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Umteto u isiqwaga, isto é,a lei é um tirano”: a rebelião zulu nos registros de James Stuart (África do Sul, décadas de 1900-1910)

“Umteto u isiqwaga, i.e. the law is a tyrant”: the Zulu Rebellion in the James Stuart Archives (South Africa, 1900s-1910s)

Resumo:

O artigo analisa os relatos acerca da rebelião zulu de 1906, que ocorreu na região da Colônia de Natal e da Zululândia (atualmente parte da África do Sul), fornecidos por homens falantes de isizulu que se envolveram direta ou indiretamente com as insurgências e que foram registrados pelo funcionário civil e administrador colonial James Stuart entre as décadas de 1900 e 1910. Os testemunhos evidenciam, para além das causas mais imediatas da rebelião, a exemplo da imposição injusta de impostos coloniais, uma percepção da ilegitimidade associada ao governo colonial, em um contexto marcado pela intensificação da exploração de mão de obra e expropriação de terras no interior do sul da África.

Palavras-chave:
África do Sul; Rebelião zulu; James Stuart (1868-1942)

Abstract:

The article analyzes accounts of the Zulu Rebellion of 1906, which took place in Natal Colony and Zululand (present-day South Africa), as provided by isizulu-speaking individuals directly or indirectly involved in the uprisings, and recorded by the civil servant and colonial administrator James Stuart between the 1900s and 1910. The testimonies reveal, beyond the more immediate causes of the rebellion, such as the unjust imposition of colonial taxes, a perception of illegitimacy associated with colonial rule in a context marked by the intensification of labour exploitation and land expropriation in Southern Africa.

Keywords:
South Africa; Zulu Rebellion; James Stuart (1868-1942)

Introdução

Entre janeiro e junho de 1906, a Colônia de Natal e a Zululândia (atualmente partes da África do Sul) foram tomadas por uma rebelião composta por homens e mulheres falantes de isizulu que se recusavam a pagar o Poll Tax, um imposto recém-implementado pela administração colonial. As insurgências, que ficaram conhecidas na historiografia como “rebelião zulu” ou “insurgências de Bambatha”, em referência a uma de suas principais lideranças, o chefe Bambatha kaMacinza, envolveram ataques às autoridades coloniais e confrontos com as tropas policiais, resultando na prisão, captura e degredo de diversas das suas lideranças, além da morte de milhares de envolvidos direta ou indiretamente nos conflitos. Subjacente às causas das insurgências, estavam os impactos de décadas de exploração colonial na região, que envolviam a invasão do território zulu e expropriação de terras, perda de sua autonomia política, exploração da mão de obra nativa e imposição de impostos coloniais.

Naquele período, o administrador colonial e linguista James Stuart (1868-1942) registrou por escrito, intercalando passagens em inglês e em isizulu, centenas de conversas e testemunhos fornecidos por homens e mulheres falantes de isizulu. Essas narrativas, construídas a partir de redes intergeracionais de transmissão oral, forneciam interpretações dos processos de construção histórica das redes de poder e identidades políticas em uma vasta região localizada entre os rios Thukela, Mfolozi e Phongolo desde o início do século XIX, e que resultaram na consolidação do centro de poder zulu. Simultaneamente, muitas das conversações entre Stuart e seus interlocutores diziam respeito a problemáticas contemporâneas, tematizando, nesses registros, os contextos sociais, políticos e culturais concernentes à rebelião zulu de 1906. Desse modo, o conjunto desses documentos, que constituem o James Stuart Archives,1 1 Conforme Hamilton (2011), o acervo de J. Stuart, composto por centenas de entrevistas e notas, foi doado por sua viúva, na década de 1940, à pesquisadora africanista Killie Campbell. Mais tarde, o acervo foi incorporado à University of KwaZulu-Natal, e desde a década de 1970 as entrevistas têm sido editadas e publicadas por John Wright e Colin B. De Webb. Este artigo utiliza-se das transcrições das entrevistas. possibilita uma investigação atenta às “zonas de contato” (Pratt, 1999PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: Edusc, 1999.) geradas a partir do colonialismo, especialmente por remeter às dimensões interativas dos encontros coloniais entre europeus e africanos.

O objetivo principal deste artigo incide sobre a análise de algumas das conversações e testemunhos registrados por James Stuart no que se refere aos sentidos atribuídos à revolta zulu de 1906STUART, James. A history of the Zulu Rebellion, 1906. Londres: Macmillan, 1913., sobretudo nos quadros explicativos fornecidos por homens como Socwatsha kaPhaphu, Nkantolo e Tomu kaMankaiyana. Longe de observar a rebelião zulu como um movimento irracional ou “bárbaro”, conforme reiteravam os discursos coloniais, os narradores africanos de James Stuart enfatizam um senso de justiça e restauração de uma ordem social ou política esfacelada pelo colonialismo, e certa percepção, compartilhada por muitos dos envolvidos na revolta, da ilegitimidade das ações do governo colonial, sobretudo pela imposição de uma política fiscal arbitrária.

“O povo sente que as leis são um grande fardo”: a rebelião zulu de 1906

Entre novembro de 1902 e maio de 1903, James Stuart, um funcionário civil no Departamento de Assuntos Nativos da Colônia de Natal, encontrou-se por diversas vezes com Ndlovu kaThimuni, um homem de aproximadamente 44 anos e chefe da comunidade zulu na região de Mapumulo, nas fronteiras entre Natal e a Zululândia. Ndlovu kaTimuni era o neto de Mudli kaNkwelo kaNdaba, o qual, nas primeiras décadas do século XIX, se envolveu diretamente no processo de formação e consolidação do centro de poder zulu e com a ascensão de seu chefe fundador, Shaka kaSenzangakhona (1787-1828). Seu filho, Thimuni, foi forçado pelo sucessor de Shaka, Dingane kaSenzangakhona, a migrar para longe do território zulu por volta da década de 1830, e estabeleceu-se em um território que, no início dos anos de 1840, tornou-se a colônia britânica de Natal. Ao longo dos decênios seguintes, e em decorrência de disputas fronteiriças com outros chefes na região de Mapumulo, Thimuni e sua linhagem foram forçados a estabelecer-se em uma pequena área, assujeitando-se à autoridade colonial em seu sistema de governo indireto, sob crescente pressão de demanda por mão de obra e ao pagamento de impostos coloniais (Hamilton, 2021HAMILTON, Carolyn. Recalibrating the deep history of intellectual thought in the KwaZuluNatal Region. In: BROODRYK, Chris. Public intellectuals in South Africa. Joanesburgo: Witts University Press, 2021.).

Stuart registrou por escrito as várias interações que teve com Ndlovu e também com seu irmão, Mhuyi. Em partes dessas conversações, Ndlovu forneceu relatos, possivelmente transmitidos de geração em geração, sobre as reconfigurações políticas que levaram à consolidação do poder zulu nas primeiras décadas do século XIX. Em conversações posteriores, Ndlovu debateu com Stuart acerca de problemas decorrentes da expansão colonial e da ação missionária em Natal: na perspectiva de Ndlovu, “o povo sente que as leis [coloniais] são um grande fardo, e são incapazes de encontrar os meios para atender às várias demandas feitas pelo governo. Ele [o povo] não compreende as [...] leis - impostos razoáveis e que sejam razoavelmente exigidos”2 2 Tradução livre. Esta e as demais traduções de trechos citados ao longo do artigo são de responsabilidade do autor. (Stuart, 1986, p. 201). Em outras ocasiões, ainda afirmou que “o estado atual da situação transformou-os [os nativos] em camundongos. Se uma política que permitisse [ao povo] cuidar de seus próprios assuntos fosse concedida, o povo seria capaz de suportar qualquer fardo, o quão grande fosse, já que eles teriam pleno conhecimento do que estão fazendo” (p. 207). Cerca de três anos mais tarde, nos primeiros meses de 1906, Ndlovu, que acreditava que “umteto u isiqwaga, isto é, a lei é um tirano” (p. 207), envolveu-se nos ataques contra o governo colonial que ficaram conhecidos como “insurgência de Bambatha” (Marks, 1970MARKS, Shula. Reluctant rebellion: the 1906-08 disturbances in Natal. Oxford: Clarendon Press, 1970.), “rebelião Zulu” (Stuart, 1913; Thompson, 2003THOMPSON, Paul. The Zulu Rebellion of 1906: the collusion of Bambatha and Dinuzulu. The International Journal of African Historical Studies, v. 36, n. 3, p. 533-557, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3559433 . Acesso em:11 jan. 2023.
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) ou ainda “rebelião da Poll Tax” (Hadebe, 2007HADEBE, Muzi. Pleading for clemency through poetry: discursive issues in the 1906 Poll Tax Rebellion. Bloomingtom: Indiana University, 2007. (Manuscrito). Disponível em: Disponível em: https://phambo.wiser.org.za/files/seminars/Hadebe2007.pdf . Acesso em:12 jan. 2023.
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).

A historiografia sul-africana tem apontado a aprovação da Poll Tax em setembro de 1905, além de outros fatores, como uma das causas imediatas para os movimentos insurgentes na região da Zululândia e da Colônia de Natal em 1906 (Marks, 1970MARKS, Shula. Reluctant rebellion: the 1906-08 disturbances in Natal. Oxford: Clarendon Press, 1970.). Com a promulgação desse imposto, uma taxa anual de £1 seria cobrada de todos os homens maiores de 18 anos, e que não estivessem isentos pelo pagamento do Hut Tax (imposto de palhota), de 14 xelins anuais, pago por homens casados para cada cabana sob sua responsabilidade. A despeito de protestos verbais mobilizados por chefes de povoações falantes de isizulu, o imposto estava previsto para ser coletado no final de janeiro de 1906 e resultou em diversos conflitos entre chefes e comunidades que se recusavam a pagá-lo e as tropas coloniais (Redding, 2006REDDING, Sean. Sorcery and sovereignty: taxation, power and rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006., p. 91-92).

Conforme Paul Thompson (2013THOMPSON, Paul. Dinuzulu and Bambhata, 1906: an invasion of Natal and an uprising in Zululand that almost took place. Historia, v. 58, n. 2, p. 40-69, 2013. Disponível em:Disponível em:https://www.upjournals.up.ac.za/index.php/historia/article/download/1242/1140 . Acesso em: 10 jan. 2023.
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), a historiografia recente tem delineado pelo menos três fases da rebelião: a primeira fase, entre fevereiro e março de 1906, com ações concentradas no sul da Colônia de Natal, e marcados pelos confrontos entre manifestantes e as forças policiais na região de Richmond, levando ao estabelecimento de um estado de lei marcial e repressão por parte das tropas coloniais (Hadebe, 2007HADEBE, Muzi. Pleading for clemency through poetry: discursive issues in the 1906 Poll Tax Rebellion. Bloomingtom: Indiana University, 2007. (Manuscrito). Disponível em: Disponível em: https://phambo.wiser.org.za/files/seminars/Hadebe2007.pdf . Acesso em:12 jan. 2023.
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). Cerca de mil soldados foram enviados para as áreas insurgentes, o que resultou na destruição de fazendas e colheitas das comunidades acusadas de envolvimento; nos dias seguintes, dezenas de nativos foram presos, julgados por corte marcial e publicamente executados. Algumas das lideranças do movimento foram capturadas. A segunda fase das insurgências, entre abril e junho de 1906, concentrou-se principalmente na região do rio Thukela, nas fronteiras entre Natal e Zululândia, com participação ativa do chefe Bambatha kaMacinza,3 3 Convém frisar que a historiografia recente (Hadebe, 2007; Redding, 2006; Marks, 1970) tem apontado elementos da trajetória de Bambatha kaMacinza como quadros explicativos para seu envolvimento na revolta: Bambatha, que nasceu por volta de 1861, assumiu a chefatura da linhagem amaZondi em 1890, e esteve em constante conflito com seus vizinhos brancos, especialmente os latifundiários bôeres, resultando em dezenas de acusações criminais e ações civis, especialmente pela falta de pagamento de arrendamento de terras. Poucos meses antes da rebelião, Bambatha foi demitido do cargo de chefe nativo pelas autoridades coloniais, o que contribuiu para intensificar sua insatisfação com o governo colonial. da linhagem amaZondi, que promoveu ataques aos magistrados locais, e posteriormente fugiu para a Zululândia para evitar captura pelas forças coloniais. Bambatha kaMacinza tentava articular outras alianças políticas, retomando certo simbolismo político zulu (como gritos de guerra) e buscando amparo naquele que deveria ser o chefe da linhagem dominante: Dinuzulu kaCetshwayo, filho e sucessor do último inkosi dos zulus, Cetshwayo kaMpande, cuja morte, no início dos anos de 1880, coincidiu com a perda da autonomia política zulu diante dos avanços do colonialismo. Ainda que reduzido à função de chefe local, Dinuzulu tentava reestabelecer-se como autoridade central entre as chefaturas zulus, na contracorrente das decisões do governo colonial, que buscavam firmar um sistema descentralizado de administração sobre o antigo território zulu (Thompson, 2016THOMPSON, Paul. Dinuzulu and the quest for Zulu paramountcy, 1989-1906. International Journal of African Historical Studies, v. 49, n. 3, p. 305-328, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/ 44723411 . Acesso em:11 jan. 2023.
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). Em Nkandla, o chefe Sigananda kaZokufa,4 4 Conforme sumarizado por Habede (2007), no período da rebelião, Sigananda kaZokufa tinha aproximadamente 100 anos de idade e era o inkosi (chefe) da linhagem abakwaShezi, parte da chefatura amaChube, na região de Nkandla. Tratava-se de uma pequena chefatura, porém, com um significado simbólico importante, especialmente por sua longa história com o centro de poder zulu: o avô de Sigananda era aparentado de Shaka, e o próprio Sigananda havia sido incorporado aos regimentos de Shaka na condição de udibi (carregador), e lutou em diversos conflitos em lealdade a Cetshwayo kaMpande. Além disso, os abakwaShezi eram tradicionalmente ferreiros, os principais produtores das lanças utilizadas pela linhagem dominante zulu. A participação de Sigananda na rebelião de 1906 tinha, portanto, um significado simbólico importante, reiterando os vínculos do poder zulu almejados por chefes, como Bambatha. da linhagem amaChube, juntou-se aos rebeldes e, ao lado de Bambatha, declararam lutar em nome de Dinuzulu kaCetshwayo.

Por fim, a terceira fase do movimento, cujas insurgências ocorreram principalmente entre junho e julho no distrito de Mapumulo, em Natal e mobilizaram chefaturas com conexões ancestrais à linhagem dominante dos zulus, muitas das quais derrotadas pelas forças coloniais no início de julho (Thompson, 2013THOMPSON, Paul. Dinuzulu and Bambhata, 1906: an invasion of Natal and an uprising in Zululand that almost took place. Historia, v. 58, n. 2, p. 40-69, 2013. Disponível em:Disponível em:https://www.upjournals.up.ac.za/index.php/historia/article/download/1242/1140 . Acesso em: 10 jan. 2023.
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, p. 40-41). Algumas das principais chefaturas zulus envolvidas nessa etapa, a exemplo de Meseni kaMusi e o supramencionado Ndlovu kaThimuni, haviam anteriormente apoiado as forças colônias na guerra anglo-zulu de 1879, mas, nos decênios seguintes, passaram a questionar a autoridade dos agentes coloniais diante do acirramento da violência (Guy, 2005GUY, Jeff. The Maphumulo Uprising: war, law and ritual in the Zulu Rebellion. Pietermaritzburg: University of KwaZuluNatal Press, 2005.). Como consequência da repressão colonial, estima-se que cerca de três mil a quatro mil africanos foram mortos no conflito; milhares foram presos ou perderam suas terras; e diversas lideranças foram mortas (a exemplo de Bambatha), ou capturadas e condenadas (a exemplo de Sigananda kaZokufa ou Ndlovu kaThimuni). Dinuzulu kaCetshwayo - cuja relação com a rebelião nunca foi estabelecida de forma unânime pela historiografia - foi preso e condenado por alta traição em 1908.

As causas imediatas da revolta estavam vinculadas à imposição de taxas adicionais sobre a população nativa na região em um contexto de crise econômica na Colônia de Natal, principalmente relacionada ao inchaço populacional, à má distribuição das terras e ao aumento do custo de vida nos anos pós-guerra sul-africana (1899-1902). Diante do estado de depressão econômica, os legisladores coloniais optaram por propostas que envolviam tributação adicional sobre a população africana (Barros, 2012BARROS, Antônio Evaldo Almeida. As faces de John Dube: memória, história e nação na África do Sul. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2012.). Nesse contexto, diversas ações foram promovidas pelas comunidades africanas em Natal e na Zululândia com o fito de questionar a exploração colonial das terras e do trabalho, a exemplo da resistência camponesa, como no caso da rebelião zulu de 1906. Assim, as insurgências em Natal e na Zululândia estavam relacionadas a causas mais profundas, derivadas de um longo período de imposição da violência colonial, processos de expropriação de terras e estratégias de controle da mão de obra negra, especialmente a partir das décadas de 1860 e 1870.

Como se sabe, o centro de poder zulu consolidou-se nas primeiras décadas do século XIX, em um contexto marcado por transformações econômicas e sociopolíticas que afetaram uma vasta região ao sul da baía de Maputo (em uma área atualmente ocupada por Moçambique, África do Sul e Essuatíni), e que incluíam a intensificação das relações de comércio, especialmente de marfim e gado, com o litoral, e o aprimoramento de instituições guerreiras baseadas em faixas etárias: os regimentos amabutho que estabeleciam vínculos identitários e redes de interdependência entre chefes das linhagens dominantes e das linhagens secundárias (Eldredge, 1992ELDREDGE, Elizabeth. Sources of conflict in Southern Africa, C. 1800-30: The “Mfecane’ Reconsidered”, The Journal of African History, v. 33, n. 1, p. 1-35, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/182273 . Acesso em:12 jan. 2023.
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; Etherington, 2011ETHERINGTON, Norman. The Greak Treks: the transformation of Southern Africa (1815-1854). Londres: Longman, 2011.). Uma dessas chefaturas a estabelecer sua influência política sobre uma ampla região entre os rios Thukela, Mfolozi e Phongolo foram os zulus, especialmente durante a chefatura de Shaka kaSenzangankhona e seus sucessores, os quais consolidaram-se como um centro de poder político graças a uma série de estratégias que incluíam a submissão militar, a incorporação de outras comunidades (incluindo, em alguns casos, a assimilação de símbolos identitários ou de ancestralidade) ou o assujeitamento voluntário, por meio de uma relação de poder designada de ukukhonza ou khonza, que pressupõe uma aliança embasada na submissão voluntária e na reciprocidade de deveres e direitos (Eldredge, 2014ELDREDGE, Elizabeth. Sources of conflict in Southern Africa, C. 1800-30: The “Mfecane’ Reconsidered”, The Journal of African History, v. 33, n. 1, p. 1-35, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/182273 . Acesso em:12 jan. 2023.
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). Com a expansão colonial na metade do século XIX, sobretudo na colônia britânica de Natal, e principalmente no contexto da descoberta de minas de ouro e diamantes entre as décadas de 1860 e 1870, a autonomia e independência política dos zulus, e, de forma mais específica, a sua experiência guerreira, eram observadas como ameaças pelo colonato branco, envolvido nesse período em litígios territoriais com os zulus, e pela ambição de controlar terras e garantir um fluxo constante de mão de obra negra para os campos de mineração ou para as fazendas.

Naquele contexto, e especialmente com a anexação do território do Transvaal às posses britânicas em 1876, uma série de litígios territoriais com os zulus, principalmente nas fronteiras do rio Buffalo - um afluente do rio Thukela - culminaram, em dezembro de 1878, em um ultimatum enviado pelo governo colonial ao inkosi dos zulus, Cetshwayo kaMpande (1826-1884), e que resultou na guerra anglo-zulu, entre janeiro e julho de 1879 (Chanaiwa, 2010CHANAIWA, David. Iniciativas e resistências africanas na África meridional. In: BOAHEN, Albert Adu(org.). História geral da África, v. VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: Unesco, 2010.). Após uma vitória inicial das forças zulus na batalha de Isandlwana (em janeiro de 1879), a captura e o exílio de Cetshwayo, em julho de 1879, levaram à fragmentação do território zulu e à sua repartição em 13 circunscrições, administradas, em sua maior parte, por chefes que haviam se aliado aos britânicos ao longo da guerra. A partir da estratégia de “dividir para conquistar” - característica das políticas coloniais em implementação na África Austral - e sob a supervisão de um residente britânico, a administração colonial encarregou esses chefes da dissolução dos regimentos amabutho e dos centros de treinamento de guerreiros (amakhanda), além da proibição de importação ou circulação de armas de fogo. Os últimos focos de resistência dos aliados de Cetshwayo foram suprimidos em setembro de 1879, e a autoridade zulu foi descentralizada e dividida entre os 13 chefes designados pela administração colonial britânica (Laband, 2017LABAND, John. The eight Zulu kings. Joanesburgo: Jonathan Ball, 2017.).

No entanto, as chefias designadas pelos poderes coloniais envolveram-se em uma sangrenta guerra civil, o que pressionou a administração colonial a reinstalar Cetshwayo em uma parte do território zulu em 1882. Doravante, novas reconfigurações geopolíticas dividiram o território zulu em três partes: ao norte do rio Black Mfolozi, em uma extensa área administrada por Zibhebhu kaMaphita, chefe da linhagem Mandlakazi; ao sul, entre os rios Thukela e Mhlatuze, uma área de reserva sob a responsabilidade do administrador colonial John Shepstone e governada indiretamente por chefaturas zulus; e, ao meio, uma faixa de terras restituída a Cetshwayo, cercada por forças rivais e hostis, a exemplo dos chefes que foram destituídos com seu retorno (Laband, Wright, 1980LABAND, John; WRIGHT, John. King Cetshwayo kaMpande (c. 1832-1884). Pietermaritzburg: Shuter & Shooter, 1980.). Os conflitos entre Cestshwayo e outros chefes rivais, a exemplo de Zibhebhu kaMaphita e Hamu kaNzibe - chefe da linhagem Ngenetsheni e meio-irmão de Cetshwayo - levaram à fuga e à morte de Cetshwayo em fevereiro de 1884. Aproveitando-se do estado de crise decorrente da guerra civil, os britânicos formalmente anexaram o território zulu em 1887, na condição de Reserva da Zululândia, a qual foi absorvida pela Colônia de Natal em 1897. Convém demarcar também que, ao longo desse período, outras partes do território, totalizando cerca de 2,7 milhões de acres de terras ao norte da Zululândia, foram incorporadas pelos bôeres transvaalenses em troca de apoio militar e reconhecimento da legitimidade de Dinuzulu kaCetshwayo, como sucessor e herdeiro de Cetshwayo, dando origem a uma área independente, nas margens do rio Mfolozi, designada de Nova República (Niewue Republiek).

As experiências das chefaturas zulus em Natal e na Zululândia com o sistema colonial eram sensivelmente diferentes. Conforme apontou o historiador Jeff Guy (2005GUY, Jeff. The Maphumulo Uprising: war, law and ritual in the Zulu Rebellion. Pietermaritzburg: University of KwaZuluNatal Press, 2005.), os chefes de comunidades falantes de isizulu em Natal, colônia britânica desde o início da década de 1840, nunca foram militarmente subjugados pelas forças coloniais, pois, por meio de sistemas de governo colonial indireto, haviam sido incorporados à administração da colônia, ainda que em uma relação fortemente verticalizada com as autoridades coloniais. Em Natal, a autoridade dos chefes era reconhecida pelo sistema colonial, mas, no final do século, suas posições haviam sido reduzidas a de oficiais encarregados de garantir a efetivação das demandas vindas do governo colonial, por exemplo, na cobrança de impostos (Lambert, 1995LAMBERT, John. Betrayed trust: Africans and the State in Colonial Natal. Pietermaritzburg: University of Natal Press, 1995., p. 23). Esse equilíbrio de forças começou a ser rompido nas últimas décadas do século XIX, quando o regime colonial adotou medidas cada vez mais arbitrárias e opressoras, levando muitos chefes zulus em Natal a questionar a legitimidade das autoridades europeias. Outros grupos que, entre 1906 e 1907, envolveram-se nas insurgências, como por exemplo os amakholwa (falantes de isizulu e cristianizados pela ação missionária), também compartilhavam uma percepção crítica do acirramento da violência colonial. No caso da Zululândia, os impactos da invasão colonial a partir da década de 1880 levaram a bruscas reconfigurações de poderes, com a implementação da legislação colonial de Natal, a destituição de chefes tradicionais e a designação de novas chefaturas que colaboraram com os poderes coloniais. A violência envolvida na ocupação colonial da Zululândia também envolveu a proletarização forçada da mão de obra africana, sobretudo pela dissolução dos regimentos de guerreiros e sua transformação em trabalhadores braçais em fazendas ou nas minas, e a imposição de impostos coloniais (Chanaiwa, 2010CHANAIWA, David. Iniciativas e resistências africanas na África meridional. In: BOAHEN, Albert Adu(org.). História geral da África, v. VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: Unesco, 2010.).

Em comum, as comunidades falantes de isizulu em Natal e na Zululândia sofriam, desde meados da década de 1890, de uma delicada situação social e econômica decorrente das epidemias de peste bovina (rinderpest), que causaram a mortandade de grande parte do gado, seja em decorrência da rinderpest ou como medida de prevenção pelas autoridades coloniais, fragilizando suas formas de organização social e econômica. Além do mais, os impactos da guerra sul-africana (1899-1902) em parte dessa região levaram à destruição ou abandono de propriedades e à captura ou morte de gado reminiscente. As pressões econômicas derivadas da expansão da economia colonial levaram milhares de jovens homens adultos a abandonarem suas comunidades e migrarem para outras zonas de trabalho, como campos de mineração ou fazendas, sob condição, mesmo que incerta, de mão de obra migrante e sazonal. Esses fatores deixaram muitas das comunidades zulus na região ameaçadas “e criaram uma grande dose de ansiedade social e privação econômica” (Redding, 2006REDDING, Sean. Sorcery and sovereignty: taxation, power and rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006., p. 95). Desse modo, a imposição da Poll Tax era apenas o mais recente acréscimo a uma série de impostos que, pelo menos desde o final da década de 1840, era cobrada das populações nativas na Colônia de Natal, a exemplo da Hut Tax ou da imposição de trabalho compulsório em obras públicas (isibhalo), considerada por muitos como uma forma de taxação e que recaía pesadamente sobre homens jovens e solteiros (Nxumalo, 2022NXUMALO, Siyabonga. Colonial intrusion and the dispute over leadership of the Nzama People in Kranskop, KwaZulu-Natal, 1880s to 1928. South African Historical Journal, v. 74, n. 3, p. 450-472, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/02582473.2023.2179657. Acesso em: 3 fev. 2023.).

Com a invasão e anexação da Zululândia pelos poderes coloniais britânicos entre as décadas de 1880 e 1890, esses impostos foram estendidos para as comunidades nativas da região. Contudo, a situação da Zululândia no final do século XIX era muito diferente daquela enfrentada pelas chefaturas em Natal na década de 1850, quando foram inicialmente submetidas aos impostos coloniais: além dos fluxos migratórios de homens jovens para outros territórios em busca de trabalho, as populações nativas na Zululândia haviam sido estruturalmente afetadas por uma sequência de conflitos (guerra anglo-zulu, guerra civil, guerra sul-africana) desde o final da década de 1870 (Redding, 2006REDDING, Sean. Sorcery and sovereignty: taxation, power and rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006., p. 97-98). O contexto marcado pela imposição de novos impostos, como a Poll Tax, contribuía para os conflitos intergeracionais nas comunidades falantes de isizulu: afinal de contas, muitos homens jovens ressentiam a obrigatoriedade de pagar a taxa; e os homens mais velhos, muitos dos quais isentos desse imposto por já pagarem a Hut Tax, ressentiam a imposição da Poll Tax porque os mais jovens que migravam para trabalhar fora de suas comunidades não poderiam contribuir com o pagamento da Hut Tax (Thompson, 2003THOMPSON, Paul. The Zulu Rebellion of 1906: the collusion of Bambatha and Dinuzulu. The International Journal of African Historical Studies, v. 36, n. 3, p. 533-557, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3559433 . Acesso em:11 jan. 2023.
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).

Os narradores africanos no James Stuart Archives

Em agosto de 1919, Stuart voltou a encontrar-se com Ndlovu kaThimuni e registrou, por escrito, as falas de seu interlocutor, mormente relatos sobre a vida de Shaka kaSenzangakhona, com atenção especial às circunstâncias de seu nascimento, exílio e retorno à chefatura zulu nas primeiras décadas do século XIX. O aspecto polifônico da documentação fica evidente, na medida em que parte dos relatos fornecidos por Ndlovu kaThimuni eram atribuídos a uma ampla rede formada pela tradição oral - “eu ouvi toda a história de Tshaka de meu pai, Timuni. Tive muitas conversas com ele” (Stuart, 1986STUART, James. Ndhlovu kaThimuni. In: WRIGHT, John; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 4. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 1986. p.198-239., p. 232). Contudo, a sistematização das narrativas transmitidas por Ndlovu também era devedora de uma lista de questões fornecidas, com antecedência, por Stuart, como, por exemplo “o que aconteceu com Tshaka quando Nandi [sua mãe] foi casar-se com Senzangakona? Ele foi ao território zulu? Se não, onde ele ficou?” (p. 231). Oralidade e escrita entrelaçam-se na documentação, evidenciando os pontos de contato entre as tradições poéticas zulus, e as práticas de escrita difundidas pela presença colonial europeia. Notavelmente, e de modo distinto aos registros de 1902-1903, as conversações de agosto de 1919 não fazem referência à insatisfação com o governo colonial, ou à imposição de leis segregacionistas de terras, que começaram a se intensificar após a União Sul-Africana (1910), e Stuart tampouco o indagou sobre seu envolvimento nas insurgências: afinal de contas, Ndlovu kaThimuni foi capturado e condenado, pelo seu envolvimento com as insurgências, à prisão na ilha de Santa Helena, onde outras lideranças envolvidas no movimento foram encarceradas, retornando para a então província de Natal em momento ainda indeterminado. Conforme sumariza Carolyn Hamilton (2021HAMILTON, Carolyn. Recalibrating the deep history of intellectual thought in the KwaZuluNatal Region. In: BROODRYK, Chris. Public intellectuals in South Africa. Joanesburgo: Witts University Press, 2021., p. 34), “em 1919, ambos, Stuart e Ndlovu, estavam muito cientes de que o tipo de deliberações que haviam feito em 1902-1903, não eram tão desejáveis”.

Ndlovu kaThimuni não foi o único testemunho registrado por James Stuart entre as décadas de 1890 e 1920: ao longo do período em que esteve vinculado ao Departamento de Assuntos Nativos de Natal, e mesmo após se aposentar do cargo, Stuart coletou aproximadamente duzentos testemunhos de homens e mulheres falantes de isizulu em Natal e na Zululândia. Segundo John Wright (2019WRIGHT, John. Thununu kaNonjiya Gcabashe visits James Stuart in the big smoke to talk about history, Natalia, v. 49, n. 1, p. 1-12, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.natalia.org.za/Files/49/2%20Article%20Wright%20Thununu.pdf . Acesso em: 22 nov. 2022.
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), Stuart nasceu em Pietermaritzburg, na Colônia de Natal, em 1868. Era filho de um magistrado colonial que atuava na região de Greytown e Ixopo, e recebeu instrução formal em escolas locais e também na Inglaterra. Eventualmente, Stuart tornou-se fluente em isizulu e, em 1888, foi designado intérprete a serviço do magistrado britânico em Eshowe, na Zululândia, que havia sido recém-anexada pelas forças coloniais britânicas. Mais tarde, entre 1894 e 1895, Stuart atuou como intérprete na Suazilândia (na época, protetorado britânico) e, logo em seguida, como magistrado em Ingwavuma, um distrito na Tongolândia, recentemente incorporada à Zululândia. Com a anexação por Natal, Stuart atuou temporariamente como magistrado em diversos centros da Zululândia e Natal: Stanger, Umzinto, Pietermaritzburg, Howick, Mpendle e Ladysmith, e, a partir de 1901, no porto de Durban. Em 1909, foi nomeado para o cargo de secretário-assistente no Departamento de Assuntos Nativos em Pietermaritzburg; porém, com a União Sul-Africana em 1910, o Departamento de Assuntos Nativos de Natal foi incorporado a uma estrutura nacional unificada, e Stuart foi transferido para Pretória, onde permaneceu até se aposentar (Wright, 2019WRIGHT, John. Thununu kaNonjiya Gcabashe visits James Stuart in the big smoke to talk about history, Natalia, v. 49, n. 1, p. 1-12, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.natalia.org.za/Files/49/2%20Article%20Wright%20Thununu.pdf . Acesso em: 22 nov. 2022.
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).

Ao longo desse período Stuart iniciou um projeto que o ocupou durante três décadas: a coleta de testemunhos e informações concernentes à história e aos “costumes” zulus (Wright, 2019WRIGHT, John. Thununu kaNonjiya Gcabashe visits James Stuart in the big smoke to talk about history, Natalia, v. 49, n. 1, p. 1-12, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.natalia.org.za/Files/49/2%20Article%20Wright%20Thununu.pdf . Acesso em: 22 nov. 2022.
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; Hamilton, 2011HAMILTON, Carolyn. Backstory, biography and the life of the James Stuart Archive. History in Africa, v. 38, n. 1, p. 319-341, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41474554 . Acesso em:19 ago. 2019.
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), por meio de entrevistas com homens e mulheres falantes de isizulu, e o registro por escrito, intercalando passagens em inglês e em isizulu, dos relatos fornecidos por seus interlocutores. Conforme destacado em estudo anterior (Silva, 2022SILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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), o projeto intelectual de Stuart estava diretamente vinculado às funções como funcionário civil a serviço do governo: mesmo que crítico de certos aspectos da administração colonial, Stuart entendia que “uma pesquisa sistemática e altamente detalhada voltada para a compreensão dos arranjos políticos nativos” poderia fornecer substratos para “um modelo de domínio e governo colonial” (Cros; Hamilton, 1998CROS, Cynthia; HAMILTON, Carolyn. Interview with Carolyn Hamilton. South Africa Historical Journal, v. 39, n. 1, p. 198-205, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/0258247 9808671340 . Acesso em: 4 set. 2023.
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). Stuart, enquanto parte da estrutura colonial, também compartilhava de preceitos racistas acerca das populações nativas e acreditava que as sociedades africanas ditas “tradicionais” passariam por um processo de desagregação em contato forçado com a sociedade colonial “civilizada”. Isso se devia, na sua interpretação, ao processo de proletarização compulsória da mão de obra africana resultante da expansão colonial, pela fragmentação das autoridades tradicionais (especialmente o sistema de chefaturas fundamentado na lei costumeira vigente em Natal e na Zululândia) e à cobrança de impostos adicionais sobre as comunidades nativas (Hamilton, 2011HAMILTON, Carolyn. Recalibrating the deep history of intellectual thought in the KwaZuluNatal Region. In: BROODRYK, Chris. Public intellectuals in South Africa. Joanesburgo: Witts University Press, 2021.).

No entanto, como demonstrou Wright (2019WRIGHT, John. Thununu kaNonjiya Gcabashe visits James Stuart in the big smoke to talk about history, Natalia, v. 49, n. 1, p. 1-12, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.natalia.org.za/Files/49/2%20Article%20Wright%20Thununu.pdf . Acesso em: 22 nov. 2022.
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), a documentação produzida por Stuart ao longo desse período também permite acompanhar a agência dos homens e mulheres falantes de isizulu e que, por motivações diversas, buscaram o administrador colonial para ter suas histórias (transmitidas oralmente) registradas (por escrito): no caso de Ndlovu kaThimuni, Stuart deixou claro que “este homem me procurou […], sendo direcionado a mim pelo meu velho amigo, Mkando” (Stuart, 1986STUART, James. Ndhlovu kaThimuni. In: WRIGHT, John; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 4. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 1986. p.198-239., p. 198, grifos nossos). Além disso, é preciso também considerar que essas fontes estão entrelaçadas pela força da oralidade nas sociedades nguni ao sul da África, principalmente entre as comunidades falantes de isizulu, nas quais a palavra falada desempenhava um papel fundamental na transmissão das formas de organização sociocultural, sobretudo nos rituais e práticas relacionadas à conformação de suas instituições políticas (Magwaza, 1993MAGWAZA, Thenjiwe. Orality and its cultural expressions in some Zulu traditional cerimonies. Dissertação (Mestrado em Estudos de Literatura e Oralidade), Universidade de KwaZulu-Natal. Durban, 1993.). Por fim, convém demarcar que, das suas conversações, Stuart também registrou um número considerável de izibongo, os “poemas de aclamação”, gênero associado à oralidade entre as sociedades nguni no sul da África e à transmissão de informações referentes às chefaturas e ancestrais das linhagens (Ndlovu, 2017NDLOVU, Sifiso Mxolisi. Africa perspectives on king Dingane kaSenzangakhona, Londres: Palgrave Macmillan, 2017.).

Desse modo, como enfatizado em estudo anterior (Silva, 2022SILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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), os registros feitos por James Stuart entre as décadas de 1890 e 1910 foram produzidos a partir dos entrelaçamentos entre a oralidade e a escrita e das conversações sobre o passado (e o presente), promovidas pelo administrador colonial e seus interlocutores. Trata-se de documentos constitutivos das memórias individuais e coletivas dos sujeitos envolvidos nas conversações, na medida em que os narradores africanos de Stuart transmitiam seus relatos a partir de uma vasta teia de relações com suas comunidades e linhagens, e de transmissão inter e intrageracional, afinal “a memória do indivíduo” depende constantemente das suas relações sociais e experiências coletivas (Bosi, 2016BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 54-55). A partir de um processo de “reconstrução continuamente atualizada do passado” (Candau, 2018CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2018., p. 9), os homens e mulheres falantes de isizulu que deixaram seus testemunhos reelaboravam ou ressignificavam suas experiências, e as experiências de suas linhagens e comunidades, no contato com o poder colonial. Além disso, é preciso considerar esses registros como sintomáticos dos “enquadramentos da memória” (Pollak, 1989POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.fgv.br/reh/article/view/2278 . Acesso em:10 jun. 2023.
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): tanto de James Stuart, a partir dos questionamentos direcionados aos seus interlocutores, e do próprio registro escrito quanto dos africanos que verbalizavam ou silenciavam sobre certos aspectos de sua experiência nas conversas com Stuart.

Em diversas conversações registradas por Stuart entre 1906STUART, James. A history of the Zulu Rebellion, 1906. Londres: Macmillan, 1913. e 1907, as insurgências zulus são tematizadas, possivelmente em busca de quadros explicativos para a rebelião. Ao mesmo tempo, convém indagar sobre os significados políticos atribuídos pelos narradores de James Stuart acerca da revolta, atribuindo sentidos e fornecendo explicações à inssurgência. Tome-se, como título de exemplo, o caso de Socwatsha kaPhaphu, um homem oriundo da linhagem abakwaNgongoma e um dos principais informantes de Stuart ao longo de três décadas (Wright, 2015WRIGHT, John. Socwatsha kaPhaphu, James Stuart, and their conversations on the past, 1897-1922. Kronos, v. 41, n. 1, p. 142-165, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.org.za/pdf/kronos/v41n1/06.pdf . Acesso em:22 nov. 2022.
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). Sabe-se, graças às extensas conversações mantidas entre os dois, que Socwatsha descendia de uma série de comunidades conhecidas coletivamente como abakwaNgcobo, que, para afastar-se do centro de poder zulu, migraram ao sul a partir da década de 1840 e estabeleceram-se na Colônia de Natal. Socwatsha, portanto, passou parte de sua vida em uma reserva nativa em Natal, na região de Inanda, e possivelmente trabalhou na condição de mão de obra migrante.

A partir da década de 1880, Socwatsha ocupou funções vinculadas ao policiamento no território da Zululândia, que, como se viu, havia sido recentemente invadido e anexado pelas forças britânicas. Socwatsha, assim como seu irmão mais velho, Godloza, atuaram como policiais e mensageiros na Zululândia, e adquiriram terras em uma região anteriormente ocupada pela linhagem abakwaNgongoma, nas imediações do rio Nsuze (Wright, 2015WRIGHT, John. Socwatsha kaPhaphu, James Stuart, and their conversations on the past, 1897-1922. Kronos, v. 41, n. 1, p. 142-165, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.org.za/pdf/kronos/v41n1/06.pdf . Acesso em:22 nov. 2022.
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). A região em que Socwatsha se estabeleceu, que correspondia à divisão Nkandla, estava sob a chefatura de Ndube kaQhethuka, da linhagem Magwaza. Outras linhagens estabelecidas na divisão Nkandla incluíam os amaChube, amaCunu, amaZondi, amaDhlomo (Thompson, 2007THOMPSON, Paul. Crossroads of war: the people of Nkandla in the Zulu Rebellion of 1906. Scientia. Militaria, v. 35, n. 2, p. 105-106, 2007. Disponível em:Disponível em:https://scientiamilitaria.journals.ac.za/pub/article/view/39/66 . Acesso em:10 jan. 2023.
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). Foi a partir desse período, no final da década de 1880, que James Stuart e Socwatsha possivelmente tomaram contato, o que resultou em dezenas de conversações registradas pelo administrador colonial nas décadas seguintes, muitas das quais concernentes à história dos abakwaNgcobo em sua relação com o centro de poder zulu. Os primeiros registros, de 1897, consistem em uma lista de regimentos amabutho fornecidos por Socwatsha a Stuart (Stuart, 2014aSILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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, p. 1-2). Em meados de 1906, Socwatsha vivia na região do rio Nsuze quando as forças rebeldes, lideradas por Bambatha kaMacinza, atravessaram a divisão rumo às florestas Nkandla: embora muitos homens e mulheres da região tenham aderido à revolta, Socwatsha permaneceu como uma espécie de intermediário entre as chefaturas locais que não se juntaram à insurgência e as forças coloniais. Posteriormente, no final de 1907, Socwatsha acompanhou, ao lado de Stuart, o contingente responsável pela prisão de Dinuzulu (Wright, 2015WRIGHT, John. Socwatsha kaPhaphu, James Stuart, and their conversations on the past, 1897-1922. Kronos, v. 41, n. 1, p. 142-165, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.org.za/pdf/kronos/v41n1/06.pdf . Acesso em:22 nov. 2022.
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).

Em dezembro de 1906, Socwatsha, acompanhado por outros dois homens, Nkantolo e Tomu kaMankaiyana, forneceu a Stuart sua percepção acerca das causas da rebelião. Na sua explicação, “quando Bambata chegou lá já haviam ocorrido conversas prévias. Quando a Poll Tax foi proclamada, as pessoas ficaram como vespas e disseram ‘Vamos morrer de uma vez (asife kanye)’” (Stuart, 2014aSILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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, p. 51). Além disso, Socwatsha referenciava o processo de divisão e ocupação das terras da Zululândia pelas forças coloniais como outra causa das insurgências, destacando que “nos diziam que o país Zulu pertence à Cidade do Cabo (e lase Kiptawini). Sujeitos a terras privadas e alto aluguel, especialmente homens com muitas cabanas. Kolwa diz, ‘Eles nos encontraram já estabelecidos aqui (ba fike sakile). Aqui é onde nascemos e crescemos” (Stuart, 2014aSILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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, p. 51-52, grifos no original). Socwatsha contextualizava a imposição da Poll Tax como um dos estopins da rebelião, associada ao processo de invasão e expropriação das terras na Zululândia. A menção à “Kolwa”, possivelmente em referência a amakholwa, indicia as insatisfações com os impostos coloniais, que eram compartilhadas pelos grupos cristianizados pela ação missionária, muitos dos quais participaram de forma ativa nas insurgências. Socwatsha ainda informou seu interlocutor que “a Poll Tax é o nomtebe [...]. Você está nos separando de nossas crianças; eles não mais pagarão a Hut Tax por nós. Eles não voltarão, pois abandonaram suas casas (ruzuka) há muito tempo” (Stuart, 2014aSILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637...
, p. 52, grifos no original). Aqui, ao lado dos conflitos intergeracionais produzidos nas comunidades falantes de isizulu como consequência dos avanços da economia colonial e da formação de levas de jovens trabalhadores migrantes que abandonavam seus vilarejos em busca de trabalho, Socwatsha kaPhaphu ainda refere-se ao imposto como “nomtebe”, termo possivelmente derivado de “u-nomtebe” ou “nomtebhe”, cuja tradução literal seria “rainha de formigas brancas”, mas cujo significado, que possui associações com o termo “umu-Hlwa”, utilizado para se referir a “soldados e trabalhadores” (Bryant, 1905BRYANT, Alfred T. A Zulu-English dictionary. Pinetown: Marianhill Mission Press, 1905., p. 439), sugere uma certa compreensão da verticalidade envolvida na imposição do imposto pelo governo colonial.

Outro aspecto que ressalta do relato de Socwatsha kaPhaphu diz respeito aos chefes que se juntaram ao movimento insurgente, e que se recusaram a pagar o Poll Tax, e outros chefes que, mormente após notícias de Dinuzulu ter aquiescido ao imposto, optaram por colaborar com as autoridades coloniais. O destaque incide sobre as ações de Bambatha, o qual teria apoio de comunidades falantes de isizulu que já estavam insatisfeitas, sobretudo com a tomada de terras pelo poder colonial, a mortandade de gado como consequência da rinderpest e a cobrança de impostos. Por isso, afirma que antes mesmo de Bambatha chegar à região de Nkandla, “todas as pessoas, especialmente os jovens (abatsha) e os velhos, e as mulheres, estavam falando” (Stuart, 2014aSTUART, James. Socwatsha kaPapu. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 6. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 2014a. p. 1-207., p. 52, grifos no original): nesses e outros testemunhos coletados por Stuart transparecem referências a conversações e discussões que antecediam a rebelião, sugestivas de insatisfações compartilhadas coletivamente por algumas comunidades em Natal e na Zululândia. Nos relatos de Socwatsha, a ação de Bambatha teve início no distrito de Eshowe, onde “começou por capturar gado em Esitilo […]. Esse gado pertencia a Ndube e o seu povo Magwaza, isto é, aqueles que desertaram (ambuka’d) e correram para o governo em Eshowe” (Stuart, 2014aSILVA, Evander Ruthieri da. Os narradores africanos de James Stuart: a construção do Reino Zulu nos testemunhos de Socwatsha kaPhaphu e Baleka kaMpitikazi (África do Sul, décadas de 1890-1920). Áfro-Ásia, v. 66, n. 1, p. 273-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.9771/aa.v0i66.48637. Acesso em:3 maio 2023.
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, p. 53). A captura de gado fazia parte das relações de poder entre chefaturas zulus pelo menos desde o início do século XIX - o gado era utilizado como forma de pagamento de impostos, enquanto parte das relações de reciprocidade entre linhagens dominantes e dominadas - e diversas expedições de captura de gado estavam diretamente relacionadas ao processo de expansão do poder zulu (Eldredge, 2014ELDREDGE, Elizabeth. The creation of the Zulu Kingdom: 1815-1828. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.). Contudo, nesse caso, conforme evidencia o testemunho, o alvo dos ataques de Bambatha era bem específico: a captura do gado de chefes que colaboravam com o governo colonial e que, muito possivelmente, haviam sido indicados aos seus postos como parte das estratégias de governo indireto implementadas na Zululândia após a anexação.

Pelo menos em parte dessas conversações, Stuart também registrou os testemunhos dos homens que acompanhavam Socwatsha, isto é, Nkantolo e Tomu kaMankaiyana. Com relação às explicações sobre a rebelião fornecidas por Nkantolo - sobre cuja trajetória as anotações de Stuart fornecem pouquíssimas informações - afirmava que a “Poll Tax (£1) somada aos aluguéis das fazendas (imali ya mapulazi)” (Stuart, 2001STUART, James. Nkantolo. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 5. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 2001. p. 133-134., p. 133, grifos no original) haviam sido os estopins da insurgência, mas que, subjacente a esses fatores, havia certa percepção, compartilhada pelos nativos em Natal e na Zululândia, de que o Estado colonial havia fracassado em sua função “tutelar” com a população nativa. Desse modo, Nkantolo afirmava que não havia “ninguém, desde que Somsewu morreu, a quem pudessem correr e relatar suas insatisfações, e, portanto, eles se mantiveram silenciados. Como pode ser que nós, que dizem ser um povo governado, nunca temos a oportunidade de ver e falar com o governo?” (Stuart, 2001STUART, James. Nkantolo. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 5. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 2001. p. 133-134., p. 133). Nkantolo destacava ainda que “nós estaríamos satisfeitos se precisássemos pagar apenas o imposto do governo - 14 xelins [Hut Tax]. […] O problema todo começou por não haver líder (ingqwele) que fale por todo o povo (isizwe sonke). Tudo começou quando Shepstone foi retirado de seu posto” (Stuart, 2001STUART, James. Nkantolo. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 5. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal Press, 2001. p. 133-134., p. 133, grifos no original).

“Somsewu” era uma referência ao administrador colonial Theophilus Shepstone (1817-1893), que foi secretário de Assuntos Nativos em Natal e responsável pela idealização e execução de boa parte das políticas de administração nativa e de governo indireto estabelecido em Natal. Shepstone, que foi uma figura influente na trajetória de Stuart, idealizava o papel paternalista do Estado colonial como uma suposta força civilizadora junto à população nativa, por meio da preservação de seu sistema de chefaturas e pela introdução de elementos aculturadores europeus, como a educação cristã (Ivey, 2008IVEY, Jacob. The white chief of Natal: sir Theophilus Shepstone and the British native policy inmid-nineteenth century Natal. Dissertação (Mestrado em História), University of Central Florida. Orlando, 2008.). Desse modo, ao referenciar Shepstone em sua narrativa, Nkantolo aludia a outro elemento recentemente recuperado pela historiografia referente às insurgências zulus de 1906: o “sistema Shepstone”, baseado em um modelo paternalista de governo da população nativa e que visava garantir certo grau de autonomia aos chefes e acesso a terras para agricultura em troca do pagamentos de impostos, entrou em declínio na virada do século, sobretudo com a ampliação do capitalismo industrial no sul da África, com a imposição de impostos como forma de recuperar a economia em Natal e com a desagregação das comunidades zulus como resultado da migração de jovens para trabalhar nos campos de mineração ou nos latifúndios. Por isso, relatos como os de Nkantolo, tal qual os chefes que procuraram a administração colonial nas vésperas da rebelião para protestar contra a Poll Tax, evidenciavam um “apelo por uma antiga percepção pública de obrigações e expectativas recíprocas. Os chefes sentiam que haviam cumprido suas obrigações” (Redding, 2006REDDING, Sean. Sorcery and sovereignty: taxation, power and rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006., p. 101-102) e esperavam algum tipo de respaldo do governo colonial, sobretudo na isenção da política fiscal, ou pelo menos esperavam não ser afetados pela imposição de novos impostos.

No início de dezembro de 1906, Stuart registrou, por escrito, os relatos de Tomu ka Mankaiyana sobre as causas da rebelião, indicando, nas suas anotações, que estava acompanhado de outros dois homens, Jobongo kaMasuku e Dhlozi kaLanga, cuja presença no documento evidenciam, mais uma vez, o caráter polifônico do registro. Sobre Tomu kaMankaiyana, Stuart apenas anotou que se tratava de um homem abakwaNtuli, de aproximadamente 66 anos, e que pertencia a uma comunidade no norte de Mapumulo sob a chefatura Ngobizembe kaMkhonto, o qual havia sido demitido de seu cargo pelo envolvimento com a rebelião, exilado e condenado ao pagamento de multa em forma de gado bovino e caprino (Hadebe, 2003HADEBE, Moses. A contextualization and examination of the impi yamakhanda (1906 uprising) as reported by J. L. Dube in Ilanga Lase Natal. Dissertação (Mestrado em História), University of KwaZulu-Natal. Pietermaritzburg, 2003.). Sobre seus companheiros, Stuart indica que Jobongo kaMasuku era um homem abakwaXulu, que também vivia na chefatura de Ngobizembe. O terceiro homem, Dhlozi kaLanga, que foi entrevistado diversas vezes desde 1902, tinha aproximadamente 70 anos e era filho de Langa kaGobizembe, o qual foi, nas primeiras décadas do século XIX, incorporado no sistema de regimentos amabutho a serviço de Shaka ou Dingane. Sobre as causas da rebelião, Tomu kaMankaiyana reforçava uma narrativa presente em outros relatos: um senso compartilhado da ilegitimidade do imposto colonial, e a ausência de representação política junto à administração colonial. Contudo, o relato de Tomu kaMankaiyana ainda deixa a ver uma compreensão das reconfigurações socioeconômicas e políticas decorrentes dos impactos do colonialismo nas últimas décadas do século XIX, e que, gradativamente, inviabilizavam os meios de sobrevivência material das comunidades nativas, especialmente a utilização do isibhalo como estratégia para fornecer mão de obra compulsória ou mal paga por longos períodos de tempo. Desse modo, afirma que “nos incomoda termos de pagar a Dog Tax, pois não caçamos mais em lugar algum; fomos proibidos de caçar animais de grande porte. […] Isibalo causa problemas; e isso ocorre o tempo todo. Nós costumávamos trabalhar apenas seis meses […] e agora muitos são convocados o tempo todo” (Stuart, 2014bSTUART, James. A history of the Zulu Rebellion, 1906. Londres: Macmillan, 1913., p. 237, grifos no original).

Desse modo, longe de ser um movimento irracional ou “bárbaro”, como reiteravam os discursos coloniais produzidos no período (Kearney, 2003KEARNEY, J. A. Representing dissension: riot rebellion and resistance in the South African English novel. Pretoria: Unisa Press, 2003.), os testemunhos de Tomu kaMankaiyana e seus companheiros demonstram uma interpretação da desagregação social e econômica provocada pelo colonato branco ou pelo governo colonial, sobretudo por meio das políticas de expropriação de terras ou pela constante demanda de mão de obra jovem, e uma tematização da ilegitimidade representada pelo imposto adicional: conforme afirmou Jobongo kaMasuku na mesma ocasião, “a poll tax serve para nada (ikanda a li sebenzi luto); ela nos incomoda; a hut tax serve para alguma coisa: nós conseguimos ver uma demanda por tal imposto” (Stuart, 2014bSTUART, James. Tomu ka Mankaiyana. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 6. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal, 2014b. p. 237-240., p. 236, grifos no original). Ndlovu kaThimuni, nos seus relatos de 1902-1903, compartilhava de posicionamentos similares, denunciando a arbitrariedade da administração colonial. Além disso, o documento evidencia as dimensões culturais e espirituais relacionadas à rebelião: Jobongu alega que “foi Bambatha quem disse que as balas [das tropas coloniais] não perfurariam aqueles que comerem dos seus remédios” e que “foi dito que deveríamos matar porcos brancos, galinhas brancas, gado branco, e jogar fora amabodwe, nossas panelas de ferro, […] e usar panelas de isoco porque o curandeiro de Bambatha […] iria matar os brancos com trovões” (Stuart, 2014bSTUART, James. A history of the Zulu Rebellion, 1906. Londres: Macmillan, 1913., p. 238). A respeito dessa última informação, Dhlozi kaLanga complementou que “eu não ouvi nada sobre os brancos serem mortos pelo trovão, mas que Bambatha usaria seus unguentos […] e destruiria todos aqueles que estivessem em posse de porcos brancos, gado branco etc.” (Stuart, 2014bSTUART, James. A history of the Zulu Rebellion, 1906. Londres: Macmillan, 1913., p. 239).

Conforme aponta Sean Redding (2005), nos meses que antecederam a rebelião, circulavam rumores de que Dinuzulu havia ordenado o sacrifício de animais brancos ou porcos, frequentemente associado aos europeus; e também a abandonarem as casas construídas em estilo europeu; evitarem as estradas coloniais; e se vestirem com indumentárias tradicionais africanas. Os rumores acerca do sacrifício de porcos ou animais brancos, que foram vistos pelas autoridades europeias como um sinal de revolta e ressentimento contra a população branca na região, podem ter sido interpretados pelas comunidades falantes de isizulu de forma distinta: entre os zulus, havia a crença de que branco, a cor dos ossos empalidecidos sob o sol, era um símbolo dos espíritos ancestrais, os quais exerciam influência sob o cotidiano dos seus descendentes, protegendo-os ou prejudicando-os em certas circunstâncias. Assim, o sacrifício de animais brancos era uma forma comum de apaziguar os espíritos ancestrais, de modo que, em meados de 1905 e 1906, muitas comunidades falantes de isiZulu podem ter compreendido que as catástrofes sociais e naturais vivenciadas no período (como a rinderpest, a perda de terras ou a imposição de impostos coloniais) deviam-se à insatisfação dos ancestrais. Por extensão, os sistemas de crença zulu incluíam a figura do “Senhor-dos-Céus” (iNkosi yaphezulu), que se manifestaria por meio de tempestades de raios e, possivelmente, também precisava ser apaziguado por meio dos sacrifícios de animais (Redding, 2005REDDING, Sean. Sorcery and sovereignty: taxation, power and rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006., p. 106-108).

Com efeito, o relato de Tomu, Jabongo e Dhlozi encerra-se com uma descrição de epidemias de gafanhotos que teriam causado “doença nos campos [de milhete]” e geraram “grande comoção. Eles afirmavam, ‘O país será destruído. Porque é que essa coisa vem, essa coisa que não conhecemos, e que destrói a nossa comida?’” (Stuart, 2014bSTUART, James. Tomu ka Mankaiyana. In: WRIGHT, John Wright; WEBB, Colin de B. (orgs.). The James Stuart Archive of Recorded Oral Evidence Relating to the History of the Zulu and Neighbouring Peoples, v. 6. Pietermaritzburg: University of KwaZulu-Natal, 2014b. p. 237-240., p. 239, grifos no original). Desse modo, é possível que, ao relatar as insurreições para James Stuart, seus interlocutores relacionassem a rebelião de 1906 a fatores que, direta ou indiretamente, poderiam ser atribuídos aos meandros da administração colonial. Seja pelas ações dos revoltosos, como por exemplo a captura de gado de chefes que colaboraram com o governo colonial por meio do pagamento do imposto, seja por meio de ações rituais, como o sacrifício de animais brancos ou rituais de proteção mencionados, cá e acolá, nos testemunhos, a documentação parece indicar que a revolta, longe de ser um movimento relutante ou mera reação à imposição do imposto, constituiu-se em longa data, como resultado do impacto da expansão da economia colonial sobre a população rural falante de isizulu. Além disso, mesmo sem verbalizarem sua adesão ao movimento (ou, como no caso de Socwatsha, que estava a serviço das tropas coloniais), os testemunhos deixam a ver um senso de ilegitimidade relacionado às decisões do governo colonial, e é possível que observassem a rebelião como uma tentativa, por parte de alguns chefes insurgentes e uma massa de adeptos, de restabelecer uma ordem social, política e econômica em processo de esfacelamento pelo avanço do colonialismo.

Considerações finais

A rebelião zulu de 1906, que ocorreu em partes da colônia de Natal e na Zululândia, sobretudo no distrito de Nkandla, foi o resultado cumulativo de uma série de processos de exploração econômica, fragilização política e desagregação social causados pelo avanço colonial. Ainda que o estopim para a revolta tenha sido a imposição e cobrança da Poll Tax em 1906, diversas comunidades falantes de isizulu nessa região já acumulavam queixas e insatisfações com a administração colonial, principalmente a arbitrariedade e a violência crescente envolvida na exploração da mão de obra nativa e na expropriação de terras. Nesse contexto, James Stuart, um funcionário civil a serviço da administração colonial, registrou por escrito os relatos de vários indivíduos falantes de isizulu que, por um motivo ou por outro, envolveram-se direta ou indiretamente com as insurgências.

Em alguns desses casos, como no testemunho de Socwatsha kaPhaphu, tratava-se de indivíduos que faziam parte de comunidades que se juntaram de forma expressiva ao movimento, mesmo que, individualmente, não tenha aderido à rebelião. Socwatsha atuou como uma espécie de intermediário entre as autoridades coloniais e chefes como Ndube kaQhethuka, que não apoiaram explicitamente a rebelião e optaram por pagar o imposto, muito possivelmente porque se tratava de chefaturas designadas pelo governo colonial e cuja autoridade dependia dessa relação de reciprocidade com o governo. Ainda assim, mesmo sem ter se juntado aos rebeldes, o relato de Socwatsha, quiçá construído e informado pelas queixas daqueles que efetivamente aderiram à rebelião, expressava diversos fatores contextuais associados às insurgências: a cobrança do imposto colonial; a expropriação e cobrança de taxas elevadas para uso da terra; a desagregação social ocasionada pela mão de obra migrante e sazonal.

Em outros casos, tal qual nos relatos de homens como Nkantolo, Tomu kaMankaiyana, Jobongo kaMasuku e Dhlozi kaLanga, outros sentidos são atribuídos às insurgências, incluindo um certo senso de ilegitimidade relacionado às ações do governo colonial, seja pela cobrança injusta de impostos, ou pelo que compreendiam como um esfacelamento do papel “tutelar” do Estado para com as populações nativas. Além disso, os registros de Stuart possibilitam investigar as dimensões culturais e religiosas da rebelião, sobretudo o papel de ritos de proteção e de evocação de proteção dos ancestrais; afinal de contas, trata-se de comunidades onde as autoridades política e espiritual estavam fortemente vinculadas, cabendo aos chefes a mediação com as forças ancestrais em busca de proteção e amparo. Se “Umteto u isiqwaga”, ou seja, “a lei é tirana”, conforme descrevia Ndlovu kaThimuni em 1902, muitos dos envolvidos na rebelião podem ter sentido que, naquele momento, o protesto verbal ou a negociação com o governo colonial seriam infrutíferos, recorrendo a atos estratégicos de violência com alvos razoavelmente bem definidos, como forma de resistência aos meandros da truculência colonial.

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    » https://www.natalia.org.za/Files/49/2%20Article%20Wright%20Thununu.pdf
  • 1
    Conforme Hamilton (2011), o acervo de J. Stuart, composto por centenas de entrevistas e notas, foi doado por sua viúva, na década de 1940, à pesquisadora africanista Killie Campbell. Mais tarde, o acervo foi incorporado à University of KwaZulu-Natal, e desde a década de 1970 as entrevistas têm sido editadas e publicadas por John Wright e Colin B. De Webb. Este artigo utiliza-se das transcrições das entrevistas.
  • 2
    Tradução livre. Esta e as demais traduções de trechos citados ao longo do artigo são de responsabilidade do autor.
  • 3
    Convém frisar que a historiografia recente (Hadebe, 2007; Redding, 2006; Marks, 1970) tem apontado elementos da trajetória de Bambatha kaMacinza como quadros explicativos para seu envolvimento na revolta: Bambatha, que nasceu por volta de 1861, assumiu a chefatura da linhagem amaZondi em 1890, e esteve em constante conflito com seus vizinhos brancos, especialmente os latifundiários bôeres, resultando em dezenas de acusações criminais e ações civis, especialmente pela falta de pagamento de arrendamento de terras. Poucos meses antes da rebelião, Bambatha foi demitido do cargo de chefe nativo pelas autoridades coloniais, o que contribuiu para intensificar sua insatisfação com o governo colonial.
  • 4
    Conforme sumarizado por Habede (2007), no período da rebelião, Sigananda kaZokufa tinha aproximadamente 100 anos de idade e era o inkosi (chefe) da linhagem abakwaShezi, parte da chefatura amaChube, na região de Nkandla. Tratava-se de uma pequena chefatura, porém, com um significado simbólico importante, especialmente por sua longa história com o centro de poder zulu: o avô de Sigananda era aparentado de Shaka, e o próprio Sigananda havia sido incorporado aos regimentos de Shaka na condição de udibi (carregador), e lutou em diversos conflitos em lealdade a Cetshwayo kaMpande. Além disso, os abakwaShezi eram tradicionalmente ferreiros, os principais produtores das lanças utilizadas pela linhagem dominante zulu. A participação de Sigananda na rebelião de 1906 tinha, portanto, um significado simbólico importante, reiterando os vínculos do poder zulu almejados por chefes, como Bambatha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2023
  • Aceito
    11 Jan 2024
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