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As fronteiras do pertencimento étnico na pauta separatista do movimento “O Sul é o meu país”

The boundaries of ethnic belonging in the separatist agenda of the “O Sul é o meu país” movement

Resumo

O artigo propõe uma análise do discurso oficial do movimento separatista O Sul é o Meu País (OSMP), indagando-se: como as múltiplas categorias discursivas mobilizadas no interior do discurso oficial do movimento são articuladas no sentido de legitimar a pauta separatista do OSMP? Para tanto, realizou-se uma pesquisa documental que resultou na coleta e catalogação de 91 artigos de opinião publicados no site oficial do OSMP entre 2015 e 2020. Com base em uma análise do discurso, foram categorizadas cinco dimensões simbólicas da etnicidade: do descontentamento, histórica, identitária, cultural e diferencialista. Por conseguinte, os resultados alcançados demonstram que a articulação das múltiplas categorias discursivas está ancorada em uma tênue relação entre aspectos essenciais e circunstancias de uma etnicidade imaginada.

Palavras-chave
etnicidade; separatismo; movimento “O Sul é o meu país”

Abstract

The article proposes an analysis of the official discourse of the separatist movement “O Sul é o meu país” (OSMP), investigating how the multiple discursive categories mobilized within the official discourse of the movement are articulated to legitimize the separatist agenda of OSMP. To achieve this, a documentary research was carried out, resulting in the collection and cataloging of 91 opinion articles published on the official OSMP website between 2015 and 2020. Based on discourse analysis, five symbolic dimensions of ethnicity were categorized: discontent, historical, identity, cultural and differentialist. Therefore, the achieved results demonstrate that the articulation of multiple categories is grounded in a tenuous relation between essential and circumstantial aspects of an imagined ethnicity.

Keywords
ethnicity; separatism; southern Brazil; separatist movement

Introdução

Ao longo da década de 1990, o reemergir de organizações separatistas no Sul do Brasil suscitou a produção de múltiplas pesquisas que objetivaram analisar, majoritariamente, como o movimento “O Sul é o meu país” (OSMP), a partir do seu discurso oficial, sustenta a pauta separatista sulista.

Ainda que a fundação de um novo país na zona meridional do Brasil não tenha sido uma proposta exclusiva do OSMP, há uma tendência na produção científica sobre a temática de adotar o movimento como caso de análise. Isso se deve ao fato de que as demais organizações separatistas, como o Partido da República Farroupilha e o movimento Pampa Livre, tiveram um período de atividade restrito,1 1 O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) negou o pedido de registro do Partido da República Farroupilha, alegando que a proposta partidária ofendia abertamente a Constituição Federal, violando o princípio da soberania e integridade nacional. A negativa encerrou a mobilização pela fundação do partido. Ver: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5332635/apelacao-civel-ac-590082970-rs-tjrs no caso da proposta de fundação do Partido, ou uma capacidade de organização reduzida,2 2 O fundador do Pampa Livre, Irton Marx, pautava uma separação focada, fundamentalmente, no estado do Rio Grande do Sul, fator que gerou obstáculos para a construção de pontes de diálogo com os movimentos no Paraná e em Santa Catarina, o que prejudicou a capacidade do Pampa Livre de consolidar-se como organização separatista. no caso do Pampa Livre. Desse modo, “o Sul é o meu país”, ao longo das últimas três décadas, consolidou-se como o movimento separatista com o maior número de adeptos e com maior abrangência regional.

Segundo os dados publicados por De Paula (2001)5 DE PAULA, Ricardo P. Contestações à nação: Um estudo do movimento separatista o Sul é o Meu País (1990-1997). Dissertação [Mestrado em História]. Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho. Assis, 2001., em 1994, o movimento afirmava possuir 20 comissões estaduais e 118 comissões municipais, mensurando a existência de 18.000 membros no estado de Santa Catarina. O autor aponta a falta de confiabilidade dos dados fornecidos pelo OSMP, tendo em vista que as fichas de cadastro de membros e informações adicionais sobre as comissões municipais não eram de acesso público, o que impossibilitava a verificação dos dados.

Em 2020, o movimento afirmava possuir comissões municipais em 1053 3 Em seu site, o movimento afirma que: “ao total o movimento é representado em 1.191 municípios” (Sul Livre, 2020). Contudo, até outubro de 2020, o movimento mantinha online uma página denominada “Comissões Municipais”, na qual era possível acessar o logradouro, data de fundação e nome do atual presidente de cada comissão municipal, dados que atestavam a atuação do movimento em 105 municípios. Sendo assim, optou-se aqui pelo uso do dado passível de verificação, afirmando a atuação do movimento em aproximadamente 10% dos municípios da Região Sul. Em outubro de 2020, o site entrou em um processo de reformulação. Os dados das comissões municipais foram parcialmente retirados do ar. O “mapa”, apresentado na figura 1, também deixou de ser disponibilizado online. Assim, as informações quantitativas e descritivas das comissões municipais não estão, até a data de publicação desta pesquisa, abertas para novas verificações. cidades do sul do Brasil, sendo 56 no Rio Grande do Sul, 33 em Santa Catarina e 16 no Paraná (ver figura 1). As referidas comissões estão, via estatuto, subordinadas à diretoria nacional e têm como objetivo articular as demandas e orientações deliberadas pela assembleia geral e pela diretoria nacional do movimento nos municípios em que estão alocadas.

Figura 1
Distribuição das comissões municipais nos três estados do sul do Brasil (2020)

Analisando características específicas do discurso do OSMP, tais como a atribuição de um caráter secessionista a eventos históricos (Melo, 201910 MELO, Michele de. O mito é uma fala: o uso da figura do cacique Guaicará no discurso separatista do Movimento o Sul é Meu País. In: Anais do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA, 2 a 7/09/2019. ; Lima, 20178 LIMA, Stella Aparecida L. Movimento O Sul é Meu País: O discurso separatista e seus efeitos de sentido. Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade Católica de Pelotas. Pelotas, 2017.), a vinculação entre geografia física e elementos culturais na construção do caráter singular do território e do povo sulista (Schultz; Silva Junior, 201916 SCHULTZ, Jenerton A.; SILVA JUNIOR, Edinaldo E. Território simbólico e território funcional: fatores geográficos que motivam o movimento separatista “O Sul é o Meu País”. Revista Di@logus, v.8, n.3, p. 85-87, 2019.), os elementos de insatisfação política e fiscal que fundamentam a causa separatista (De Paula, 20015 DE PAULA, Ricardo P. Contestações à nação: Um estudo do movimento separatista o Sul é o Meu País (1990-1997). Dissertação [Mestrado em História]. Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho. Assis, 2001.; Ogliari, 201912 OGLIARI, Ana Laura. Movimento Sul é o Meu País: Análise da forma de organização e ação. Monografia (Graduação em Ciências Sociais), Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, 2019.; Tormena, 201818 TORMENA, Adriano. Redes e agenda política: uma análise do movimento O Sul é o Meu País. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Sociais), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.) e a vinculação entre os conceitos de separatismo e etnicidade (Luvizotto, 20099 LUVIZOTTO, Caroline K. Cultura gaúcha e separatismo no Rio Grande do Sul. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.), a literatura existente sobre o movimento possibilita compreender a forma como determinadas categorias do discurso separatista são construídas e mobilizadas no sentido de sustentar a causa separatista sulista.

Ao invés de analisar as categorias do discurso oficial do movimento, de forma isolada, objetiva-se avançar no conhecimento sobre o fenômeno separatista por meio da categorização discursiva das fronteiras do pertencimento étnico. Para isso, busca-se responder: como as múltiplas categorias discursivas mobilizadas no interior do discurso oficial do movimento são articuladas no sentido de legitimar a pauta separatista do OSMP?

O desenvolvimento do artigo, além desta introdução, apresenta os procedimentos teórico-metodológicos empregados para obter resposta à pergunta acima, com destaque para a construção, para fins analíticos, de categorias discursivas inéditas. Na sequência, destaca como essas categorias são mobilizadas pelo movimento OSMP com o objetivo de distinguir o ser sulista do(s) outro(s), não sulistas, delimitando a fronteira de pertencimento étnico por meio de cinco dimensões simbólicas da etnicidade: do descontentamento, histórica, identitária, cultural e diferencialista. Nas considerações finais, os resultados alcançados demonstram que a articulação das múltiplas categorias discursivas de uma legítima pauta separatista do OSMP é dependente de uma tênue relação entre aspectos essenciais e circunstanciais de uma etnicidade imaginada.

Procedimentos teórico-metodológicos

Materiais e métodos

Como demonstrado por De Paula (2001)5 DE PAULA, Ricardo P. Contestações à nação: Um estudo do movimento separatista o Sul é o Meu País (1990-1997). Dissertação [Mestrado em História]. Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho. Assis, 2001., o OSMP priorizou, desde sua fundação, a propagação de conteúdos separatistas como estratégia central para a expansão de sua abrangência regional e do número de membros e simpatizantes. Entre 1993 e 1997, a existência de um jornal próprio, organizado pela Comissão Estadual de Santa Catarina, foi o mecanismo de divulgação utilizado para a apresentação e publicização dos ideais, da organização e dos objetivos do movimento. A partir de 2015, a propagação dos ideais separatistas ganha uma nova roupagem, passando dos papéis impressos às telas da internet. O site oficial4 4 Disponível em: https://www.osuleomeupais.org/. Acesso em 27 jun. 2023. do movimento começou a ser utilizado como repositório de informações e artigos de opinião que, em um segundo momento, são compartilhados e veiculados nas redes sociais, com preponderância do uso do Facebook, seja a partir de páginas e grupos das comissões municipais, seja na própria página oficial do OSMP na rede. Desse modo, foram catalogados os 91 artigos de opinião publicados no site5 5 Os materiais catalogados e analisados pela pesquisa são publicados na aba “Artigos” do site, que serve como um repositório de opiniões posteriormente compartilhadas em grupos e páginas do Facebook, nas quais há um maior alcance e engajamento de não simpatizantes, simpatizantes e membros. As redes sociais do OSMP não compõem o corpus da pesquisa e, por esta razão, as interações e formas de engajamento com as postagens veiculadas nas redes sociais não foram incorporados na análise. oficial entre 2015 e outubro de 2020,6 6 Os dados foram capturados e compilados desde a aprovação do projeto de pesquisa no Programa de Pós- Graduação em Sociologia da UEL, em fevereiro de 2019, até outubro do ano subsequente. Definiu-se outubro como data limite para a captura de dados tendo em vista a necessidade de tempo hábil para processá-los e analisá-los. Sendo assim, a data limite de captura de dados foi definida pela necessidade de iniciar a etapa de análise qualitativa do corpus da pesquisa. sendo este o corpus da pesquisa.

Os 91 artigos publicados entre 2015 e 2020 foram, majoritariamente (76%), assinados por lideranças do OSMP. Os demais foram publicados tendo o próprio movimento como autor ou por membros que assinaram, no máximo, um documento por ano.7 7 Para uma compreensão pormenorizada dos agentes do discurso, das frequências, tempos e estratégias de divulgação dos artigos de opinião no site oficial do movimento, ver Aver (2020). Como procedimento metodológico, realizou-se uma pesquisa documental que resultou na coleta e catalogação dos 91 artigos de opinião supracitados e, por conseguinte, realizou-se uma análise do discurso (AD), tendo como eixo orientador os aportes metodológicos de Fairclough (2001)6 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001..

A AD é um campo com bases epistemológicas diversas, mas Fairclough propõe a unificação da AD, que tradicionalmente tem suporte no campo da linguística, com elementos do pensamento social e político relevantes para o discurso e para a linguagem. Nessa perspectiva, ao usar a noção de discurso, Fairclough (2001)6 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001. assume a linguagem como uma prática social e, dessa afirmação, decorrem duas implicações centrais:

  1. o discurso é compreendido “como uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação”. Nessa perspectiva, o discurso é uma prática de significação do mundo, “construindo e constituindo o mundo em significado” (Fairclough, 20016 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001., p. 91);

  2. essa perspectiva sobre o discurso implica uma relação dialética entre discurso e o que o autor denomina de “estrutura social”, sendo esta compreendida como condição e efeito da prática social. Em outras palavras, o discurso é moldado e restringido por relações sociais, por instituições particulares – como o direito e a educação – e por normas e convenções discursivas e não discursivas, ao mesmo tempo que é socialmente constitutivo: “o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem” (p. 91).

Há, portanto, dois aspectos centrais sobre o discurso que se tornam guias para análise. Primeiramente, como prática, o discurso é central na construção de relações sociais, o que, para eficácia analítica desta pesquisa, é pertinente na medida em que possibilita compreender como categorias discursivas são mobilizadas na articulação e legitimação da identidade sulista. Já como representação, destaca-se o aspecto relacional do discurso, pois age na construção de identidades sociais, ou seja, na construção do “eu/nós”, neste caso, o sulista e o “outros/eles” – os não sulistas.

Com base nessa perspectiva de análise do discurso, as pesquisas de Smith (1979)17 SMITH, Anthony D. Towards a theory of ethnic separatism. Ethnic and Racial Studies, v. 2, n. 1, p. 21-37, 1979. e Barros (2007)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007. serviram de orientação para construção de categorias inéditas de análise. Smith (1979)17 SMITH, Anthony D. Towards a theory of ethnic separatism. Ethnic and Racial Studies, v. 2, n. 1, p. 21-37, 1979., ao discorrer sobre os separatismos étnicos, afirma que estes podem ser potencializados por cinco variáveis, sendo elas:

  1. o desenvolvimento diferencial, que parte da premissa de que diferenças econômicas são potencializadoras de separatismos étnicos;

  2. a linguagem, compreendida, junto com outros aspectos culturais, como um elemento fundamental para a formação da nação e, portanto, da identificação grupal separatista;

  3. a temática histórica e a etnicidade: parte da concepção de que, para uma categoria étnica se transformar em uma comunidade étnica, ela deve adquirir uma autoconsciência histórica e um senso de identidade peculiar;

  4. a burocracia e o descontentamento: versa sobre o descontentamento psicológico, econômico, político e cultural, na medida em que afirma que as burocracias funcionam como propulsoras da categorização étnica como ferramenta de divisão e governança;

  5. políticas étnicas e separatistas: postula a necessidade de um alto grau de politização da comunidade étnica como pré-requisito para o pleito por uma nova nacionalidade. É uma variável composta por uma constelação de fatores políticos e sociais que acentuam a consciência política da comunidade étnica.

Barros (2007)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007., ao dedicar-se à análise do separatismo como uma forma de discurso baseado na construção de uma identidade (ethos) intolerante, afirma que o discurso separatista é atravessado por cinco eixos temáticos, sendo eles:

  1. tema socioeconômico do desenvolvimento: faz referência à “moralização do crescimento”. Utilizando o separatismo gaúcho como exemplo, a autora define a concepção de moralização do crescimento da seguinte maneira: “o Rio Grande do Sul é mais desenvolvido e rico que o restante do país, e essas riquezas precisam ser conservadas; a seriedade e o trabalho dos gaúchos fazem crescer essas riquezas, ao contrário do que acontece no resto do país” (Barros, 20072 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007., p. 162);

  2. tema da política da ingovernabilidade: refere-se às questões relacionadas à “má política”, como, por exemplo, a corrupção, a distribuição injusta e desproporcional dos tributos federais aos estados e a extensão territorial do Brasil;

  3. tema histórico: a temática histórica está fragmentada em dois eixos. O primeiro referente ao resgate da “tradição sulista”, que envolve a ideia de pioneirismo e uma cultura de luta por maior autonomia regional; o segundo, ligado ao argumento de que a fragmentação das nações é um movimento próprio da modernidade, no qual resgata-se exemplos de “grandes países” que passaram por processos separatistas e tiveram “bons resultados”;

  4. tema da diferença e identidade: Barros (2007, p. 162)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007. destaca a perspectiva separatista de que “os gaúchos são diferentes dos brasileiros e melhores do que eles”, o que, segundo a autora, leva ao tema do racismo;

  5. tema da separação: o tema da separação “aparece como o da ação de revolta contra os maus, em todos os aspectos (histórico, moral, étnico, cultural etc.), como o da realização dos sonhos de crescimento [...]; o tema da separação constrói um discurso maniqueísta em que bem e mal se contrapõem, com a vitória do bem, o que, de uma certa forma, justifica todas as ações empreendidas” pelos separatistas (p. 163).

Ainda que possuam singularidades e distinções, a categorização proposta por Smith (1979)17 SMITH, Anthony D. Towards a theory of ethnic separatism. Ethnic and Racial Studies, v. 2, n. 1, p. 21-37, 1979. e as categorias estabelecidas por Barros (2007)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007. são complementares e apontam na mesma direção destacada por Hertzog (2009)7 HERTZOG, Wagner B. Nacionalismos do Sul: uma análise antropológica dos debates sobre nacionalismos e regionalismos promovidos por dois grupos separatistas da região Sul do Brasil. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. que, ao estudar o reemergir de movimentos separatistas no sul do Brasil no final do século XX, afirmou a necessidade da introdução da questão étnica para a compreensão do caráter endêmico do separatismo nessa região. Assim sendo, para fins metodológicos e analíticos, esta pesquisa correlacionou as categorias de Smith (1979)17 SMITH, Anthony D. Towards a theory of ethnic separatism. Ethnic and Racial Studies, v. 2, n. 1, p. 21-37, 1979. e Barros (2007)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007., tendo como ênfase o caso específico do separatismo sulista. Como resultado dessa correlação, foram construídas cinco categorias próprias, que são utilizadas na categorização e análise dos documentos (ver Quadro 1).

Quadro 1
Categorias próprias de análise

Nos termos dispostos no quadro 1, a categoria 1 é resultado da correlação da categoria “tema socioeconômico do desenvolvimento”, de Barros, com a categoria de “desenvolvimento diferencial”, proposta por Smith. A definição da categoria 2 é de desenvolvimento próprio, a partir da categoria “tema histórico”, de Barros, do trabalho de catalogação dos documentos e da leitura sistematizada de pesquisas que se debruçaram sobre o separatismo sulista. A definição da categoria 3 é oriunda de uma correlação das categorias “Tema da diferença e identidade”, em Barros, e “A temática histórica e a etnicidade”, em Smith, englobando as dimensões da singularidade da identidade étnica e o senso de superioridade. A categoria 4 é resultado da combinação das categorias “Tema político da ingovernabilidade”, de Barros, e “Burocracia e descontentamento”, de Smith. Por fim, a categoria 5, que tem como diferencial a noção de “convocação para ação”, é resultado da combinação das categorias “Políticas étnicas separatistas”, de Smith, com a categoria “Tema da separação”, de Barros. Em relação a categoria 5, a nomenclatura utilizada é a mesma dada por Smith, contudo, os termos utilizados para defini-la possuem a incorporação da dinâmica maniqueísta proposta por Barros.

Elementos teóricos da análise

A presente pesquisa parte da premissa de que o sentimento de pertença a um grupo, fundado na crença subjetiva em uma comunidade de origem, não é forjado no isolamento. Ao contrário, a comunicação e o contato entre distintos grupos acentuam diferenças, por meio do que Cunha (2009, p. 237)4 CUNHA, Manuela C. da. Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível. In: CUNHA, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosak Naify, 2009. designou como “cultura de contraste”, isto é, a tendência de os indivíduos escolherem elementos distintivos que estabelecem fronteiras de identificação étnica.

Nesse sentido, teorizar a partir da etnicidade significa “examinar as modalidades segundo as quais uma visão de mundo étnica é tornada pertinente para os atores”, ou seja, é compreender os sentidos que são mobilizados para a consolidação do sentimento de formar um grupo. Sendo assim, assume-se a pertença étnica como categoria pertinente para a ação social (Poutignat; Streiff-Fenart, 199813 POUTIGNAT, Philippe.; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Editora UNESP, São Paulo, 1998., p. 17).

A noção de fronteira é fundamental para a compreensão da etnicidade, na medida em que, como afirmou Barth (1998)3 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P.; Streiff-fenart, J. Teorias da etnicidade. Saõ Paulo: Editora UNESP, 1998. , o sentimento de pertencimento étnico é demarcado pela linha que estabelece a distinção entre agrupamentos dicotômicos – nós/eles. Nesse sentido, o que define o grupo étnico é justamente a fronteira que o distingue do(s) outro(s) e não o conteúdo cultural de determinado agrupamento: “o que permite que se dê conta da existência dos grupos étnicos e de sua permanência no tempo é, então, a existência dessas fronteiras étnicas independentemente das mudanças que afetam os marcadores aos quais elas se colam” (Poutignat; Streiff-Fenart, 199813 POUTIGNAT, Philippe.; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Editora UNESP, São Paulo, 1998., p. 153).

Os traços que demarcam a fronteira étnica podem variar de acordo com as formas pelas quais a comunidade atribui novos significados e interpretações aos seus aspectos culturais. Desse modo, as fronteiras da etnicidade não são rígidas e duráveis. Pelo contrário, são fluídas e permeáveis. Estas características das fronteiras étnicas possibilitam que a dicotomia entre o eu e o outro não esteja, necessariamente, vinculada de forma substancial ao material cultural de determinado grupo. Em outras palavras, “um grupo pode adotar os traços culturais de um outro, como a língua e a religião, e, contudo, continuar a ser percebido e a perceber-se como distintivo” (Poutignat; Streiff-Fenart, 199813 POUTIGNAT, Philippe.; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Editora UNESP, São Paulo, 1998., p. 156).

Assim, uma comunidade étnica não se distingue por sua bagagem cultural, mas sim por sua identidade étnica em termos de adscrição (Cunha, 20094 CUNHA, Manuela C. da. Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível. In: CUNHA, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosak Naify, 2009.), ou seja, a etnicidade implica um processo contínuo de seleção de aspectos culturais “dos quais os atores se apoderam para transformá-los em critérios de consignação ou de identificação” (Barth, 19983 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P.; Streiff-fenart, J. Teorias da etnicidade. Saõ Paulo: Editora UNESP, 1998. , p. 129). Portanto, o relevante para a análise dos fenômenos étnicos não é o conteúdo cultural do grupo, mas “o processo de codificação das diferenças culturais que tornam as categorias étnicas organizacionalmente pertinentes” (Poutignat; Streiff-Fenart, 199813 POUTIGNAT, Philippe.; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Editora UNESP, São Paulo, 1998., p. 133).

Nesse sentido, ao mobilizar a etnicidade como recurso teórico-metodológico, as próprias fronteiras do pertencimento, que estão em constante disputa e modificação, são tomadas como objeto de análise. Assim, teorizar a partir da etnicidade significa deslocar o olhar analítico do interior do(s) grupo(s) para os processos e disputas que demarcam as fronteiras permeáveis do pertencimento étnico. Esse deslocamento conduz o foco da análise para as distinções que configuram, de modo dinâmico, as identidades étnicas. Assim, a etnicidade distingue-se da etnia, pois, enquanto esta tende a ser operacionalizada como objetivação de determinados grupos étnicos por vertentes empiristas da antropologia e da sociologia, aquela enfatiza processos transformacionais das fronteiras identitárias.

O contínuo processo de selecionar aspectos culturais, históricos e econômicos para transformá-los em critérios de consignação e de identificação nos conduz à dimensão organizacional da etnicidade, ou seja, à sua função enquanto forma de organização política e social. Aos elementos étnicos são atribuídos uma significação contextual, para que sirvam como operativos de contraste, mesmo que esvaziados de uma substancialidade. Nesse sentido, a etnicidade opera como uma eficiente forma de organização “para resistência ou conquista de espaços” (Cunha, 20094 CUNHA, Manuela C. da. Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível. In: CUNHA, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosak Naify, 2009., p. 234). Ao se contrastarem como o diferente, os elementos étnicos são mobilizados como categorias de diferenciação, assumindo uma função de agenciamento8 8 Cunha (2009 p. 237) utiliza o termo “caráter manipulativo da etnicidade”. Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 133) designam como “categorias étnicas organizacionalmente pertinentes”. dos indivíduos para determinada causa pleiteada pelo grupo (Cunha, 20094 CUNHA, Manuela C. da. Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível. In: CUNHA, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosak Naify, 2009.).

Nesse âmbito, enquanto recurso metodológico da análise, as categorias inéditas apresentadas no quadro 1 objetivam sistematizar de que forma aspectos históricos, culturais, sociais e econômicos são operacionalizados como categorias de diferenciação, compondo as múltiplas dimensões simbólicas da etnicidade sulista mobilizadas no interior do discurso oficial do movimento. O objetivo é identificar como estas dimensões são instrumentalizadas no sentido organizacional da etnicidade, ou seja, na capacidade das categorias simbólicas de diferenciação operarem no agenciamento dos indivíduos em prol da causa separatista sulista.

Categorias e recursos discursivos

As dimensões do descontentamento sulista

Os 22 artigos de opinião catalogados como discursos sobre desenvolvimento socioeconômico e discursos sobre ingovernabilidade e descontentamento articulam uma distinção central para a fundamentação da pauta separatista sulista, qual seja, a oposição entre o ser sulista e Brasília. Este esquema de oposição étnica está fundamentado em três formas de descontentamento, a saber: descontentamento fiscal, descontamento político-burocrático e descontentamento psicológico. A seguir, veremos como cada dimensão do descontentamento é articulada no interior do discurso oficial do movimento.

A categoria de discursos sobre desenvolvimento socioeconômico mobiliza planilhas com os valores totais dos tributos arrecadados e repassados pelos estados e municípios da região sul para a União, comparando com o valor que é devolvido pela União para os entes federados. O objetivo das planilhas é demonstrar objetivamente o que o movimento designa como a “frustação do pacto federativo brasileiro”. O problema fiscal aparece correlacionado às questões de má administração política, à corrupção e à incapacidade do Estado brasileiro de gerir política, econômica e socialmente toda a extensão do seu território. Nessa perspectiva, a categoria de descontentamento fiscal forma-se a partir da noção de que o pacto federativo brasileiro “frustra”, “limita” e “controla” o potencial de desenvolvimento do povo sulista (Dal Sotto, 2019a21 DAL SOTTO, Joacir. Brasil para Brasileiros. O Sul é o Meu País, 17 fev. 2019a. https://www.osuleomeupais.org/brasil-para-brasileiros/
https://www.osuleomeupais.org/brasil-par...
). O discurso do movimento enuncia que o sulista possui, inerente ao seu ser, uma disposição ao desenvolvimento. Barros (2007, p. 162)2 BARROS, Diana Luz P. de. A identidade intolerante no discurso separatista. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 9, 147-167, 2007. identificou essa dimensão da inerência do potencial de desenvolvimento, designando-a como “moralização do crescimento”, nos seguintes termos: “o Rio Grande do Sul é mais desenvolvido e rico que o restante do país, e essas riquezas precisam ser conservadas; a seriedade e o trabalho dos gaúchos fazem crescer essas riquezas, ao contrário do que acontece no resto do país”.

Por sua vez, o descontentamento político-burocrático é compreendido a partir dos elementos discursivos que caracterizam o pacto federativo como um colonialismo interno,9 9 “Colonialismo interno”, “novo colonizador” e “refém” são categorias nativas, utilizadas por Celso Deucher em 2015 (ver Deucher, 2015, disponível em: https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/). Acessado em 08 de set. de 2023. sendo “o novo colonizador”, a capital federal, Brasília (Deucher, 201523 DEUCHER, Celso. Rio Grande precisa dar um basta a Brasília. O Sul é o Meu País. 12 ago. 2015. https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/
https://www.osuleomeupais.org/o-rio-gran...
). Nesse sentido, o Sul aparece como um “refém”, oprimido, controlado e limitado por seu colonizador interno – Brasília (Dal Sotto, 2019a21 DAL SOTTO, Joacir. Brasil para Brasileiros. O Sul é o Meu País, 17 fev. 2019a. https://www.osuleomeupais.org/brasil-para-brasileiros/
https://www.osuleomeupais.org/brasil-par...
). Lima (2017)8 LIMA, Stella Aparecida L. Movimento O Sul é Meu País: O discurso separatista e seus efeitos de sentido. Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade Católica de Pelotas. Pelotas, 2017. observou que a construção do caráter minoritário do povo é fundamental no discurso separatista sulista. Os dados aqui analisados apontam na mesma direção: o discurso sobre o caráter minoritário (refém, oprimido e violado) do povo sulista possibilita uma narrativa que concentra em uma figura abstrata, Brasília, a origem dos problemas que frustram e oprimem esse povo.

O descontentamento político-burocrático, enquanto dinâmica de lutas simbólicas, é um mecanismo discursivo central na mobilização da etnicidade como forma de organização política e social: ao se constituírem como historicamente oprimidos, violados e reféns de Brasília, o movimento apresenta o separatismo como o caminho propulsor da transformação dessa condição imposta pelo pacto federativo brasileiro (Dal Sotto, 201820 DAL SOTTO, Joacir. Brasil Federalista. O Sul é o Meu País. 20 jul. 2018. https://www.osuleomeupais.org/brasil-federalista/
https://www.osuleomeupais.org/brasil-fed...
).

O descontentamento político-burocrático e o fiscal geram um terceiro tipo de descontentamento, denominado como descontentamento psicológico.10 10 A noção de “descontentamento psicológico” foi cunhada por Smith (1979, p. 29): “psychological complaint”. Esta categoria de descontentamento faz referência aos elementos discursivos que indicam os modos pelos quais é possível perceber na prática cotidiana a frustração do potencial de desenvolvimento sulista imposta pelo pacto federativo. Nos documentos analisados, é possível identificar diversos elementos simbólicos da frustração, sendo alguns deles:

  1. o aumento da violência, do contrabando e do tráfico de armas e drogas (Deucher, 2016b25 DEUCHER, Celso. Sul e Sudeste bem estruturados. O Sul é o Meu País. 19 jun. 2016b. https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sudeste-bem-estruturados
    https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sude...
    );

  2. a necessidade dos funcionários públicos (em especial dos professores) de entrarem em greve (Deucher, 2016b25 DEUCHER, Celso. Sul e Sudeste bem estruturados. O Sul é o Meu País. 19 jun. 2016b. https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sudeste-bem-estruturados
    https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sude...
    );

  3. problemas de infraestrutura como, por exemplo, enchentes e as longas filas para atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) (Deucher, 2016b25 DEUCHER, Celso. Sul e Sudeste bem estruturados. O Sul é o Meu País. 19 jun. 2016b. https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sudeste-bem-estruturados
    https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sude...
    ).

  4. volatilidade da legislação, tendo como exemplo a obrigatoriedade de extintor no interior de veículos e, posteriormente, revogação dessa exigência e a alteração “impositiva” das placas de carros utilizadas em território nacional, aderindo ao modelo de placas do Mercosul (Deucher, 2016b25 DEUCHER, Celso. Sul e Sudeste bem estruturados. O Sul é o Meu País. 19 jun. 2016b. https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sudeste-bem-estruturados
    https://www.osuleomeupais.org/sul-e-sude...
    ).

  5. proibição de “idiomas estrangeiros” durante o governo Vargas (Deucher, 201523 DEUCHER, Celso. Rio Grande precisa dar um basta a Brasília. O Sul é o Meu País. 12 ago. 2015. https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/
    https://www.osuleomeupais.org/o-rio-gran...
    ).

Os mencionados elementos simbólicos da frustração possuem uma finalidade comum, qual seja, sensibilizar a população sobre os males da federação infligidos ao povo sulista. Em múltiplas esferas, estes elementos têm relevância simbólica, pois vinculam problemas cotidianos à pauta étnica pleiteada pelo movimento. Desse modo, são fundamentais para a construção da adesão à causa separatista, na medida em que vinculam problemas ordinários a Brasília, depositando sobre esta figura indefinida e abstrata os múltiplos descontentamentos da vida cotidiana dos sulistas.

Quando correlacionadas, as múltiplas dimensões do descontentamento fornecem os elementos circunstanciais potencializadores da pauta separatista sulista. Ou seja, é a partir do esquema de oposição balizado na dimensão simbólica do descontentamento (Brasília x sulistas) que insatisfações políticas, fiscais e sociais assumem um caráter separatista.

Brasília é o expoente da frustração do povo sulista, é o seu “novo colonizador” (Deucher, 201523 DEUCHER, Celso. Rio Grande precisa dar um basta a Brasília. O Sul é o Meu País. 12 ago. 2015. https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/
https://www.osuleomeupais.org/o-rio-gran...
). É a abstração culpabilizada sobre a qual se depositam todas as formas de descontentamento mobilizadas no discurso do OSMP. Nessa perspectiva, o sulista não é apenas o conjunto de habitantes do território mais ao sul do Brasil, mas sim o conjunto de habitantes desse território que compartilha a percepção sobre a condição de oprimidos por Brasília. Portanto, os sulistas, enquanto designação étnica, são separatistas por excelência.

A dimensão histórica da identidade étnica

No interior do discurso oficial do OSMP, a percepção sobre a condição de oprimidos por Brasília possui uma historicidade simbólica que subsidia a noção de que o movimento é a continuidade de uma disputa histórica por autodeterminação que se alastra desde a chegada dos colonizados ao território brasileiro. Assim, ao longo dos 17 documentos que compõem a categoria de discursos históricos e de unificação nacional, o ser sulista assume diversas configurações, que variam de acordo com o contexto histórico resgatado, balizando a identidade sulista a partir da dicotomização de heróis e ameaças externas.

Nossa história de libertação do Sul vem de longe... Nascemos todos Guaranis e Ges... De muitos Povos e Nações...Vínhamos ao mundo Guainás, Ibiraiaras, Arachãns, Carijó, Tapes, Pampeanos, Kaiguangues, Xocklengs, Charruas, Caiuas, Minuanos, Mbyas, Xiripas, Xetas, Guenoas, Yaros, Mboanes e Chanás, entre outros tantos. Falávamos várias línguas e muitos dialetos... tínhamos nosso próprio modo de vida. Nossa casa era a imensidão do mar verde da floresta sulista. Nosso teto sempre foi as galhadas majestosas das araucárias. Éramos livres e não admitíamos que ninguém nos tolhesse o direito de andar e viver em plenitude em nossa própria terra

(Deucher, 201828 DEUCHER, Celso. 262 da morte de Sepe Tiaraju. O Sul é o Meu País. 7 fev. 2018. https://www.osuleomeupais.org/262-anos-da-morte-de-sepe-tiaraju/
https://www.osuleomeupais.org/262-anos-d...
).

Para o movimento, o direito do sulista de viver e andar em plenitude nas terras do Sul começou a ser tolhido com a chegada do homem europeu e, como resultado, não restou alternativa ao povo do Sul do que lutar pela sua terra: “aos poucos foram [os europeus] tomando conta deste território, matando e expulsando os verdadeiros donos da terra... E por isto, como reação a esta usurpação, surge o sentimento de autodeterminação sulista” (Deucher, 201828 DEUCHER, Celso. 262 da morte de Sepe Tiaraju. O Sul é o Meu País. 7 fev. 2018. https://www.osuleomeupais.org/262-anos-da-morte-de-sepe-tiaraju/
https://www.osuleomeupais.org/262-anos-d...
). Nessa perspectiva, o primeiro grande movimento de defesa do território sulista foi a Confederação de Aldeais e Povos, “sob a liderança do Cacique Guairacá, primeiro herói sulista [...] combatemos heroicamente, de 1550 a 1601 os Espanhóis que pretendiam anexar este território” (Deucher, 201828 DEUCHER, Celso. 262 da morte de Sepe Tiaraju. O Sul é o Meu País. 7 fev. 2018. https://www.osuleomeupais.org/262-anos-da-morte-de-sepe-tiaraju/
https://www.osuleomeupais.org/262-anos-d...
). Para o movimento, a resistência contra a invasão estrangeira fez com que o povo sulista se organizasse, primeiro com a formação da República del Guairá e, posteriormente, com os trinta povos das missões.

Esqueceram que em nossa cultura as terras ancestrais são um bem inegociável e, portanto, não podem ter dono de além mar. Afinal os filhos da terra são os donos da terra. Em nossa fé e cultura, quando uma pessoa morre ela se transforma em terra. Portanto, em nosso território estão nossos antepassados e, por isso, essa terra é parte de nós [...] E tantos séculos depois, cá estamos, lutando pela mesma causa, em defesa da nossa terra e da nossa gente. Hoje organizamos em um movimento de libertação, usamos a mesma divisa de guerra de Guaycará e Sepé, mantendo vivo o grito: “Co Yvy Oguereco Yara” ... Esta terra tem dono, porque o Sul é o meu país.

(Deucher, 201828 DEUCHER, Celso. 262 da morte de Sepe Tiaraju. O Sul é o Meu País. 7 fev. 2018. https://www.osuleomeupais.org/262-anos-da-morte-de-sepe-tiaraju/
https://www.osuleomeupais.org/262-anos-d...
, grifos nossos).

Além da ancestralidade de luta dos povos originários, descritos como “heróis sulistas”, o movimento resgata a Guerra de Farrapos e a República de Juliana “em memória póstuma à bravura dos nossos heróis negros que deram a vida pela liberdade e independência do Sul”. Em desacordo com a Corte Imperial “a República separatista riograndense havia prometido liberdade aos negros que lutavam no exército farroupilho”, sendo este constituído por muitos “negros, índios, mestiços e brancos pobres” (Rozin, 201932 ROZIN, Adelar B. Neste dia prestamos nossa homenagem aos heróis negros que lutaram pela independência do Sul. O Sul é o Meu País, 20 nov. 2019. https://www.osuleomeupais.org/neste-dia-prestamos-nossa-homenagem-aos-herois-negros-que-lutaram-pela-independencia-do-sul/
https://www.osuleomeupais.org/neste-dia-...
).

Certa vez, um grupo de homens descontentes com o Império ao qual pertenciam, deixaram suas esposas e crianças no lar e seguiram marcha contra um quinto de impostos que pagavam ao poder central e que iam aumentando diante de uma óbvia crise do sistema administrativo. A luta armada foi desigual; porém, o sangue não foi em vão, e muitas histórias ainda são contadas sobre aqueles separatistas. Passou o tempo, alguns lutando pela república brasileira, outros pelo Império do Brasil, enquanto aqui, ao Sul do até hoje Brasil, guerreiros ainda lutam pela emancipação política e administrativa dos três estados do sul. Hoje sentimos o sangue dos nossos antepassados passar por nossos corações, estamos em uma marcha pacífica e democrática. Pobres daqueles que acreditam nos homens e mulheres que administram o Brasil [...] somos sulistas de coração e alma

(Deucher, 2017a26 DEUCHER, Celso. Breve história do sentimento emancipatório do povo sulista. O Sul é o Meu País. 28 set. 2017a. https://www.osuleomeupais.org/breve-historia-do-sentimento-emancipatorio-do-povo-sulista/
https://www.osuleomeupais.org/breve-hist...
, grifos nossos).

Nessa perspectiva, o povo sulista tem sido historicamente oprimido e humilhado por estrangeiros. Primeiro vieram as coroas ibéricas, com os jesuítas e bandeirantes, contra as quais lutaram Sepé e Guairacá. Posteriormente o Império e a República do Brasil foram as ameaças, contra as quais se rebelaram os lanceiros negros e os povos dos pampas, na Guerra de Farrapos, na proclamação da República de Juliana e no Contestado. Hoje, a figura de Brasília simboliza o inimigo, contra o qual se opõe o movimento o Sul é o Meu País.

Partindo dos estudos semiológicos de Barthes, Melo (2019, p. 9-11)10 MELO, Michele de. O mito é uma fala: o uso da figura do cacique Guaicará no discurso separatista do Movimento o Sul é Meu País. In: Anais do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA, 2 a 7/09/2019. busca identificar como a apropriação das figuras de Guairacá e Sepé são utilizadas de forma reincidente no discurso separatista do OSMP, assumindo um sentido de pertencimento e unicidade histórica do povo sulista. Para a autora, “os heróis sulistas” se constituem como uma “imagem que paira no imaginário social sulista”, à qual o movimento busca se equiparar, na medida em que se organiza e age “liderando o povo sulista contra os outros”. O anacronismo da revisão histórica realizada pelo movimento gera deformações: “os separatistas destituem a figura histórica de Guairacá de seu significado para agregar a ele o valor de herói, com o intuito de aproximar os três estados sulistas em um novo combate” (Melo, 201910 MELO, Michele de. O mito é uma fala: o uso da figura do cacique Guaicará no discurso separatista do Movimento o Sul é Meu País. In: Anais do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA, 2 a 7/09/2019. , p. 11).

O “sangue derramado” aparece como categoria simbólica da bravura, da honra e da tradição de luta que historicamente une os povos da região Sul que, de geração em geração, têm lutado pela autodeterminação e pela autonomia de seu território. São os heróis sulistas e, respectivamente, seus anti-heróis, que unem esse povo em defesa “da nossa gente e da nossa terra” (Deucher, 201828 DEUCHER, Celso. 262 da morte de Sepe Tiaraju. O Sul é o Meu País. 7 fev. 2018. https://www.osuleomeupais.org/262-anos-da-morte-de-sepe-tiaraju/
https://www.osuleomeupais.org/262-anos-d...
). A seleção dos elementos que caracterizam os heróis e anti-heróis são fundamentais para a constituição da fronteira étnica que distingue o povo sulista. Nesse sentido, a hereditariedade do sentimento de autodeterminação, gerada pelo anacronismo histórico identificado por Melo (2019)10 MELO, Michele de. O mito é uma fala: o uso da figura do cacique Guaicará no discurso separatista do Movimento o Sul é Meu País. In: Anais do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA, 2 a 7/09/2019. , permite-nos constatar que a ancestralidade de luta é conformada em uma dinâmica de lutas simbólicas em torno da construção social do território e do povo do Sul. Assim, identifica-se que “há uma insistência do movimento o Sul é o Meu País na busca pelo passado para legitimar-se”, tendo em vista a forma como a historicidade do sentimento de autodeterminação está centrada na mobilização da memória como demanda e reivindicação identitária (Rech, 201614 RECH, Fernando Luís. Políticas identitárias e os usos do passado no Movimento separatista o Sul é Meu País. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em História), Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, 2016., p. 18).

As dimensões do pertencimento: território, cultura e diferencialismo

A dimensão histórica do discurso do movimento constrói discursivamente uma noção de bairrismo e conterraneidade, um senso de pertencimento a uma comunidade étnica singular, a sulista. Atrelado a isso, o movimento recorre a elementos da geografia física para compor um quadro de distinção vinculado à fixação do povo no território. Estes elementos podem ser encontrados ao longo dos 12 artigos de opinião catalogados como étnicos diferencialistas.

A categoria de discursos étnicos e diferencialistas não subsiste sem a categoria de discursos históricos de unificação nacional. O material cultural mobilizado pelo movimento depende diretamente da percepção de humilhação histórica para assumir um sentido discursivo lógico. A luta por autodeterminação que forjou a unidade dos povos do Sul também forjou seus elementos culturais e sociais. O processo histórico de opressão dos povos sulistas “fez brotar o sentimento de pertencimento à terra... a terra das araucárias, do mate e do frio” (Deucher, 2016a24 DEUCHER, Celso. Saudade do quinto dos infernos. O Sul é o Meu País. 9 maio. 2016a. https://www.osuleomeupais.org/saudade-do-quinto-dos-infernos/
https://www.osuleomeupais.org/saudade-do...
).

Se a estética das araucárias remete à linguagem sentimental, e seu habitat frio identifica o Sul como tal, pode-se atribuir à erva-mate poesia aromática. Mais do que isto! O mate civilizou os viventes no cone Sul [...] é o mate a saudação de chegada, o símbolo da hospitalidade, o sinal da reconciliação [...] a erva-mate teve uma participação importante na fixação das colônias de neo-europeus, principalmente italianos, poloneses e ucranianos, oriundos da grande imigração estrangeira iniciada em fins do século passado [XIX], assegurando a sobrevivência de muitas delas [colônias] que de outro modo, dadas as reduzidas dimensões do mercado interno, teriam certamente fracassado. A ação construtiva no mate-amargo civilizou o arquétipo sulista [...] onde se estabelecesse o uso coletivo do mate, aí se modifica, para melhor, a sociedade [...] a erva libertária! Quando nós, sulistas, mateamos [...] estamos venerando não somente a beleza cênica do bioma das araucárias, mas também a tradição e preservar a tradição é dar um “tapa na cara” de Brazília! (sic)

(Machado, 201730 MACHADO, Alison Henrique. Proverbial mate amargo. O Sul é o Meu País, 18 jan. 2017. https://www.osuleomeupais.org/o-proverbial-mate-amargo/
https://www.osuleomeupais.org/o-proverbi...
).

Reforçando os apontamentos de Schultz e Silva Júnior (2019)16 SCHULTZ, Jenerton A.; SILVA JUNIOR, Edinaldo E. Território simbólico e território funcional: fatores geográficos que motivam o movimento separatista “O Sul é o Meu País”. Revista Di@logus, v.8, n.3, p. 85-87, 2019., o exemplo da erva-mate, a “erva libertária”, permite-nos identificar como a geografia física é mobilizada na construção social do território, vinculando-se à construção étnica do povo. O mate amargo é tido como um elemento central no sucesso da consolidação e sobrevivência das colônias de imigrantes, no apaziguar das rivalidades internas entre os povos do Sul e é, por fim, mobilizado como categoria simbólica da fraternidade e da hospitalidade consolidada entre os conterrâneos sulistas.

A ancestralidade do território assume um alto potencial de legitimidade étnica, na medida em que é na geografia física que repousa a vinculação entre os fluxos imigratórios de ocupação e colonização da região Sul e a formação de uma identidade única, a sulista. Desse modo, o território é fundamental na conformação da bagagem cultural do ser sulista, conformando a singularidade de suas tradições. O frio, a erva-mate, o pinhão, o quentão e os centros de tradições gaúchas (CTGs) atribuem ao “caldeirão cultural de origem europeia” um sentido identitário específico da região (Berka, 202019 BERKA, Thiago. As principais tradições do Paraná. O Sul é o Meu País. 28 jan. 2020. https://www.osuleomeupais.org/as-principais-tradicoes-do-parana/
https://www.osuleomeupais.org/as-princip...
). A herança cultural e a descendência das tradições dos imigrantes europeus se mantêm como propriedades relevantes de vinculação de origem, contudo, a identidade étnica e cultural é nova, nomeadamente sulista. Desse modo, segundo o discurso do OSMP, é possível identificar que a composição da identidade étnica sulista não se remete a um retorno a uma ancestralidade, mas sim à formação de uma outra identificação étnica, a sulista.

O sulista é, portanto, enquanto identidade singular, “um povo unido pela sua diversidade étnica e cultural” (Deucher; Geisel, 201726 DEUCHER, Celso. Breve história do sentimento emancipatório do povo sulista. O Sul é o Meu País. 28 set. 2017a. https://www.osuleomeupais.org/breve-historia-do-sentimento-emancipatorio-do-povo-sulista/
https://www.osuleomeupais.org/breve-hist...
), é “a herança hereditária histórico-cultural dos povos rivais que fraternalmente tornaram-se conterrâneos” (Machado, 201629 MACHADO, Alison Henrique. Conhecendo o Paraná e a miscigenação paranaense. O Sul é o Meu País, 13 nov. 2016. https://www.osuleomeupais.org/conhecendo-o-parana-a-miscigenacao-paranaense/
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), é “um Estado multicultural, onde se misturam as mais diversas culturas, cada uma trazendo um pouco de sua tradição” (Berka, 202019 BERKA, Thiago. As principais tradições do Paraná. O Sul é o Meu País. 28 jan. 2020. https://www.osuleomeupais.org/as-principais-tradicoes-do-parana/
https://www.osuleomeupais.org/as-princip...
), é, por fim, um fraterno povo miscigenado,11 11 O uso de “caldeirão cultural” e “povo miscigenado” como sinônimos de “Estado multicultural” pode aparentar uma ambiguidade do discurso do OSMP. Contudo, a partir da análise dos documentos, a noção de miscigenação como formação de uma identidade essencialmente nova, a sulista, sobressai. Nota-se que mesmo no documento no qual a ideia de “Estado multicultural” é utilizada, a noção que prevalece é a da “mistura de várias culturas, cada uma trazendo um pouco de sua tradição” para a composição da etnicidade sulista. resultado do “desenvolvimento cultural e da opressão do Governo” (Machado, 201629 MACHADO, Alison Henrique. Conhecendo o Paraná e a miscigenação paranaense. O Sul é o Meu País, 13 nov. 2016. https://www.osuleomeupais.org/conhecendo-o-parana-a-miscigenacao-paranaense/
https://www.osuleomeupais.org/conhecendo...
).

O “genocídio cultural” ou a “opressão do governo” são expressões constituintes do material cultural e social do ser sulista. Na perspectiva do movimento, o Império e a República do Brasil em sua busca por uma “identidade cultural” nacional, formaram um “império vitorioso”, o qual “é uma ameaça aos grupos que não foram classificados” (Dal Sotto, 2019b22 DAL SOTTO, Joacir. O velho Brasil. O Sul é o Meu País. 2 mar. 2019b. https://www.osuleomeupais.org/o-velho-brasil/
https://www.osuleomeupais.org/o-velho-br...
). A integração cultural do Brasil, país constituído “pelos arranjos culturais de seu espaço geográfico diversificado”, “não deveria estar alheia à propagação do que há de legitimo em matéria de produção cultural regional”. Contudo, seguindo caminho contrário à valorização das culturas regionais, a cultura brasileira sofre de uma “deformação cultural” oriunda da “aceitação espúria e imediata de produções de baixos padrões morais, principalmente difundida pelos centros nacionais de projeção política, considerados como polos de integração cultural” (Deucher, 2017b27 DEUCHER, Celso. Tolerância cultural. O Sul é o Meu País. 5 abr. 2017b. https://www.osuleomeupais.org/tolerancia-cultural/
https://www.osuleomeupais.org/tolerancia...
).

Quando uma sociedade inteira assiste passivamente, anos a fio, as contorções públicas de nádegas e pélvis ao som de música nacional vagabunda, além do predomínio esmagador de uma enxurrada de obras estrangeiras de péssima qualidade, estará sendo instruída a tolerância cultural ou, simplesmente, as pessoas estarão sendo condicionadas ao hábito de fugir às tradições e costumes adquiridos durante uma longa gestação histórica de valores regionais em benefício das novidades que trazem pontuações de ibope nacional, mas com prejuízo da contínua descaracterização das novas gerações, cuja herança encantada das diversidades culturais subnacionais será descartada para formar um país atolado na mediocridade?

(Deucher, 2017b27 DEUCHER, Celso. Tolerância cultural. O Sul é o Meu País. 5 abr. 2017b. https://www.osuleomeupais.org/tolerancia-cultural/
https://www.osuleomeupais.org/tolerancia...
).

A partir desse discurso, busca-se afirmar a necessidade de “não se confundir tolerância cultural com a perda de discernimento sobre o belo, o útil e o necessário”. O “grande eixo Rio-São Paulo”, enquanto forte propagador dos “sucessos culturais nacionais” acaba por domesticar “os antigos brasis altaneiros [...] o que acabará por mutilar os mais antigos valores regionais do país”. Para o movimento, há um progressivo “desaparecimento dos valores da cultura tropeira original, que devem permanecer mais vivos do que nunca”, havendo assim a urgente necessidade de proteção dos valores morais, sociais e culturais que historicamente foram forjados como características inerentes e hereditárias do povo sulista.

Cultura só é protegida quando praticada. Ou seja, quando é cultivada com amor e dedicação ao que seja oriundo de nossos antepassados [...] cultura popular é o que é – fruto das motivações profundas da alma de um povo. Nascida ao acaso das coisas, sem constrangimentos oficiais ou ideológicos [...] Cultura não é só feita de lendas, música e dança folclórica, vestimenta, acessórios e comida [...] cultura também é o modo de pensar e de interagir, de ninarmos uma criança – um plano social sobre o qual é projetada a fusão das diferenças individuais, amalgamadas para a valorização das ações e reações do Homem face à Vida, diante do Criador e face a si próprio

(Deucher, 2017b27 DEUCHER, Celso. Tolerância cultural. O Sul é o Meu País. 5 abr. 2017b. https://www.osuleomeupais.org/tolerancia-cultural/
https://www.osuleomeupais.org/tolerancia...
).

Assim, a delimitação das propriedades culturais tradicionais do ser sulista se evidencia na oposição à cultura brasileira, isto é, na construção de um discurso hierarquizado entre o “belo, útil e necessário” e os “baixos padrões morais”, a “arte nacional vagabunda” e o “medíocre”. Nessa lógica discursiva, a defesa da tradição é uma ação necessária para a conservação do belo, materializado na herança cultural dos antepassados dos povos do Sul.

A dimensão simbólica da ameaça externa aparece com particular relevância nesse discurso hierarquizado: o “eixo Rio-São Paulo” e a “enxurrada de obras estrangeiras de péssima qualidade” aparecem como ameaças concretas à preservação “das motivações profundas da alma” do povo sulista; como ameaças diretas “ao modo de pensar e interagir, nascidos ao acaso das coisas, sem constrangimentos oficiais ou ideológicos” (Deucher, 2017b27 DEUCHER, Celso. Tolerância cultural. O Sul é o Meu País. 5 abr. 2017b. https://www.osuleomeupais.org/tolerancia-cultural/
https://www.osuleomeupais.org/tolerancia...
).

O caráter dualista do discurso enunciado pelo movimento não se restringe à hierarquização da reprodução de formas específicas de manifestações culturais. Opera, também, na hierarquização da ocupação física do território.

Está virando uma verdadeira praga a invasão de municípios por numerosos contingentes de migrantes, tanto vindos de outras regiões do Brasil quanto de outros países [...] Em Brusque-SC, chegaram dez mil migrantes internos, de outro estado. Significa 10% da população existente. Trouxeram enorme problema para acomodar esse pessoal. Feriu o curso natural do desenvolvimento. Simplesmente os migrantes chegaram e ficaram. Notícia daí vindas dão conta do aumento anormal dos assaltos às residências locais. Problemas semelhantes ocorrem em Itajaí, também SC. E também em centenas de outros [lugares]. No RS chegaram 600 migrantes externos (da África), que se instalaram em Caxias do Sul. Isso também trouxe problema para a comunidade [...] esse problema tornou-se uma praga no Sul inteiro. Ele já tem dificuldade de acertar seus próprios problemas, principalmente pelos estragos que lhe trazem a simples sujeição â federação brasileira. E agora lhe trazem mais problemas. Livram os outros e descarregam sobre o Sul

(Oliveira, 201531 OLIVEIRA, Sérgio A. de. Distribuindo a miséria. O Sul é o Meu País. 7 jun. 2015. https://www.osuleomeupais.org/distribuindo-a-miseria/
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, grifos nossos)

A partir desse discurso, aqueles que não são parte dos “locais”, conterrâneos sulistas, que historicamente compõem o “curso natural do desenvolvimento” regional, simbolizam uma ameaça ao povo do Sul, que já enfrenta cotidianamente os problemas, carrega o fardo da federação brasileira e agora tem de lidar com outro agravante: os estrangeiros, os que “chegaram e ficaram”. Para o movimento, há um planejamento prévio desses fluxos migratórios: “essas migrações não são espontâneas, naturais [...] o que tem havido em comum nessas ‘migrações’ é que o pessoal parte de regiões mais pobres com destinos ‘escolhidos’ de regiões e municípios mais ricos. Interessante, não?” (Oliveira, 201531 OLIVEIRA, Sérgio A. de. Distribuindo a miséria. O Sul é o Meu País. 7 jun. 2015. https://www.osuleomeupais.org/distribuindo-a-miseria/
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).

Esse planejamento de migrações não espontâneas é o que o movimento denomina de “distribuição da miséria”: “uma região mais pobre exporta o seu produto humano também mais pobre para regiões menos pobres” (Oliveira, 201531 OLIVEIRA, Sérgio A. de. Distribuindo a miséria. O Sul é o Meu País. 7 jun. 2015. https://www.osuleomeupais.org/distribuindo-a-miseria/
https://www.osuleomeupais.org/distribuin...
). O “produto humano mais pobre” prejudica o desenvolvimento regional do Sul do país. Categoriza-se assim o estrangeiro – a materialização da miséria – como ser indesejável para ocupar determinado espaço geográfico, em oposição ao sulista que possui raízes históricas, étnicas e ancestrais com o território que ocupa.

No discurso do movimento, o estrangeiro não é bem-vindo em Brusque, Caxias do Sul e Itajaí porque a ele é inerente a condição da mediocridade: vincula-se o caráter pejorativo do que é externo à tradição cultural sulista ao próprio corpo do imigrante que se faz presente no território. De mesmo modo, a noção do belo é automaticamente atribuída ao sulista, por ser uma condição inerente da sua própria origem étnica, condicionando a predileção de ocupar o território sulista, bem como aferindo-lhe o pleno direito de imigrar.

Poder-se-ia alegar, com razão, que sulistas também migram para outras regiões e países. É verdade. Todavia é uma migração mais qualificada. Junto a ela vai empreendedorismo e capitais. Onde (sic) ela chega o desenvolvimento surge. Exporta, portanto, o que tem de melhor, somente somando nas regiões onde (sic) chega

(Oliveira, 201531 OLIVEIRA, Sérgio A. de. Distribuindo a miséria. O Sul é o Meu País. 7 jun. 2015. https://www.osuleomeupais.org/distribuindo-a-miseria/
https://www.osuleomeupais.org/distribuin...
).

A autoconsciência histórica e o senso de identidade particular marcam a diferença cultural e étnica do povo sulista, diferenciando-o do brasileiro em sua essência. Nesse sentido, os dados confirmam ipsis litteris a descrição da categoria de documentos étnicos e diferencialistas, apresentada no quadro 1: na busca por adquirir uma autoconsciência histórica e um senso de identidade peculiar, há uma excessiva valorização da identidade, o que produz a hierarquização da posição da comunidade étnica sulista em relação ao(s) outro(s), não sulista(s).

Partindo da concepção de diferencialismo proposta por Munanga (1999)11 MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Editora Vozes: Petrópolis, 1999., o conceito é compreendido e mobilizado como uma forma de segregação “mais rígida”, centrada no princípio de preservação de uma identidade própria, o que supõe uma aversão à miscigenação ou à mistura. Para além de assumir apenas um caráter discriminatório, no qual há uma hierarquização de elementos culturais e sociais constitutivos de determinada comunidade étnica, o discurso do movimento assume um caráter diferencialista, que classifica quem deve ou não compor, culturalmente e fisicamente, a comunidade étnica sulista.

O elo entre o simbólico e a prática discursiva

A análise do discurso realizada a partir dos artigos de opinião catalogados pela pesquisa permite sistematizar cinco dimensões simbólicas da etnicidade no interior do discurso oficial do movimento o Sul é o Meu País, sendo elas:

Quadro 2
Dimensões simbólicas da etnicidade

A dimensão do descontentamento mobiliza um númomo a aparência “externa” do discurso do movimento, adquirindo um teor separatista apenas quando são relacionadas com as dimensões simbólicas da etnicidade.

As dimensões históricas e identitárias possuem um papel singular na construção do discurso como prática de significação do mundo. Operam, portanto, na construção de sistemas de conhecimentos e crenças basilares da interpretação e ressignificação dos processos políticos, históricos e sociais que constituem a singularidade da identidade étnica sulista. Estas duas dimensões agem, portanto, na essência do discurso do movimento, atribuindo um sentido étnico aos múltiplos descontentamentos e construindo a percepção da unicidade territorial e étnica do ser sulista.

A partir da demarcação da identidade étnica sulista, a dimensão cultural opera no sentido de consolidar, defender e preservar os elementos que foram historicamente forjados no processo de unificação dos diversos povos do Sul. Dessa maneira, a dimensão cultural é fundamental para a constituição e manutenção das relações sociais tradicionais do povo sulista, que são orientadas pelos valores éticos e morais inerentes a este povo, operando em uma lógica maniqueísta de distinção entre o belo e o medíocre. Ressalta-se que, como destacou Barth (1998, p. 133)3 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P.; Streiff-fenart, J. Teorias da etnicidade. Saõ Paulo: Editora UNESP, 1998. , o relevante para a análise dos fenômenos da etnicidade não é o conteúdo cultural que caracteriza os grupos sociais, mas sim “o processo de codificação dessas diferenças que tornam as categorias étnicas organizacionalmente pertinentes”.

Por fim, a dimensão diferencialista manifesta-se como um recrudescimento da dimensão cultural e caracteriza-se como efeito resultante da prática discursiva. É a dimensão do discurso que manifesta maior potencialidade de diferenciação entre o “nós sulistas” e o(s) outro(s), classificando-os como indesejáveis e demarcando o direito do outro – não sulista – de estar presente no território. Assume, assim, um profundo caráter diferencialista, materializando as fronteiras étnicas na própria conformação do território.

No interior das cinco dimensões simbólicas da etnicidade, é possível identificar cinco pares de oposição étnica, discriminados no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3
Pares de oposição étnica no interior do discurso do OSMP

As dimensões simbólicas da etnicidade, quando correlacionadas, compõem a totalidade do discurso, que tem por objetivo final legitimar a tese do descontentamento social, segundo a qual não resta outro caminho ao sulista engajado do que assumir o sentimento hereditário de autodeterminação e aderir à causa secessionista. Nesse sentido, as múltiplas dimensões da etnicidade compõem o quadro simbólico que legitima e orienta as ações práticas de secessão. É a partir da legitimação da representação étnica minoritária da identidade sulista que o movimento fortalece sua capacidade de promover ações práticas de secessão. Assim, os dados da pesquisa nos permitem identificar a dimensão organizacional da etnicidade. Ao atribuir-se uma significação étnica aos elementos circunstanciais selecionados pelo movimento, estes passam a servir como operativos de contraste, ainda que esvaziados de uma substancialidade histórica e/ou cultural. Assim, a etnicidade passa a operar como uma forma eficiente de organização política e social, agenciando os membros e simpatizantes a aderirem à causa separatista sulista.

Desse modo, percebe-se como determinada visão de mundo étnica se torna pertinente para os atores, sendo possível compreender as articulações internas das múltiplas categorias discursivas mobilizadas pelo discurso oficial do movimento para construir um senso de pertencimento e de ancestralidade ao separatismo sulista. Na direção apontada por Barth (1998, p.129)3 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P.; Streiff-fenart, J. Teorias da etnicidade. Saõ Paulo: Editora UNESP, 1998. , identifica-se que o sentimento de pertencimento articulado pelo movimento é demarcado por meio da escolha de aspectos culturais “dos quais os atores se apoderam para transformá-los em critérios de consignação ou de identificação”.

Considerações finais

A proposição de uma análise das articulações internas das múltiplas categorias mobilizadas no interior do discurso oficial do movimento “O Sul é o meu país” colabora com os avanços dos estudos sobre o fenômeno do separatismo sulista na medida em que possibilita vislumbrar como elementos econômicos, políticos e sociais, mobilizados no discurso do movimento, dependem da dimensão étnica do discurso para assumirem um significado separatista. Assim, a análise permite compreender como os recursos discursivos são mobilizados e articulados no sentido de legitimar a causa separatista sulista.

Considerados apenas em sua externalização (ou aparência), os arranjos discursivos não possuem plena coerência interna. A análise identificou múltiplos contrassensos, paradoxos e contradições. Nos discursos históricos, por exemplo, há uma valorização da imigração como componente da construção da unicidade do povo sulista. Contudo, nos discursos identitários há um profundo caráter diferencialista de rejeição aos imigrantes. Além disso, a construção social do povo é dada, por vezes, a partir da ancestralidade da presença no território, seja por meio da mobilização anacrônica de figuras como Cacique Guairacá, seja pelo pioneirismo da colonização e ocupação do território. Em outros momentos, o ser sulista repousa na ancestralidade do pertencimento a um grupo restrito de indivíduos desejáveis para a composição do povo e do território, por meio da hereditariedade do pertencer.

Contudo, como resultado da análise, esses paradoxos, contrassensos e contradições demonstram justamente a transformação de elementos circunstanciais em critérios de designação e diferenciação, bem como a operacionalização de elementos étnicos simbólicos como organizacionalmente pertinentes, tendo em vista que, ao legitimarem a pauta separatista, atuam no agenciamento dos membros e simpatizantes em prol da ação pela secessão.

A noção de “sulista” está carregada de uma composição de arranjos simbólicos inerentes à sua própria nomenclatura. Há um sentido implícito no emprego da terminologia, a qual distingue-se de outras denominações como sulinos, Brasil meridional etc. Os brasis sulinos de Ribeiro, por exemplo, não se consolidaram como “centros de lealdade étnica extranacionais” e, portanto, integraram-se com “ritmos e modos diferenciados” à comunidade nacional (Ribeiro, 201515 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3ª edição. São Paulo: Editora Global, [1995] 2015., p. 183). O sulista, por sua vez, opõe-se, de forma inerente, a Brasília, sendo esta a representação simbólica do pacto federativo do Brasil. Assim, o sulista, enquanto designação étnica, só existe em oposição a Brasília e é, em sua essência, separatista.

Ao compreender-se, substancialmente, como um ser historicamente separatista, não há outro caminho ao sulista do que “herdar” a luta por autodeterminação, travada desde os seus antepassados. Assim, vislumbra-se a vinculação entre os arranjos étnicos simbólicos e a tomada de posição de ação pela secessão.

  • 1
    O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) negou o pedido de registro do Partido da República Farroupilha, alegando que a proposta partidária ofendia abertamente a Constituição Federal, violando o princípio da soberania e integridade nacional. A negativa encerrou a mobilização pela fundação do partido. Ver: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5332635/apelacao-civel-ac-590082970-rs-tjrs
  • 2
    O fundador do Pampa Livre, Irton Marx, pautava uma separação focada, fundamentalmente, no estado do Rio Grande do Sul, fator que gerou obstáculos para a construção de pontes de diálogo com os movimentos no Paraná e em Santa Catarina, o que prejudicou a capacidade do Pampa Livre de consolidar-se como organização separatista.
  • 3
    Em seu site, o movimento afirma que: “ao total o movimento é representado em 1.191 municípios” (Sul Livre, 202033 SUL LIVRE. Comissões Municipais. O Sul é o Meu País. 2020. https://www.osuleomeupais.org/estatuto/
    https://www.osuleomeupais.org/estatuto/...
    ). Contudo, até outubro de 2020, o movimento mantinha online uma página denominada “Comissões Municipais”, na qual era possível acessar o logradouro, data de fundação e nome do atual presidente de cada comissão municipal, dados que atestavam a atuação do movimento em 105 municípios. Sendo assim, optou-se aqui pelo uso do dado passível de verificação, afirmando a atuação do movimento em aproximadamente 10% dos municípios da Região Sul. Em outubro de 2020, o site entrou em um processo de reformulação. Os dados das comissões municipais foram parcialmente retirados do ar. O “mapa”, apresentado na figura 1, também deixou de ser disponibilizado online. Assim, as informações quantitativas e descritivas das comissões municipais não estão, até a data de publicação desta pesquisa, abertas para novas verificações.
  • 4
    Disponível em: https://www.osuleomeupais.org/. Acesso em 27 jun. 2023.
  • 5
    Os materiais catalogados e analisados pela pesquisa são publicados na aba “Artigos” do site, que serve como um repositório de opiniões posteriormente compartilhadas em grupos e páginas do Facebook, nas quais há um maior alcance e engajamento de não simpatizantes, simpatizantes e membros. As redes sociais do OSMP não compõem o corpus da pesquisa e, por esta razão, as interações e formas de engajamento com as postagens veiculadas nas redes sociais não foram incorporados na análise.
  • 6
    Os dados foram capturados e compilados desde a aprovação do projeto de pesquisa no Programa de Pós- Graduação em Sociologia da UEL, em fevereiro de 2019, até outubro do ano subsequente. Definiu-se outubro como data limite para a captura de dados tendo em vista a necessidade de tempo hábil para processá-los e analisá-los. Sendo assim, a data limite de captura de dados foi definida pela necessidade de iniciar a etapa de análise qualitativa do corpus da pesquisa.
  • 7
    Para uma compreensão pormenorizada dos agentes do discurso, das frequências, tempos e estratégias de divulgação dos artigos de opinião no site oficial do movimento, ver Aver (2020)1AVER, Gabriel P. Estratégias para a construção da adesão à causa separatista sulista: o caso do movimento o Sul é o Meu País. Anais do VII Simpósio Internacional Desigualdades, Direitos e Políticas Públicas: Saúde, Corpos e poder na América Latina. Editora Casa Leiria, 2020..
  • 8
    Cunha (2009 p. 237)4 CUNHA, Manuela C. da. Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível. In: CUNHA, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosak Naify, 2009. utiliza o termo “caráter manipulativo da etnicidade”. Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 133)13 POUTIGNAT, Philippe.; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Editora UNESP, São Paulo, 1998. designam como “categorias étnicas organizacionalmente pertinentes”.
  • 9
    “Colonialismo interno”, “novo colonizador” e “refém” são categorias nativas, utilizadas por Celso Deucher em 2015 (ver Deucher, 201523 DEUCHER, Celso. Rio Grande precisa dar um basta a Brasília. O Sul é o Meu País. 12 ago. 2015. https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/
    https://www.osuleomeupais.org/o-rio-gran...
    , disponível em: https://www.osuleomeupais.org/o-rio-grande-precisa-dar-um-basta-a-brasilia/). Acessado em 08 de set. de 2023.
  • 10
    A noção de “descontentamento psicológico” foi cunhada por Smith (1979, p. 29)17 SMITH, Anthony D. Towards a theory of ethnic separatism. Ethnic and Racial Studies, v. 2, n. 1, p. 21-37, 1979.: “psychological complaint”.
  • 11
    O uso de “caldeirão cultural” e “povo miscigenado” como sinônimos de “Estado multicultural” pode aparentar uma ambiguidade do discurso do OSMP. Contudo, a partir da análise dos documentos, a noção de miscigenação como formação de uma identidade essencialmente nova, a sulista, sobressai. Nota-se que mesmo no documento no qual a ideia de “Estado multicultural” é utilizada, a noção que prevalece é a da “mistura de várias culturas, cada uma trazendo um pouco de sua tradição” para a composição da etnicidade sulista.

Referências

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2022
  • Aceito
    25 Ago 2023
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