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REDE E APOIO SOCIAL NA DOENÇA CRÔNICA INFANTIL: COMPREENDENDO A PERCEPÇÃO DA CRIANÇA1 1 Artigo vinculado ao projeto de pesquisa - Rede, apoio social e cuidado em saúde na condição crônica na infância, financiado pelo CNPq, Edital Universal 475841/2010-7.

RESUMO

Objetivo

identificar a rede e o apoio social na percepção da criança com doença crônica. .

Método

pesquisa qualitativa, realizada entre novembro de 2012 e junho de 2013, em um hospital público da Paraíba (Brasil), com oito crianças com diagnóstico de doença crônica. Utilizou-se uma adaptação do procedimento de desenho-estória com tema. Os dados foram interpretados por meio da análise temática.

Resultados

em alguns momentos da vida, a criança recebe diferentes tipos de apoio, que são oferecidos por vínculos fortalecidos que compõem sua rede social. Entretanto, nem sempre, essa rede se mostrou fortalecida e capaz de oferecer o apoio necessário ao enfrentamento adequado da doença.

Conclusão

os profissionais da saúde precisam direcionar seu olhar para a criança, ouvindo-a em suas singularidades e ajudando a identificar elos em sua rede social, que possam lhe fornecer o apoio de que precisam para enfrentar a doença crônica

DESCRITORES:
Enfermagem pediátrica; Rede social; Apoio social; Doença crônica; Criança

ABSTRACT

Objective

to identify the network and social support in the perception of children with chronic disease.

Method

qualitative research conducted with eight children with chronic disease, between November 2012 and June 2013 in a public hospital in Paraiba, Brazil. An adaptation of the drawing-story process with theme was used. The data were interpreted by thematic analysis.

Results

in some moments of life, the child receives different types of support that are offered by strengthened links that make up their social network. But this network has not always proven to be strengthened and able to provide the necessary support to adequately cope with the disease.

Conclusion

health professionals need to direct their focus on the child, listening to them and their singularities and helping to identify links in their social network which can provide them with the support they need to cope with chronic illness.

DESCRIPTORS:
Pediatric nursing; Social networking; Social support; Chronic disease; Child

RESUMEN

OBJETIVO

identificar la red y el apoyo en la percepción del niño con enfermedad crónica.

MÉTODO

investigación cualitativa, realizada entre noviembre de 2012 y junio de 2013, en un hospital público de Paraíba, Brazil, con ocho niños con diagnóstico de enfermedad crónica. Se utilizó una adaptación del procedimiento del diseño-historia con tema. Los datos fueron interpretados por medio de análisis temático.

RESULTADOS

en algunos momentos de la vida, el niño recibe diferentes tipos de apoyo, que son ofrecidos por vínculos fortalecidos que componen su red social. Sin embargo, ni siempre esta red se mostró fortalecida y capaz de ofrecer el apoyo necesario al enfrentamiento adecuado de la enfermedad.

CONCLUSIÓN

los profesionales de salud necesitan direccionar su mirada para los niños, oyéndolos en sus singularidades y ayudando a identificar eslabones en su red social que puedan proporcionar el apoyo que necesitan para enfrentar la enfermedad crónica.

DESCRIPTORES:
Enfermería pediátrica; Red social; Apoyo social; Enfermedad crónica; Niño

INTRODUÇÃO

Os avanços da ciência têm possibilitado o diagnóstico precoce de doenças crônicas na infância.11.Peterson-Carmichael SL, Cheifetz IM. The chronically critically ill patient: pediatric considerations. Respiratory Care. 2012 Jun; 57(6):993-1002. Os Estados Unidos da América enfrentam uma taxa de 19,3 % da população infantil com necessidades especiais de saúde,22.Ingerski LM. A pilot study comparing traumatic stress symptoms by child and parent report across pediatric chronic illness groups. J Dev Behav Pediatr. 2010 Nov-Dec; 31(9):713-19. dentre as quais incluem-se as que têm diagnóstico de doença crônica, que são responsáveis por 42% dos custos em saúde para a população infantil.33.Ferro MA, Boyle MH. The impact of chronic physical illness, maternal depressive symptoms, family functioning, and self-esteem on symptoms of anxiety and depression in children. J Abnorm Child Psychol. 2015 Jan; 43(1):177-87. No Brasil, pesquisa revela que 9,1% de crianças de zero a cinco anos apresentam doenças crônicas, assim como 9,7% dos escolares de seis a 13 anos e 11% dos adolescentes de 14 a 19 anos do total geral da população.44.Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil, acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz/MS/IBGE; 2010.

As crianças com doenças crônicas podem apresentar complicações físicas e no desenvolvimento neuropsicomotor,11.Peterson-Carmichael SL, Cheifetz IM. The chronically critically ill patient: pediatric considerations. Respiratory Care. 2012 Jun; 57(6):993-1002. razão por que precisam aprender a conviver com uma nova realidade para o manejo adequado da doença. Em geral, isso implica limitações de atividades, seguimento de dieta específica, submissão a procedimentos dolorosos, alterações corporais e repetidas internações hospitalares.55.Araújo YB, Collet N, Gomes IP, Nóbrega RD. Enfrentamento do adolescente em condição crônica: importância da rede social. Rev Bras Enferm. 2011 Mar-Abr; 64(2):281-6.

Estudos realizados com crianças e adolescentes que convivem com diferentes doenças crônicas apontam a importância do apoio social para que possam enfrentá-las.5-66.Pizzignacco TMP, Mello DF, Lima RAG. Estigma e fibrose cística. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010 Jan-Fev; 18(1):139-42. As histórias que contam e a forma como entendem seus contextos de vida são interpeladas por recordações de eventos passados e representações presentes e futuras.77.Gomes IP, Lima KA, Rodrigues LV, Lima RAG, Collet N. From diagnosis to survival of pediatric cancer: children's perspective. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 Jul-Set [cited 2016 Apr 11]; 22(3):671-9. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000300013&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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Uma estratégia para o enfrentamento efetivo da condição crônica da infância é o apoio oferecido por membros da rede social, que somam forças para amparar, de diversas maneiras, a criança e sua família, minimizando suas necessidades.55.Araújo YB, Collet N, Gomes IP, Nóbrega RD. Enfrentamento do adolescente em condição crônica: importância da rede social. Rev Bras Enferm. 2011 Mar-Abr; 64(2):281-6.,88.Laakkonen H, Taskinen S, Rönnholm K, Holmberg C, Sandberg S. Parent-child and spousal relationships in families with a young child with end-stage renal disease. Pediatr Nephrol. 2014 Fev; 29(2):289-95.A rede social é estabelecida de forma mais ampla por meio das instituições que são ligadas aos que vivenciam a doença em seu cotidiano.99.Caixeta CRCB, Morrayne MA, Villela WV, Rocha SMM. Apoio social para pessoas vivendo com aids. Rev Enferm UFPE On Line [Internet]. 2011 Out [cited 2016 Apr 11]; 5(8):1920-30. Available from: Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewFile/1866/pdf_653
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Já o apoio social é uma das diversas maneiras de os membros da rede darem auxílio, material ou não, para a criança e sua família.1010.Di Primo AO, Schwartz E, Bielemann VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm . 2010 Abr-Jun; 19(2):334-2.

A rede e o apoio social são fundamentais para o enfrentamento da doença crônica. Conhecê-los do ponto de vista de quem demanda o cuidado, nesse caso a criança, significa mobilizar pessoas e recursos para atenderem às suas necessidades singulares. Assim, poder-se-ão fornecer subsídios para que os profissionais da saúde participem do processo de formação de redes que promovam apoio efetivo para a manutenção de um convívio social qualificado da criança, apesar das vicissitudes da doença crônica. Além disso, é importante construir elementos do cuidado que instrumentalizem os apoiadores das crianças com doenças crônicas, a fim de fortalecer suas potencialidades de cuidado e interferir positivamente na vivência da condição crônica. Diante desse contexto, questionou-se: quem compõe a rede e oferece apoio social à criança com doença crônica em sua percepção? Para responder a essa questão, este estudo tem o objetivo de identificar a rede e o apoio social na percepção da criança com doença crônica.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, realizada entre novembro de 2012 e junho de 2013, em um hospital público da cidade de João Pessoa-PB, com oito crianças com diagnóstico de doença crônica. Duas estavam hospitalizadas e seis faziam acompanhamento ambulatorial. Elas foram selecionadas com base nos seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico de doença crônica; estar na faixa etária escolar, entre seis e 12 anos; fazer acompanhamento médico no referido ambulatório; e estar presente para se consultar no momento da coleta dos dados ou hospitalizado/a na unidade de internação pediátrica do hospital. Como critério de exclusão estabeleceu-se: apresentar dificuldade de se comunicar verbalmente e de interagir com a pesquisadora.

Para produzir o material empírico, foi empregada uma adaptação do procedimento de desenho-estória com tema, por meio da qual se pode compreender a subjetividade da criança.1111.Coutinho MPL, Serafim RCNS, Araújo LS. A aplicabilidade de desenho-estória com tema no campo da pesquisa. In: Coutinho MPL, Saraiva ERA. Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa (PB): Editora Universitária; 2011. p. 205-50. Nesse procedimento, a criança é solicitada a fazer uma série de desenhos, em seguida, a contar uma estória associada, a dar esclarecimentos (fase de "inquérito") e, por fim, a lhe atribuir um título.1212.Trinca W. Procedimento de desenhos-estórias: formas derivadas, desenvolvimentos e expansões. São Paulo (SP): Vetor Editora; 2013.

Por ser uma adaptação da técnica, não foi realizada a série de cinco desenhos, como é estabelecido, nem eles foram analisados. O material empírico de análise foi constituído pelas estórias contadas pelas crianças a partir de seus desenhos e pelos relatos obtidos na fase de inquérito. O desenho foi o dispositivo de aproximação com as crianças e de entrada no conteúdo do objeto de investigação.

As crianças fizeram dois desenhos: um livre e outro baseado em um tema, em uma única sessão, cuja duração variou de criança para criança. O desenho livre foi realizado depois de estabelecido o contato com a pesquisadora, para que a criança conhecesse a técnica. Quando finalizado, foi solicitado à criança que contasse a estória acerca do material produzido. Seguiu-se, então, com a fase de inquérito, em que se procedeu a alguns questionamentos para que as crianças esclarecessem o desenho produzido e para estimular novas associações sobre o material. Por fim, pediu-se à criança para dar um título a sua estória. Esse procedimento foi feito com cada desenho produzido.

Em seguida, foi solicitado que a criança representasse por meio de desenho o tema desta investigação, através da questão norteadora: "gostaria que você fizesse um desenho de uma criança que tem uma doença e está em tratamento". A partir da questão inicial, a investigação foi direcionada para a compreensão da rede e do apoio social da criança no enfrentamento da doença crônica e do tratamento. Foi feito um teste-piloto para validar a técnica.1313.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014. As estórias e os esclarecimentos apresentados pelas crianças foram gravados em mídia eletrônica e, posteriormente, transcritos na íntegra para análise.

Para a interpretação dos dados, foi empregada a análise temática.1313.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014. Depois de transcrever as entrevistas, realizou-se a primeira organização dos relatos, iniciando-se uma classificação. Dessa forma, foi traçado o mapa horizontal do material. Posteriormente, procedeu-se à leitura exaustiva e repetida dos textos, fazendo uma relação interrogativa para apreender as estruturas de relevância. O procedimento permitiu elaborar a classificação por meio da leitura transversal. A partir das estruturas de relevância, foi processado o enxugamento da classificação, reagrupando os temas mais relevantes.

Foram respeitados os preceitos éticos preconizados pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética CAAE 50019715.6.000.5183. As crianças assinaram o Termo de Assentimento Informado, e os seus responsáveis, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato dos participantes, foram utilizados nomes fictícios de personagens de narrativas infantis, escolhidos pela pesquisadora aleatoriamente, a saber: Peter Pan, Cinderela, Branca de Neve, Chico Bento, Rapunzel, Bela, Aladdin e Jasmine.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os participantes do estudo foram cinco crianças do sexo feminino e três do sexo masculino, com idades que variaram de seis a 11 anos, com os seguintes diagnósticos médicos: Diabetes Mellitus tipo 1 (4); hipertireoidismo (1); síndrome nefrótica (1); asma crônica (1) e cirrose hepática, com consequente transplante de fígado, e histiocitose X, com consequente desenvolvimento de Diabetes Insipidus (1). O menor tempo de diagnóstico foi de dois meses, e o maior, de dez anos. Apenas uma das crianças reside no município de João Pessoa-PB, as demais moram no interior do estado da Paraíba.

Da análise do material empírico, foram extraídos diferentes temas, que foram agrupados em duas categorias: 'A rede e o apoio social da criança com doença crônica' e 'Rede social fragilizada devido à redução do apoio necessário'.

A rede e o apoio social da criança com doença crônica

A criança que vivencia a doença crônica necessita ser ouvida, para que suas reais demandas de cuidado sejam evidenciadas. Por meio do desenho e da estória contada, ela expressa seus sentimentos mais íntimos. Durante as narrativas, percebe-se, algumas vezes, uma confusão do sujeito nos relatos entre o personagem criado por ela e o próprio eu-criança.

A vivência das adversidades é menos dolorosa quando a criança pode dispor de uma rede social efetiva, que seja capaz de lhe oferecer suporte em todas as fases da doença crônica. As crianças relatam o apoio da família nos cuidados diários demandados pela enfermidade. Para elas, as ações voltadas para o manejo adequado e o controle da doença são sobremaneira relevantes.

Ajuda da mãe e do pai para tomar as insulinas e medir a glicose [...]. Eu sinto alegria. [...] feliz de ter alguém do meu lado, me ajudando (Peter Pan - 11 anos); a avó dela [criança do desenho] [...] dá um remédio para ela ficar boa e ir para a escola (Bela - 6 anos).

O apoio da família está presente no cotidiano da criança e pode ser demonstrado no cuidado e na atenção em relação ao tratamento.1414.Santos MA, Alves RCP, Oliveira VA, Ribas CRP, Teixeira, CRS, Zanetti, ML. Representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento. Rev Esc Enferm USP. 2011 Jun; 45(3):651-8. O saber adquirido ao longo do tempo proporciona à família o empoderamento necessário para a realização dos cuidados cotidianos, que serão aprendidos e, no futuro, realizados pela própria criança. No entanto, para que familiares e crianças construam esse saber, os profissionais de saúde devem estar disponíveis para dialogar, ouvir e apoiar, trocando saberes e dando informações.

O conhecimento sobre a doença crônica e o tratamento é imprescindível para que a criança receba os cuidados no domicílio. Branca de Neve aponta que muitos membros de sua rede social lhe dão apoio. Entretanto, a única pessoa que tem conhecimento sobre os cuidados relacionados ao tratamento é a sua mãe, que a apoia de maneira singular e integral. Os demais membros da rede precisam se comunicar com essa apoiadora para conhecer as condutas a serem adotadas na terapêutica.

Minha mãe viaja, muitas vezes, para uma cidade que é bem distante de A [cidade onde reside], então o meu pai prepara meu café, faz meu teste [glicemia capilar], dá minha vacina [insulina]. Ele liga para minha mãe e fala quanto deu [glicemia], e pergunta quantas são as unidades da insulina. [...] minha avó, minha tia, [...] quando a minha taxa [glicemia] baixa, elas ligam para minha mãe, perguntam o que devem fazer, me dão mel, que fica dentro da bolsa do meu teste. [...] eu gostaria que ela [avó] soubesse [...] fazer meu teste [glicemia capilar] e dar minha vacina [insulina]. [...] quando eu estou me sentindo mal, a diretora ou a professora ligam para minha mãe. [...] eu gostaria que elas também soubessem fazer meu teste [glicemia capilar] e dar minha insulina. [...] porque seria muito importante, para que quando eu estiver no recreio e ela baixar [glicemia], ela [professora] saiba fazer. [...] me ajudaria a ir bem na escola (Branca de Neve - 8 anos).

O relato da criança demonstra o seu desejo de que outros membros da rede também saibam cuidar de sua enfermidade, porque ela poderia dar continuidade à sua vida de maneira qualificada, sem prejuízos, especialmente os relacionados à escola.

Os pais da criança se mostram como indispensáveis cuidadores, porém, as mães são apontadas como sua principal fonte de apoio social. São poucos os estudos que evidenciam o envolvimento efetivo do pai nos cuidados direcionados à criança.1515.Polita NB, Tacla MTGM. Rede e apoio social às famílias de crianças com paralisia cerebral. Esc Anna Nery. 2014 Jun; 18(1):75-81. Por meio da educação em saúde, os profissionais dessa área devem envolver os familiares no processo educativo e do cuidado dispensado às crianças com doença crônica, oferecendo o auxílio necessário para que suas habilidades sejam desenvolvidas, e elas possam ter independência e autonomia e consigam aceitar e manejar cotidianamente sua condição de saúde. Assim será mais fácil prevenir hospitalizações.1616.Pereira MM, Penha TP, Vaz EMC, Collet N, Reichert APS. Conceptions and practices of professional family health strategy for health education. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Mar [cited 2016 Apr 11]; 23(1):167-75. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072014000100167&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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Cada encontro entre profissionais da saúde, crianças com doença crônica e seus familiares pode ser transformado em um momento terapêutico de cuidado, favorecendo o protagonismo dos sujeitos envolvidos nesse processo. Para tanto, práticas de educação em saúde efetivas precisam acontecer, perpassando o saber verticalizado, que é pautado pelo fornecimento unilateral de explicações, e dando lugar a espaços para reflexões e troca de experiências e saberes, à relação dialógica com escuta qualificada, à valorização do saber da criança e da família. Além disso, é preciso possibilitar encontros entre aqueles que possuem experiências semelhantes, para que haja troca e construção do saber entre eles.

Peter Pan afirma que recebe de alguns profissionais de saúde o apoio informacional necessário aos cuidados com a terapêutica. Para ele, o suporte recebido é garantia de sobrevivência.

Eu recebo [apoio] aqui no hospital. A médica e a enfermeira é que me passam as coisas certas para eu controlar a minha diabetes. [...] se o braço está duro, porque toma insulina demais só num canto. [...] ajudam [médica e enfermeira] ensinando como é que aplica a insulina. [...] acho que é legal, [...] porque se não fosse por elas, ou alguns postos médicos, a gente morreria de diabetes (Peter Pan - 11 anos).

As crianças que vivenciam o adoecimento crônico conseguem compreender sua doença e tomar decisões relativas ao seu processo de cuidado. A equipe de saúde precisa ter essa compreensão e adotar estratégias que viabilizem a participação ativa da criança no controle da doença.77.Gomes IP, Lima KA, Rodrigues LV, Lima RAG, Collet N. From diagnosis to survival of pediatric cancer: children's perspective. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 Jul-Set [cited 2016 Apr 11]; 22(3):671-9. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000300013&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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O cuidado diário com a criança, realizado por familiares, assim como a preocupação e a disponibilidade para acompanhá-las ao serviço de saúde, quando precisam de atendimento, são mencionados como oferecimento de suporte social, por vínculos apoiadores efetivos, que se mostram disponíveis a ajudar e a estar junto da criança para que enfrente com menos dificuldades a condição crônica

A mãe dela [criança do desenho] dá banho nela. [...] faz comida para ela, leva ela para a escola. [...] leva ela para o médico, [...] em qualquer lugar que ela esteja, a mãe dela vai ajudar (Cinderela - 7 anos); a minha prima, [...] ela que me levava para o hospital. Quando era para longe quem me levava era minha mãe, mas para outros [hospitais da cidade onde reside], ela [prima] que me levava (Rapunzel - 11 anos).

A participação efetiva da família nos cuidados dispensados cotidianamente a uma criança com enfermidade crônica é essencial. A atitude proativa é uma forma de facilitar o enfrentamento da doença crônica na infância, porque promove o atendimento das demandas que vão surgindo. A percepção do apoio recebido pela criança para a continuação do tratamento abrange diferentes dimensões. A ação de proporcionar condições para a ida à capital do estado para as consultas médicas, que acontecem rotineiramente na condição crônica, também é apontada como um suporte social.

Ele [padrasto] pega o carro do irmão dele, a gente vem [hospital], eu, ele e minha mãe (Rapunzel - 11 anos); na prefeitura, eles dão o transporte [para ida às consultas]. [...] o ônibus, eles mandam trazer todas as pessoas doentes para cá [capital do estado]. [...] acho legal está salvando as pessoas (Peter Pan - 11 anos).

O impacto financeiro trazido pela doença repercute, comumente, no agravo da situação vivenciada, e uma das dificuldades na condição crônica é o aumento dos custos direcionados ao transporte para a realização do tratamento.1717.Golics CJ, Basra MKA, Salek MS, Finlay AY. The impact of patients chronic disease on family quality of life: an experience from 26 specialties. Int J Gen Med. 2013 Sep; 6:787-98. As crianças percebem essa necessidade e o suporte recebido para sua minimização. Por isso é relevante que exista sempre uma fonte de apoio social para minimizar as despesas da família com o tratamento e favorecer o seguimento adequado da terapêutica e a continuidade do cuidado.

O apoio para o acompanhamento ambulatorial não se restringe ao oferecimento do transporte para a ida às consultas, mas também se estende ao apoio emocional por membros da família estendida, como a avó, que, em um ato de amor e de cuidado, auxilia a criança a acordar e lhe dá forças para levantar e enfrentar as adversidades, como viagens longas e desconfortáveis

[avó] me acorda toda vez que eu venho para cá [capital do estado]. [...] ela pega minha mão, depois eu me levanto. [...] fico tranquila (Bela - 6 anos); meu tio me traz [para as consultas na capital do estado] com a minha mãe e com a minha avó, minha avó entra comigo, fica cuidando das minhas coisas, quando eu vou consultar com a doutora. [...] minha avó vem atrás [no carro] comigo, fazemos muitos planos, eu deito no colo dela e durmo. [...] algumas vezes ela canta (Branca de Neve - 8 anos).

Quando o apoio familiar é satisfatório, gera ânimo e conforto, causa bem-estar e melhora a qualidade de vida.1414.Santos MA, Alves RCP, Oliveira VA, Ribas CRP, Teixeira, CRS, Zanetti, ML. Representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento. Rev Esc Enferm USP. 2011 Jun; 45(3):651-8. Uma conversa, um toque, um carinho, um colo são demonstrações de afeto que beneficiam a vida das crianças, porquanto podem suprir suas singulares demandas de cuidado. Os planos para o futuro precisam continuar fazendo parte da vida delas, porque as movem e dão energia para enfrentarem o problema de saúde com o qual terão que conviver. Esse tipo de apoio é essencial para que as crianças em idade escolar se sintam encorajadas nesse processo.

O apoio emocional dos pais, especialmente da mãe, conforta, satisfaz e traz bem-estar e felicidade para a criança. Quando expressões de força, consolo e tranquilidade são oferecidas, a esperança é renovada, e ela se fortalece para continuar a conviver com a doença, enfrentando qualificadamente as implicações que lhe são impostas.

A mãe dá força, [...] fica perto dele [criança do desenho], conversando com ele, segurando na mão dele, ajudando ele a se acalmar. [...] ajuda ele a se sentir melhor. [...] não fica assustado e melhora dessa tristeza (Chico Bento - 11 anos); a mãe dele [criança do desenho] estava sempre do lado dele [...]. Ela dizia a ele que ia passar a dor que ele estava sentindo. [...] ele ficava melhor, porque ajudava a passar o que ele estava sentindo. [...] se sentia mais alegre. [...] ele achava que não ia morrer mais e achava que a mãe dele era um anjo, que estava protegendo ele para ele não morrer (Jasmine - 11 anos); a mãe dele [criança do desenho] ajuda ele [...], ficando com ele, cuidando dele, para ele não ficar sozinho [...]. Ele se sente bem, [...] se sente seguro, firme (Aladdin - 8 anos).

Na enfermidade crônica, o apoio emocional é ainda mais importante, devido ao estresse causado pelas alterações impostas pela cronicidade. Nesse contexto, o sentimento de desamparo aumenta, e a necessidade por suporte é evidenciada. O auxílio emocional é considerado benéfico, pois minimiza o sofrimento diante das dificuldades. Sem ele, é muito mais difícil enfrentar a situação de doença, razão por que é necessária a ajuda de pessoas que são consideradas de confiança e que têm um relacionamento afetivo com a criança.1818.Balistieri AS, Tavares CMM. A importância do apoio socioemocional em adolescentes e adultos jovens portadores de doença crônica: uma revisão de literatura. Enferm Global. 2013 Abr; 12(2):399-409.

A atenção singular e a preocupação dispensada pelos membros da rede social, como as amigas da escola, com a alimentação da criança, são reconhecidas como uma maneira de oferecer apoio no enfrentamento da enfermidade.

Elas [amigas da escola] se preocupam comigo, elas dizem: 'come para você não passar mal' [...]. Elas cuidam de mim, dizem: 'não come muito sal, por causa da tua doença' (Rapunzel - 11 anos).

A atitude de solidariedade de uma amiga dá felicidade à criança. Ela [amiga da escola] é a única que não leva doce para a escola para eu não a ver comendo. [...] ela está me ajudando [...]. Eu me sinto mais alegre, porque ela é a melhor amiga (Jasmine - 11anos).

Estudo1919.Sparapani VC, Borges ALV, Dantas IRO, Pan R, Nascimento LC. A criança com diabetes mellitus tipo 1 e seus amigos: a influência dessa interação no manejo da doença. Rev Latino-Am Enfermagem . 2012 Jan-Fev; 20(1):117-25. aponta que os doces que são levados para a escola, trazidos de casa ou comprados pelos amigos, constituem dificuldades para o manejo da doença no momento do intervalo escolar. A oferta e a venda de alimentos saudáveis pelas cantinas escolares em âmbito nacional, de acordo com o que é preconizado pela portaria interministerial, do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, n. 1.010, de 8 de maio de 2006,2020.Brasil. Portaria Interministerial nº 1.010, de 08 de maio de 2006: institui as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional. Diário Oficial da União,09 Mai 2006. ao invés de balas, doces e refrigerantes, reduziriam os desconfortos vivenciados pela criança cuja dieta tem restrições, e estimularia a adoção de alimentação mais saudável para todas as crianças.

O incentivo da família e de outras pessoas significativas da rede social pode reforçar as orientações de saúde recebidas pela criança com doença crônica e promover mais adesão, tanto às recomendações da dieta adequada quanto à terapia medicamentosa.2121.Gomes-Villas Boas LC, Foss MC, Freitas MCF, Pace AE. Relationship among social support, treatment adherence and metabolic control of diabetes mellitus patients. Rev Latino-Am Enfermagem . 2012 Jan-Fev; 20(1):52-8. Auxiliar a criança a seguir uma dieta saudável e adequada para sua enfermidade melhora sua condição de saúde e facilita a sua vivência com a doença, proporcionando-lhe qualidade de vida.

Os amigos também são apontados como membros da rede social da criança, que oferecem o suporte emocional tão necessário para que ela supere as dificuldades com que se depara na trajetória da doença. Nos momentos em que o sofrimento se fazia presente na vida das crianças, os amigos apareciam como fonte de auxílio emocional, capazes de minimizar os sentimentos do momento. Expressões de consolo e de força e as brincadeiras as ajudam a esquecer as implicações impostas pela enfermidade, proporcionam felicidade e melhoram o enfrentamento.

A amizade já é muito [...]. Quando eu sofro, quando eu brinco, [...] elas [amigas da escola] estão sempre lá para ajudar. [...] ficam botando fé [...], brincando, fazendo com que a gente esqueça as coisas [aspectos relacionados à doença], dizendo que tudo vai dar certo. [...] a amizade ajuda a ter mais força, [...] a enfrentar mais [a doença] (Rapunzel - 11 anos); os amiguinhos dele [criança do desenho], [...] consolavam ele. [...] Porque ele sempre vivia a chorar porque não tinha braço, os amiguinhos dele iam lá e ajudavam [...]. Ele se sentia feliz (Jasmine - 11anos).

Existem alguns amigos que compartilham a mesma experiência de doença na infância. Por vivenciar o que a cronicidade lhes impõe, dividem experiências, trocam saberes e sentimentos e colocam-se no lugar do outro como forma de compreender a situação vivida: Tinha uma menina na minha sala, que ela teve uma doença perto dos rins [...]. Para passar o tempo, no intervalo [das aulas], eu contava sobre minha vida, como aconteceu [a doença] e ela falava sobre a dela. [...] Eu me colocava no lugar dela, [...] e ela entendia mais ou menos como era a minha vida (Rapunzel - 11 anos).

A interação entre aqueles que vivenciam situações semelhantes cria um vínculo apoiador, visto que, por meio da percepção, do compartilhamento das experiências e do sofrimento vivenciado, cresce o interesse em auxiliar e cuidar do próximo. Esse processo forma uma rede solidária fortalecida.1010.Di Primo AO, Schwartz E, Bielemann VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm . 2010 Abr-Jun; 19(2):334-2. O apoio emocional de familiares, de amigos, de pessoas que compartilham a mesma experiência e/ou de profissionais de saúde facilita sobremaneira o enfrentamento da condição crônica.1818.Balistieri AS, Tavares CMM. A importância do apoio socioemocional em adolescentes e adultos jovens portadores de doença crônica: uma revisão de literatura. Enferm Global. 2013 Abr; 12(2):399-409.

A criança que vivencia a doença crônica, frequentemente, precisa faltar às aulas. E para evitar prejuízos no rendimento escolar, precisa do apoio dos amigos em relação aos conteúdos e às atividades. Elas são amigas [da escola] que, quando a pessoa precisa, elas ajudam, quando a pessoa falta alguma coisa [aula], elas ajudam, informam o que teve na aula (Rapunzel - 11 anos).

Para minimizar os prejuízos na escolarização de crianças que vivenciam hospitalizações frequentes, a Resolução n. 41/95, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprova os direitos de crianças e adolescentes hospitalizados, dentre os quais se destaca o direito ao acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência no hospital.2222.Brasil. Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995: dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Diário Oficial da União , 17 Out 1995. Apesar da legislação vigente, as crianças nem sempre têm esse direito garantido e dependem dos amigos para acompanharem o conteúdo escolar.

Enfrentar a doença seria bem mais difícil se as crianças acometidas por esse tipo de doença não tivessem a contribuição dos amigos.1919.Sparapani VC, Borges ALV, Dantas IRO, Pan R, Nascimento LC. A criança com diabetes mellitus tipo 1 e seus amigos: a influência dessa interação no manejo da doença. Rev Latino-Am Enfermagem . 2012 Jan-Fev; 20(1):117-25. Eles aparecem como membros efetivos de sua rede social e as apoiam em diversos momentos, para minimizar os efeitos negativos da doença e fazê-las esquecer, ao menos momentaneamente, sua existência. Portanto, os amigos ajudam a criança desviar o foco da doença.

A criança precisa dar continuidade ao seu cotidiano mesmo com a existência da enfermidade. Ela necessita "ser criança", um ser social que se relaciona em diversos ambientes. Seja por meio das atividades escolares, seja por meio das brincadeiras, ela se mantém exercendo ações que lhes são próprias, como brincar. Minha mãe fica brincando comigo [...]. Fico bem, me sinto alegre (Chico Bento - 11 anos); ela [mãe] brinca comigo. [...] A gente fica jogando o jogo da velha. [...] eu me sinto bem melhor (Jasmine - 11 anos).

Os profissionais da área de saúde também participam significativamente desse tipo de suporte, transmitindo sentimentos bons, sorrisos e alegria para a criança. Eles (médicos) me ajudam brincando. Eu brinco com eles, eu gosto deles, é bom [...]. Eu brinco de dama, de carrinho [...]. Eu fico alegre, eu me sinto bem, sorrindo (Chico Bento - 11 anos).

O brincar funciona como uma estratégia de estabelecimento de vínculo de confiança entre a criança, o serviço de saúde e seus profissionais.2323.Mello DB, Moreira MCN. A hospitalização e o adoecimento pela perspectiva de crianças e jovens portadores de fibrose cística e osteogênese imperfeita. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Mar; 15(2):453-61. A existência de um ambiente de recreação torna o hospital mais agradável para a criança em idade escolar, porque lhe dá a oportunidade de se divertir, de se descontrair e de se esquecer, por determinado período, da vivência da doença e da internação.2424.Lapa DF, Souza TV. A percepção do escolar sobre a hospitalização: contribuições para o cuidado de enfermagem. Rev Esc Enferm USP . 2011 Ago; 45(4):811-7. Quando está brincando, a criança não vê apenas os aspectos negativos da doença, mas também se esquece, temporariamente, das adversidades e vivencia algo que lhe é próprio, dividindo momentos com outras crianças com experiências semelhantes.

A fé foi considerada uma fonte de apoio, porquanto consola, fortalece e renova a esperança, possibilitando que a criança acredite em sua cura e enfrente a doença com mais serenidade. A fé ajuda ela [criança do desenho] para até hoje não ter morrido, e também para ela não ter desistido. [...] a força para todos os dias acordar e vim para ser furada, para fazer de novo tudo o que fez no dia anterior [...]. Ajuda ela a não desistir, sempre enfrentar, ser mais forte (Rapunzel - 11 anos); Deus, [...] dando força para ele [criança do desenho] continuar vivendo (Jasmine - 11anos).

Um importante apoio social encontrado pela criança é a fé, que ajuda a criança a não se sentir sozinha e a acreditar em sua recuperação e no futuro, com a possibilidade de uma vida normal, em que não haja dificuldades da condição crônica.2525.Vasques RCY, Bousso RS, Mendes-Castillo AMC. A experiência de sofrimento: histórias narradas pela criança hospitalizada. Rev Esc Enferm USP . 2011 Mar 45 (1):122-9. O apoio oferecido por membros da rede social objetiva minimizar as demandas apresentadas no enfrentamento da doença crônica. A escuta qualificada da vivência das crianças é uma forma de os profissionais da saúde conhecerem a singularidade do suporte social em suas vidas. A atenção, a escuta, a troca de conhecimentos e o olhar atento, sincero e paciente dispensados à criança favorecem a criação de um vínculo fortalecido entre ela e os profissionais de saúde e contribuem para a concretização de um cuidado sensível, significativo e efetivo na vivência da doença crônica.

Rede social fragilizada devido à redução do apoio necessário

O caminhar com a enfermidade é difícil de ser vivenciado. Assim, para que as crianças encontrem forças para enfrentar as adversidades, devem receber apoio dos membros de sua rede social, que são efetivamente importantes para elas. No entanto, nem sempre, os elos constituídos dão o apoio social tão necessário no momento vivido.

No momento da definição do diagnóstico, a criança e sua família se deparam com uma situação permeada por experiências, rotinas e terminologias médicas totalmente novas em seu contexto de vida. Ao buscar o serviço de saúde, necessitam de apoio informacional para compreender o momento vivenciado. No entanto, mesmo com inúmeras demandas de informação e cuidado, a única conduta adotada pelos profissionais da saúde citados no relato é falar sobre a terapêutica

É que essa criança [do desenho] [...]. Ela tinha diabetes, e ela não sabia o que era isso, nem a mãe. Foram para um posto médico, [...] perguntaram sobre todas as ajudas. [...] Disseram [profissionais de saúde] que a insulina é o melhor método para controlar a diabetes, só isso (Peter Pan - 11 anos).

Os profissionais de saúde responsáveis, por informar à criança e à família o diagnóstico de uma doença crônica, devem demonstrar sensibilidade em relação ao sofrimento vivenciado. Para isso, precisam promover espaços de escuta, de diálogo, de esclarecimento de dúvidas e ser receptivos e compreensivos diante das reações expressas.2626.Dantas MAS, Collet N, Moura FM, Torquato IMB. Impacto do diagnóstico de paralisia cerebral para a família. Texto Contexto Enferm . 2010 Abr-Jun; 19(2):229-37.

O vínculo entre as crianças e os profissionais de saúde aparece fragilizado. Em alguns momentos, é incapaz de dar o apoio que a criança espera receber. O suporte emocional que poderia acontecer durante a realização de procedimentos dolorosos é insuficiente. A criança afirma que a atitude poderia ser contrária à adotada, com conversas e conselhos, respeitando-a em sua singularidade.

Os médicos, as pessoas (profissionais da enfermagem) [...] brigam com ele [criança do desenho], gritam, porque ele não fica quieto. [...] a mãe dele, ela reclama com os médicos, para não gritarem com ele [...]. Ele se sente bem e sabe que ninguém vai maltratar ele [...] [os médicos e os profissionais da enfermagem]. Poderiam ajudar ele, dando conselhos a ele, para ele deixar [que realizem os procedimentos], porque é necessário e ele vai melhorar com isso [...]. Falando com calma, respeitando ele (Aladdin - 8 anos).

As crianças precisam de um cuidado profissional singular e humanizado, que não pode ser fragmentado, tecnicista ou sem diálogo, portanto deve-se considerar sua percepção para a construção de um cuidado ampliado. Ao refletir sobre a atenção à criança hospitalizada, em uma perspectiva integral, os profissionais não podem se limitar às intervenções medicamentosas ou às técnicas de reabilitação.2727.Holanda ER, Collet N. As dificuldades da escolarização da criança com doença crônica no contexto hospitalar. Rev Esc Enferm USP . 2011 Abr; 45(2):381-9. As crianças clamam pela escuta qualificada de suas demandas, pela atenção para o que elas acham que deve ser contemplado em seu projeto terapêutico.

Para que a atenção em saúde seja integral e eficaz, os profissionais devem ser uma fonte significativa de apoio social para as crianças com doença crônica. Nessa perspectiva, é preciso superar a fragmentariedade do cuidado e trazer para o foco das ações suas necessidades psicossociais.

A criança em idade escolar espera contar com o apoio dos seus amigos da escola para enfrentar as imposições da doença, como exames diagnósticos, procedimentos dolorosos e restrições alimentares. Entretanto, algumas vezes, depara-se com demonstrações de bullying, exclusão e isolamento social. Essas atitudes dos colegas a faz sofrer, e isso aumenta ainda mais as dificuldades que a doença impõe.

Eles [amigos da escola] começam a zombar, começam a dizer a todo mundo que a pessoa já fez um monte de exame, essas coisas, e eu não gosto, por isso que eu nunca dividi com ninguém minhas coisas [...]. Não sabem o que a gente sofre [...]. Não sabem o que se passa na nossa vida (Rapunzel - 11 anos); eu acho ruim quando eu vejo os meus amiguinhos [da escola] comendo doce e me chamando de diabética. [...] eu me sentia chateada, porque eu não podia comer doce e eles podiam, e mostravam para mim que podiam. [...] se eles parassem de me chamar de diabética, [...] eu me sentiria bem melhor (Jasmine - 11 anos).

A doença, as frequentes hospitalizações e a autoimagem prejudicada dificultam os relacionamentos das crianças no contexto social em que estão inseridas e, de maneira especial, nas relações com colegas da escola e com profissionais da educação. A escola deveria ser uma das principais fontes de apoio para elas, no entanto, esse constituinte da sua rede social não fortalece o vínculo entre elas, seus colegas e professores, mostrando-se despreparada para atender às reais demandas da criança.2828.Nóbrega RD, Collet N, Gomes IP, Holanda ER, Araújo YB. Criança em idade escolar hospitalizada: significado da condição crônica. Texto Contexto Enferm . 2010 Jul-Set; 19(3):425-33. Acredita-se que intervenções educativas a respeito da enfermidade crônica na escola poderiam transformar essa realidade, pois um de seus determinantes é a desinformação.

As crianças desejam que seus amigos recebam informações sobre sua doença.1919.Sparapani VC, Borges ALV, Dantas IRO, Pan R, Nascimento LC. A criança com diabetes mellitus tipo 1 e seus amigos: a influência dessa interação no manejo da doença. Rev Latino-Am Enfermagem . 2012 Jan-Fev; 20(1):117-25. O contexto demonstra e reforça que é preciso criar programas de educação em saúde para os professores e os colegas de crianças e adolescentes com doença crônica, com a atuação dos profissionais de saúde nas escolas,2929.Schneider KLK, Martini JG. Cotidiano do adolescente com doença crônica. Texto Contexto Enferm . 2011; 20(Esp):194-204. promovendo intervenções educativas para dar informações, reduzir o preconceito e manter um convívio social efetivo.

Independentemente do local - no lar, na escola, no hospital - a criança com diagnóstico de doença crônica precisa sempre receber apoio dos membros de sua rede social, para que possa se fortalecer e receber o encorajamento necessário para enfrentar qualificadamente as implicações da doença.

CONCLUSÃO

Ao longo de sua história com a doença crônica, a criança recebe diferentes tipos de suporte social, como cuidados com a saúde para manter seu bem-estar, brincadeiras que contribuem para tirá-la do foco da doença e que abrem espaço para o mundo do brincar e apoio emocional, instrumental e informacional, com o objetivo de fortalecê-la no cotidiano da vivência com a enfermidade crônica.

Esse suporte é efetivamente oferecido por vínculos fortalecidos que compõem sua rede social, em geral, constituídos pelos familiares, tanto da família nuclear quanto da família estendida e os profissionais da saúde e os amigos, especialmente os colegas da escola. Na percepção de algumas crianças, a fé também é uma fonte significativa de força e de encorajamento para a vivência com a doença. Porém, nem sempre, essa rede se mostrou fortalecida e capaz de oferecer o apoio necessário e satisfatório ao enfrentamento da doença, tendo em vista que alguns possíveis apoiadores, como alguns profissionais da área de saúde e colegas da escola, não se dispuseram a apoiar quando a criança precisou. Isso gerou sofrimento em situações em que ela esperava receber o apoio de que precisava para superar as dificuldades da doença.

Apesar de as crianças participantes deste estudo estarem vivenciando momentos diferentes da doença crônica, algumas com acompanhamento ambulatorial, e outras, hospitalizadas, não houve diferença na percepção do apoio social que recebem, o que indica que não importa onde estejam, suas necessidades de cuidado são singulares e comuns, e elas não podem ficar invisíveis às ações de cuidado.

Os profissionais da saúde, especialmente os da equipe de enfermagem, precisam sensibilizar-se com a temática abordada e direcionar seu olhar para as crianças com doença crônica, ouvindo-as em suas singularidades, pois elas sabem de que precisam e em que momento. Ao abrir espaços para a escuta qualificada, com base em sua percepção sobre o processo saúde-doença, esses profissionais poderão promover reflexões em seu cotidiano de trabalho acerca de estratégias para lhes proporcionar uma assistência integral e ajudá-las a identificar elos em sua rede social que lhes deem o apoio de que precisam para enfrentar qualificadamente a doença e se tornar também componentes efetivos dessa rede de apoio.

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  • 1 Artigo vinculado ao projeto de pesquisa - Rede, apoio social e cuidado em saúde na condição crônica na infância, financiado pelo CNPq, Edital Universal 475841/2010-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2015
  • Aceito
    28 Jun 2016
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