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A luta das mulheres por políticas sociais: avanços e retrocessos

Women struggle for social policies: advances and setbacks

Resumo:

Este artigo resulta de pesquisa de mestrado sobre a contribuição dos Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres na constituição das políticas sociais de gênero em municípios do Rio Grande do Sul na perspectiva da interseccionalidade. Constatou a contribuição das feministas nas Conferências Nacionais, que resultou na construção de dois Planos. No período sem Conferências, a fragilidade nos Conselhos Municipais e a ausência de orçamento público afetam as políticas municipais de gênero.

Palavras-chave:
Política social; Gênero; Raça; Planos nacionais de política para as mulheres

Abstract:

This article results from a master’s research on the contribution of National Policy Plans for Women in the constitution of social gender policies in municipalities in Rio Grande do Sul from the perspective of intersectionality. It was noted the contribution of feminists in the National Conferences, which resulted in the construction of two Plans. At the period without Conferences, the fragility in the Municipal Councils and the absence of public budget affected municipal gender policies.

Keywords:
Social policy; Gender; Race; National policy plans for women

Introdução

O presente artigo discute os resultados de pesquisa1 1 A pesquisa foi submetida e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa via Plataforma Brasil pelo parecer de número 4.904.121/2021. de mestrado, realizada em municípios com mais de 200 mil habitantes no estado do Rio Grande do Sul, sobre a implementação de políticas sociais de gênero oriundas das Conferências Nacionais de Política para as Mulheres (CNPM). A pesquisa teve como base teórica o materialismo histórico-dialético compreendendo a estruturação da sociedade de classes, bem como o patriarcado e o racismo estrutural que nela se reproduz.

Nesta perspectiva teórica e política, é falsa a polêmica de que esta não identifica a questão de gênero e raça como estruturantes na sociedade de classes (Ribeiro, 2018RIBEIRO, D. As diversas ondas do feminismo acadêmico. Opará - Centro de Pesquisa, 2 abr. 2018.). Após os escritos de Marx, o capitalismo e a classe trabalhadora se transformaram, entretanto a contradição capital versus trabalho está mais viva do que nunca.

A sociedade é um complexo de relações sociais, nas quais as dominações de uma classe sob a outra estão submetidas a manifestações de opressão. Por outro lado, é necessário identificar que essas opressões recaem mais fortemente sobre as mulheres e a população negra, ou seja, o sistema capitalista possui a opressão de gênero e raça como um de seus pilares de sustentação.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua realizada pelo IBGE em 2019 (IBGE, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.), 51,8% da população brasileira é constituída por mulheres. Em decorrência de que a desigualdade de gênero, o racismo e a opressão de classe são elementos formadores da sociedade brasileira, a luta feminista representa uma contestação ao sistema capitalista brasileiro e ao patriarcado que nele se reproduz.

Com o surgimento da covid-19 como pandemia global, toda a população sofreu o impacto de uma crise sanitária, econômica e civilizatória de grandes proporções. Desde o início da pandemia, 7 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho no Brasil (G1.Globo, 2020G1.GLOBO. Bem-estar: coronavírus. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/19/violencia-fisica-e-sexual-contra-mulheres-aumenta-durante-isolamento-social-provocado-pelo-coronavirus.ghtml . Acesso em: 5 set. 2020.
https://g1.globo.com/bemestar/coronaviru...
). A taxa de desemprego entre as mulheres brasileiras foi de 14,5% no primeiro trimestre de 2020, superior à taxa de desocupação de 10,4% dos homens. Na média global, a taxa de desemprego foi de 12,2%, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Pnad Contínua Trabalho (IBGE, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.).

A pandemia escancara uma desigualdade já vivenciada antes no Brasil, como afirmou Antunes (2021ANTUNES, R. O vilipêndio da covid-19 e o imperativo de reinventar o mundo. O Social em Questão, ano XXIV, n. 49, jan./abr. 2021., p. 115), “a tragédia social antecede a atual situação pandêmica”, em que o governante não leva a sério uma doença que matou 665 mil brasileiras(os). A proteção social está em frangalhos, trabalhadoras em atendimento à população estão exaustas, sem recursos, atendendo a uma população desamparada e que, muitas vezes, tem recebido cestas básicas de organizações da sociedade civil.

O Estado, através das políticas sociais e públicas, pode acelerar ou diminuir a desigualdade de gênero, bem como a pressão dos movimentos sociais organizados tensiona esse mesmo Estado a construir alternativas e políticas públicas para a melhoria de vida de diversos segmentos da população. É possível afirmar que a questão de gênero na agenda de políticas sociais é resultado da trajetória dos movimentos feministas internacional e brasileiro. Fundamentais para a construção dessas políticas e diálogos comuns entre a gestão das políticas públicas e os movimentos feministas são as Conferências de Direitos, pelas quais a participação, a construção e os avanços são operados.

As CNPM e os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM) delas decorrentes operaram avanços nos direitos para as mulheres através de constante luta e pressão dos movimentos feministas organizados e diálogo com os governos populares. Políticas públicas para as mulheres foram instituídas na primeira década do século XXI em nosso país com a criação de dois Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, nos anos de 2004 e 2008, que foram marcos em nossa história recente. Oriundos das CNPM, os Conselhos Municipais de Direitos das Mulheres (COMDIM) são os órgãos de vinculação municipal que visam garantir a efetivação de políticas sociais específicas.

Porém, o sucateamento de serviços e equipamentos é crescente, com a falta de recursos e de compromisso político afetando diretamente as políticas públicas para as mulheres nos municípios, contexto que se agravou durante o período da pandemia da covid-19. Assim, foi traçado como objetivo geral da pesquisa analisar como as prioridades inscritas nos Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres vêm contribuindo para a implementação de políticas sociais de promoção da igualdade de gênero em municípios com mais de 200 mil habitantes do Rio Grande do Sul.

A pesquisa realizada foi de abordagem qualitativa, de campo e documental, orientada pelo materialismo histórico-dialético. Seu aporte teórico é fundamental para o Serviço Social pelo seu caráter abrangente na análise dos fenômenos sociais, situando estes na “totalidade sócio-histórica que os conforma, e sua vinculação com a práxis social transformadora, pois nosso conhecimento vai da superfície à ‘substância’ das coisas” (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. Lógica formal, lógica dialética. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991., p. 222).

A pesquisa teve dois grupos de participantes. Um com membras das direções dos COMDIM dos 12 municípios de grande porte do Rio Grande do Sul, através de um questionário Google Forms, solicitando informações sobre a sua composição e funcionamento; relação com a gestão municipal; a realização de conferências para as mulheres; a elaboração de planos municipais de políticas para as mulheres; a identificação de políticas sociais oriundas do processo de Conferências nacionais e/ou municipais, incluindo a situação da pandemia como indicativo de qualificar a proteção às mulheres. Dos 12 municípios, dois estavam desativados e sete, dos dez em funcionamento, responderam ao questionário, tendo sido significativo o alcance do estudo.

O segundo grupo de participantes da pesquisa foi formado por seis mulheres integrantes de movimentos sociais feministas e/ou organizações de mulheres que atuaram em alguma etapa da construção das CNPM, nos âmbitos nacional e estadual. A amostra foi do tipo intencional ou não probabilística, quando o pesquisador parte de sua experiência com “conhecimentos teóricos da relação entre o objeto de estudo e o corpus a ser estudado” (Fontanella et al., 2011FONTANELLA, B. J. B. et al. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, p. 389-394, fev. 2011., p. 389). A técnica utilizada foi a do grupo focal, por detalhar “crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos” (Gaskell, 2004GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. (org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 65), na modalidade virtual, que segue os mesmos preceitos presenciais (Abreu; Baldanza; Gondim, 2009ABREU, N. R.; BALDANZA, R. F.; GONDIM, S. M. G. Os grupos focais on-line: das reflexões conceituais à aplicação em ambiente virtual. Revista de Gestão da Tecnologia e Sistemas de Informação, v. 6, n. 1, p. 5-24, 2009.), considerando a situação pandêmica.

A pesquisa documental realizada localizou nos sites oficiais do governo federal os documentos: Anais da I, II e III Conferência Nacional de Política para as Mulheres; I e II Plano Nacional de Política para as Mulheres; e o Relatório Final da IV Conferência Nacional de Política para as Mulheres. A discussão do tema deste artigo será feita a partir dos tópicos: Raça, gênero e classe: uma articulação necessária; e A luta das mulheres por políticas sociais: avanços e retrocessos.

1. Raça, gênero e classe: uma articulação necessária

O materialismo histórico-dialético investiga como transcorre o desenvolvimento da sociedade e do processo histórico através do regime social. Nesse sentido, “o materialismo histórico necessariamente entrelaça-se com as questões específicas, fornecendo elementos (indicadores) científicos para seu estudo e investigação” (Valadares, 2007VALADARES, L. As faces do feminismo. São Paulo: Anita Garibaldi, 2007., p. 33).

A promulgação da Constituição Federal em 1988 instituiu, pela primeira vez na história brasileira, o direito social da população e a institucionalização de medidas de proteção social, via a seguridade social. Mas estas premissas vão concorrer com a instalação do neoliberalismo no país, através do desmonte do Estado brasileiro, período da “contrarreforma do Estado e de obstaculização e/ou redirecionamento das conquistas de 1988” (Behring; Boschetti, 2011BEHRING, E.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011., p. 147).

O sistema de proteção social, que se “estrutura a partir de um conjunto de políticas sociais que se efetivam pela intervenção do Estado, visando à satisfação das necessidades sociais decorrentes dos padrões de sociabilidade humana” (Mendes; Wünsch; Couto, 2011MENDES, J. M. R.; WÜNSCH, D.; COUTO, B. Verbete: proteção social. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. p. 276-280., p. 279), vem tanto se estruturando como sendo desmontado até os dias de hoje, sendo fonte de debates, produções e intervenções na realidade posta. Na perspectiva do marxismo, identifica-se na proteção social a categoria da contradição, pois pode ser vantajosa às classes oprimidas e, ao mesmo tempo, ser útil ao capital e à sua reprodução.

A democracia é uma das formas da variante do Estado. Por consequência, como todo Estado, ela é o exercício organizado, sistemático, da coação sobre os homens. Isso, por um lado. Mas, por outro lado, é ela o reconhecimento formal da igualdade entre os cidadãos, do direito igual de todos em determinar a forma do Estado e administrá-lo (Lenin, 2009LENIN, V. O Estado e a revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2009., p. 117).

Uma das formas de proteção social são as políticas sociais, que visam “atender necessidades sociais cuja resolução requer deliberada decisão coletiva regida por princípios de justiça social que, por sua vez, devem ser amparadas por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos” (Pereira, 2016PEREIRA, P. Política social: temas e questões. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2016., p. 171). As políticas sociais são formas de responder às expressões da questão social vivenciada pela classe trabalhadora (Iamamoto, 1998IAMAMOTO, M. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998.). E na atual conjuntura neoliberal, as políticas sociais no Brasil estão passando por grave retrocesso, com o desmonte das políticas públicas e a desregulamentação dos direitos sociais (Viana; Silva, 2018VIANA, A. L. d’Á.; SILVA, H. P. Meritocracia neoliberal e capitalismo financeiro: implicações para a proteção social e a saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2107-2117, 2018.).

Como uma expressão da sociedade, o feminismo é um movimento político que busca subverter as relações desiguais de poder historicamente nela constituídas. A luta feminista representa uma contestação ao sistema capitalista brasileiro e ao patriarcado e ao racismo estrutural que nele se reproduzem. A discussão de políticas sociais para as mulheres requer considerar a sociedade capitalista e a disputa de projetos societários no Estado (Cisne; Gurgel, 2008CISNE, M.; SANTOS, S.M.M. Feminismo, diversidade sexual e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2018.).

Dessa maneira, a mobilização das mulheres, que são a maioria da população, questiona este patriarcado que, segundo Saffioti (2015SAFFIOTI, H. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Perseu Abramo, 2015., p. 60):

1 - não se trata de uma relação privada, mas civil; 2 - dá direitos sexuais aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição [...]; 3 - configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade; 4 - tem uma base material; 5 - corporifica-se; 6 - representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência.

Posicionada a questão de gênero, é fundamental destacar que a formação social brasileira é marcada por 300 anos de escravidão no Brasil, e as marcas são: açoites, violência, estupros. São parte do nosso passado e sustentam o racismo estrutural atualmente. “A tese central é a de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade” (Almeida, 2019ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019., p. 15).

A escravidão determinou a existência das mulheres negras no imaginário social até os dias atuais, através do processo de desumanização dos corpos negros femininos, por serem tratadas como força de trabalho precarizada, trabalhadoras em tempo integral, brutalmente violentadas e exploradas sexualmente.

Assim uma mulher negra trabalhadora não é triplamente oprimida ou mais oprimida do que uma mulher branca na mesma classe social, mas experimenta a opressão a partir de um lugar que proporciona um ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual racista e sexista (Bairros, 1995BAIRROS, L. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 3, n, 2, 1995., p. 461).

Vive-se em um país onde a cor da pele determina quem tem mais oportunidades e direitos e quem tem menos; mais do que isso, determina em diversos casos quem tem direito à vida e quem tem direito à morte. Em um país em que a mulher negra tem travado uma trajetória histórica de resistência e lutas por legitimidade e inclusão social, contribuindo de forma efetiva na construção de uma nação democrática e igualitária. Os desafios impostos em função de nossa ancestralidade impactam nossa dinâmica socioeconômica.

Essa dinâmica social e econômica acontece em sociedades de classes, nas quais explorações e opressões se processam; classes que, por sua vez, possuem gênero e raça. A classe é vista como totalidade, conformada em relações sociais concretas (incluindo gênero e raça). A intersecção da questão de raça, gênero e classe tem sua expressão acentuada no atual contexto político, econômico e social, e nos fenômenos da degradação da população pobre, pois “a interseccionalidade fornece estrutura para explicar como categorias de raça, classe, gênero, idade, estatuto de cidadania e outras posicionam as pessoas de maneira diferente no mundo” (Collins; Bilge, 2021COLLINS, P. H.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 33).

O feminismo como agente transformador e capaz de produzir mudanças sociais e culturais é fundamental em nosso país. Em sua trajetória brasileira, apresenta após a redemocratização a necessidade de se organizar ainda mais em coletivos, partidos e espaços institucionais. Ainda que isso gere algumas contradições internas, foram nesses espaços que políticas sociais foram consolidadas. Mesmo assim, não é possível participar de partidos, eleger mulheres feministas para cargos eletivos sem o feminismo estar concatenado com a luta das ruas e das mulheres reais que vivem em cada bairro, em cada periferia das nossas cidades.

A inclusão da perspectiva de gênero nas ações do Poder Executivo e nas demais esferas públicas demonstra o protagonismo das mulheres para contribuir na construção de um projeto de uma sociedade mais justa (Pinto, 2010PINTO, C. R. J. Feminismo, história e poder. Revista de Sociologia e Política , Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010.; Valadares, 2007VALADARES, L. As faces do feminismo. São Paulo: Anita Garibaldi, 2007.; Hooks, 2018HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.; Ribeiro, 2018RIBEIRO, D. As diversas ondas do feminismo acadêmico. Opará - Centro de Pesquisa, 2 abr. 2018.; Tiburi, 2018TIBURI, M. Feminismo em comum: para todas, todes e todos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.; Hollanda, 2020HOLLANDA, H. Pensamento feminista hoje, perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.). É importante destacar a necessidade da interseccionalidade na avaliação e na implementação de políticas sociais para mulheres para que realmente se efetivem políticas que possibilitem a diminuição das desigualdades, mesmo entre as próprias mulheres.

2. A luta das mulheres por políticas sociais: avanços e retrocessos

A primeira Conferência Nacional de Direitos foi convocada no Brasil, em 1941, por Getúlio Vargas e, até 2016, foram realizadas 138 Conferências Nacionais. A criação das primeiras políticas públicas com vinculação de gênero ocorreu um pouco antes da Constituição de 1988, com a formação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) em 1985, para promover políticas que visassem eliminar a discriminação contra a mulher e assegurar sua participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.

Nos anos 2000, com a eleição de Lula para a presidência do Brasil, destaca-se a criação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres no ano de 2003. Diversas conferências de políticas públicas foram um marco dos governos Lula e Dilma, e as de políticas públicas para as mulheres passaram a acontecer a partir desses governos. De caráter consultivo ou deliberativo, as conferências apostaram na participação da sociedade como ferramentas de processos decisórios e de legitimação das decisões políticas.

Ao todo, foram quatro CNPM: duas durante o governo Lula, em 2004 e 2007, e duas durante o governo Dilma, em 2011 e 2016, das quais participaram mulheres de todos os estados do país. Em 18 de janeiro de 2021, em plena pandemia, o governo Bolsonaro convocou a V Conferência Nacional de Política para as Mulheres. Diversos movimentos feministas se mobilizaram contrariamente, devido ao número de mortes de brasileiras(os) e à dificuldade de acesso à internet que muitas mulheres vivenciam. Essa mobilização conseguiu em 23 de fevereiro de 2021 o cancelamento dessa convocação.

A primeira e a segunda CNPM tiveram como resultado os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres. Os Planos são, portanto, produtos de uma construção coletiva das mulheres e constituem-se em um marco na luta em defesa dos direitos delas. A partir das Conferências Nacionais, as cidades brasileiras passaram a realizar a discussão das políticas sociais para as mulheres por meio das suas conferências locais.

Identificamos no estudo que a elaboração dos Planos Nacionais de Política para as Mulheres representaram esforços dos movimentos feministas e da gestão governamental, no sentido de traçar políticas e propostas que pudessem contribuir para a redução das desigualdades de gênero. O I PNPM afirma que está em consonância com os “instrumentos reguladores da democracia no Brasil: a Constituição da República, a legislação brasileira e os acordos internacionais na área dos direitos humanos e dos direitos humanos das mulheres” (Brasil, 2004BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília, 2004., p. 21).

O I PNPM foi construído sob a orientação dos princípios: igualdade e respeito à diversidade; equidade; autonomia das mulheres; laicidade do Estado; universalidade das políticas; justiça social; transparência dos atos públicos; participação e controle social (Brasil, 2004BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília, 2004.). O II Plano Nacional de Política para as Mulheres reafirmou os mesmos pressupostos e princípios estabelecidos no I PNPM. Compilado em 236 páginas constam 94 metas, 56 prioridades e 388 ações distribuídas em 11 áreas de atuação. Ele expressa que há dificuldades de definição e priorização de recursos voltados a programas com temáticas de gênero e/ou raça e etnia, com resistências de ordem técnica e política. Possivelmente, elas sejam resultado de uma histórica atuação governamental limitada “por um tratamento setorial, em que há baixo nível de articulação e integração entre as ações, bem como por uma relativa invisibilidade e uma suposta neutralidade das políticas às questões de gênero, raça/etnia, orientação sexual, entre outras” (Brasil, 2008BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres . Brasília, 2008., p. 200).

Dos sete Conselhos Municipais dos Direitos da Mulher COMDIM participantes do estudo, cinco não possuem um plano municipal de política para mulheres atualizado. As conferências municipais de política para as mulheres não ocorrem com frequência nos municípios, e em três destes, a última conferência foi há sete anos. Fatos que atingem diretamente a implementação de políticas municipais para as mulheres, pelo desconhecimento do perfil e das demandas delas. A falta de realização de atividades democráticas como as conferências é uma grave consequência, pois “a criação de organismos executivos de articulação e implementação de políticas, [são] indispensáveis para a construção de uma coerência nas ações do Estado” (Brasil, 2004BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília, 2004., p. 105).

Os COMDIM de cinco municípios se avaliam como “ativo[s]”, “fundamentais”, mesmo com “inúmeras dificuldades”. Seis das sete respostas afirmaram que o respectivo Conselho realiza reuniões periódicas, e quando questionadas referentes à avaliação sobre os objetivos e as atividades do Conselho, as participantes da pesquisa responderam:

Um conselho bastante ativo dentro dos objetivos traçados no plano de ação e participativo na comunidade. Bem atuante no que prevê a Lei (C 01).

Em relação aos objetivos acredito que conseguimos atingir mesmo com a pouca estrutura. No passado, as atividades aconteciam com mais frequência, pois a administração tinha como objetivo a política pública para as mulheres. Mas os últimos governos já não tinham esse olhar (C 02).

Fundamentais para manter o debate desta política na pauta dos poderes, fiscalizar os serviços e propor projetos para implementar e/ou qualificar as estruturas e recursos (financeiros e humanos) envolvidos na defesa dos direitos das mulheres e meninas (C 03).

Acredito que é fundamental a atuação do COMDIM para o município, infelizmente com a pandemia nossas ações estão bem limitadas, mas a luta pelos direitos das mulheres continua independente das adversidades (C 04).

A gestão atual do COMDIM passou por inúmeras dificuldades desde a eleição em 2019. A posse das novas conselheiras e diretoria ocorreu apenas em 2021, e houve o impacto da pandemia e o falecimento de duas dirigentes do COMDIM nesse período. Ou seja, o COMDIM cumpriu os protocolos e ritos, mas objetivamente não conseguiu atuar (C 05).

Eu avalio como positivo, tanto nas políticas públicas como nas atividades com a sociedade civil!! (C 06)

Os objetivos são muito importantes para as mulheres, porém as atividades não são realizadas por falta de incentivo do gestor e falta de autonomia das mulheres (C 07).

As conselheiras registraram a importância dos Conselhos e pontuaram as dificuldades na pandemia, bem como algumas influências da gestão municipal. Possuir um Conselho Municipal de Direitos da Mulher é exigência da política nacional. O Conselho depende tanto de vontade política da gestão municipal quanto de movimentos de mulheres que se interessem e assumam a condição de conselheiros: tomem posse, frequentem etc., ou seja, tem relação também com a organização social e a existência de movimentos feministas na cidade. Nos contextos para a criação dos respectivos Conselhos, ressaltam-se: movimento de mulheres, violência doméstica e administração popular. As respostas retratam: “Uma luta muito antiga dos movimentos de mulheres!” (C 06); “Demanda da organização das mulheres da cidade” (C 07).

Reiterando mais uma vez a vinculação entre movimento de mulheres e a luta para a institucionalização de suas demandas, destaca-se que um COMDIM foi criado no ano de 1988 e quatro foram criados nos anos 1990. Nesse período histórico, é possível perceber o caminho percorrido pela luta das mulheres, bem como a fundamental perseverança no final da ditadura e início da redemocratização pela institucionalização e implantação de espaços institucionais de política para as mulheres no estado do Rio Grande do Sul.

O Quadro 1 sistematiza as Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, com seus objetivos, ano e tema, bem como as políticas sociais implementadas, conforme as participantes da pesquisa.

Quadro 1.
Ano, temas e objetivos das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e políticas sociais implementadas

O Quadro 1 revela que as CNPM e os PNPM operaram debates relevantes através da participação popular de mulheres na discussão de direitos e cidadania para as mulheres em geral do nosso país.

A violência contra a mulher foi um dos principais temas que mobilizaram as mulheres para a realização das Conferências Nacionais. Conforme destaque das participantes, uma das principais políticas sociais oriundas da I CNPM e do I PNPM foi a Lei Maria da Penha em 2006, que torna crime a violência doméstica e familiar contra a mulher, e tipificou a violência contra as mulheres como patrimonial, sexual, física, moral e psicológica.

Essa Lei adotou a perspectiva feminista de que a violência, especialmente nas relações interpessoais, é um dos principais mecanismos de poder para impor às mulheres posições subordinadas na sociedade. A Lei Maria da Penha é o resultado de política social oriunda de processo de mobilização social que se tornou política pública em todo o território nacional. Na sua tramitação, promulgação e na mobilização para sua implementação, teve por base o contexto político-democrático, o avanço da legislação internacional de proteção aos direitos humanos com a perspectiva de gênero e, especialmente, a existência de organizações feministas atuantes. Essas organizações puseram em marcha uma grande mobilização junto ao Estado e à sociedade para a aprovação de uma legislação voltada para a proteção das mulheres e para o fim da impunidade de seus agressores.

Infelizmente, ainda hoje encontramos muitos entraves na sua plena efetivação, principalmente na questão da rede de equipamentos sociais que deveriam acompanhar integralmente a mulher vítima de violência. Como expressa uma participante no grupo focal: “Nós podemos dizer que todas as políticas implementadas ainda existem, mas completamente sucateadas” (M 03).

O dossiê elaborado pelo Levante Feminista contra os Feminicídios (2022LEVANTE FEMINISTA CONTRA OS FEMINICÍDIOS. Dossiê Feminicídios no Rio Grande do Sul. 2022. Disponível em: Disponível em: https://ww4.al.rs.gov.br/noticia/328342 . Acesso em: 10 mai. 2022.
https://ww4.al.rs.gov.br/noticia/328342...
, p. 4) no estado do Rio Grande do Sul aponta que, a partir de 2015, houve a “desarticulação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Estado [com] a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres e a desarticulação da Rede Lilás”.

A pesquisa revela que a existência de um Plano Nacional de Política para as Mulheres é uma das maiores contribuições do movimento feminista para a construção de políticas sociais que visam à igualdade de gênero. O PNPM é um dos principais documentos orientadores de políticas públicas para as mulheres e refere-se à construção da condição de sujeito das mulheres brasileiras. Porém, a história não é linear e os direitos são uma conquista permanentemente ameaçada. O momento atual é de enxugamento das políticas sociais, precarização e diminuição dos recursos. Para agudizar essa situação, a pandemia de covid-19 e o isolamento social desnudaram ainda mais a situação de violência em que vivem as mulheres no Brasil.

Os COMDIM relataram como está sendo a sua atuação e organização em tempos de pandemia:

A princípio difícil e limitada. Após junho de 2020 retomou todas as atividades de forma remota (reuniões semanais, lives, campanhas etc.) e pelas Redes Sociais. E, no final de setembro de 2021, será de forma híbrida (C 01).

Reuniões on-line e live essas sendo de informação, pois observamos que a maioria das mulheres não sabem onde recorrer em caso de violência (C 02).

Ficou muito fragilizado, retomando firmemente agora em 2021, com encontros virtuais… e logo será testado encontros híbridos na Casa dos Conselhos (C 03).

A atuação do Conselho infelizmente foi bem reduzida, fizemos campanhas em parceria com o judiciário de colagem de cartazes, investimos nos informes de como estava os atendimentos às mulheres durante a pandemia através das redes sociais e trouxemos atividades on-line em forma de lives com pautas relevantes para as mulheres e a população em geral (C 04).

Ficou muito fragilizado, retomando firmemente agora em 2021, com encontros virtuais… e logo será testado encontros híbridos na Casa dos Conselhos (C 05).

O COMDIM está realizando suas reuniões periódicas de forma on-line desde março/2020 e houve o falecimento de duas dirigentes do COMDIM em março de 2021 (C 06).

Não está atuando (C 07).

É perceptível a dificuldade pela qual os Conselhos passaram durante o período mais agudo da pandemia, com reflexo direto na vida das mulheres. A conjuntura atual mostra o crescimento do número de feminicídios (morte de mulheres pela sua condição de gênero) em todo o Brasil e no Rio Grande do Sul. Conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública,2 2 Disponível em: https://www.ssp.rs.gov.br/indicadores-da-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 abr. 2022. em 2019, o Rio Grande do Sul foi o terceiro estado que mais matou mulheres no país e, em 2020, teve um aumento de 233% de feminicídios, se comparado ao ano anterior.

A ausência de recursos públicos destinados à rede de enfrentamento e atendimento às mulheres vítimas de violência aparece como principal indicativo do aumento dos feminicídios. A queda orçamentária apresentada no último período, referente aos valores que deveriam ser destinados às políticas específicas para as mulheres, é muito significativa, pois houve “[...] desvio do fundo público [...] com maior destinação para o pagamento da dívida, o país é afetado e obrigado a contar com uma baixa dotação orçamentária para colocar em prática suas políticas sociais” (Piedade; Pereira, 2016PIEDADE, D. C.; PEREIRA, P. A. P. Crise do capital e atuais tendências da (des)proteção social: traços ilustrativos da seguridade social brasileira. Serviço Social e Saúde, Campinas, v. 15, n. 1, p. 51-70, 2016., p. 66).

Conforme o Projeto de Lei n. 415/2019, referente à Lei Orçamentária 2020-2023 do Rio Grande do Sul (Rio Grande do Sul, 2022RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Plano Plurianual - PPA 2020-2023. 2022. Disponível em: Disponível em: https://planejamento.rs.gov.br/plano-plurianual Acesso em: 11 maio 2022.
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), a rubrica específica para o enfrentamento à violência contra a mulher recebeu apenas R$ 20 mil reais: valor irrisório para aplicação de qualquer iniciativa pública para combater a violência de gênero. Isso demonstra a invisibilidade da população feminina perante os recursos públicos, embora seja a maioria da população, impactando, assim, tanto na qualidade como na não existência dos serviços oferecidos às mulheres, deixando-as mais vulneráveis à violência e à exclusão social e, por óbvio, a mortes violentas.

As mulheres militantes participantes enfatizaram o tema do sucateamento das políticas sociais para mulheres no Rio Grande do Sul:

Temos falta de apoio, de oficialização e de estrutura pelos últimos dois governos municipais. Uma experiência bem frustrante em não se avançar quase que nada em política para as mulheres (M 01).

O Telefone Lilás, por exemplo, esteve com os serviços paralisados durante o ano de 2019, bem como o Departamento de Mulheres, ligado à Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, que esteve sem coordenadora, em todo o ano de 2020.

No Rio Grande do Sul não temos conselho estadual de direito para as mulheres! Isso tudo é orquestrado. Não temos nenhum espaço institucional de cobrança do orçamento que é direito nosso, não é nenhum favor! (M 04)

Em tempos de aprofundamento do ideário neoliberal na realidade brasileira e do aumento do discurso de ódio, torna-se mais urgente e necessária a organização de movimentos sociais concatenados com as lutas do povo, bem como a construção de políticas sociais que visem à igualdade.

Diante do grande impacto da pandemia de covid-19 no país e das decisões urgentes que necessitam ser tomadas para enfrentá-la, o monitoramento do orçamento público se torna ainda mais relevante, tanto para fiscalizar a sua aplicação quanto para entender o quão eficazes são as políticas públicas, principalmente para as parcelas mais vulneráveis da população, como mulheres, negros, jovens, LGBTs+, indígenas e quilombolas. A partir de uma perspectiva feminista, é urgente garantir o “financiamento de políticas públicas para as mulheres sem, entretanto, perder de vista a estratégia e o objetivo de construir uma outra economia, outra sociedade, outra política, onde a dignidade e os direitos humanos prevaleçam” (Vieira, 2015VIEIRA, C. Os direitos das mulheres e o orçamento público: os desafios de tornar reais as nossas conquistas. Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Brasília, ano XIII, n. 144, maio 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.cfemea.org.br/images/stories/colecaofemea/jornalfemea144.pdf . Acesso em: 3 mai. 2022.
https://www.cfemea.org.br/images/stories...
, p. 4).

Desde 2004 avançamos, construímos conferências, debatemos, escrevemos prioridades políticas em planos históricos. Mas, com o passar do tempo, não avançamos mais e ainda fomos apagadas das prioridades. É preciso ainda propor políticas mais estruturantes, é preciso pautar ainda mais nas ruas e dentro dos espaços de decisão política. É chegada a hora também de enegrecer as políticas públicas. É preciso ainda mais…

Considerações finais

A pesquisa realizada em período pandêmico de covid-19, fundamentada no materialismo histórico-dialético e alicerçada na discussão da interseccionalidade, apontou o quão fundamental foi a organização feminista para que pudéssemos ter políticas sociais de gênero no Brasil, a partir das CNPM.

Os resultados do estudo evidenciaram que essas Conferências deixaram marcas na história do nosso país, pois diversas mulheres reais, em cada município e estado, elaboraram, debateram e escreveram uma nova página na democracia e na possibilidade de construirmos políticas sociais de gênero. Assim, foi fundamental a organização feminista para a institucionalização de suas demandas através dos Conselhos municipais de direitos e a materialização da Lei Maria da Penha, relevante para enfrentar a violência doméstica, graças à mobilização permanente das mulheres.

Ao mesmo tempo, a pesquisa revelou que o sucateamento das políticas sociais; a não realização de Conferências de direitos das mulheres nos últimos tempos; a fragilidade de Conselhos Municipais de Direitos das Mulheres; e o desaparecimento das mulheres no orçamento dos governos afetam drasticamente a implementação de políticas municipais para as mulheres.

O ano do golpe contra uma presidenta eleita pelo sufrágio universal e democrático foi quando ocorreu a última Conferência Nacional, na sequência, a extinção da Secretaria Nacional de Mulheres com status de Ministério, e no governo do estado do Rio Grande do Sul, a extinção do Departamento de Mulheres no governo. O atual governo federal de Jair Bolsonaro seguiu a postura de desrespeito com as conquistas arduamente conseguidas pela classe trabalhadora, com ausência de recursos destinados ao enfrentamento da violência às mulheres e o indicativo relevante no aumento dos feminicídios, associado à postura de misoginia nas manifestações públicas.

A desumanização da classe trabalhadora, principalmente sua parcela feminina e negra, é a construção ideológica mais arraigada neste país. O racismo estrutura todas as dimensões da nação, e em tempos de insegurança sanitária pela pandemia, verificamos que mulheres e homens negros tiveram amplificadas suas condições de vida vulneráveis, com mais desemprego, adoecimento e morte.

Em tempos de aprofundamento do ideário neoliberal na realidade brasileira e do aumento do discurso de ódio, torna-se mais urgente e necessária a organização de movimentos sociais populares, bem como o compartilhamento de saberes, experiências e construção de estratégias nos espaços de formação, de trabalho e de militância política em defesa da vida, da dignidade e da liberdade, além de um projeto de sociedade verdadeiramente emancipador.

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    » https://www.cfemea.org.br/images/stories/colecaofemea/jornalfemea144.pdf
  • 1
    A pesquisa foi submetida e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa via Plataforma Brasil pelo parecer de número 4.904.121/2021.
  • 2
    Disponível em: https://www.ssp.rs.gov.br/indicadores-da-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 abr. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Aceito
    22 Set 2022
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