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Accountability judicial e eleitoral: a Operação Lava Jato entre a boa governança e o grandstanding institucional1 1 Este artigo resulta de pesquisas cujos resultados foram incorporados à Tese de Doutorado “A Operação Lava Jato afetou o desempenho eleitoral? O combate à corrupção e a eleição para a Câmara dos Deputados em 2018”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da Universidade Federal de Pernambuco. Essa Tese foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Judicial and electoral accountability: the Operation Car Wash between good governance and institutional grandstanding

Resumo

O presente artigo situa a Operação Lava Jato como manifestação de accountability judicial e investiga as razões de seus possíveis efeitos sobre as eleições parlamentares de 2018. A pesquisa explora a possibilidade de a Lava Jato ter sido uma manifestação de “judicialização da política” e de “ativismo judicial” com potencial para intervir nas escolhas do eleitorado, por isso é preciso encaminhar uma discussão sobre possíveis abordagens que permitam compreender a dimensão política do sistema judicial e, mais especificamente, da Operação Lava Jato. A metodologia deste artigo revisa a bibliografia sobre accountability para compreender a natureza política da Lava Jato na dinâmica do combate à corrupção. A Lava Jato deve ser bem compreendida como um instrumento da accountability horizontal que pode ter repercutido no processo eleitoral, numa dinâmica de “hibridização institucional” da accountability judicial e da eleitoral, o que demanda discutir se esse processo efetivamente ocorreu (e, se ocorreu: em que extensão). Este artigo propõe uma agenda de pesquisa que, ao admitir que o desempenho eleitoral dos candidatos a um cargo público é afetado por uma série de condições correlacionadas, assuma a dificuldade imposta à accountability vertical pelas eleições proporcionais.

Palavras-chave:
Operação Lava Jato; Accountability; Sistema judicial; Sistema eleitoral proporcional

Abstract

This article situates the Car Wash Operation as a manifestation of judicial accountability and investigates the reasons for its possible effects on the 2018 parliamentary elections. The research explores the possibility that the Car Wash was a manifestation of “judicialization of politics” and “judicial activism” with the potential to intervene in the electorate’s choices, so it is necessary to start a discussion on possible approaches that allow understanding the political dimension of the judicial system and, more specifically, the Operation Car Wash. The methodology of this article reviews the bibliography on accountability to understand the political nature of Car Wash in the dynamics of fighting corruption. The Car Wash must be well understood as an instrument of horizontal accountability that may have had repercussions on the electoral process, in a dynamic of “institutional hybridization” of judicial and electoral accountability, which requires discussing whether this process took place (and, if it did: in which extent). This article proposes a research agenda that, by admitting that the electoral performance of candidates for public office is affected by a series of correlated conditions, assumes the difficulty imposed on vertical accountability by proportional elections.

Keywords:
Operation Car Wash; Accountability; Judicial system; Proportional electoral system

1 INTRODUÇÃO

Em 22 de março de 2022, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão que ilustra o que pode ser denominado de “grandstanding institucional”: a Quarta Turma do STJ, por maioria de votos, condenou o ex-procurador da República Deltan Dallagnol ao pagamento de indenização por danos morais ao ex-presidente Lula, em razão de entrevista coletiva concedida pelo ex-procurador, em 2016, durante a qual utilizou um PowerPoint para explicar uma denúncia contra Lula, no âmbito da Lava Jato - o episódio do “PowerPoint do Lula”, portanto, pode ser identificado como “grandstanding institucional”.

Assim, a pergunta permanece válida: os integrantes do sistema judicial podem interferir nas condições em que se dá a competição eleitoral, até mesmo inviabilizando certas carreiras políticas? Há consenso sobre o fato de que as operações da Lava Jato alcançavam grande repercussão midiática, o que pode ter contribuído para afetar os políticos num nível tal que trouxe dificuldades para eles obterem (ou reconquistarem) a confiança do eleitorado, mesmo que, por exemplo, tais medidas não seguissem adiante por insuficiência de indícios de autoria ou de criminalidade. E, como o início da Lava Jato estava estreitamente relacionado ao financiamento ilícito de campanhas eleitorais por meio da atuação de uma rede de doleiros, não se deve descartar que os integrantes das instituições judiciais sempre estiveram conscientes a respeito dos efeitos eleitorais ou político-partidários das medidas por eles implementadas ou apoiadas (Dallagnol, 2017DALLAGNOL, Deltan. A luta contra a corrupção: a Lava jato e o futuro de um país marcado pela impunidade. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2017. eBook.; Dallagnol, Pozzobon, 2019DALLAGNOL, Deltan; POZZOBON, Roberson. Ações e reações no esforço contra a corrupção no Brasil. In: PINOTTI, Maria Cristina. (Org.) Corrupção: Lava jato e Mãos Limpas. Recife: Portfólio, 2019. eBook.; Janot, 2019JANOT, Rodrigo. Nada menos que tudo: bastidores da operação que colocou o sistema político em xeque. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.; Lagunes, 2020aLAGUNES, Paul. An interview with Deltan Dallagnol. In: LAGUNES, Paul; SVEJNAR, Jan. (Ed.). Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America. New York: Routledge , 2020a. eBook., 2020bLAGUNES, Paul. An interview with Sérgio Moro. In: LAGUNES, Paul; Jan SVEJNAR, Jan. (Ed.). Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America. New York: Routledge , 2020b. eBook.; Moro, 2004MORO, Sergio. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 26, p. 56-62, jul.-set. 2004., 2017MORO, Sergio. O legado. Gazeta do Povo, Curitiba, 05 jun. 2017. Opinião. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/olegado-9tjq4zvjc7obmbipzppzdgnfx/. Acesso em: 20 dez. 2022.
https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/...
, 2019MORO, Sergio. Sobre a Operação Lava Jato. In: PINOTTI, Maria Cristina. (Org.). Corrupção: Lava jato e Mãos Limpas. Recife: Portfólio , 2019. eBook., 2021MORO, Sergio. Contra o sistema da corrupção. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa , 2021. ePub.; Pontes, Anselmo, 2019PONTES, Jorge; ANSELMO, Márcio. Crime.gov: quando corrupção e governo se misturam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. eBook.; Procuradores..., 2017PROCURADORES DAS FORÇAS TAREFAS DA LAVA JATO EM CURITIBA, RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO. Carta do Rio de Janeiro. Ministério Público Federal, nov. 2017. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/procuradores-de-forcas-tarefas-da-lava-jato-divulgam-carta. Acesso em: 20 dez. 2022.
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).

Diante desse contexto, não deve causar espanto a operacionalização de conceitos psicanalíticos para tentar compreender a ampliação da ação do Poder Judiciário, justificada como meio para garantir a preservação de direitos e de liberdades individuais e coletivos (Maus, 2000MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 58, p. 183-202, nov. 2000.). Fato é que, tanto no campo da Ciência Política quanto no do Direito, não se consolidou ainda uma literatura especializada e de grande alcance que tenha analisado os efeitos político-eleitorais da Operação Lava Jato; todavia, a literatura sobre a judicialização da política apresenta análises sobre a relação entre o sistema judicial e os resultados dos processos eleitorais, que devem ser incrementadas.

Assim, admitindo-se como válidas as orientações de Ragin (1992RAGIN, Charles C. Introduction: cases of “What is a case?”. In: RAGIN, Charles C; BECKER, Howard S. (Ed.). What is a case? Exploring the foundations of social inquiry. Cambridge University Press, 1992. p. 1-17.) e como suficiente a definição dos tipos de accountability, elaborada por O’Donnell (1998O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44, p. 27-54, 1998.) - a accountability vertical (em que os eleitores ou a sociedade civil responsabilizam os incumbentes) e a accountability horizontal (que ocorre entre agências estatais independentes) -, então, a “accountability” pode ser considerada uma unidade teórico-explicativa, capaz de ser eficazmente mobilizada para compreender a Operação Lava Jato e seus efeitos na arena política. Entre esses efeitos, pode-se destacar a possibilidade de ter havido um cruzamento entre a accountability horizontal e a accountability vertical, de tal modo que o exercício da accountability horizontal tenha impactado o exercício da accountability vertical. Essa hipótese é particularmente instigante quando se refere, por exemplo, à eleição para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2018 (para a 56ª legislatura, já que a 55ª legislatura do Congresso Nacional, de 2015 a 2019, foi a primeira a sofrer os efeitos da Lava Jato).

Claro está que a discussão acadêmica acerca da Lava Jato está inserida no campo do debate sobre a judicialização da política e do ativismo judicial, o que, necessariamente, implica reconhecer as diferentes perspectivas teóricas com base nas quais tal discussão pode ser efetivada. Evidenciar esse aspecto se justifica, porquanto o sistema judicial não pode ser visto como um “intruso” na arena política, notadamente quando opera no interior do marco legal-constitucional. Portanto, os recursos teóricos são especialmente importantes para que seja diferenciada com nitidez a atuação institucional legal, de um lado, e, de outro lado, a atuação institucional de cunho personalista ou que apresente pretensões de “missão moralizadora do processo político”.

Por isso, inclusive, o enfrentamento do debate acerca de uma eventual “corrosão democrática” no Brasil não é inoportuno e não se torna menos razoável diante do fato de que tenham sido revertidas algumas das sanções aplicadas a políticos pela Lava Jato (que até mesmo tinham sido confirmadas em instâncias superiores), bem como diante da divulgação de matérias jornalísticas (Duarte; The Intercept Brasil, 2020DUARTE, Letícia; THE INTERCEPT BRASIL. Vaza Jato: os bastidores das reportagens que acudiram o Brasil. Rio de Janeiro: Mórula, 2020.) segundo as quais os protagonistas da Operação se excederam, ao agirem com base em voluntarismo político e judicial. Uma atuação que apresente esse caráter pode afetar negativamente as instituições políticas e tende a provocar efeitos mais destrutivos no aparato democrático e na confiança dos eleitores em relação às instituições de controle.

Esse é o aspecto que o presente artigo considera para trazer novos elementos teóricos que incrementem o debate sobre os efeitos da Lava Jato; vale dizer: revisar a literatura da Ciência Política sobre accountability para acrescentar, a essas reflexões, as implicações judiciais e eleitorais da Operação Lava Jato. Ou, ainda mais especificamente: o presente artigo relaciona a literatura acerca da accountability e da Lava Jato, com o fim de compreender de que forma os mecanismos da accountability levaram à “hibridização institucional” de accountability judicial e eleitoral.

Este artigo, preliminarmente,” identifica as bases institucionais sobre as quais se dá o efetivo exercício da accountability. Essa demonstração serve como suporte para a discussão, na segunda seção, a respeito das implicações da relação entre a accountability judicial e eleitoral, na fronteira entre o Direito e a Ciência Política e que deve ser integrada a um entendimento sobre a Operação Lava Jato enquanto manifestação de “judicialização da política” e de “ativismo judicial”. Por isso, a terceira seção deste artigo assume que o Modelo Principal-Agente, apesar de manifestar algumas limitações, é um recurso analítico capaz de propiciar a apreensão da Operação Lava Jato como manifestação de accountability vertical e horizontal e capaz de respaldar a percepção de que a Lava Jato acionou um “alarme de incêndio” que permitiu aos indivíduos superarem ou contornarem problemas de agência. Disso decorre que a quarta seção evidencia a dificuldade de mensurar o grau de responsabilização política nos casos de eleição proporcional, mesmo nos contextos em que escândalos de corrupção servem como atalhos informacionais para os eleitores, inclusive com capacidade para estimular uma postura cínica por parte da opinião pública. A Conclusão aponta desafios e possibilidades para o incremento da agenda de pesquisa que envolve a relação entre a accountability e a Operação Lava Jato.

2 CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS PARA O EXERCÍCIO DA ACCOUNTABILITY

Assume-se desde já a concepção (Barbosa; Carvalho, 2016) de que a “judicialização da política” resulta da expansão do sistema de revisão judicial e de seu manejo frequente pelos atores políticos, o que leva a um deslocamento da arena decisória política para a esfera do Judiciário, que, por sua vez, vê aumentado o seu poder institucional. O “ativismo judicial”, destarte, resulta da judicialização da política e consiste numa condição para interferência dos tribunais na dinâmica política, o que também implica que o empoderamento institucional, legitimado, do Judiciário, somado ao consequente aumento progressivo das demandas judiciais, promove o ativismo judicial, num cenário de reduzida autorrestrição ou autocontenção do STF.

Deve-se, então, indagar sobre as bases objetivas do exercício da accountability: o exercício da accountability no Brasil é efetivado com base em quê? Ou ainda: quando a accountability no Brasil é objeto de debate, a quais instituições, especificamente, essa discussão se refere? Essa é a questão inicial que emerge da necessidade de o papel político do sistema judicial e as repercussões eleitorais da accountability horizontal serem dimensionados com base no impacto das mudanças legais-constitucionais ou institucionais referentes ao funcionamento do próprio sistema administrativo e judicial brasileiro, implantadas entre 1985 e 2018. A resposta para essas questões está em que, desde 1985, instituições de accountability vêm sendo criadas e aprimoradas e, tais instituições podem ser ordenadas com base em eixos analíticos como “transparência”, “supervisão”, “sanção”, “capacidade do Estado” e “grau de engajamento” (Da Ros; Taylor, 2022DA ROS, Luciano; TAYLOR, Matthew M. Brazilian politics on trial: corruption and reform under democracy. Colorado, London: Lynne Rienner, 2022.). Assim, para cada um desses eixos, podem ser destacadas as seguintes instituições e iniciativas:

  • Transparência: Constituição de 1988; Secretaria do Tesouro Nacional (1986); Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI (1987); Lei de Responsabilidade Fiscal (2000); Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (transformado em autarquia em 1994 e bastante fortalecido em 2001); um novo estatuto dos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/1990); Lei de Arquivos (Lei nº 8.159/1991); Lei de Transparência (Lei Complementar nº 131/2009); Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011); atuação da Receita Federal; implantação de licitações eletrônicas e sistema de rastreamento de transferências financeiras; e medidas legais para tornar mais transparentes as contribuições de campanha eleitoral.

  • Supervisão: Banco Central, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF, unidade de inteligência financeira que nasceu da Lei contra a lavagem de dinheiro nº 9.613/1998); Controladoria Geral da União (CGU); do lado legislativo, o Tribunal de Contas da União (TCU, com destaque para o Fiscobras, que fiscaliza a execução de obras públicas), os Tribunais de Contas estaduais e as Comissões Parlamentares de Inquérito; a atuação do Ministério Público Federal - MPF (com destaque para os Inquéritos Civis e os Procedimentos de Investigação Criminal), dos tribunais eleitorais e dos órgãos de fiscalização judicial (Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e Conselho Nacional de Justiça - CNJ); a atuação da Receita Federal e da Polícia Federal.

  • Sanção: exercício da responsabilização legal, por meio de ações no âmbito civil e administrativo e para além das ações no âmbito propriamente criminal. Tais ações são iniciadas pelos órgãos de transparência e supervisão e com base nas medidas legais implementadas nesses dois eixos.

  • Capacidade do Estado: a profissionalização da burocracia estatal implica a existência de um serviço público estável, autônomo, com recursos suficientes e quadros qualificados. A capacidade do Estado de promover o exercício da accountability requer o manejo de um arsenal de ferramentas institucionais (como as apontadas nos eixos anteriores), que deve ser utilizado de forma coordenada. A maior capacidade do Estado, ademais, propiciou a atuação de forças-tarefa voltadas para o combate à corrupção, que por sua vez foram estimuladas por medidas tais como a Lei do Crime Organizado nº 12.850/2013 e a Lei Anticorrupção nº 12.846/2013. Nesse aspecto, até mesmo a pressão internacional importa para compreender a efetividade das agências estatais para exercitar a accountability.

  • Engajamento cívico: destacam-se, aqui, como frutos de ampla mobilização popular, a Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992) e a Lei da Ficha Limpa (nº 135/2010). Também não se pode desconsiderar as organizações da sociedade civil que exercem impacto sobre as iniciativas de fiscalização e de combate à corrupção, bem como a atuação da mídia livre.

A Operação Lava Jato muito se serviu desse substrato legal para exercitar a accountability horizontal. Então, especificamente sobre a Lava Jato, faz sentido investigar as relações de causalidade, reforço e condicionalidade entre a Operação e o comportamento do eleitor. Dessa forma, elegendo-se a Lava Jato como variável explicativa para compreender as escolhas dos eleitores nas eleições presidenciais de 2018, pode-se admitir que a Lava Jato afetou o comportamento do eleitorado (Oliveira, 2019OLIVEIRA, Adriano. Qual foi a influência da Lava Jato no comportamento do eleitor? Do lulismo ao bolsonarismo. Curitiba: CRV, 2019. eBook.). Ademais, se a Lava Jato for concebida como um “partido” (ao lado do “lulismo”) ou como um ator político nas eleições de 2018, infere-se que a vitória de Jair Bolsonaro e a elevada renovação do Congresso podem ser atribuídas, em certa medida, aos efeitos da Lava Jato, que teria contribuído até mesmo para fazer emergir eficazmente todo um “campo difuso da centro-direita” (Moura; Corbellini, 2019MOURA, Maurício; CORBELLINI, Juliano. A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu. Rio de Janeiro: Record, 2019. eBook.).

Ainda assim, é preciso ir além e transcender o sentido estrito da Operação Lava Jato como manifestação de accountability horizontal, que se concretizou por meio da mobilização dos recursos de poder das agências da burocracia estatal e do sistema legal. Isso implica reconhecer que os mecanismos de accountability incluem um amplo espectro de medidas que vão, por exemplo, da supervisão de rotina até o impeachment. Para chegar a tanto, duas condições devem ser satisfeitas: agências estatais com relativa autonomia, recursos, pessoal especializado e com autorização legal para efetivar os mecanismos de accountability; bem como articulação de tais agências em “rede” (O’Donnell, 1998). Importa observar que, no Brasil, estão presentes tais condições. Ao tomar de empréstimo as dimensões relevantes que devem ser contempladas numa avaliação institucional (Aranha, 2020ARANHA, Ana Luiza. Lava Jato and Brazil’s web of accountability institutions: a turning point for corruption control? In: LAGUNES, Paul; Jan SVEJNAR, Jan. (Ed.). Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America. New York: Routledge, 2020. eBook.), não é difícil reconhecer que houve um grau elevado (e inédito) de coordenação entre instâncias estatais responsáveis pelo exercício da accountability: um alto nível de coordenação entre as instituições de accountability horizontal exige definição clara de finalidades, autonomia relativa de ação, capacidade de iniciativa das instituições e proximidade articulada entre instituições.

Consequentemente, as instituições do sistema judicial que, ao fim e ao cabo, operacionalizam a accountability judicial no Brasil permitem afirmar que a Operação Lava Jato tornou patente como se dá a atuação coordenada ou articulada de tais agências, integradas por servidores com elevado grau de autonomia e profissionalização. Por isso, inclusive, é sempre necessário avaliar se as tentativas de análise sobre o “ativismo judicial” carregam doses suficientes de objetividade e de força operacional. Sem tentar demonstrar, especificamente, a partidarização das medidas adotadas pelos órgãos e atores do sistema judicial (o que extrapolaria o objetivo deste artigo), deve-se reconhecer a repercussão de todo o referido arcabouço legislativo que serviu de base para a Lava Jato, bem como incorporar trabalhos que discutem a possibilidade de as instituições judiciais exercerem pressão sobre a política, inclusive criminalizando-a e degradando as instituições político-partidárias, configurando a dinâmica do “ativismo judicial” (Avritzer, 2018aAVRITZER, Leonardo. Inovando na direção errada: Supremo Tribunal Federal e Ministério Público no Brasil. In: MARONA, Marjorie Corrêa; DEL RÍO, Andrés. (Org.). Justiça no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte: Arraes , 2018a. p. 151-174., 2018bAVRITZER, Leonardo. Operação Lava Jato, Judiciário e degradação institucional. In: KERCHE, Fábio; FERES JÚNIOR, João. (Coord.). Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Contracorrente, 2018b. p. 37-52.; Avritzer, Marona, 2017AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie. A tensão entre soberania e instituições de controle na democracia brasileira. Dados, Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, p. 359-393, 2017.; Fontainha, Lima, 2018FONTAINHA, Fernando; LIMA, Amanda Evelyn Cavalcanti de. Judiciário e crise política no Brasil hoje: do Mensalão à Lava Jato. In: KERCHE, Fábio; FERES JÚNIOR, João. (Coord.). Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Contracorrente , 2018. p. 53-68.; Kerche, Marona, 2018KERCHE, Fabio; MARONA, Marjorie. O Ministério Público na Operação Lava Jato: como eles chegaram até aqui? In: KERCHE, Fábio; FERES JÚNIOR, João. (Coord.). Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Contracorrente , 2018. p. 69-100., 2022KERCHE, Fabio; MARONA, Marjorie. A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.; Streck, Carvalho, 2020STRECK, Lenio; CARVALHO, Marco Aurélio de. (Org.). O livro das suspeições: o que fazer quando sabemos que sabemos que Moro era parcial e suspeito? [S.l.]: Prerrô - Grupo Prerrogativas, 2020.).

Dadas essas considerações, cabe sistematizar as implicações judiciais e eleitorais das medidas de accountability, que traduzem, inclusive, como o Direito e a Ciência Política devem estar articulados para a adequada compreensão das repercussões da Operação Lava Jato. Tal investigação teórica requer uma abordagem acerca da “judicialização da política” e do “ativismo judicial” e, para tanto, o Modelo Principal-Agente pode ser bastante esclarecedor.

3 ACCOUNTABILITY JUDICIAL E ELEITORAL: A FRONTEIRA MOVEDIÇA ENTRE O DIREITO E A POLÍTICA COMO OPORTUNIDADE PARA A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Claro está que a tarefa de ajustar o ativismo judicial sob parâmetros mais bem definidos implica admitir a fluidez da fronteira entre o Direito e a Política e a ocorrência de mudanças circunstanciais nos padrões de racionalidade jurídica, o que também implicaria, no limite, pôr o ativismo judicial no patamar de uma “patologia constitucional necessária”. Esse é um desafio difícil, evidenciado, exemplificativamente, pela classificação de ativismo judicial como “ativismo positivo” (correspondente ao padrão de racionalidade jurídica) e como “ativismo negativo” (o padrão da racionalidade política) (Teixeira, 2012TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. V. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 37-58, jan.-jun. 2012.).

Esse tipo de classificação é apenas um indício de que as análises que se apropriam do conceito de “ativismo judicial” tendem a atribuir sentido negativo às expressões que se subsumem à “judicialização da política”: “politização da justiça”; “juristocracia”, “judicialização da megapolítica” (Hirschl, 2008HIRSCHL, Ran. The judicialization of mega-politics and the rise of political courts. Annual Review of Political Science, v.11, p.93-118, 2008., 2009HIRSCHL, Ran. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no mundo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: FGV, v. 251, p. 139-178, 2009.); “pretorianismo judicial” (Avritzer, 2015AVRITZER, Leonardo. Autonomia do judiciário versus pretorianismo jurídico-midiático: a seletividade das investigações da Operação Lava-Jato tem que chegar ao fim. Carta Maior. ago. 2015. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Autonomia-do-judiciario-versus-pretorianismo-juridico-midiatico/4/34197>. Acesso em: 25 abr. 2020.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria...
, 2018bAVRITZER, Leonardo. Inovando na direção errada: Supremo Tribunal Federal e Ministério Público no Brasil. In: MARONA, Marjorie Corrêa; DEL RÍO, Andrés. (Org.). Justiça no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte: Arraes , 2018a. p. 151-174.); “revolução judiciarista” e “tenentismo togado” (Lynch, 2017LYNCH, Christian Edward Cyril. Ascensão, fastígio e declínio da “Revolução Judiciarista”. Insight Inteligência, a. XX, n. 79, p. 158-168, out.-nov.-dez. 2017.); “tutela judicial da democracia” (Almeida, 2018ALMEIDA, Frederico de. Da democratização da justiça à tutela judicial da democracia: uma interpretação do protagonismo judicial no Brasil contemporâneo. In: MARONA, Marjorie Corrêa; DEL RÍO, Andrés. (Org.). Justiça no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte: Arraes, 2018. p. 223-249.); e “decisionismo judicial” (Marona; Barbosa, 2018MARONA, Marjorie Corrêa; BARBOSA, Leon Victor de Queiroz. Protagonismo judicial no Brasil: do que estamos falando? In: MARONA, Marjorie Corrêa; DEL RÍO, Andrés. (Org.). Justiça no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte: Arraes , 2018. p. 128-150.), “voluntarismo político” (Arantes; Moreira, 2019ARANTES, Rogério B.; MOREIRA, Thiago M. Q. Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal. Opinião Pública, Campinas, v. 25, n. 1, p. 97-135, jan.-abr. 2019.). Disso decorre a necessidade de revisar permanentemente o debate concernente à judicialização da política.

Pode-se assumir que esse debate segue por duas vias principais: a normativa (no sentido de enfatizar a supremacia constitucional sobre as decisões parlamentares) e a analítica (que enfatiza os aspectos políticos e institucionais do processo de judicialização, preocupando-se em “definir, medir e avaliar” esse processo) (Carvalho, 2004CARVALHO, Ernani. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 23, p. 115-126, nov. 2004.). É semelhantemente aceitável defender a ideia de que o papel desempenhado pelo Poder Judiciário pode ser analisado com base num cardápio de abordagens que não são, forçosamente, mutuamente excludentes: “modelo atitudinal”, “teoria econômica do comportamento judicial”, “teoria sociológica do comportamento judicial”, “institucionalismo histórico” e “perspectiva cultural” (Gomes Neto, 2012GOMES NETO, José Mário Wanderley. As várias faces de um Leviathan togado: um espectro das abordagens teóricas em Ciência Política acerca do fenômeno da judicial politics. Mnemosine Revista, Programa de Pós-graduação em História/UFCG, v. 3, n. 1, p. 107-120, jan.-jun. 2012.).

Noutro sentido, a literatura que se debruça sobre a judicialização da política pode ser classificada em “funcionalista”, “centrada em direitos”, “institucionalista” e “centrada nos tribunais” (Hirschl, 2008HIRSCHL, Ran. The judicialization of mega-politics and the rise of political courts. Annual Review of Political Science, v.11, p.93-118, 2008.). Entretanto, nenhuma dentre essas quatro abordagens, isoladamente, consegue apreender satisfatoriamente as instâncias judiciais como instituições também políticas:

  • A abordagem funcionalista está voltada para a compreensão da expansão progressiva da burocracia estatal, das funções políticas do Estado e da complexidade da vida social, que requer um sistema judicial mais ativo.

  • A abordagem centrada em direitos trata do impacto da maior conscientização sobre o exercício de direitos por movimentos sociais, grupos de pressão e ativistas.

  • A abordagem institucionalista enfatiza o papel das instituições que tendem a favorecer o processo de judicialização da política por força do efeito da proliferação de instâncias jurídicas e de mecanismos de judicial review.

  • A abordagem centrada nos tribunais sustenta que juízes e tribunais são os principais interessados na judicialização da política como meio para o exercício de mais poder que o destinado às autoridades eleitas.

Diante da interconexão estreita dos estudos sobre a judicialização da política e sobre a Operação Lava Jato, a literatura referente a esses temas pode ser devidamente situada numa dada estrutura teórica, de tal forma que as diferentes perspectivas se complementam e quase sempre se manifestam ao mesmo tempo nos trabalhos sobre a judicialização da política. A classificação de Hirschl (2008HIRSCHL, Ran. The judicialization of mega-politics and the rise of political courts. Annual Review of Political Science, v.11, p.93-118, 2008.) aponta ênfases na literatura que podem antecipar, de forma não determinista, perspectivas analíticas que clarifiquem a compreensão tanto da judicialização da política quanto, mais especificamente, da Operação Lava Jato. Assim, não há incompatibilidades que impeçam aproximações ou aplicações combinadas dessas abordagens.

No exame e aproveitamento dessa literatura, a perspectiva geral que deve ser adotada é a de que o sistema de tripartição de poderes não está sendo afetado quando o sistema judicial atua no interior dos marcos constitucionais. Nesse sentido, não há como entender que a atuação do sistema judicial ameaça a democracia ou que degrada a soberania popular (Fernandes Cortez, 2009FERNANDES CORTEZ, Iaponã. Os limites de atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2009. 128 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Federal de Pernambuco, 2009.; Oliveira, 2013OLIVEIRA, Eduardo Santos de. O Sistema Político Brasileiro hoje: o governo do Supremo Tribunal Federal e legitimidade democrática. Sociologias, Porto Alegre, a. 15, n. 33, p. 206-246, maio-ago. 2013.). Afinal, o sistema judicial não pode ser visto preliminarmente como um “intruso” na dinâmica política.

Diante desse quadro teórico, como situar a Operação Lava Jato no campo da discussão a respeito da accountability? A resposta está em considerar a accountability como a possibilidade de responsabilização (monitoramento, fiscalização e/ou punição) formal (direta ou indireta) dos agentes públicos eleitos e não eleitos por outros agentes públicos que ocupam instituições formais (Mainwaring, 2003MAINWARING, Scott. Introduction: Democratic accountability in Latin America. In: MAINWARING, Scott; WELNA, Christopher (Eds.). Democratic accountability in Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 3-33.).

As eleições podem ser vistas como uma estratégia para o exercício da accountability e como um recurso para a seleção de políticos que sejam considerados “bons”, independentemente da possiblidade de serem reeleitos. De todo modo, a compreensão acerca da accountability pode ser enriquecida pela percepção de que selecionar ou punir candidatos não são estratégias incompatíveis ou mutuamente excludentes e de que dizem respeito ao comportamento não apenas do eleitor, mas, também, dos políticos.

Ocorre que selecionar bons candidatos e punir maus candidatos não são tarefas simples, até mesmo porque a capacidade de um monitoramento adequado dos políticos não se dá de maneira satisfatória. Nesse caso, a eleição pode estar vinculada ao interesse dos eleitores de meramente escolher candidatos que sejam dignos de ocupar cargos públicos, sem que haja a expectativa, por parte desses mesmos eleitores, de exercer qualquer tipo de objetivo sancionador sobre os políticos.

Afinal, os eleitores podem se utilizar, inclusive, de informações acerca do caráter pessoal dos candidatos, levando em consideração desde atributos físicos até questões ideológicas, além, por óbvio, de possíveis envolvimentos em escândalos. Isso significa que a sinalização informativa não é, presumivelmente, impossível. Donde se pode concluir que seleção implica sanção e vice-versa, sendo que seleção e sanção interagem (Fearon, 1999FEARON, James D. Electoral accountability and the control of politicians: selecting good types versus sanctioning poor performance. In: PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C.; MANIN, Bernard. Democracy, accountability, and representation, Cambridge University Press, 1999. p. 55-97.).

A Lava Jato e as suas repercussões midiáticas constituíram fatores que propiciaram efetivamente essa interação. Assim, no contexto peculiar da Lava Jato, incidiu sobre os parlamentares a accountability política (que inclui partidos políticos, eleitores e mídia), e jurídico-legal e administrativa (exercida por órgãos como a Receita Federal e o Tribunal de Contas da União). Essa tipologia ajuda a responder à questão “a quem se deve dar explicações?” (Problem of many eyes). Já para identificar o ator ou a agência a ser responsabilizado (Problem of many hands), há quatro estratégias de accountability, com base nas quais é possível conjecturar que o efeito eleitoral da Operação Lava Jato é uma manifestação de accountability individual (Each for himself), na medida em que o eleitorado pode atribuir a um dado candidato uma função específica no cometimento de crimes ou em atos de corrupção (Bovens, 2007BOVENS, Mark. Analysing and assessing accountability: a conceptual framework. European Law Journal, v. 13, n. 4, p. 447-468, 2007.).

Pode-se entender ainda que a Lava Jato pôs em movimento uma accountability diagonal, de tal forma que, na perspectiva do desenho constitucional, houve o cruzamento de processos de accountability de natureza vertical (Principal-Agente) e horizontal (entre órgãos da administração pública) (Bovens, 2007BOVENS, Mark. Analysing and assessing accountability: a conceptual framework. European Law Journal, v. 13, n. 4, p. 447-468, 2007.). Isso foi facilitado pelo surgimento dos referidos instrumentos legais que capacitaram os órgãos de controle para uma atuação mais incisiva de fiscalização, controle e investigação sobre os atores da esfera pública.

O Modelo Principal-Agente não é unívoco, mas aponta para os desafios que os eleitores devem enfrentar: superar os problemas de “seleção adversa” (segundo o qual a arena política pode ser ocupada por corruptos ou por representantes mais preocupados com ganhos pessoais) e de “risco moral” (em que os representantes podem ludibriar seus eleitores). Portanto, é frutífero delimitar a accountability vertical numa relação Principal-Agente e, ao mesmo tempo, admitir a existência de controles democráticos horizontais entre agências de mesmo nível hierárquico, dotadas de relativa autonomia na estrutura burocrática. Está aí implicada, por conseguinte, uma relação social entre um ator (Agência) e um fórum de fiscalização, controle e julgamento (Principal).

Nessa dinâmica, a relação Principal-Agente manifesta claras limitações (Lupia; McCubbins, 2000LUPIA, Arthur; McCUBBINS, Mathew D. Representation or abdication? How citizens use institutions to help delegation succeed. European Journal of Political Research, v. 37, p. 291-307, 2000.): a possibilidade de ocorrência de assimetria de informações, de haver custo elevado para o Principal gerenciar os problemas da agência (monitorando pessoal e diretamente as atividades do Agente), de haver conflito de interesses entre esses dois polos, de surgirem falhas na prestação de contas efetivada pelo próprio Agente (que não é plenamente confiável) e na obtenção de informações por meio de terceiros não confiáveis. Ademais, está longe de ser consensual na literatura da Ciência Política o diagnóstico de que a responsabilização eleitoral é um instrumento refinado para induzir os políticos a serem responsivos diante dos seus eleitores (Fearon, 1999FEARON, James D. Electoral accountability and the control of politicians: selecting good types versus sanctioning poor performance. In: PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C.; MANIN, Bernard. Democracy, accountability, and representation, Cambridge University Press, 1999. p. 55-97.).

De todo modo, a operacionalização do Modelo Principal-Agente não implica excluir o Judiciário, porque, afinal, mesmo sendo uma instituição independente do Executivo e do Legislativo, e não assumindo, perante os demais Poderes, a posição de “Principal” ou de “Agente”, ainda assim pode exigir prestação de contas por parte dos atores políticos que estejam direta ou indiretamente vinculados aos demais Poderes (Mainwaring, 2003MAINWARING, Scott. Introduction: Democratic accountability in Latin America. In: MAINWARING, Scott; WELNA, Christopher (Eds.). Democratic accountability in Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 3-33.). Assim, o dimensionamento da accountability, no contexto da Operação Lava Jato, não deve menosprezar o papel exercido pela mídia na relação que se estabelece entre as preferências dos eleitores e o desempenho dos políticos, de tal maneira que os políticos podem se tornar mais responsivos aos interesses de eleitores mais bem informados - nesse contexto, destaca-se o papel cumprido pela mídia regional ou local.

Todavia, a forma como os governos reagem a esses interesses, evidentemente, depende ainda de outros fatores, tais como do nível de participação política dos cidadãos, da qualidade da competição política e da periodicidade das eleições (Besley; Burgess, 2002BESLEY, Timothy; BURGESS, Robin. The political economy of government responsiveness: theory and evidence from India. The Quarterly Journal of Economics, p. 1415-1451, 2002.; Ferraz; Finan, 2008FERRAZ, Claudio; FINAN, Frederico. Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes. The Quarterly Journal of Economics , v. 123, n. 2, p. 703-745, maio 2008.). Nesse sentido, a Lava Jato evidenciou os mecanismos de “accountability mediada” ou “compartilhada” (Warren, 2014WARREN, Mark E. Accountability and democracy. In: BOVENS, Mark; GOODIN, Robert E.; SCHILLEMANS, Thomas (Ed.). The Oxford handbook of public accountability. Oxford: Oxford University , 2014. eBook.), que designam contextos em que os processos de accountability em sociedades complexas são divididos e especializados: no sistema presidencialista, a imprensa livre, organizações da sociedade civil, órgãos do Legislativo, do sistema judicial e do próprio Executivo estão aptos a exercer fiscalização e controle sobre os agentes públicos.

A accountability, por conseguinte, não prescinde da atuação compartilhada desses órgãos. A Lava Jato, contando com ampla e intensa cobertura da imprensa, tornou salientes os casos de abuso de poder, no mesmo contexto em que foram fortalecidos os instrumentos legais-institucionais de responsabilização dos atores políticos: o resultado foi a percepção de que deveria ser proeminente e mais direto o controle dos cidadãos sobre os políticos. Assumindo-se a pertinência do conceito de “accountability como mecanismo” (Bovens, 2014BOVENS, Mark; GOODIN, Robert E.; SCHILLEMANS, Thomas (Ed.). The Oxford handbook of public accountability. Oxford: Oxford University, 2014. eBook.), é admissível considerar que a Operação Lava Jato acionou um “alarme de incêndio” relativamente confiável na arena política, amparada pelo manejo de um típico repertório legal, tendo deslanchado uma série de medidas judiciais que tiveram ampla repercussão midiática, e dotando o Principal, dessa forma, de informações que o capacitaram a superar ou contornar problemas de agência. Isso, numa conjuntura democrática, tende a promover o controle eleitoral-popular sobre os políticos, fortalecendo a accountability pública.

4 A “CRUZADA ANTICORRUPÇÃO” COMO SUBSTRATO DO GRANDSTANDING INSTITUCIONAL

A natureza das medidas judiciais, que devem individualizar condutas e fundamentar decisões, aliada à magnitude ou amplitude dessas operações fundamenta a tese de que o eleitorado se serve da repercussão delas decorrente como atalho informacional para adquirir mais clareza ao responsabilizar diretamente os políticos, realizando um controle democrático ex post, típica de sistemas majoritários. O exame da eleição para a Câmara dos Deputados (sistema proporcional) e para o Senado (sistema majoritário) pode levar a desenvolvimentos teóricos mais detalhados, concernentes a esse problema.

Nesse sentido, por um lado, Keohane (2003) conceitua accountability enfatizando a disponibilidade de informações e a possibilidade de os detentores do poder sofrerem sanção. Também considera que a accountability pressupõe uma relação social, que não prescinde do exame do contexto em que se manifesta, e admite que há graus de accountability que implicam custos específicos inclusive para os atores que podem aplicar sanções aos agentes públicos. Keohane chama a atenção para a importância da teoria pluralista da accountability, que pressupõe a atuação compartilhada de vários atores e organizações na tarefa de viabilizar e efetivar a accountability, podendo, inclusive, haver conflitos entre essas instituições.

De acordo com Keohane, existem oito mecanismos de accountability; entre os quais estão incluídas a accountability eleitoral e a judicial - para cada um desses mecanismos, Keohane aponta “catalisadores” e “correias de transmissão”. No caso da accountability eleitoral, o catalisador é a insatisfação pública, cuja correia de transmissão é a competição partidária organizada; a accountability judicial tem como catalisadores os grupos de interesse “alarme de incêndio” e de auditoria e monitoramento (“patrulha policial”), cujas correias de transmissão são os processos e as operações judiciais. A partir da identificação da accountability judicial como um mecanismo que opera por meio de específicos catalisadores e correias de transmissão, pode-se incrementar o debate acerca, especificamente, da Operação Lava Jato como manifestação da accountability e, ainda além: pode-se contribuir para o entendimento de como esse mecanismo está relacionado com a accountability eleitoral.

Por outro lado, enfrentando o controverso conceito de “governança”, Fukuyama (2013FUKUYAMA, Francis. What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 26, n. 3, p. 347-368, 2013.) abre um caminho interessante para contrapor a concepção de “boa governança” à de “grandstanding institucional”. A ênfase da sua compreensão acerca do que é uma “boa governança” recai sobre a capacidade de um governo elaborar e impor regras, e prestar serviços. Essa é uma concepção apartada de considerações normativas. Sem o peso normativo do conceito, Fukuyama (2013FUKUYAMA, Francis. What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 26, n. 3, p. 347-368, 2013.) avalia que há quatro abordagens possíveis para avaliar a qualidade da governança: a medida da burocracia ideal-típica no sentido weberiano, inputs (a capacidade de arrecadação tributária é uma medida com limitações, mas muito utilizada, além da medida de profissionalização da burocracia), outputs (é prudente lembrar que uma burocracia impessoal e “meritocrática” pode ser pouco eficiente para “entregar resultados”, e que a capacidade de realização dos governos é fortemente afetada por fatores exógenos, o que se traduz em sérias dificuldades metodológicas de mensuração), por fim: o grau de autonomia e de institucionalização das agências do aparato burocrático.

Fukuyama (2013FUKUYAMA, Francis. What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 26, n. 3, p. 347-368, 2013.) conclui que a boa governança é um produto da interação necessária de inputs e autonomia. Uma questão candente é: como avaliar todas as principais agências governamentais, contemplando todas as suas funções em diferentes níveis de governo e regiões? Ou ainda: transplantando-se o conceito de “boa governança” para as agências do sistema judicial, especificamente para as agências que compuseram a força-tarefa que moveu a Operação Lava Jato, é possível afirmar que a ampla autonomia orçamentária (enquanto durou a Operação) e o elevado grau de profissionalização burocrática e de autonomia decisória garantiram que a Lava Jato foi uma manifestação de boa governança do Estado?

Cabe aferir, então, se uma eventual condução dramática (ou midiaticamente dramatizada) de accountability provoca, como resultado indireto ou efeito secundário relevante, um processo social de catarse pública, com ambição de constituir um “ritual de purificação” da esfera política, e com a pretensão de suprimir o status quo e de iniciar uma “nova era” (Bovens, 2007BOVENS, Mark. Analysing and assessing accountability: a conceptual framework. European Law Journal, v. 13, n. 4, p. 447-468, 2007.). Considere-se, para tanto, que a valorização da reputação pessoal, em sistemas de lista aberta, importa para os políticos e isso serve como um indicador de que a prestação de contas e a accountability encontra espaço no processo eleitoral proporcional (Carey; Shugart, 1995CAREY, John M.; SHUGART, Kithew Soberg. Incentives to cultivate a personal vote: a rank ordering of electoral formulas. Electoral Studies, v. 14, n. 4, p. 417-439, 1995.). Disso decorre uma preocupação genérica com os riscos potenciais da accountability, identificáveis com uma espécie de “grandstanding institucional” difundido por atores que se veem como líderes de uma “cruzada anticorrupção”.

Entretanto, essa postura institucional é capaz de alimentar o cinismo na opinião pública, na medida em que “cruzadas anticorrupção” podem semear frustrações punitivistas, despolitizar a sociedade e afastar os cidadãos do processo eleitoral institucionalizado, especialmente se os cidadãos se concentrarem apenas na tipificação dos crimes combatidos e forem partidários da crença de que a atividade política é inerentemente corrupta. Contrariamente, as “cruzadas anticorrupção” são também capazes de levar os cidadãos a expressarem maior confiança no sistema de accountability horizontal, especialmente se os cidadãos se empenharem em reconhecer a viabilidade, a legalidade e a seriedade do combate propriamente dito à corrupção; se houver uma interação proveitosa do sistema judicial e da mídia; e se houver níveis prévios elevados de confiança nos tribunais (Pavão, [2021PAVÃO, Nara. Fighting corruption, curbing cynicism? Crusades, emotions, and the future of politics (Cap. 5). [S.l.: s.n.], p. 125-143, [2021?]. No prelo.?]).

Mais especificamente, os eventuais riscos derivados da atuação da Lava Jato dizem respeito a uma ansiedade descuidada por parte dos seus atores individuais (movidos pelo “espírito de cruzada anticorrupção”) e a uma postura balizada pelo populismo, pela precipitação, demagogia, espetacularização e avidez por apoio popular e midiático. A matéria-prima com a qual lidaria a força-tarefa da Lava Jato seria o descrédito amplamente difundido da população com relação à classe política e à própria atividade política; entretanto, a Lava Jato acabaria por reforçar essa percepção com a sua peculiar forma de atuação, fundada em heterodoxias jurídicas mais propensas a enfraquecer as instituições políticas do que a anunciar reformas efetivas e eficazes para combater a corrupção. Isto é, haveria um viés destrutivo quando arroubos fúteis de moralismo, matizados, inclusive, pela vingança, “desorganizam o sistema político-partidário e, ao fazê-lo, desorganizam ironicamente o substrato político-institucional sobre o qual se assenta, no fim das contas, a própria autonomia dos órgãos de controle” (Reis, 2018REIS, Bruno P. W. A Lava-Jato é o Plano Cruzado do combate à corrupção. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, jul. 2018. Disponível em: http://novosestudos.com.br/a-lava-jato-e-o-plano-cruzado-do-combate-a-corrupcao/. Acesso em: 20 dez. 2022.
http://novosestudos.com.br/a-lava-jato-e...
).

Houve, nesse processo, por parte dos atores da Operação, todo um aprendizado institucional que se refletiu num aprimoramento progressivo do manejo de institutos legais e da instrumentalização das atribuições de agências administrativas e judiciais. Tal aprimoramento nem sempre se deu, necessariamente, em termos weberianamente “racionais-legais” ou normativamente íntegros e objetivos, porque, afinal, há relevantes aspectos na atuação dos burocratas protagonistas da Lava Jato que remetem a práticas consistentes de voluntarismo político e judicial (Rodrigues, 2020RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020. eBook.; Kerche; Marona, 2022KERCHE, Fabio; MARONA, Marjorie. A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.).

Merece ser mencionada uma advertência que diz respeito diretamente à accountability judicial, porque a Lava Jato se projetou como uma iniciativa de combate implacável contra a corrupção para garantir a boa governança: há necessidade de demonstrar como operam os mecanismos ou estratégias judiciais de accountability horizontal mobilizados pela Lava Jato, por conta dos riscos importantes de o Judiciário ser capturado por interesses partidários ou por grupos de interesses exclusivistas, ou ainda fortalecer laços e interesses corporativos, sem ser devidamente accountable em relação a outras agências - numa accountability de segunda dimensão (Kerche, 2018KERCHE, Fabio. Ministério Público, Lava Jato e Mãos Limpas: uma abordagem institucional. Lua Nova, São Paulo, v. 105, p. 255-286, 2018.; Melo, 2010MELO, Natália Maria Leitão de. Quem controla os controladores? Independência e accountability no Ministério Público brasileiro. 2010. 97f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010.; O’Donnell, 1998O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44, p. 27-54, 1998.; Pavão, [2021PAVÃO, Nara. Fighting corruption, curbing cynicism? Crusades, emotions, and the future of politics (Cap. 5). [S.l.: s.n.], p. 125-143, [2021?]. No prelo.?]; Schedler, 1999SCHEDLER, Andreas. Conceptualizing accountability. In: SCHEDLER, Andreas; DIAMOND, Larry; PLATTNER, Marc F. (Edit.). The self-restraining state: power and accountability in new democracies. Lynne Rienner Publishers, 1999. p. 13-28.; Rodrigues, 2020RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020. eBook.).

5 CONCLUSÃO: UMA AGENDA DE PESQUISA

Há algum consenso na Ciência Política a respeito da forte correlação entre corrupção e baixo desenvolvimento econômico, e entre menor índice de corrupção e maior liberdade de imprensa; contudo, é refutável a tese de que as instituições são responsáveis pela diminuição de índices de corrupção ou de percepção de corrupção. Quanto à relação entre instituições e incidência da corrupção, há dificuldades metodológicas importantes para mensurar ou dimensionar adequadamente o papel exercido pelas instituições sobre a diminuição dos casos de corrupção. Isso vale para a mensuração do papel exercido pelas democracias, pelo sistema de governo, sistema eleitoral, sistema judicial, e pela forma do Estado (unitário ou federalista). Ocorre que a pesquisa científica não deve recuar diante de tais dificuldades e nem dispensar recursos acadêmicos disponíveis que permitam enfrentá-las.

Por isso, a questão que motivou as reflexões desenvolvidas neste artigo diz respeito à possiblidade (ou impossibilidade) de o eleitor responsabilizar os agentes políticos ou de a atuação de rede de accountability influenciar o comportamento do eleitor. A discussão teórica referente a esse aspecto recorreu ao Modelo Principal-Agente para demonstrar que há dificuldades não desprezíveis e inerentes aos mecanismos de accountability: os problemas relativos à “seleção adversa” e ao “risco moral”. Contudo, esses não são desafios instransponíveis porque o eleitor tem instrumentos para exercitar o seu poder de agência, ainda que não num nível ótimo.

Por conseguinte, a Operação Lava Jato deve ser examinada sob a perspectiva de seus efeitos eleitorais, ou seja, à luz da accountability eleitoral (ou vertical). Essa não é uma tarefa trivial, na medida em que, por exemplo, o sistema proporcional ou consociativo das eleições para a Câmara dos Deputados dificulta a responsabilização individual dos candidatos por parte dos eleitores. A responsabilização no sistema proporcional, que define a eleição para a Câmara dos Deputados, é menos nítida, direta ou objetiva do que no sistema majoritário; todavia, há possibilidade de o desempenho de operações como a Lava Jato concentrarem a responsabilização, mitigando os efeitos concernentes à dispersão da autoridade política próprias dos sistemas proporcionais e consociativos.

Fato é que o impacto eleitoral da Lava Jato ainda precisa ser mensurado, evidenciando se, e em que extensão, os candidatos (alvos da Lava Jato e seus desdobramentos) foram afetados eleitoralmente pelas medidas adotadas pela Operação. Assim, o que deve ser dimensionado é a possiblidade de o eleitor ter punido os candidatos à Câmara dos Deputados, que foram apanhados pela rede de accountability da Lava Jato, e, por extensão, se a atuação dessa rede de accountability produziu efeitos no processo eleitoral de 2018.

Vale dizer: mesmo diante do desenho institucional eleitoral de tipo proporcional é preciso saber se foram impactadas as chances de eleição ou de reeleição dos candidatos à Câmara dos Deputados que foram atingidos pela Lava Jato, e disso decorre a necessidade prévia de correlacionar os determinantes da reeleição, a accountability eleitoral, e a influência do sistema judicial na esfera política. Nesse caso específico, é preciso admitir que a Lava Jato pode ter desestimulado deputados atingidos pela Operação a concorrerem à reeleição, em 2018. Então, também é relevante investigar empiricamente as candidaturas à reeleição eventualmente interrompidas pelos políticos atingidos pela Lava Jato, que assim teriam procedido, por exemplo, devido aos desgastes reputacionais ou em consequência de outros obstáculos para a condução de uma campanha política, provocados ou levantados pela Operação.

Ademais, não se deve perder de vista que o fortalecimento dos instrumentos de accountability horizontal, manejados pelas instituições do sistema judicial, podem vir a enfraquecer a dinâmica da soberania popular. Tal percepção está inserida no debate mais amplo acerca da crise de representatividade que atinge os políticos, os partidos e outras instituições políticas (como o Congresso Nacional), e não prescinde da análise sobre o papel exercido pelo sistema judicial no eventual fomento dessa crise. Nesse campo, destaca-se também a sutil e sensível distinção entre o “protagonismo judicial” (cujo exercício, muitas vezes, é a principal via para a garantia de direitos individuais e coletivos fundamentais) e o “voluntarismo judicial” (que expressa a tentativa de concretizar projetos políticos individualistas e corporativistas dos próprios agentes do sistema judicial). Reconhecer a dificuldade dessa distinção não implica, contudo, abandonar as tarefas de examinar e problematizar a teoria correspondente a esse desafio e de obter evidências empíricas que possam encaminhar uma solução para esse problema.

A agenda de pesquisa deve considerar os elementos que permitem compreender o papel do sistema judicial como indutor de accountability vertical. Talvez seja viável, a partir de novos achados, enriquecer, sem pretensão de resolver ou encerrar, a discussão em torno da ideia corrente de que as operações do sistema judicial, notadamente as da Lava Jato, “criminalizaram a responsabilidade política”, “degradaram a soberania popular”, menosprezaram o princípio da separação de Poderes e foram manifestação de autoritarismo.

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    Este artigo resulta de pesquisas cujos resultados foram incorporados à Tese de Doutorado “A Operação Lava Jato afetou o desempenho eleitoral? O combate à corrupção e a eleição para a Câmara dos Deputados em 2018”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da Universidade Federal de Pernambuco. Essa Tese foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Dez 2022
  • Aceito
    18 Dez 2023
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