para que as pessoas deixem de ser racistas. Certamente que essa mudança de mentalidade, que está na base histórica dos direitos fundamentais, segundo Gregorio Peces-Barba (2007PECES-BARBA, Gregorio. Educación para la Ciudadanía y Derechos Humanos. Madrid: Espasa Calpe, 2007.; 1995)PECES-BARBA, Gregorio. La diacronía del fundamento y del concepto de los Derechos: el tiempo de la historia. In: PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 100-204., se dá pela cultura, pela educação e pela valorização dos seres humanos, iguais e livres.

Considerações finais

Assim, nossa rigidez constitucional se encerra nas especiais dificuldades que a CRBF-1988 estabelece para que os poderes constituídos possam reformar a Carta Magna, em particular a partir da prevista maioria parlamentar (Congresso Nacional, 3/5 na Câmara dos Deputados e 3/5 no Senado Federal, em dois turnos em cada casa, mediante a iniciativa de 1/3 de uma das casas ou do Presidente da República) e observadas as limitações circunstanciais e materiais (cláusulas pétreas etc.). O Supremo Tribunal Federal em última instancia será o intérprete da Constituição e decidirá sobre a constitucionalidade das Emendas Constitucionais.

A característica da rigidez constitucional na contemporaneidade é quase universal e deve servir para robustecer a democracia e dar dinamicidade para reforçar os objetivos principais de uma Constituição, que são o bem estar de sua sociedade e a proteção dos direitos fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa humana. Roberto Gargarella de uma forma ou de outra aponta para as falhas do constitucionalismo latino-americano e a consequente ineficácia dos direitos fundamentais no continente. Direitos que vêm sendo desconstitucionalizado a partir das regras da mudança constitucional e que acabam por ser reformas inconstitucionais. O sistema não funciona, o autor argentino aponta os motivos. Para Riccardo Guastini (2001, p. 55)GUASTINI, Riccardo. La constitución como limite a la legislación. In: GUASTINI, Riccardo. Estudios de teoría constitucional. México: UNAM/FONTAMARA, 2001. p. 47-58. : uma coisa é violar a Constituição e outra é reformá-la. Dita diferença já estava de certo modo em Os Artigos Federalistas, uma vez que os seus autores já apreciavam e analisavam a questão nos comentários a propósito do artigo V da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, como por exemplo, Hamilton no capítulo LXVIII da clássica obra (Madison; Hamilton; Jay, 1993, p. 457-462)MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.. Assim, resultante da maioria qualificada parlamentar em questão, o parlamento poderá reformar a Constituição desde que não deixe de estar submetido a mesma, aos seus valores, princípios como a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.

Peter Häberle propõe, a partir da sociedade aberta dos intérpretes, que seja levada a cabo uma educação, que deve durar toda a vida do cidadão, sobre as vantagens da Constituição democrática ou da democracia constitucional. Somente a partir da consciência da importância que a Constituição tem para vida do cidadão, poderemos atingir o objetivo de uma verdadeira proteção da mesma e de seus valores cívicos e democráticos e dos direitos humanos. Sua proposta é colocar a Constituição acima de tudo, valorizar o texto constitucional ao máximo, a partir do advento de uma cultura constitucional.

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Notas

  • 1
    Para um estudo sobre a dignidade da pessoa humana ver as obras de Ingo W. Sarlet (2002)SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. , Daniel Sarmento (2016)SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016. e o clássico de Immanuel Kant (1980)KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. In: KANT II. Seleção de textos de Marilena Chauí (Os Pensadores). Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 100-162., a Fundamentação da metafísica dos costumes, publicado pela primeira vez em 1785.
  • 2
    As necessidades humanas básicas são o mínimo existencial para uma pessoa viver com dignidade. Segundo a professora espanhola María José Añón Roig (1994), em conformidade com as propostas de Len Doyal e Ian Gough (1994), o catálogo de necessidades humanas básicas e satisfatórias são: alimentação, água, moradia, trabalho, saúde, segurança, educação, autonomia etc. Evidentemente que aqui resumidas e sem os matizes que encerram. Veja-se: AÑÓN ROIG, María José. Necesidades y Derecho: un ensayo de fundamentación. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994; e DOYAL, Len; GOUGH, Ian. Teoría de las necesidades humanas. Tradução de José Antonio Moyano e Alejandro Colás. Barcelona: Icaria/ Fuhem D.L., 1994.
  • 3
    Leciona Paulo Bonavides (2001, p. 211): “Não fora a Revolução Socialista do século XX, o mundo estaria ainda atado à cruel liberdade individualista do capitalismo selvagem do século XIX, da mesma forma que, sem a Revolução Francesa, continuaria ou gênero humano vivendo debaixo do cetro daqueles reis e rainhas, diante de cujo despotismo o povo se prostrava, coisificado e genuflexo, sem direitos, sem liberdade, sem participação”. Segue o professor: “Foi, por conseguinte, a Grande Revolução do século XVIII que, no campo das ideias políticas e filosóficas, reformou o mundo. E o reformou com valores da liberdade, igualdade, e fraternidade, preparando transformações substanciais tanto relativamente à competência dos poderes soberanos, graças às limitações constitucionais ao seu exercício, como no tocante às esferas dos direitos básicos, doravante centro de gravidade de todo o processo de liberdade civil e social do Homem e razão de ser da nova ordem jurídica e constitucional da Sociedade”. E concluiu o professor Bonavides: “Criou a Sociedade vocacionadamente universal de nosso tempo o primado dos direitos humanos fundamentais. Entraram eles, já, na consciência de todos os povos, por obra daquelas Revoluções, cujo alcance intentamos medir e interpretar”.
  • 4
    Como é muito comentado pela doutrina, o exemplo mais emblemático de constituição flexível é a Inglaterra, na qual as partes escritas da sua Constituição podem ser juridicamente alteradas pelo parlamento com a mesma facilidade com que se faz ou se altera uma lei ordinárias. Também na atualidade Israel, Nova Zelândia e Hungria, desde 1989, são exemplos de países que têm uma Constituição flexível.
  • 5
    O constitucionalismo é um movimento histórico, político e jurídico, que se desenvolverá mais concretamente a partir dos inícios da modernidade, e que, segundo Maurizio Fioravante (2014, p. 9)FIORAVANTI. Maurizio. Constitucionalismo: experiencias históricas y tendencias actuales. Tradução de Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta , 2014., se traduz em uma corrente de pensamento que tem finalidades políticas concretas que consistem na limitação dos poderes públicos e na consolidação de esferas de autonomia garantidas mediantes normas. O movimento do constitucionalismo desde o princípio procura também a construção de um poder comum, diante do qual, reivindica limites e garantias. Na contemporaneidade o constitucionalismo está fortemente vinculado com as garantias dos direitos fundamentais e com a proteção da dignidade da pessoa humana.
  • 6
    Horst Dippel (2007, p. 10)DIPPEL, Horst. História do Constitucionalismo Modernos: novas perspectivas. Tradução de António Manuel Hespanha; Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. chama de os dez traços essenciais do constitucionalismo moderno determinados e previstos pela primeira vez na Virgínia em 1776 e que são sua base até hoje em dia. Também chamado por Dippel (2007, p. 15)DIPPEL, Horst. História do Constitucionalismo Modernos: novas perspectivas. Tradução de António Manuel Hespanha; Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. de Decálogo Constitucional inaugurado em Virginia em 1776 e que toda Constituição para ser moderna deve ter: 1º. soberania popular; 2º. princípios universais; 3º. direitos humanos; 4º. governo representativo; 5º. a constituição como direito supremo; 6º. separação de poderes; 7º. governo limitado; 8º. responsabilidade do governo; 9º. imparcialidade e independência dos tribunais; 10º. o reconhecimento do direito de reformar o seu próprio governo e do poder de revisão da constituição. Para delimitar conceitualmente que uma determinada Constituição é fruto do constitucionalismo moderno, a mesma deve ter essas dez características essenciais do decálogo (DIPPEL, 2007, p. 10)DIPPEL, Horst. História do Constitucionalismo Modernos: novas perspectivas. Tradução de António Manuel Hespanha; Cristina Nogueira da Silva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.. Na mesma linha o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 determina que: Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
  • 7
    Digamos que no constitucionalismo dos antigos, muito bem descrito por Canotilho (2003)CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 2003., as leis de organização do Estado eram consuetudinárias e esparsas, quer dizer baseadas em costumes ou em várias leis escritas, já que - a exemplo da atual inglesa - esse tipo de constituição é classificada pela doutrina como histórica e costumeira. Assim podemos afirmar que essas constituições, se é que poderíamos classificá-las, quanto à mutabilidade são constituições flexíveis. Assim então, as constituições flexíveis são aquelas que não preveem as normas procedimentais mais difíceis para reformar a constituição, muda-se a constituição com as mesmas normas e procedimentos de uma lei comum ou ordinária.
  • 8
    Cada país terá a suas normas, diferentes entre si, de processo legislativo especial e qualificado para a reforma constitucional. Ver as diferenças nas importantes lições de direito constitucional comparado dos professores, respectivamente da Universidade de Bolonha e da Universidade de Roma, Lucio Pegoraro e Angelo Rinella (2021, p. 379-414). PEGORARO, Lucio; RINELLA, Angelo. Sistemas constitucionais comparados. Volume 2. Tradução de Manuellita Hermes. São Paulo: Contracorrente, 2021.
  • 9
    Para reformar a constituição temos a existência de um processo legislativo especial e qualificado, que dificulta a reforma com um trâmite mais complexo, previsto no artigo 60 da CRFB-1988. Já para aprovar uma lei ordinária ou lei complementar está previsto um processo legislativo comum ou ordinário que é mais fácil, menos complexo, previsto nos artigos 47, 61, 65 e 69 da CRFB-1988.
  • 10
    Para Bonavides (2020, p. 173)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020.: “A pretensão à imutabilidade foi o sonho de alguns iluministas do século XVIII. Cegos de confiança no poder da razão, queriam eles a lei como um produto lógico e absoluto, válido para todas as idades, atualizado para todas as gerações. Dessa fanática esperança comungou um membro da Convenção, conforme nos lembra notável publicista francês, pedindo durante os debates do Ano III a pena de morte para todo aquele que ousasse propor a reforma da Constituição”.
  • 11
    Essas últimas fruto do que José Afonso da Silva (2001, p. 41-42)SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª edição. São Paulo: Malheiros , 2001. chamará em nossa doutrina brasileira de constituições do tipo cesaristas, ou seja, outorgadas por um ditador (um líder) e que são posteriormente colocadas em votação por uma consulta popular, um referendo, que as irá aprovar. Certo dizer que referendo sempre feito na escuridão da ditadura, nada democrático. Na Europa essas constituições são chamadas de bonapartistas. No século XX na história das constituições latino-americanas duas constituições foram assim aprovadas, as atuais do Chile de 1980 e do Peru de 1993, levadas a cabo a partir das ditaduras de Pinochet e Fujimori.
  • 12
    Assim leciona nosso autor constitucionalista: “A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução e ao golpe de Estado a solução das crises. A força e a violência, tomadas assim por arbítrio das refregas constitucionais, fariam cedo o descrédito da lei fundamental”. (BONAVIDES, 2020, p. 173-174)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020..
  • 13
    Com efeito, de todas as maneiras a ausência de regras sobre um processo de reforma deu razão a diversas interpretações, contraditórias e simplórias, ainda que faça parte da história constitucional não merece muito nossa atenção, mas como expoente exemplar que constituições imutáveis podemos citar algumas do século XIX como as cartas francesas de 1815 e 1830, o Estatuto Albertino da Itália de 1848 e a carta espanhola de 1876.
  • 14
    As limitações temporais estão previstas em alguns textos constitucionais que limitam no tempo a reforma da constituição, paralisando o poder constituinte derivado reformador até o transcurso de alguns anos (BONAVIDES, 2020, p. 175-176)BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 35ª edição. São Paulo: Malheiros , 2020.. Os exemplos descritos por Bonavides são algumas constituições francesas da história anteriores ao século XX. Ademais, pode-se afirmar que no Brasil a Revisão Constitucional previstas no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB-1988 são temporárias, pois estabelecem uma data para a mesma, ainda que uma Proposta de Emenda Constitucional tentou voltar com a revisão constitucional em nosso país (PEC 157 de 2003 de autoria do deputado federal Luiz Carlos Santos).
  • 15
    Sobre aquelas matérias que não se decide mais, como leciona Ferrajoli, exatamente sobre aquelas que o legislador constituinte, o consenso da Assembleia Nacional Constituinte e os dogmas do constitucionalismo garantista contemporâneo já decidiram, nem que as maiorias queiram pode-se mudar uma cláusula pétrea.
  • 16
    Os direitos humanos servem como fenômeno de legitimidade do ordenamento jurídico ou como medidor do desenvolvimento de uma Sociedade, como comenta Nicolás López Calera (1997, p. 206)LÓPEZ CALERA, Nicolás María. Filosofía del Derecho (I). Granada: Editorial Comares, 1997. em seu livro sobre filosofia do Direito. Hoje em dia uma vez visto o Índice de Desenvolvimento Humanos, o IDH, criado pelos economistas Amartya Sen em colaboração com Mahbub ul Haq, pode-se mensurar aproximadamente um factível desenvolvimento humano de um país levando-se em consideração os índices de renda, mortalidade infantil, expectativa de vida da população, saúde, educação etc. Infelizmente a República Federativa do Brasil, ainda que com constantes manipulações dos índices levadas a cabo pelos deferentes governos, ainda tem seu IDH muito baixo. A posição do Brasil em 87ª posição no ranking entre 191 países em 2021 quando seu índice de IDH mundial foi de 0,754, em contraste com uma queda nos últimos anos que revela que vamos caindo nos últimos anos. Em 2020 estávamos em 86ª, com índice de 0,758, ou seja, vamos caindo. Atlas Socioeconômico - Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/indice-de-desenvolvimento-humano-idh-e-idhm> Acesso em 28 dez. 2022.
  • 17
    A farsa de manipulação da opinião pública está muito bem descrita por Noan Chomsky e Edward Herman (2003) e a da meritocracia neoliberal de nossos tempos por Micheal Sandel (2020)SANDEL, Michael J. A tirania do mérito: o que aconteceu com o bem comum? Tradução de Bhuvi Libanio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021. . Ademais sobre o neoliberalismo de nossos tempos um interessante estudo é o de Rubens Casara (2021). Veja-se: CHOMSKY, Noan; HERMAN, Edward S. A manipulação do público: política e poder econômico no uso da mídia. Tradução Balzán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 2003; e CASARA, Rubens. Contra a miséria neoliberal. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.
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    Uma das marcantes características que permearam a evolução dos direitos humanos é a complementariedade. Segundo esta característica, um direito complementa o outro, não havendo hierarquia entre eles. Assim, “os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade do alcance dos objetivos previsto pelo legislador constituinte” (MORAES, 2000, p. 41)MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2000..
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    As características dos direitos humanos dependendo do autor podem ser várias, mas citamos aqui as mais essências no presente texto. Dessa forma, os direitos humanos fundamentais apresentam diversas características que são muito bem resumidas por Alexandre de Moraes (2000, p. 41)MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2000.. As aludidas características são: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade.
  • 20
    Gargarella (2014, p. 309-346GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de constitucionalismo em América Latina (1810-2012). Buenos Aires: Katz Editores, 2014., 2021 a, p. 147-159GARGARELLA, Roberto. El derecho como uma conversación entre iguales: Qué hacer para que las democracias contemporâneas se abran - por fin - al diálogo ciudadano. Buenos Aires: Siglo Ventiuno, 2021a. e 2021 b, p. 49-56GARGARELLA, Roberto. La derrota del derecho en América Latina: siete tesis. Buenos Aires: Siglo Ventiuno , 2021b.) aponta dois dos maiores problemas dos direitos fundamentais no continente americano. Em primeiro lugar, a questão do hiperpresidencialismo, já assim chamado por Carlos Santiago Nino; e, em segundo lugar, os ataques antidemocráticos aos governos legítimos que querem instituir políticas públicas favoráveis aos direitos fundamentais dos mais humildes, como recentemente, e na época da guerra fria e da doutrina da segurança nacional (toda vez que se inclinaram a favor dos menos favorecidos, um golpe de estado é perpetrado). Presidencialismo e ataques e pouco caso aos direitos sociais, são os dois problemas mais emblemáticos da casa de máquinas do constitucionalismo latino-americano. A questão do presidencialismo, que em nossas latitudes são entendidas como uma espécie de absolutismo como o fenômeno do populismo, caudilhismo político, coronelismo ou como se quiser chamar. O hiperpresidencialismo, um superpoderoso executivo, que levou a golpes de Estado, pretensas democracias que viveram da fraude, que sobrevivem desde o século XIX e que é uma grave falha que continua mesmo no que se pretensamente tem-se como mais contemporâneo como o novo constitucionalismo latino-americano.
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    Assim, o iusfilósofo italiano apregoa que “Consequentemente, se o projeto da esquerda é inovação e transformação revolucionária ou reformadora da realidade social através de leis de implementação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais, o projeto da direita é a conservação de estruturas naturais ou transmitidas pela tradição e / ou pela entrega da vida social ao livre jogo do mercado, também concebido como um lugar de relações naturais. Não por acaso o reformismo liberal é sempre antiestatista e sob a bandeira da desregulamentação: por desconstitucionalização, deslegificação, desestatalização e, portanto, desmantelamento do estado social e da esfera pública, redução de direitos sociais e privatização de benefícios a eles correspondentes. ‘Liberalização’ é a sua senha: o que significa? liberação de poderes privados, econômicos e financeiros de limites, restrições e controles políticos e legais e sua transformação em poderes selvagens”. FERRAJOLI (2021, p 69)FERRAJOLI, luigi. Manifesto pela igualdade e Por uma constituição da Terra. Tradução de Sergio Cademartori. Caxias (RS): Ed. Unilasalle, 2021..
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    Veias abertas as quais o autor português e professor da Universidade de Coimbra subdivide em: 1. as linhas abissais com predominância econômica: trabalhadores dependentes, precários, informais, ditos autônomos, desempregados, trabalhadores sazonais, trabalhadores de rua, moradores nas periferias, pobres das cidades, favelas etc., os sem-teto ou população de rua; 2. as linhas abissais com predominância racista-colonialista: os povos indígenas, populações da matriz africana/negras e povos quilombolas, o povo cigano, refugiados e imigrantes etc. 3. as linhas abissais com predominância sexista: as mulheres, trabalhadoras e trabalhadores de sexo, LGBTQIA+. 4. As linhas abissais de predominância religiosa: preconceitos e conflitos; 5. linhas abissais do mundo carcerário presos e presas. Entre outras linhas abissais que explicam a tragédia humana (SANTOS, 2021, p. 106-142)SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo: Boitempo, 2021..
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    Bonavides, antes mesmo do tema estar em voga, já em 1999 (1ª edição do livro Do Estado constitucional ao Estado neocolonial) alertava para a questão de que golpes de Estado institucionais já causavam erosão na democracia contemporânea. Segundo Bonavides (2001, c, p. 84)BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2ª edição. São Paulo: Malheiros , 2001c., o golpe de Estado institucional é diferente e é feito na calada da noite, quando o cidadão descansa de difícil luta do dia-a-dia pela sobrevivência: “é distinto do clássico golpe de estado que geralmente remove governos constitucionais e instala no poder ditaduras militares e civis”. Se referia Bonavides sobre o fenômeno que Ferrajoli (2011)FERRAJOLI, luigi. Manifesto pela igualdade e Por uma constituição da Terra. Tradução de Sergio Cademartori. Caxias (RS): Ed. Unilasalle, 2021. chamará de poderes selvagens econômicos, ou seja, dos capitais invasores, movediços e flutuantes da especulação predatória do capitalismo neoliberal e desumano. No sentido contrário da dignidade humana preconizada por Emmanuel Kant na Metafísica dos Costumes: o homem deve ser o fim de todos as coisas e não um mero meio. O Estado social e democrático de Direito, o Estado Constitucional, se transforma assim em um frio Estado mínimo e tecnocrata, que afasta cada vez o cidadão dos centros de decisões e do poder. A soberania popular será transformada em mera retórica vazia de conteúdo no Estado neoliberal. Nosso autor era um lúcido crítico e sua leitura deveria ser obrigatória em todos os cursos jurídicos, e cursos de outras áreas, principalmente na época em que vivemos.
  • 24
    O livro do professor Peter Häberle, Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, foi traduzido no Brasil por Gilmar Ferreira Mendes e publicado em 1997 pela Sergio Antonio Fabris Editor. Escrito originalmente em 1975, o livro tem uma fundamental tese sobre os novos tempos da sociedade democrática do Direito Constitucional contemporâneo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    10 Dez 2023
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