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A prática integrativa do Serviço Social na saúde hospitalar e no território

The integrative practice of Social Work in hospital health and in the territory

Resumo:

O artigo trata do assistente social nos serviços de urgência e emergência e do trabalho integrador com as equipes de saúde, nos níveis de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS). Estudo qualitativo e exploratório, avalia a capacidade dos serviços em saúde. Metologia: entrevista semiestruturada, observação assistemática, método de análise de conteúdo. Os sujeitos entrevistados: gestores das redes em saúde e do Hospital Universitário. Resultados: fragilidades nos serviços de saúde após a alta hospitalar.

Palavras-chave:
Serviço Social; Urgência; Emergência; Integralidade em saúde

Abstract:

The article deals with social workers in urgent and emergency services and integrative work with health teams, at the levels of care of the Unified Health System (SUS). Qualitative and exploratory study, evaluates the capacity of health services. Methodology: semi-structured interview, unsystematic observation, content analysis method. The subjects interviewed: managers of health networks and the University Hospital. Results: weaknesses in health services after hospital discharge.

Keywords:
Social Service; Urgency; Emergency; Integrality in health

Introdução: a Gestão em Saúde Pública no Brasil

A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição Federal de 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988., regulamentada pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90, vem propor mudanças ao modelo anterior, centrado no indivíduo doente, no hospital e na intervenção médica, o qual desconsidera a base epidemiológica e a diversidade das realidades locais, num atendimento sem planejamento (Canuto et al., 2004CANUTO, O. et al. A inserção do Serviço Social na Estratégia Saúde da Família em Sobral-CE. Sanare: Revista de Políticas Públicas, Ceará, v. 5, n. 1, p. 65-76, 2004. Disponível em: Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/124 . Acesso em: 6 jan. 2020.
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). A concepção de saúde passa a ser compreendida não apenas como ausência de doença, mas também entendida como o acesso a um conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade, produzidos pela coletividade, porém, apropriado privadamente. Portanto, esse conceito assume a intrínseca relação da saúde com a política e, naturalmente, preconiza o direito à saúde de todos (Matos; Pires, 2006MATOS, E.; PIRES, D. Teorias administrativas e organização do trabalho: de Taylor aos dias atuais, influências no setor de saúde e na enfermagem. Texto Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 15, p. 508-514, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tce/v15n3/v15n3a17.pdf . Acesso em: 24 maio 2020.
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).

A gestão/administração dos serviços em saúde pode ser conceituada como o conhecimento aplicado ao manejo do complexo das organizações de saúde, envolvendo a gerência de redes, as esferas públicas de saúde, os hospitais, os laboratórios, as clínicas e as demais instituições e serviços de saúde. Nessa lógica, é importante pensar nas três grandes dimensões que compõem essa ação: a dimensão profissional, a organizacional e a sistêmica (Cecílio, 2009CECÍLIO, L. C. de O. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v. 13, p. 545-555, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000500007. Acesso em: 14 dez. 2021.
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).

A primeira corresponde à gestão dos cuidados diretos, singulares e multiprofissionais e à institucionalização de práticas de saúde. A segunda diz respeito às questões relativas à organização dos serviços, que envolve registro, uso de informações, espaços de troca e conversação, compartilhamento de responsabilidades, entre outros aspectos. Por último, a gestão de cuidado deve ser pensada em uma perspectiva sistêmica, como a operação de redes de serviços de saúde com suas diferentes densidades tecnológicas, estabelecendo fluxos para garantir o acesso do usuário às tecnologias do cuidado de que necessita, alcançando uma assistência universal e equânime (Cecílio, 2009CECÍLIO, L. C. de O. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v. 13, p. 545-555, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000500007. Acesso em: 14 dez. 2021.
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).

Logo, a atenção primária, a de menor densidade tecnológica, é reconhecida como estruturante do sistema de saúde e como a principal porta de entrada do sistema (O’Dwyer; Matta; Pepe, 2009O’DWYER, G.; MATTA, I. E. A. da; PEPE, V. L. E. Avaliação dos serviços hospitalares de emergência do programa qualiSUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 5, p. 1632-1648, 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/240767179_Avaliacao_dos_servicos_hospitalares_de_emergencia_do_estado_do_Rio_de_Janeiro/link/02e7e532ef51b537390 00000/download . Acesso em: 18 maio 2020.
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). Seguida do nível secundário, que compreende procedimentos especializados de média complexidade, o último nível, com maior densidade tecnológica, é o nível terciário, que abrange procedimentos de alta complexidade, situações de urgência e emergência e de internações hospitalares (Souza, 2001SOUZA, R. de O. Modelo assistencial no Sistema Único de Saúde. In: CAPACITAÇÃO para Conselheiros de Saúde: textos de apoio. Rio de Janeiro: UERJ/Nape, 2001.). Com base nessa organização, o atendimento a urgências e emergências está presente em todos os níveis de organização do sistema.

Dessa forma, com o intuito de refletir sobre a atuação do Serviço Social em um serviço de Urgência e Emergência, o presente artigo está dividido em quatro seções, além da metodologia. A primeira aborda o lugar da Política Nacional de Atenção às Urgências dentro dos níveis de complexidade do SUS. A segunda está pautada na discussão sobre a prática da integralidade no cuidado. A terceira, sobre a atuação do profissional de Serviço Social nesse espaço sócio-ocupacional. Finalmente, a quarta seção traz a análise da entrevista como instrumento de trabalho capaz de estabelecer diálogo e fortalecer a relação com o usário.

1. Metodologia

A pesquisa de mestrado, em que o artigo foi baseado, foi aprovada pelo Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 43603021.0.0000.5346, que adotou uma abordagem qualitativa, tendo como um de seus objetivos específicos compreender a real importância de um cuidado em rede dos usuários/pacientes que deram entrada nos serviços de urgência e emergência em um Hospital Universitário e o papel da rede integrada em saúde no território que ele ocupa. Busca-se refletir sobre a importância de se ter um cuidado em rede da população que, ao ter acesso ao Hospital Universitário, necessita de cuidados em saúde, exigindo uma interlocução com a rede no território de origem do usuário, principalmente após alta clínica e social, bem como propor ações que contribuam com a melhoria no atendimento a essa população em rede, referenciando-se a relevância do profissional assistente social neste processo de mediação.

Para melhor compreensão deste cuidado em rede, buscou-se escutar a gestão local em saúde. A amostra do estudo foi composta por um Gestor de um Hospital Universitário, caracterizando-se como hospital de alta complexidade, do nível terciário do sistema de saúde; e um representante da 4a Coordenadoria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. A amostra foi não probabilística intencional, selecionada com base na experiência da pesquisadora e em conhecimentos teóricos sobre a relação entre o objeto de estudo e o grupo estudado (Pires, 2008PIRES, A. P. Amostragem e pesquisa qualitativa: ensaio teórico e metodológico. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 154-211.). Nesse tipo de amostra, o pesquisador busca as opiniões e as ações de certos elementos da população, sem a intenção de que sejam representativos dela (Marconi; Lakatos, 2003MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003.). Após contato prévio, os gestores aceitaram participar da pesquisa de maneira voluntária, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os instrumentos da pesquisa foram: a entrevista semiestruturada e a observação assistemática. A entrevista semiestruturada permite ao entrevistador adicionar novas questões conforme necessário, partindo de um esquema básico, mas flexível (Ludke; André, 1986LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.). A observação assistemática é uma técnica espontânea e não estruturada, em que o pesquisador registra fatos da realidade sem utilizar meios técnicos específicos (Marconi; Lakatos, 2003MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003.).

A justificativa para essa escolha baseia-se na capacidade da pesquisa qualitativa de captar significados, motivações, aspirações, crenças e valores, elementos que não podem ser quantificados, conforme argumentado por Minayo (2002MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2002.) e Martinelli (1999MARTINELLI, M. L. O Serviço Social na transição para o próximo milênio: desafios e perspectivas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 57, 1999.). Esse método permite uma análise aprofundada das relações e dos processos sociais em rede, valorizando a interpretação dos sujeitos sobre suas próprias experiências cotidianas. A interação entre a pesquisadora assistente social de um Hospital Universitário e os sujeitos gestores foi essencial para captar essas vivências e sentimentos.

A pesquisa teve caráter exploratório, visando proporcionar uma visão geral e aprofundada de uma situação pouco conhecida. Segundo Gil (1999GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.), esse tipo de pesquisa é utilizado quando se busca compreender melhor um fato com poucas informações disponíveis, permitindo um conhecimento mais completo e adequado da realidade estudada. A pesquisa também se debruçou em uma revisão de literatura e documental, permitindo com os autores ampliar um diálogo com temas pertinentes do presente estudo. Como método de análise e interpretação dos dados, foi utilizado o método de sistematização da prática da autora Gagneten (1987GAGNETEN, M. M. Hacia una metodología de sistematización de la práctica. Buenos Aires: Humanita, 1987.).

2. Os serviços de urgência e emergência

O estabelecimento de normas de regulamentação para os serviços de urgência e emergência ocorreu no ano de 2002 com a Portaria GM 2.048/2002BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2048, de 5 de novembro de 2002. Aprova o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Diário Oficial da União, Brasília, 12 nov. 2002b., que considera sua importância a partir do crescimento da demanda pelo serviço (Brasil, 2002aBRASIL. Portaria n. 2.048, de 5 de novembro de 2002. Aprova, na forma de anexo desta Portaria, o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Brasília, 2002a.). A Portaria n. 1.600, de 7 de julho de 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 2011a. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1600_07_07_2011.html . Acesso em: 29 maio 2024.
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, reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS), revogando a Portaria GM 1.863/2003 (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.488, 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011b.). A nova Portaria estabelece como componente dessa rede: Promoção, Prevenção e Vigilância à Saúde; Atenção Básica em Saúde; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências; Sala de Estabilização; Força Nacional de Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS); Unidades de Pronto Atendimento (UPA); e o Conjunto de Serviços de Urgência 24 horas, Hospitalar e Atenção Domiciliar. O Componente Hospitalar corresponde às entradas hospitalares de urgência, às enfermarias de retaguarda, aos leitos de cuidados intensivos, aos serviços de diagnóstico por imagem e de laboratório e às linhas de cuidados prioritárias.

A universalidade, a equidade e a integralidade na atenção a urgências e emergências são estabelecidas como princípios nas políticas que regem tais serviços em todos os níveis de complexidade (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.488, 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011b.; 2011cBRASIL. Ministério da Saúde (MS). Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, 26 dez. 2011c.). Esses princípios devem estar articulados administrativa e tecnicamente, permitindo a operacionalização do SUS e o uso racional de todos os recursos, respeitando as complexidades dos níveis do sistema, pois se uma das pontas da rede tem fragilidade em sua operacionalização, sem dúvida, haverá reflexo em toda a rede assistencial (Teixeira, 2018TEIXEIRA, S. M. O envelhecimento e as reformas no sistema de seguridade social no Brasil contemporâneo. Textos e Contextos, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 126-137, jan./jul. 2018. DOI: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2018.1.27635. Acesso em: 13 nov. 2021
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).

Torna-se importante ressaltar que o Pronto-Socorro de um Hospital Universitário caracteriza-se como componente hospitalar do tipo III e atua com demanda referenciada pelos demais serviços da rede de atenção à saúde; ou seja, o Pronto-Socorro não se configura como serviço porta aberta, mas como retaguarda para outros serviços de atenção a urgências e emergência de menor complexidade.

Submersas nessa rede de serviços complexos e sobrecarregados de demandas por parte dos usuários, as necessidades em saúde dos cidadãos que acessam o Pronto-Socorro se mostram multicausais. Em virtude disso, cada situação demonstra uma urgência diferente, muitas estão diretamente relacionadas à situação social dos usuários dos mais diversos municípios no entorno da cidade onde se situa o Hospital Universitário.

Segundo Estellita-Lins (2010ESTELLITA-LINS, C. A urgência/emergência como modelo crítico para a integralidade. In: PINHEIRO, R.; LOPES, T. C. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2010., p. 70), “as emergências representam nichos institucionais de alta complexidade, dispendiosos e sobrecarregados de demandas tecnológicas por parte do usuário”. Seguindo essa mesma linha, Giglio-Jacquemot (2005GIGLIO-JACQUEMOT, A. Definições de urgência e emergência: critérios e limitações. In: GIGLIO-JACQUEMOT, A. Urgências e emergências em saúde: perspectivas de profissionais e usuários [on-line]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p. 19-30.) afirma que os serviços de emergência têm características diferenciadas de outros serviços de saúde, pois recebem uma gama de pedidos de atendimento, que chegam de forma heterogênea e dizem respeito a problemas de natureza muito diversa.

Entre as muitas dificuldades que se apresentam nesse nível de assistência, evidenciam-se o descompasso da proteção social e o baixo ou até mesmo a ausência dos serviços de atenção primária e secundária (Deslandes, 2002DESLANDES, S. F. Frágeis deuses: profissionais da emergência entre os danos da violência e a recriação da vida. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002.). Pensar em assistência dentro de um Pronto-Socorro vai além de intervir apenas em questões clínicas de saúde, ou seja, é necessário vislumbrar o sujeito em sua totalidade; compreender o lugar que este ocupa nas relações de produção e reprodução da vida social; e quanto esse contexto no qual ele está inserido potencializa o adoecimento.

Por mais questionados e criticados que sejam os serviços de atenção a urgências e emergências, Estellita-Lins (2010ESTELLITA-LINS, C. A urgência/emergência como modelo crítico para a integralidade. In: PINHEIRO, R.; LOPES, T. C. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2010.) nos faz refletir que a experiência compartilhada nesse serviço não integra o imaginário brasileiro, senão negativamente. Não poderia deixar de apontar que os avanços nesse campo de atuação e de serviços são bastante expressivos e pouco reconhecidos.

No campo interventivo em um Pronto-Socorro de um Hospital Universitário, há a preocupação em sistematizar as práticas dos processos de trabalho e a necessidade de refletir sobre a integralidade nesse nível tão complexo de atenção à saúde. O momento da troca de informações sobre cada paciente internado nas unidades de atendimento hospitalar ainda é algo muito recente nos serviços, por isso, o sentido de se estabelecer reuniões semanais entre os profissionais de forma multiprofissional deve se tornar uma prática rotineira. Entende-se que compartilhar diferentes olhares e saberes, de forma a contribuir para dar direcionamento na atenção à saúde de modo integral, tem que ser o passo para a construção de um atendimento mais totalizante de práticas junto aos usuários que se encontram internados nas unidades; e trabalhar sempre em uma pespectiva de alta clínica e alta social colaborativa e dialogada com a rede de serviços no território que o paciente/usuário ocupa.

Nos encontros de trabalho multidisciplinar que ocorrem semanalmente no Pronto-Socorro, participam médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogas e o assistente social. Além desses, somam-se outros, como: os profissionais em formação dos programas de Residência Médica e Residências Integradas em Saúde, acadêmicos das mais diversas áreas, bem como estágiários, vivenciando diretamente na formação o processo de cuidado, na perspectiva multiprofissional e de rede integrada. Este é o momento destinado à discussão individual de cada caso de pacientes internados no Pronto-Socorro, visto que esse espaço oportuniza ao Serviço Social a identificação de usuários/familiares que necessitam prioritariamente do atendimento.

3. A integralidade nos serviços

A integralidade é um conceito que permite uma identificação dos sujeitos como totalidade, ainda que não sejam alcançáveis em sua plenitude; vai além de um princípio do Sistema Único de Saúde (SUS) para os profissionais do Pronto-Socorro, pois ela se materializa no cotidiano de trabalho, no qual perpassam por ações que contemplam o trabalho em equipe multiprofissional da mesma instituição e a articulação dessa equipe com a rede de serviços como um todo.

Considerando todas as dimensões possíveis em que se pode intervir, reafirmamos que, no âmbito dos serviços de emergência, torna-se relevante pensar no princípio de integralidade, que inclui “promoção, prevenção, tratamento e reabilitação” em seu alcance maior como assistência integradora, capaz de guardar e disseminar informações, prevenir danos e construir sólida junção na rede de cuidados em saúde, com destaque para seu potencial de intervenção mais resolutivo em situações de alta morbidade física, psíquica e social. As demandas dos usuários mais vulneráveis exigem maiores cuidados de suporte e preventivos (Estellita-Lins, 2010ESTELLITA-LINS, C. A urgência/emergência como modelo crítico para a integralidade. In: PINHEIRO, R.; LOPES, T. C. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2010.).

Considera-se, portanto, que os limites entre a exclusão social e a saúde são cada vez mais tênues nas unidades de urgências e emergências, e nos serviços de alta complexidade, que atendam diariamente uma população carregada de demandas de saúde e expostas a uma série de problemas sociais, os quais se revelam como um cenário ímpar para refletir sobre o conceito ampliado em saúde que descreve ausência da doença como resultado de múltiplos fatores, caracterizando-se, assim, a forma como a questão social se faz presente na vida de todos nós.

Diante desse quadro, é fundamental desenvolver vastas e coletivas estratégias para garantir à população usuária o acesso ao sistema de saúde organizado, segundo a sua complexidade, ações que requerem uma rede funcionante e intercomunicante, em que todas as partes envolvidas possam direcioná-lo para o melhor tratamento.

4. A prática integrativa do assistente social no campo da saúde

Para o desenvolvimento de uma prática integradora e coerente, o profissional do Serviço Social, em seu cotidiano de trabalho no âmbito da saúde, deve levar em consideração o conceito ampliado de saúde, que vai além da ausência de doença, mas que traz em si as expressões da questão social, fruto das relações sociais da sociedade de produção capitalista que se apropria das forças de trabalho, tornando este espaço de sociabilidade humana perverso e corrompido, gerando dor e adoecimento físico e mental.

O Serviço Social é uma profissão legitimada na divisão sociotécnica do trabalho, pois sua identidade é marcadamente histórica. A matéria-prima do trabalho diz respeito às diversas manifestações da questão social, e seu fundamento é a própria realidade (Martinelli, 2011MARTINELLI, M. L. O trabalho do assistente social em contextos hospitalares: desafios cotidianos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 107, p. 497-508, 2011.). O processo de adoecimento da vida humana também é produzido socialmente, dependendo das condições gerais de vida. Desse modo, não há como desconsiderar as condições de existência cotidiana dos sujeitos que procuram os serviços com necessidades de saúde (Silva, 1990SILVA, A. A. A concepção sobre o usuário dos serviços públicos de saúde. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA, PESQUISA E SERVIÇOS, 63., 1990, São Paulo. Anais [...]. São Paulo, 1990. p. 159-169.).

Como bem afirma Estellita-Lins (2010ESTELLITA-LINS, C. A urgência/emergência como modelo crítico para a integralidade. In: PINHEIRO, R.; LOPES, T. C. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2010., p. 3), “cada vez mais o adoecimento é coletivo, imitativo, propagando-se na multidão. A vida cotidiana tornou-se urbana, violenta e imprevisível”. Essas demandas, por vezes, são de cunho social, e o Serviço Social possui um caráter interventivo e propositivo frente a essas realidades que causam as múltiplas expressões da questão social.

Dessa forma, situação de pobreza, conflitos, violências, desemprego, falta de moradia convencional, bem como todas as mazelas que acometem a classe trabalhadora apresentam-se como expressivas demandas à intervenção profissional visibilizadas por mediações (Arruda; Paiva, 2014ARRUDA, F. T.; PAIVA, S. de O. C. A velhice vítima de negligência: omissão do Estado e rebatimentos ao Serviço Social. Kairós: Gerontologia, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 247-262, 2014. DOI: https://doi.org/10.23925/2176-901X.2014v17i1p247-262. Acesso em: 14 maio 2021.
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). Na Política de Saúde não é diferente, pois requer que o profissional domine ferramentas que qualifiquem a prática profissional.

A prática profissional no cotidiano da Política de Saúde gira em torno de articular o conhecimento teórico-metodológico com o projeto ético-político, na direção de democratizar o acesso à saúde, na tentativa de que os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) sejam efetivados no cotidiano, visando ao acesso equânime, oportunizando a atenção integral e de qualidade e garantindo que os direitos sociais dos usuários sejam respeitados.

Esses princípios sedimentam a prática profissional e contribuem para instrumentalizar os processos de trabalho. As estratégias de intervenção, sobretudo na Política de Saúde, podem ser potencializadas na mobilização e na orientação a usuários e familiares, em consonância com a perspectiva de classe, problematizando o tema com as equipes multidisciplinares e com a rede de proteção envolvida na realidade de vida do proletariado, na sua luta constante por uma vida digna por meio do trabalho. Utilizando-se de instrumentais que viabilizem os direitos e, principalmente, a adoção da racionalidade na instrumentalidade do exercício profissional, o assistente social vai construindo com o usuário e a equipe a caminhada da descoberta de significados e da sua autonomia.

Segundo Mioto e Nogueira (2009MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Serviço Social e saúde - desafios intelectuais e operativos. Ser Social, Brasília, v. 11, n. 25, p. 221-243, 2009. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/12733/11135 . Acesso em: 19 set. 2019.
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), os espaços sócio-ocupacionais relativos à atenção à saúde se configuram como locais em que o impacto da doença e de seu entorno alcança as dimensões objetivas e subjetivas dos sujeitos e, assim, exige a construção interdisciplinar coletiva para seu enfrentamento. As demandas da população usuária são cada vez mais coletivas e resultantes de condições sociais que geram desigualdades e adoecimento da classe trabalhadora. Portanto, são exigidas ações de integralidade e participação ativa de todos os profissionais inseridos no processo.

Nesse espaço sócio-ocupacional dinâmico, o Serviço Social necessita ter posicionamentos ágeis, concretos e criativos para responder às demandas que se apresentam, e contar com os demais profissionais da equipe para qualificar as estratégias de intervenção. O Pronto-Socorro tornou-se um local multiprofissional e de práticas interdisciplinares.

Os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), como o conceito ampliado de saúde e o reconhecimento das determinações sociais do processo saúde-doença, estão demandando, com frequência, o trabalho do assistente social, que tem construído novos espaços de atuação interdisciplinar (Krüger, 2010KRÜGER, T. R. Serviço Social e saúde: espaços de atuação a partir do SUS. Serviço Social & Saúde, Campinas, v. 9, n. 10, p. 123-145, 2010. DOI: https://doi.org/10.20396/sss.v9i2.8634891. Acesso em: 20 out. 2021.
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).

Dessa forma, a diversidade de demandas que se apresentam ao profissional do Serviço Social é ampla e este desempenha importante papel, no sentido de potencializar o trabalho coletivo, valorizando o usuário como um ser integral, promovendo uma humanização maior no atendimento e integralidade da atenção. Efetivamente, a atuação dos profissionais, na perspectiva multiprofissional no Pronto-Socorro de um Hospital Universitário, em geral é feita com pacientes internados na unidade ou em observação nas salas de emergência, e com familiares, quando presentes. Entendemos que, assim ocorrendo, é de fundamental importância que se exija a presença de um assistente social para que se estabeleça esse encontro dialógico com todos os envolvidos.

5. A entrevista como ponto de garantia de cidadania na relação assistente social e usuário, nos campos da saúde e da saúde hospitalar

A primeira fase do processo de atendimento do Serviço Social refere-se à abordagem estabelecida por meio da entrevista. Com o intuito de levantar uma série de dados referentes aos grupos familiares, às condições socioeconômicas, à existência de moradia convencional, avaliar se o usuário recebe o mínimo apoio familiar e comunitário, com quem a pessoa pode contar quando precisa, a periodicidade do contato que mantém com seus parentes mais próximos, e acesso aos serviços da rede de saúde e socioassistencial são pontos de extrema relevancia a serem investigados. Dados de grande relevância para o profissional poder fazer uma análise inicial da realidade social na qual o usuário/paciente se encontra.

Todas essas questões vão ser potência para uma análise crítica e criteriosa sobre as condições de sociabilidade humana em que está imerso o usuário. Essas informações vão estabelecer, de um lado, a necessidade de criação de uma rede de atenção ao paciente e a seus familiares durante o processo de internação, e, de outro, a possibilidade de se garantir uma alta social e clínica segura ao término de seu processo de cura e bem-estar. A entrevista é parte das ferramentas de trabalho do assistente social e está ligada à dimensão técnico-operativa da formação:

Considerando as suas potencialidades, constitui-se numa importante mediação profissional, na medida em que possibilita ao assistente social direcionar o seu acervo de conhecimentos em favor das demandas dos usuários, contribuindo para o acesso aos seus direitos e para estimular processos de reflexão, de organização e mobilização sociopolítica (Faermann, 2014FAERMANN, L. A. A processualidade da entrevista no Serviço Social. Textos e Contextos, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 315-324, 2014. Disponível em: Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/16610/12514 . Acesso em: 5 maio 2019.
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, p. 3).

Tal instrumento propicia, no exercício profissional, uma visão crítica da realidade do sujeito, pois, ao aplicar a entrevista, levantam-se questões que pretendem se aprofundar no cotidiano para além da aparência e submergir na historicidade dos fatos. Segundo Lewgoy e Silveira (2007LEWGOY, A. M. B.; SILVEIRA, E. M. C. A entrevista no processo de trabalho do assistente social. Revista Textos & Contextos, Porto Alegre v. 6 n. 2 p. 233-251. 2007. Disponível em: Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/fo/ojs/index.php/fass/article/view/2315 . Acesso em: 11 jun. 2019.
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, p. 235), “a entrevista é um dos intrumentos que possibilita a tomada de consciência pelos assistentes sociais das relações e interações que se estabelecem entre a realidade e os sujeitos, sendo eles individuais ou coletivos ”. O Serviço Social, como instrumento de trabalho, possui um roteiro de entrevista comum, aplicado no momento do atendimento a todos os usuários que se encontram internados.

As entrevistas geralmente são realizadas à beira do leito ou da maca, uma vez que o Serviço Social muitas vezes não conta com sala própria para atendimento. Quando disponíveis, realizam-se as entrevistas em salas ampliadas para outras abordagens, dificultando em muito a garantia do sigilo e da privacidade, criando-se um constrangimento institucional para o profissional e para o usuário entrevistado. Apesar de a legislação - Resolução do Conselho Federal de Serviço Social (CFESSCONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 1993.) 493, de 21 de agosto de 2006 - estabelecer condições essenciais para o atendimento à população, as instituições, geralmente, não oferecem local exclusivo destinado para o atendimento do Serviço Social, tendo que o profissional organizar a melhor forma de realizar as entrevistas, a fim de proporcionar a privacidade e o sigilo das informações prestadas pelos usuários (CFESS, 2006CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Resolução CFESS n. 493/2006, de 21 de agosto de 2006. Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_493-06.pdf . Acesso em: 7 jan. 2020.
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).

As demandas que se apresentam na vida dos usuários e de suas famílias repercutem na condição financeira, bem como exigem modificações na dinâmica familiar. Nesse sentido, o Serviço Social desempenha um papel fundamental, pois acompanha o usuário e o familiar, quando presente, conforme suas necessidades sociais, desde sua admissão na unidade, proporcionando ao profissional tempo hábil para articulação da rede de serviços que ofertarão o cuidado pós-alta, com suporte das organizações responsáveis pelo cuidado no território adscrito.

O planejamento da alta requer que os profissionais dispensem tempo para a tomada de decisões, com vista a orientações a familiares/acompanhantes e articulação de dispositivos de base territorial, com o intuito de garantir alta segura, prevenindo complicações para reduzir o risco de reinternações e minimizar o estresse para o usuário e seus familiares, e o impacto econômico que a nova demanda de cuidado pode representar para os familiares.

Cita-se como exemplo a importância de modificações no ambiente doméstico, para que garantam mais segurança, local adequado para a reabilitação, visando à autonomia do usuário, o que por vezes requer investimento financeiro do qual o usuário/paciente e/ou familiares não dispõem. A articulação com a rede de serviços de base territorial torna-se fundamental no processo do fazer profissional do Serviço Social e da equipe multiprofissional, pois parte do pressuposto de que uma única instituição não será efetiva no sentido de dar respostas às múltiplas necessidades que permeiam a vida dos sujeitos, a não ser através de uma rede de serviços integrada.

Diante disso, reitera-se a importância do princípio de integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual se refere à atenção a todas as dimensões da vida dos sujeitos, relacionadas à produção e à condição de saúde, e às possibilidades dos serviços em ofertar os cuidados necessários. A rede vai sendo construída a partir do reconhecimento e do desvelamento das demandas sociais dos usuários e da indispensável articulação, para garantir acesso aos direitos sociais negligenciados ou desconhecidos pela população como direitos garantidos por lei. “Trabalhar em rede é estabelecer caminhos” (Oliveira, 2008OLIVEIRA, J. da L. O processo de trabalho do assistente social e sua abordagem com moradores de rua. 2008. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008., p. 49).

Segundo Faleiros (1999FALEIROS, V. de P. Estratégias em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1999.), a articulação da rede de serviços representa aos profissionais envolvidos meios de atender os excluídos, chegando a uma forma mais humana de inclusão social, pois nesta articulação os sujeitos se reconhecem na condição de cidadãos, tanto os profissionais como os usuários, articulando políticas, instituições, sociedade e o próprio Estado. Segundo Faleiros (Faleiros, 1999FALEIROS, V. de P. Estratégias em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1999.):

Rede é uma articulação de atores em torno, vamos nos expressar assim, de uma questão disputada, de uma questão ao mesmo tempo política, social, profundamente complexa e processualmente dialética. Trabalhar em rede é muito mais difícil do que empreender a mudança. [...] É a superação do voluntarismo e do determinismo, da impotência diante da estrutura e da onipotência da crença de tudo poder mudar. Na intervenção em Redes, o profissional não se vê nem imponente nem onipotente, mas como um sujeito inserido nas relações sociais para fortalecer, a partir das questões históricas do sujeito e das relações particulares, as relações destes mesmos sujeitos para ampliação de seu poder, saber, e de seus capitais. Trata-se de uma teoria relacional do poder, de uma teoria relacional de construção da trajetória.

Após o levantamento das demandas sociais durante a internação dos usuários e a identificação dos serviços responsáveis em dar seguimento aos cuidados, a articulação se dá em nível dos serviços, pois se aciona essa rede através de contato telefônico, de envio de relatório e outras vezes por meio de visita institucional.

A Atenção Primária em Saúde, por exemplo, é um serviço essencial e o mais requisitado pelo Serviço Social no momento da alta do usuário, por ser um serviço porta aberta e responsável pelo cuidado no território. Algumas unidades de saúde contam com o trabalho de Agentes Comunitários de Saúde que desempenham um papel fundamental, visando à criação de vínculo com a comunidade e funcionando como um elo entre essa e a unidade de saúde, favorecendo os cuidados, dando visibilidade às necessidades de cada indivíduo, que devem ser supridas para que ele não necessite retornar à internação em hospital de alta complexidade.

Considerações finais

Torna-se importante ressaltar que o Pronto-Socorro dos Hospitais Universitários, muitas vezes, caracterizam-se como componente hospitalar do tipo III, atuando com demandas referenciadas pelos demais serviços da rede de atenção à saúde; isto é, o Pronto-Socorro não se configura como serviço porta aberta, e sim como retaguarda para outros serviços de atenção a urgências e emergência de menor complexidade, compondo a rede em saúde. Os principais resultados do presente estudo nos revelam os obstáculos à concretização dos princípios do SUS, que incluem a ausência de fluxos definidos entre os níveis do sistema, resultando em uma operação fragmentada que impede a prática da integralidade da assistência.

Observa-se também a atuação isolada, sem comunicação entre os pontos da rede, dificultando a prestação contínua de cuidados à população, considerando suas necessidades individuais. Os gestores destacaram a falta de agentes para a integralidade, com a distribuição de responsabilidades e a comunicação entre serviços de saúde. O sistema de regulação é limitado a garantir leitos hospitalares, sem uma rede articulada para ações de prevenção e reabilitação. A falta de integralidade está associada às dificuldades de comunicação permanente entre os pontos da rede e ao planejamento organizado, necessário para garantir que usuários após alta clínica/social recebam acompanhamento e reabilitação imediatos no território.

De acordo com Oliveira e Tavares (2010OLIVEIRA, J. C. A. de; TAVARES, D. M. dos S. Atenção ao idoso na Estratégia Saúde da Família: atuação do enfermeiro. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 44, n. 3, p. 774-781, 2010.), a atuação das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) constitui-se como espaço privilegiado para a atenção integral à saúde dos usuários, devido à sua proximidade com a comunidade e à atenção domiciliar que possibilita a contextualização na realidade vivenciada pelos usuários no seio familiar.

A efetiva inserção do usuário em Unidades de Saúde, sobretudo aquelas sob a Estratégia de Saúde da Família (ESF), pode representar para ele a continuidade do acompanhamento e da reabilitação da saúde após alta clínica e social.

Dessa forma, a busca pela integralidade no cotidiano do processo de trabalho do assistente social é um caminho para superar a fragmentação e a desarticulação da atenção à saúde da população trabalhadora. No trabalho em rede, o assistente social estabelece um novo olhar sobre as demandas, ou seja, um problema individual torna-se um problema coletivo.

Para que se possa produzir saúde na perspectiva da integralidade, o profissional precisa desenvolver estratégias criativas na busca por soluções para demandas singulares, mas que gerarão efeitos na coletividade. Estratégias essas que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os saberes, e um estreitamento das relações entre a rede de atenção e o que está diretamente ligado a uma comunicação efetiva entre os diversos atores comprometidos na produção do cuidado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2024
  • Aceito
    03 Jun 2024
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