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Ambivalências pretas nas guerras pernambucanas do açúcar: estratégias de colaboração e resistência

Black ambivalences in the Pernambuco sugar wars: collaboration and resistance strategies

Resumo:

Apontar as estratégias de colaboração e de resistência pretas durante as guerras pernambucanas do açúcar em diálogo com as recentes pesquisas sobre classificação sociorracial no mundo colonial é o objetivo do presente artigo. Nas abordagens historiográficas mais clássicas, a participação dos negros no Tempo dos flamengos se resumiu à dimensão da posição dos neerlandeses quanto à escravidão e à catequese. O enfoque nativista lançou as bases da primazia da resistência africana, baseada na emblemática experiência de Henrique Dias e do Terço dos Pretos. Já as associações afro-batavas a nível de colaboração ou cooperação individual com os novos dominadores foram pautas silenciadas pela historiografia. A microanálise da documentação colonial portuguesa e neerlandesa permite recuperar as ambivalências pretas que caracterizam os comportamentos integrados ao conflito luso-holandês.

Palavras-chave:
Guerras pernambucanas do açúcar; Associações afro-batavas; Ambivalências pretas

Abstract:

Pointing out the strategies of collaboration and resistance developed by blacks during the Pernambuco sugar wars in the dialogue with recent research on social-racial classification in the colonial world is the aim of this article. In the most classic historiographical approaches, the participation of blacks in the Time of the Flemings came down to the dimension of the Dutch’s position regarding slavery and catechesis. The nativist approach laid the foundations for the primacy of African resistance, based on the flagship experience of Henrique Dias and the Rosary of the Blacks. On the other hand, Afro-Batavian associations in terms of individual collaboration or cooperation with the new dominators were silenced by historiography. The microanalysis of Portuguese and Dutch colonial documentation allows us to recover the black ambivalences that characterize the behaviors integrated into the Luso-Dutch conflict.

Keywords:
Pernambuco sugar wars; Afro-Batavian associations; Black ambivalences

Introdução

Analisar a participação dos negros durante a dominação holandesa (1630-1654) não se resume ao papel destacado pela historiografia a Henrique Dias, importante liderança, imortalizado como herói da restauração, simbolizando a colaboração dos pretos com os portugueses. Além da resistência exercida pelo Terço dos Henriques, no exame microanalítico da documentação é possível encontrar lealdades afro-batavas.

A historiografia especializada na ocupação holandesa das capitanias do Norte caracterizou a relação dos holandeses com os negros: a princípio, hesitantes em perpetuar a escravidão de africanos, acabaram cedendo diante da necessidade do comércio na produção canavieira (Costa e Silva, 2002COSTA E SILVA, Alberto da. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002., p. 462). De acordo com Alencastro (2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 211): “Asserções ideológicas, econômicas e culturais legitimavam o trato de africanos”.

Aceitada a prática escravagista, os holandeses se tornaram um dos maiores agentes do rentável tráfico transatlântico de escravos vindos da África. Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 184-186) recordou o desejo de alguns holandeses em substituir o trabalho escravo pelo livre na colônia após a conquista. No entanto, a opção escravista foi admitida pelo parecer do Supremo Conselho de 1637: “[...] achamos que seria melhor que os engenhos deveriam ser cultivados por brancos, mas, que não é de se esperar, assim como de Portugal que trabalhadores venham da Holanda. Por isso deveremos usar a mão de obra negra [...]”.1 1 West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 10 out. 2020.

Tão logo os escrúpulos foram postos de lado, nem mesmo a Igreja Reformada se opôs à escravidão. Em 1638, a questão estaria resolvida: a escravidão passou a ser a melhor alternativa usada para alimentar a indústria canavieira. Neste ínterim, a narrativa clássica sobre a participação dos africanos na dominação neerlandesa se refere a uma relação unilateral dos holandeses. Foram, assim, investigados os holandeses em relação à escravidão, a aliança dos flamengos com os negros, o posicionamento da Igreja Reformada em relação à catequese e, principalmente, a resistência dos escravos capitaneada por um pacto com os portugueses.

As alianças tecidas pelos africanos, como escravos ou não, têm sido pauta de investigação nas últimas décadas. Apontar as estratégias de colaboração2 2 Por “colaboração”, considera-se os sinais de adesão, de lealdade ou de submissão, a nível individual, aos neerlandeses como um dos comportamentos característicos de associações afro-batavas durante o Brasil Holandês, tendo como suporte o “colaboracionismo”, chave interpretativa aberta por José Antônio Gonsalves de Mello (2007), melhor sistematizada por Evaldo Cabral de Mello (2007). e de resistência3 3 Por “resistência”, entende-se as formas de oposição desenvolvidas em casos pontuais ou como estratégia coletiva a partir da atuação conjunta em milícias armadas, tendo como referencial a análise que Bruno Romero Ferreira Miranda (2014) faz do exército da Companhia das Índias Ocidentais. de tais atores durante o Brasil Holandês como forma de caracterizar as ambivalências pretas é o objetivo central do artigo, que baseia a análise na documentação colonial portuguesa e neerlandesa. Os casos pontuais devem iluminar a existência de “ambivalência de interesses” dos africanos em meio às guerras pernambucanas do açúcar.4 4 A “ambivalência de interesses”, presente na “constituição psicológica do indivíduo”, baseia-se na categoria de Norbert Elias (1993, p. 146), que entende “a coexistência de elementos positivos e negativos, uma mistura de afeto e antipatia mútuos em proporções e nuanças variáveis”. No contexto colonial em análise, as ambivalências são consideradas em termos de colaboração e de resistência aos holandeses, investigadas nos comportamentos individuais salientes no cruzamento das fontes do período.

Em termos metodológicos, será preciso partir da reflexão sobre o “negro” na discussão historiográfica recente sobre as classificações sociais no mundo ibero-americano, para seguir pela investigação das abordagens clássicas sobre o Tempo dos flamengos, que enfatizam a escravidão e a catequese. Por conseguinte, será investigada a resistência dos pretos enquanto estratégia coletiva, definida a partir da ênfase nativista na experiência do Terço dos Henriques, seguida da análise dos casos de colaboração afro-batava identificados nas fontes do Brasil Holandês.

Classificações sociais: construções sobre o negro no mundo moderno

Para a pesquisa em desenvolvimento, é crucial partir da identificação deste negro que será tanto referenciado nas próximas páginas. Na verdade, trata-se de uma complexa tarefa, uma vez que o termo está sendo usado em conformidade com as fontes do período, que nem sempre prezam por uma precisão conceitual, e com a produção historiográfica recente sobre as classificações sociais no mundo moderno, arena de alentado debate.

No entanto, é possível abrir a discussão a partir da distinção identificada por John Monteiro (1994MONTEIRO, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras , 1994.) entre “negros da Guiné” e “negros da terra”, expressões encontradas na documentação do Brasil quinhentista para diferenciar os escravos africanos dos indígenas. De acordo com Sheila de Castro Faria (2001FARIA, Sheila de Castro. Negros da Guiné. In: VAINFAS, Ronaldo(org.). Dicionário do Brasil Colonial, 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 424-427., p. 424), não há consenso entre os historiadores ou as fontes sobre o termo Guiné, muito utilizado pelos portugueses como sinônimo da “África negra” durante os séculos XV e XVI.

Como lembrou Faria (2001FARIA, Sheila de Castro. Negros da Guiné. In: VAINFAS, Ronaldo(org.). Dicionário do Brasil Colonial, 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 424-427.), o termo “negros da Guiné” trata de uma generalização das designações dos grupos étnicos africanos que foi lentamente substituída nas centúrias seguintes por expressões particularizadas que, na verdade, apontavam menos para a identidade étnica do que para a procedência do porto de embarque ou região de origem.

Segundo a historiadora, houve casos em que as designações exprimiam aparentes semelhanças atribuídas a um grupo de cativos, julgadas pelos colonos, ou resultavam de nomes que os próprios cativos usavam para identificar sua procedência ou nação, caso dos “pretos mina”, assim identificados por provirem da costa da Mina, embora englobassem uma infinidade de povos, entre os quais os de língua ewe, ioruba e fon (Faria, 2001FARIA, Sheila de Castro. Negros da Guiné. In: VAINFAS, Ronaldo(org.). Dicionário do Brasil Colonial, 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 424-427., p. 426). De forma geral, tais estudos enfatizam que oriundos de diferentes reinos da África, ao passarem à condição de cativos no Novo Mundo, mantiveram suas rivalidades e, por isso, valeram-se dos termos como uma forma de identidade étnica.

De maneira inversa, há estudos que ressaltam que as identidades étnicas criadas no cativeiro superaram a diversidade étnico-linguística, isso porque a comunicação precederia a travessia atlântica. Foi o que apontou Robert Slenes (1991-1992) ao sugerir que o termo malungo, que significa “companheiro” e “barco”, em várias línguas da África centro-ocidental, adquiriu sentido, na América Portuguesa, alusivo a companheiro de travessia da kalunga, linha divisória representada pelas águas do rio ou do mar. Nestes termos, o historiador sugeriu que grupos étnicos de língua banto, oriundos da África centro-ocidental, alcançaram níveis de identificação e associação tão próximos que chegaram a formar uma espécie de “proto-nação banto” no Sudeste oitocentista.

Neste debate, Beatriz Mamigonian (2004MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. África no Brasil: mapa de uma área em expansão. Topoi(Rio de Janeiro). v. 5, n. 9, p. 35-53, 2004., p. 39) explicou que as chamadas “nações” que aparecem nas fontes referentes às designações étnicas e de origem, dizem mais a respeito do tráfico ou dos colonizadores do que sobre os próprios africanos. A partir da percepção da identidade como uma construção em constante transformação, não apenas a passagem transatlântica, mas também a experiência escravista nas Américas serviu como ruptura e redefinição das identidades étnicas. Nas palavras da historiadora:

Se, por um lado, não se pode associar diretamente as práticas culturais de um e outro lado do Atlântico, como faziam folcloristas e antropólogos no início das investigações sobre as culturas afro-americanas, também não se pode afirmar que o trauma da travessia atlântica e da escravização tenham apagado os traços culturais de origem dos africanos nas Américas, fazendo-os construir uma cultura mestiça baseada na experiência comum da escravidão somente (Mamigonian, 2004MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. África no Brasil: mapa de uma área em expansão. Topoi(Rio de Janeiro). v. 5, n. 9, p. 35-53, 2004., p. 40-41).

Diante da tentação de não assumir diretamente os etnônimos usados nos dois lados do Atlântico, nem de manter seus significados em regiões e períodos distintos, os historiadores vêm se esforçando por delimitar as fronteiras de identificação étnica por meio das quais são construídas as diferenças entre os indivíduos. Trabalhos como os de Maria Inês de Oliveira (1992OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes. Retrouver une identité: jeux sociaux des africains de Bahia. v.1750-v.1890. Tese (Doutorado em História), Université Paris IV. Paris, 1992.) sobre a construção da identidade nagô na Bahia oitocentista e de Mariza Soares (1998SOARES, Mariza de Carvalho. Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro Setecentista. Tempo(Niterói). v. 3, n. 6, p. 73-94, 1998.) sobre as variações na identidade mina no Rio de Janeiro setecentista exemplificam bem as tendências sobre construção das identidades coloniais.

Quanto ao conceito de raça, por outro lado, as discordâncias historiográficas abrem perspectivas e vieses, por vezes, irreconciliáveis. Sobre o mundo ibero-americano moderno, Bruno Silva (2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020.) recentemente sistematizou três correntes historiográficas distintas seguindo as perspectivas abertas por Ronald Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), a saber: os estudos que percebem raça como um produto da modernidade; os trabalhos que localizam a construção de categorias raciais no século XVIII; e as pesquisas que afirmam ter sido o século XIX a idade clássica do desenvolvimento dos conceitos de raça e racismo.

Para Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), a primeira vertente a ser identificada neste debate é a dos historiadores e cientistas sociais que investigam a questão racial a partir do Oitocentos, afirmando que as “teorias das raças precederam as práticas racistas” (Raminelli, 2015, p. 209). Tais pesquisas percebem uma inadequação da palavra raça com sentido biológico para Antigo Regime, rejeitando este termo para diferenciar os grupos étnicos em prol de concepção nobiliárquica, da ideia de linhagem e de sangue.

Usando as obras de letrados do século XVIII como Buffon, que escreveram sobre a desigualdade a partir da experiência ultramarina como fontes de estudo, tais pesquisadores entendem que a diferença entre grupos étnicos não estava pautada no caráter racial, mas no cultural, nos comportamentos e religiosidades. Neste sentido, Guillaume Aubert (2004AUBERT, Guillarme. The blood of France: race and purity of blood in the French Atlantic world. William and Mary Quarterly(Williamsburg). v. 61, n. 3, p. 439-478, 2004.) defendeu que a sociedade francesa moderna estava baseada nos critérios determinados pelo sangue, única substância capaz de transmitir a nobreza, a vileza, as características físicas e as virtudes (Raminelli, 2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015., p. 210).

Nesta linha, o trabalho de Roxann Wheeler (2000WHEELER, Roxann. The complexion of race: categories of difference in Eighteenth-century British culture. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2000.) aponta um total descrédito à aplicação do termo raça no mundo inglês do século XVIII, justificando que as concepções de cristianismo e civilidade no mapeamento das posições sociais eram mais importantes do que os atributos físicos. Ao entender que, até o século XVIII, a classificação era realizada com base na cultura e não na cor da pele, o caminho desta pesquisa atribui ao desenvolvimento da história natural a responsabilidade pelo surgimento de nova terminologia para a classificação humana durante a Ilustração (Silva, 2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 295).

À segunda corrente historiográfica, segundo Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), pertencem àqueles favoráveis ao emprego de raça para épocas anteriores, dilatando a existência do racismo e o emprego do termo para o mundo moderno. Nesta perspectiva, como a raça estava ligada aos hábitos e à noção da inferioridade atrelada aos costumes dos povos, as práticas racistas teriam aparecido antes da ideia de raça: “[...] na época moderna, a cor preta condicionava os hábitos, embora a ideologia das raças não fosse ainda determinante, o racismo era responsável pela inferioridade dos negros” (Raminelli, 2015, p. 212).

Nesta vertente, a antropóloga e historiadora Audrey Smedley (1993SMEDLEY, Audrey. Race in North America: origin evolution of a worldview. Boulder, CO: Westview Press, 1993.) percebeu o conceito de raça como produto da modernidade, embora a expressão seja relativamente recente na história humana. Bruno Silva (2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 286) explica que o aparecimento do termo raça nas línguas de espanhóis, portugueses, italianos, franceses, alemães, holandeses e ingleses esteve associado à forma de classificação dos seres humanos, o que ocorreu em momento simultâneo ao estabelecimento dos impérios coloniais no Novo Mundo e na Ásia por parte destes grupos.

Neste viés, importa pensar que, se a aplicação generalizada do termo raça tardou a ser usada para classificar as populações humanas, a prática de categorizar povos com estruturas corpóreas distintas já era realizada, ainda que com o emprego de outros termos como povos, sociedades e nações (Silva, 2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 293). Joyce Chaplin (2002CHAPLIN, Joyce. Race. In: ARMITAGE, David; BRADDICK, Michael. The British Atlantic World, 1500-1800. New York: Palgrave Macmillan, 2002.) recuou até a Europa medieval para entender como a categorização dos seres humanos já era realizada, segundo a autora, por meio do critério religioso, de modo que ser ou não cristão determinava o pertencimento ou a exclusão do mundo ocidental.

Deste modo, o mundo moderno já nascera com uma percepção de base racial, na medida em que os grupos humanos já se entenderiam diferentes entre si e passíveis de ser hierarquizados a partir de um binômio superior-inferior. Esta é a proposta de Smedley (1993SMEDLEY, Audrey. Race in North America: origin evolution of a worldview. Boulder, CO: Westview Press, 1993.) ao pensar a ideia de raça como uma visão de mundo repleta de elementos ideológicos, regidos pelas lógicas da separação e da desigualdade.

Criticando as duas vertentes anteriores por não problematizarem as variações históricas da noção de raça, Ronald Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015., p. 214-215) aponta que uma terceira corrente acredita que o racismo não surgiu repentinamente, mas modificou-se ao longo do tempo, assimilando novos elementos. Trata-se da linha seguida por Pierre Boulle (2007BOULLE, Pierre. Race et esclavage dans la France de l’Ancien Régime. Paris: Perrin, 2007.), pesquisador que percebeu que, apesar do predomínio racial estar localizado no chamado “século das Luzes”, tradicionalmente considerado a “idade clássica” da racialização das relações (Silva, 2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 304), sobretudo graças aos vínculos entre ciência e racismo, formas de hierarquia entre os povos e até mesmo o uso do termo raça, ainda que com significados fluidos, podem ser localizados no Antigo Regime.

Ao historicizar a noção de raça, os pesquisadores localizaram nos séculos XVII e XVIII a origem da construção de uma categorização dos povos humanos, sem sustentação biológica, mas como representação da experiência histórica compartilhada da escravidão, portanto, marcada pela expansão europeia e pela conquista de povos ultramarinos (Raminelli, 2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015., p. 215). A este respeito, Robert Jackson (1999JACKSON, Robert. Race, caste, and status. Albuquerque: University of New Mexico, 1999.) apontou para as variações da ideia de raça como artefatos usados na construção do mundo colonial a fim de distinguir colonizadores de colonizados e, por isso, as identidades da América espanhola oscilavam conforme padrões sociais, econômicos e culturais.

Estudando os limites da questão racial no mundo ibero-americano, Douglas Cope (1994COPE, Douglas. The limits of racial domination. Madison: The University of Wisconsin Press, 1994.) indicou que a variação nas denominações de mulato, mestiço, pardo, espanhol e português estava relacionada não apenas à origem social do indivíduo, mas também à sua coloração da pele, ao domínio da língua do colonizador e às relações sociais, fatores fortemente determinantes do enquadramento sociorracial. Na leitura de Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015., p. 216), Cope (1994, p. 50-51) percebeu que as fronteiras entre as raças no mundo colonial eram determinadas mais pela sociedade que pelos aspectos biológicos.

Na América britânica do século XVII, Alden Vaughan (1995VAUGHAN, Alden. Roots of American racism. Oxford: Oxford University Press, 1995.) também identificou, a despeito das imprecisões da ideia de raça, certo tipo de racismo, na medida em que a escravidão, ao hierarquizar brancos e negros, acabou por motivar práticas racistas (Raminelli, 2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015., p. 216). Houve espaço para a coloração da pele nos debates europeus do século XVI acerca dos povos encontrados, sendo ensaiadas explicações para a pigmentação dos africanos, desde as relacionadas ao clima das regiões até as atribuições de punição divina, sempre sobressaindo visões detratoras da cor da pele dos negros.

Foi nesta perspectiva que Bruno Silva (2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 310) defendeu que a cor da pele e o formato do corpo do “homem americano” passaram a ser elementos fundamentais no processo classificatório, de modo que o termo raça foi progressivamente se tornando o vocábulo de referência aos povos de cor diferente devido à degeneração. Houve mesmo uma fusão entre o termo cultura e raça na Europa Moderna. Nas palavras de Silva (2020):

Portanto, o conceito de raça seria uma útil ferramenta para se entender a dinâmica das relações de poder no período Moderno. Os europeus se inventaram como brancos e inventaram os africanos como pretos. Mais tarde, o fizeram com os índios, vistos como vermelhos. O resultado da hierarquia social foi a seguinte: brancos como sempre superiores e negros ocupando o mais baixo patamar da escala (Silva, 2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 322).

Assim, pesquisando os relatos dos viajantes de várias regiões do continente americano, produzidos entre os séculos XVII e XVIII, Silva (2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020., p. 25) demonstrou como raça, nação e tribo serviram de suporte, no contexto americano, para expressar a suposta degenerescência desses povos por possuírem diferentes cores de pele. Na América, o conceito de raça se associou aos caracteres físicos, resultando em um repertório de categorias, com fronteiras fluidas, mas profundamente hierarquizadas.

Sobre a América Portuguesa, a análise sobre o sistema de classificação social e racial vem atraindo olhares de cientistas sociais, antropólogos e historiadores. Porém, não é de hoje que a questão racial no Brasil mobiliza estudos que seguiram, primeiramente, a tendência de perceber as classificações sociorraciais a partir do século XIX para, mais recentemente, examinar a multipolar classificação de cor desde o período colonial.

Neste debate, Lilia Moritz Schwarcz (1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras , 1993.) defendeu que a utilização do termo raça para abranger as classificações sociais baseadas na cor só pode ser pensada para o contexto colonial se o conceito não for tomado como fundamentalmente biológico, como nos séculos XIX e início do XX, mas sim como algo social e ideologicamente construído.

De acordo com Ronaldo Vainfas (1999VAINFAS, Ronaldo. Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. Tempo(Niterói). v. 8, p. 7-22, 1999., p. 501), o racimo vigente no Brasil Colonial “nada tinha a ver com os critérios biologizantes da raciologia científica, mas sim com os critérios de ascendência, sangue, religião típicos do Antigo Regime ibérico”. Deste modo, há fluidez no conceito de raça no decorrer do tempo histórico como: palavra utilizada para aludir ao outro; termo presente nos documentos referente a grupos de linhagem; critérios étnicos adensados ao substrato ideologizante do início do século XX.

De acordo com Vainfas (1999VAINFAS, Ronaldo. Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. Tempo(Niterói). v. 8, p. 7-22, 1999.), a etnologia, centrada nas características físicas e nos aspectos culturais e, depois, a antropologia, que abriu o campo para a perspectiva culturalista, puseram à prova o conceito de raça. Em tempos de paradigma racialista, Raymundo Nina Rodrigues (2010RODRIGUES, Raymundo Nina. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, [1932] 2010.) fez um estudo etnográfico acerca dos grupos culturais que vieram de diferentes partes da África para a Bahia Colonial, enfatizando as diferenças raciais, em obra de 1932. Nesta direção, os primeiros estudos sobre “miscigenação” são pensados em relação aos encontros biológicos e multirraciais que ocorreram na colônia.

Dentro do espectro de uma antropologia mais culturalista, Gilberto Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. rev. São Paulo: Global, [1933]2006.) defendeu que o encontro das raças e culturas resultou na formação de uma sociedade híbrida, repleta de antagonismos, em trabalho de 1933. Por este prisma antropológico, as pesquisas brasileiras fugiram da perspectiva evolutivo-racial, concentrando-se na desracialização do conceito de etnia em prol das identidades culturais, a partir da investigação de temas como costumes, crenças, linguagens e símbolos.

Exatamente por reconhecer a relevância da escravidão apenas na chave de leitura culturalista, Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. rev. São Paulo: Global, [1933]2006.) foi acusado de negligenciar a violência colonial ao esboçar as relações paternalistas entre senhores e escravos. Em via contrária, o viés inaugurado por Caio Prado Júnior (1977), em 1942, imbuído de uma leitura marxista, reconheceu a escravidão, a monocultura e o latifúndio como eixos estruturantes da sociedade colonial. Neste sentido, o historiador interpretou as diferenças raciais como obstáculo histórico na integração da sociedade brasileira, atribuindo à miscigenação a origem da degeneração.

A controvérsia entre a visão de uma escravidão paternalista com mestiçagem positivada versus uma escravidão violenta com detração da miscigenação foi aprofundada na historiografia brasileira em meados do século XX. Do ponto de vista da questão racial, historiadores estrangeiros recuperaram a temática, como o pioneiro Charles Boxer (1992BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, [1969] 1992.) em obra de 1969, ao identificar brancos, cristãos, mouros, negros, índios e hindus como grupos sociais que conviveram de maneira não tão harmoniosa no Império Português.

Evidenciando a violência e a discriminação dos portugueses em relação aos colonizados, o historiador apontou uma mudança na direção das desqualificações por motivos raciais por volta do século XVII, quando passaram a atingir mulatos e negros, além dos descendentes de judeus, mouros e hereges até então atingidos. Seguindo esta linha, Stuart Schwartz (1988SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos. São Paulo: Companhia das Letras , 1988.) indicou a escravidão como mola propulsora do racismo característico da hierarquia social portuguesa no tempo da colonização.

Em obra que verticalizou a abordagem da superioridade racial branca na Igreja e no Estado no Império, Boxer (1967BOXER, Charles R. Relações raciais no império colonial português. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.) ressaltou a vigência de um preconceito de cor, de lugar e de nascimento nos tempos coloniais. De acordo com Diogo Ramada Curto (2013CURTO, Diogo Ramada. The debate on race relations in the Portuguese Empire and Charles R. Boxer’s position. E-Journal of Portuguese History. v. II, n. 1, 2013.), Boxer (1967) analisou a questão com rigor metodológico, mas entrou atrasado no debate racial ao escrever na década de 1960. Nesta via, Curto (2013) reitera que a integração dos africanos coloniais sempre foi muito restrita no seio do Império, cuja estratégia sempre foi de cooptar as elites locais, pois enquanto colocava-se como expoente no Ultramar, mantinha reduzidas as formas de assimilação através de políticas segregacionistas.

De maneira inversa, Alberto Schneider (2013SCHNEIDER, Alberto. Charles Boxer (contra Gilberto Freyre): raça e racismo no Império Português ou a erudição histórica contra o regime salazarista. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 26, n. 52, 2013.) caracterizou a leitura de Boxer (1967BOXER, Charles R. Relações raciais no império colonial português. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.) como antifreyriana na medida em que considerava que a miscigenação não gerou uma essência cultural como efeito. A crítica de Schneider (2013) dirige-se frontalmente à relação entre violência escravista e manifestação do racismo, considerando equivocados o uso dos termos “preconceito de cor” e “raças” para aquele contexto.

Após as contribuições de Boxer (1967BOXER, Charles R. Relações raciais no império colonial português. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967., 1992), o debate acerca da relação entre racismo e escravidão na América Portuguesa continuou nas décadas de 1970 e 1980, com relevo da Escola Sociológica Paulista. Por outro lado, o aprofundamento da discussão sobre hierarquias e racismo coube a Schwartz (1988SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos. São Paulo: Companhia das Letras , 1988.), que investigou a composição original da sociedade escravista colonial, a partir da mistura dos preconceitos de cor aos portugueses de linhagem, o que moldou condições sociais e distinções raciais diversas.

Variadas abordagens foram desenvolvidas na investigação das classificações sociais e raciais da América Portuguesa, a exemplo do trabalho de Larissa Vianna (2007), historiadora que pesquisou os dilemas na construção da identidade parda, apontando para o predomínio das referências religiosas na análise do problema racial.

No caso dos mulatos, Isabel Drumond Braga (2005BRAGA, Isabel Drumond. A mulatice como impedimento de acesso ao “Estado do Meio”. Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Lisboa: Instituto Camões, 2005, p. 1-12.) demonstrou que, no Antigo Regime, a cor era acidental, uma vez que as instituições eram norteadas pela origem. Para a historiadora, o chamado “impedimento da mulatice” foi um instrumento eficaz para construir a estratificação colonial simultaneamente à estigmatização dos mulatos.

Para Francis Dutra (2011DUTRA, Francis. Ser mulato em Portugal nos primórdios da Época Moderna. Tempo(Niterói). v. 16, n. 30, p. 101-145, 2011.), a documentação portuguesa aponta a diferença entre a ausência da “pureza de sangue” e a “falta de qualidade”. De maneira geral, a falta de qualidade, muitas vezes atribuída pela origem gentia, negra ou mulata, não estava diretamente relacionada ao antecedente racial, mas significava, na prática, a ausência da necessária nobreza ou o exercício pregresso de trabalho manual.

Sobre esta temática, Ronald Raminelli (2012RAMINELLI, Ronald. Impedimentos da cor: mulatos no Brasil e em Portugal. c. 1640-1750. Varia Historia (Belo Horizonte). v. 28, n. 48, p. 699-723, 2012.) demonstrou como o impedimento da mulatice se distinguia dos demais impedimentos referentes à identidade religiosa, base de sua argumentação na defesa de que os impedimentos de cor eram mais sociais que raciais. Assim como Francisco Bethencourt (2018BETHENCOURT, Francisco. Racismos: das cruzadas ao século XX. São Paulo: Companhia das Letras , 2018.) recentemente apontou o racismo como relacional identificando diferentes formas históricas do fenômeno, Raminelli (2012) defendeu que as classificações raciais e o racismo no mundo ibero-americano precisam ser contextualizados e investigados a partir de suas variações no decorrer do tempo.

Desta feita, a historiografia sobre o Brasil Colonial, depois de muito debater sobre a questão da mestiçagem cultural a fim de explicar a origem do preconceito pela via das classificações étnicas, têm investido, nas últimas décadas, nas classificações raciais de maneira multidimensional. Na crítica de Achille Mbembe (2017MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2017.), o uso útil do conceito de raça, dirigido aos não europeus, durante muito tempo ocultou a contribuição histórica dos afro-latinos e dos escravos negros na construção dos impérios ibero-hispânicos.

No enfrentamento do problema, as pesquisas sobre o universo colonial têm lidado com as classificações sociorraciais forjadas no contexto de uma sociedade escravista colonial, na qual os rótulos ibéricos foram reinventados a partir da lógica da diferença. Os trabalhos que passam pelo Brasil Holandês como objeto de pesquisa também seguem esta perspectiva recente, tentando descortinar as construções acerca da gente de cor.

Examinando as fontes neerlandesas para tentar entender a representação do negro nas Índias Ocidentais, Paulo Herkenhoff (1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do negro nas Índias Ocidentais. In: Herkenhoff, Paulo(org.). O Brasil e os holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: GMT Editores, 1999, p. 122-159.) talvez tenha sido um dos primeiros a se debruçar sobre as construções sobre o negro no Brasil Holandês. De acordo com o autor, o africano, que simboliza o homem negro na arte ocidental, revela grande dose de perplexidade frente à diferença étnica. Apesar de ser abundantemente retratado em imagens gráficas e pictóricas de Frans Post, Herkenhoff (1999, p. 140) denota que os negros são representados apenas como “peças de engrenagem numa linha de produção”.

Com a ênfase na economia e na sociedade açucareira, os negros estão sempre trabalhando: “Não é outra a função do escravo no regime escravista. Afinal, são trazidos para o trabalho, quase sempre duro” (Herkenhoff, 1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do negro nas Índias Ocidentais. In: Herkenhoff, Paulo(org.). O Brasil e os holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: GMT Editores, 1999, p. 122-159., p. 139). Houve também os casos de africanos retratados como homens e mulheres exóticos por Albert Eckhout em pinturas sobre os “tipos étnicos” das Índias Ocidentais. Herkenhoff (1999, p. 157) explicou que os retratos dos africanos traziam figuras hibridizadas que diziam mais a respeito da cultura europeia do que da realidade africana ou da situação do escravo no Brasil.

Ao analisar o caso particular de Henrique Dias, Hebe Mattos (2001MATTOS, Hebe. A escravidão moderna nos quadros do Império Português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO, João(orgs.). Antigo Regime nos Trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 141-162.) destacou a criação de identidades e hierarquias raciais específicas a partir do século XVII e evidenciou a construção do negro em atividade militar ao lado da resistência portuguesa. Por isso, a historiadora percebeu as ambiguidades do significado da cor preta na colônia, saliente a partir do processo de aumento de pedidos de nobilitação por parte dos membros do Terço dos Pretos, mesmo após o fim das guerras pernambucanas, e o consequente cerceamento da concessão dos títulos por parte da Coroa.

Em análise das Nobrezas do Novo Mundo, Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.) examinou os mecanismos de exclusão social que afetavam os militares pretos. O historiador demonstrou como o Terço dos Henriques e as irmandades funcionaram como canais de criação de laços coorporativos na luta pela sobrevivência na sociedade escravista. Por fim, Raminelli (2015) discutiu suas possibilidades, fossem escravos, fossem forros, de constituírem uma “elite preta” ao ingressarem na hierarquia militar.

Em diálogo com a historiografia sobre as classificações sociorraciais no mundo ibero-americano, no espaço colonial e no contexto do Brasil Holandês, as pesquisas vêm aprofundando reflexões multidimensionais sobre a figura do africano, escravizado ou não, mas que aparece na documentação de maneira genérica como “negro” ou como “preto”, abordagem que se opõe às formas como os homens pretos da colônia aparecem nas narrativas mais consolidadas sobre o período de dominação holandesa.

Abordagens clássicas do Tempo dos flamengos: escravidão e catequese

Na entrada dos holandeses em Pernambuco, o historiador José Antônio Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.) atribuiu à guerra de conquista, na obra Tempo dos flamengos, a consequência da vida colonial desorganizada, afetando principalmente o trabalho nos engenhos. Foram tempos em que campanhistas devastavam o interior, tropas preparavam emboscadas, batalhas foram travadas, engenhos queimados e cidades destruídas.

Neste contexto de confusão generalizada, foi iluminada a presença dos negros fugitivos e a formação de quilombos: “O estado anárquico em que viveu durante os cinco primeiros anos da conquista o interior do país explica o rápido desenvolvimento de vários quilombos, além dos bandos de negros que assolavam toda a colônia” (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 186). Em 1638, o mais famoso quilombo, Palmares, já estava estabelecido e era temido.

Durante o período em questão, vários quilombos5 5 A palavra kilombo remete aos acampamentos militarizados imbangalas, africanos, constituídos pela aliança de jovens guerreiros que negavam as estruturas tradicionais de parentesco e a superioridade dos anciãos (Mattos, 2010, p. 441). e aldeamentos surgiram. Apesar de perceber a relação ente guerra e quilombo, Gonsalves de Mello pouco a explorou, cabendo à historiografia subsequente seguir esse mote de pesquisa. Analisando a “guerra preta”, Hebe Mattos (2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457., p. 439) percebeu que: “[...] a situação de guerra provocada pela ocupação holandesa em Pernambuco fez crescer as fugas de escravos na região, aumentando as populações dos Palmares na serra da Barriga, ao sul da capitania”.

A captura de escravos fugitivos requeria capitães do mato, pagos com altas quantias pelos holandeses. Do ponto de vista do dominador, o oferecimento de prêmios pelo governo holandês era prática comum não apenas em relação aos escravos, mas também aos considerados valiosas peças na guerra. Alguns capitães do mato chegavam a receber soldo equivalente aos soldados holandeses. Quando conseguiam pôr as mãos nos fugidios, as instruções do governo holandês eram claras: aplicação de castigo exemplar.6 6 Isto significa que os escravos fugitivos deviam ser enforcados ou queimados vivos. Cf. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Conselho de Justiça do Brasil ao Conselho dos XIX”, datada do Recife, 1º de outubro de 1644 e outras.

Do ponto de vista do dominado, é possível perceber o protagonismo de escravos chefiando sublevações. Exemplo disso ocorreu com a tentativa de sublevação em Fernando de Noronha, em 1652. O levante foi motivado pela fome que assolava os escravos daquela localidade, destino dos africanos vindos nos navios holandeses após 1645. Assim que notícias chegaram ao governo holandês, houve forte repressão: os responsáveis foram aprisionados e esquartejados vivos em três vilas - Recife, Itamaracá e Fernando de Noronha - para que servissem de exemplo (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 205).

Na abordagem do tráfico de escravos, a historiografia aponta que os holandeses começaram negociando os negros na própria costa africana. Por isso, as primeiras importações originaram-se da Guiné. Contudo, para garantir a volta da estabilidade nos engenhos, Luiz Felipe de Alencastro (2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.) justificou a necessidade de conquistar o outro lado do Atlântico. Era, pois, preciso aos holandeses que estivessem de posse dos territórios açucareiros da América, ter praças fixas na África e montar o circuito transatlântico de compra, transporte e venda dos africanos (Alencastro, 2000, p. 212).

Contudo, montar este aparato para o tráfico não era tarefa fácil. Como abordou Alencastro, o envolvimento da WIC7 7 WIC refere-se a sigla da West-Indische Compagnie, isto é, Companhia das Índias Ocidentais. com as atividades negreiras tardou, pelo simples motivo de que os holandeses não sabiam negociar escravos na África. Tiveram, portanto, de aprender as malícias do tráfico,8 8 Nesta linha, Alencastro (2000) destacou que os holandeses levaram agentes brasílicos e luso-africanos para a conquista de postos africanos, observando, por um lado, a importância destes agentes coloniais, embora enfatizasse a condução dos dominadores, cuja situação colonial, aparentemente, não permite fugir. necessitaram da posse de navios adequados, portos e mercadorias suficientes, contatos acertados e conhecimento da língua portuguesa.

Assim, “Armado o trato dos viventes, os holandeses guiam-se pela prática negreira luso-brasílica” (Alencastro, 2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 213), após conquistar São Jorge da Mina, em 1637, e tomar São Paulo de Luanda, em Angola, em 1641.9 9 Apesar do “conflito entre portugueses e holandeses desdobrar-se dos dois lados do Atlântico”, o domínio holandês em território africano não consta como objeto de análise do presente trabalho (Mattos, 2010, p. 440). Neste mesmo ano, além de Luanda e Benguela, os portos satélites de São Tomé e Ano Bom caíram nas mãos dos holandeses (Alencastro, 2000, p. 214). Apesar das conquistas efetivas, é salientado que os flamengos traficavam em larga escala e com precárias condições, tudo em prol da resolução do grande problema da falta de escravos na Nova Holanda.

Nesta análise, certo protagonismo nassoviano emerge. Se, por um lado, a figura do conde de Nassau é quase mítica nos estudos sobre a dominação holandesa; por outro, é mesmo obrigatório revisitar seu governo e sua política por qualquer análise que se preste a estudar o Brasil Holandês. Assim, surge Nassau interpretado como “príncipe humanista e negreiro”, vale dizer, escravista, como comentou Alencastro (2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 210), pois, neste tempo, foram feitos enormes carregamentos de escravos em navios de pequeno porte, com baixíssima quantidade de víveres e de água disponível.

O resultado foi uma altíssima taxa de mortalidade, que variava entre 20% e 30% (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 188). Em documento de 1644, é explicitada a condição da travessia dos africanos para a América, através da reclamação dos preços de venda dos escravos:

[...] os negros da costa da Guiné não alcançam maiores preços porque, em consequência da longa viagem, chegam mais doentes e mais magros do que os de Angola e muitas vezes por falta de pipas d’água a bordo são obrigados a usar e beber água do mar, em consequência do que muitos são vendidos como sãos e sem achaques vêm a morrer depois, o que é causa de não serem procurados.10 10 West-Indische Compagnie (WIC).Generale Missive ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 1º de outubro de 1644.

É por isso que Gonsalves de Mello afirmou que os navios flamengos usados no tráfico eram “verdadeiros túmulos de pobres negros”. Em vista disso, providências no sentido de tentar reduzir essa alta mortalidade dos navios negreiros foram tomadas, como sugere o diretor da Companhia das Índias em Angola, Pieter Morthamer, em 1643 (Mello, J., 2007, p. 189-191). A sugestão do diretor propunha imitar a prática portuguesa de transporte transatlântico de escravos, recomendação cujo acatamento se desconhece.

A análise dos documentos da época permite perceber que a mortalidade de tais homens a bordo dos navios holandeses, de fato, diminuiu a partir de 1645. A verdade é que se tratava de um comércio muito rentável e holandeses não estariam menos dispostos a perder qualquer peça humana, tal qual os portugueses. Seja como for, a abordagem parece permanecer no nível de ação dos dominadores, com pouco espaço para o protagonismo da gente preta, que não apenas reagia ao contexto neerlandês, como demarcava sua presença através de estratégias de colaboração e de resistência.

Na época nassoviana ainda, considerada fase de relativa estabilidade bélica, a preocupação dos estudos sobre a escravidão a partir de dominadores holandeses parece acompanhar o fluxo de crescimento das próprias taxas do tráfico. Para evitar que os compradores não pagassem pelas mercadorias ou aumentassem suas dívidas, a Companhia das Índias passou a proibir a venda a prazo, determinando que a compra de escravos só poderia ser feita à vista.

Tal decisão foi considerada pelos historiadores como um grave empecilho para o avanço da economia açucareira, uma vez que os lavradores e os senhores de engenho estavam acostumados a pagar as prestações com suas safras. Ao incidir sobre a esfera econômica, a ênfase silenciou espaços de atuação dos escravos na própria economia escravista em prol de uma abordagem clássica enquanto mercadorias.

As relações dos senhores de engenho com os escravos foram apresentadas na ordem unilateral a partir do estudo das fontes legislativas da Companhia das Índias Ocidentais. Assim, o governo flamengo regulamentava que: era permitido certos castigos corporais, como surras com chicote, vara e correia de couro, pôr a ferros ou no tronco, acorrentar pelos pés e pelo pescoço; mas jamais podiam decretar morte, mutilar seus membros ou marcar a fogo, atribuições que caberiam à justiça holandesa.11 11 West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta. jsp. Acesso em: 10 out. 2020.

Como sumarizou Gonsalves de Mello, as condições de trabalho dos escravos eram pesadas, sendo obrigados a trabalhar todos os dias da semana, inclusive aos domingos, do que eram desobrigados entre os portugueses ou os judeus, devido aos seus dias santos.12 12 Havia uma proibição formal do governo holandês do trabalho escravo aos domingos. Contudo, a regra não era respeitada nem pelos flamengos, quanto mais pelos senhores de engenho. Cf. Mello, J. (2007, p. 197). A recusa no cumprimento da ordem do Conselho dos Dezenove, datada de 1635, quanto à liberação dos escravos nos dias de domingo por razões religiosas, foi explicada pela falta de compromisso da Igreja Reformada para com sua instrução religiosa.

Apesar da missão religiosa a ser realizada com os africanos, que previa fazê-los aceitar com boa vontade a escravidão, aponta o historiador que os ministros protestantes não se empenharam na sua catequização (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 198). Neste sentido, o grande propósito dos pregadores reformados esteve direcionado para a moralização da colônia, o que justifica a atenção à questão das uniões e do contato sexual, sempre proibidos entre os holandeses e qualquer população de cor, fossem pretos, fossem índios.

Por isso, as atas dos sínodos e das classes eclesiais são ricas em informação sobre a vida dos escravos africanos, trazendo a existência de famílias escravas constituídas sob o domínio holandês e de matrimônios reconhecidos pela Igreja Reformada, como pesquisou Pedro Puntoni (1999PUNTONI, Pedro. A mísera sorte: a escravidão africana no Brasil Holandês. São Paulo: Hucitec, 1999., p. 164-165). Nesta vertente, sobressai uma abordagem da aliança afro-batava em matéria de casamentos. Acerca da catequese dos negros, temática classicamente abordada, Charles Boxer (1961BOXER, Charles R. Os holandeses no Brasil, 1624-1654. Trad. Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1957] 1961., p. 196) admitiu que:

[...] os holandeses não fizeram tentativas muito pertinazes para converter os escravos ao protestantismo. Esse assunto foi discutido muitas vezes no Consistório Calvinista do Brasil, com a sanção dos Heeren XIX da Europa, mas nada se resolveu de concreto, em parte pela falta de pregadores competentes em português.

De qualquer forma, a instrução religiosa dos africanos foi um projeto do Conselho dos Dezenove dirigido pela Igreja Reformada, embora o Conselho Eclesiástico não tenha respeitado as ordens do governo holandês de modo prático. Além da justificativa mais imediata, isto é, não desviar os escravos do trabalho na lavoura, Gonsalves de Mello desmente a alegação da dificuldade da língua como empecilho para a instrução dos pretos, porque tais dificuldades foram superadas em matéria de catequização indígena.

Ademais, a questão gerava conflito entre o Conselho dos Dezenoves e o Conselho Eclesiástico. Nesta querela de âmbito colonizador, uma vez mais, a abordagem privilegia os dominadores. Decidida a Igreja a cuidar da instrução religiosa, os protestantes pediram que fosse divulgado edital para liberação dos escravos para frequentar a igreja aos domingos, documento que nunca foi publicado. Por outro lado, o governo holandês admitia a necessidade de levar a palavra de Deus aos escravos, mas não aceitava as formas sugeridas pelos pregadores (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 201). Em documento de 1645, aparece o motivo da inércia da Igreja quanto à instrução religiosa dos escravos:

[...] para instruir os negros não achamos ainda alguém que se revelasse capaz disto ou que espere obter algum resultado com a instrução, uma vez que os escravos são todos pessoas de pouca inteligência e sendo empregados em serviços domésticos têm pouco tempo para aprender a ler e a educar-se para, com esse princípio, iniciarem-se na religião cristã [...].13 13 West-Indische Compagnie (WIC).Generale Missive ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 13 de fevereiro de 1645.

Entretanto, em 1645, os projetos foram praticamente abandonados com a eclosão da insurreição. Apesar da ausência de uma diretiva formal, pode-se conhecer iniciativas particulares de catequização dos pretos durante o Brasil Holandês, como a do predicante Vicent Joachim Soler, quem procurava ensinar e batizar as crianças negras. Em comparação, Puntoni (1999PUNTONI, Pedro. A mísera sorte: a escravidão africana no Brasil Holandês. São Paulo: Hucitec, 1999., p. 167) indica a fundação, nesta época, da Igreja Reformada na África, sob a responsabilidade de um predicante do Recife, chamado Nicolau Ketel.

Se a catequização não evoluiu em Pernambuco, parece que houve tentativa, por parte dos artífices neerlandeses empregados da WIC de ensinar aos africanos seus ofícios, segundo determinação do governo holandês. Tal ensino, ao contrário da instrução religiosa, logrou êxito, uma vez que alguns escravos conseguiram a alforria a partir do trabalho no ofício aprendido com os flamengos.14 14 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Conselho dos XIX”, datada do Recife, 10 de maio de 1644.

Assim, ressalta-se a proeminência da análise da “relação dos holandeses com os negros” partindo da instituição da escravidão a qual estavam subjugados e não de alianças verdadeiramente afro-batavas. Isto significa que a historiografia abordada tenderia a ver que eram como escravos que os pretos interagiam com os flamengos. Entretanto, olhar apenas sob esse prisma é enxergar a superficialidade das complexas relações sociais.

É quase unânime a insistência no trato humano que os neerlandeses dariam aos escravos. Boxer (1961BOXER, Charles R. Os holandeses no Brasil, 1624-1654. Trad. Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1957] 1961., p. 162) expõe que os portugueses admitiam que os holandeses tratavam os negros “com mais brandura e compreensão do que eles”, referindo-se a Angola. No tempo de Nassau especialmente, seria a atitude dos holandeses “mais humana, mais sensível e mais profícua”. Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 203-204) endossa: “[...] os holandeses, em geral, trataram os escravos com humanidade [...]”.

Ao comparar a condução de neerlandeses com a de portugueses nos assuntos escravistas, os historiadores seguiam discutindo a falácia de qual regime escravista seria melhor para os escravos. Ademais, o que interpretações deste gênero revelam é uma benevolência piedosa do lado holandês contrastada com a extrema passividade dos pretos.

Por isso, é preciso questionar tais fórmulas, como o binômio benevolência holandesa--passividade negra, que encerram a discussão histórica imobilizando as relações, que foram conflitivas. Isto é, faz-se necessário perceber que não tratavam de relações de um só tipo, privilegiando o aspecto mercantil. Convém investigar como os homens pretos do Brasil Holandês escolheram entre colaborar e/ou resistir a essa dominação.

Um Terço de resistência: a ênfase nativista

Nos meandros do silenciamento da presença africana no Brasil Holandês, uma exceção aparecia com força no discurso historiográfico: a atuação do chamado “Terço da Gente Preta”15 15 O chamado “Terço da Gente Preta” ou “Terço de Henrique Dias” se originou nos primeiros anos das guerras pernambucanas do açúcar contra a ocupação dos holandeses e sua estrutura se assemelhava às guerras pretas angolanas. O terço se manteve em atividade até meados do século XVIII (Mattos, 2007). na resistência aos holandeses. A partir dos discursos nativistas16 16 Amplamente apoiado nas narrativas das crônicas coloniais portuguesas, os discursos nativistas construídos sobre a dominação holandesa desenvolveram-se a partir da própria insurreição pernambucana, forjando a união das raças e dos povos em prol da expulsão de um inimigo comum, o invasor. A construção nativista desenvolveu-se até o século XVIII, limiar do século XIX, envolvendo diferentes momentos, como estudou Evaldo Cabral de Mello (2008). que enfatizavam as lealdades pernambucanas, o estudo da clássica temática da relação dos holandeses com os negros por parte da historiografia tendeu a afirmar uma postura singular, unívoca e diretiva, qual seja, sua resistência aos holandeses.

Grande parte do esforço em sumarizar essa atuação, tratada no singular, deveu-se, sobretudo, aos feitos de um homem em particular: o emblemático caso de Henrique Dias. Negro forro (Mello, 1954MELLO, José Antônio Gonsalves de. Henrique Dias: governador dos pretos, crioulos e mulatos do Estado do Brasil. Recife: Universidade do Recife, 1954., p. 8), natural de Pernambuco, Henrique Dias apresentou-se, juntamente com outros libertos, ao comandante Matias de Albuquerque, em 1633, exatamente na altura da guerra em que os flamengos começavam a avançar na conquista e os portugueses passavam a amargar suas primeiras perdas territoriais.

A primeira ação na qual apareceu Henrique Dias, como capitão de apenas vinte negros, data de julho de 1633, na defesa do Engenho São Sebastião. Na ocasião, Dias foi ferido por uma bala de mosquete (Coelho, 1981COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil pelo decurso de nove anos, começando em 1630 [manuscrito de 1644]. 2. ed. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981., p. 112-113). Em setembro do mesmo ano, agora no comando de 35 negros, enfrentou, sob a autoridade de Francisco de Almeida Mascarenhas, os holandeses comandados por Von Schkoppe, na localidade de Igarassu. Na batalha, recebeu o capitão outro ferimento de mosquetaços (Coelho, 1981, p. 123).

Neste ínterim, pode-se destacar a atuação dos pretos em tropas para lutarem contra os holandeses. A esse respeito, Ronald Raminelli (2011RAMINELLI, Ronald. Élite negra en sociedad esclavista: Recife (Brasil), c. 1654-1744. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [online]. v. 11, p. 45-67, 2011., p. 65) explicou que a atuação nas milícias pretas significava, para os negros e os escravos do Brasil Colonial, uma possibilidade efetiva de ascender socialmente, uma vez que os serviços militares prestados, na maioria das vezes, acompanhavam as promessas de alforria, para os escravos, e as chances de receber mercês e terras como prêmios.

Henrique Dias constitui um terço17 17 A palavra “terço”, segundo o Vocabulário português, de 1712, do padre Raphael Bluteau, designa um termo militar “correspondente ao que os Romanos chamavam Legião e os Alemães e Franceses chamavam Regimento” (Bluteau, 1728, p. 110). de soldados contra os holandeses. Mattos (2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457.) identificou a utilização de escravos em tropas como prática das organizações político-militares da África atlântica, isto é, técnica “largamente incorporada pela experiência militar portuguesa na região” (Mattos, 2010, p. 440). Entre os intercâmbios culturais, pesou a incorporação dos africanos nas guerras pernambucanas e a assimilação das armas como espadas, escudos, arcos e flechas, lanças e azagaias; assim como táticas militares da guerra dita “brasílica”, e negros veteranos da tropa de Dias também foram incorporados na luta pela recuperação de Angola pelos portugueses.

Neste sentido, a historiadora aponta para a incorporação da chamada “guerra preta”,18 18 Nas palavras de Mattos (2010, p. 441): “A presença militar portuguesa em Angola incorporou largamente táticas e forças de organização militares próprias à região”. travadas por exércitos privados, aliados dos portugueses, que incluíam também mercenários e regimentos de escravos que formavam os grupos de combate africanos sob comando de autoridade local, utilizados pelas forças militares portuguesas durante as guerras angolanas.19 19 A presença portuguesa se consolidou, em Angola, com a expulsão dos holandeses e a derrota do rei do Congo na batalha de Ambuíla, em 1665 (Mattos, 2010, p. 455).

Nessa fase do conflito, o capitão dos pretos recebeu cinco ferimentos, em diferentes batalhas. Neste tempo, Dias começou a matar “por suas próprias mãos”, conforme narração do cronista Duarte de Albuquerque Coelho (1981COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil pelo decurso de nove anos, começando em 1630 [manuscrito de 1644]. 2. ed. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981., p. 123). Suas primeiras vítimas foram feitas na luta ocorrida nos arredores dos Apipucos, em dezembro de 1634, quando o Dias matou cinco homens das tropas flamengas.

Em 1636, Henrique Dias recebeu o título de “Governador das companhias de crioulos, negros e mulatos da guerra de Pernambuco”, cuja patente lhe foi entregue três anos mais tarde, com a chegada do conde da Torre.20 20 Patente passada na Bahia, 4 de setembro de 1639. Embora a patente date de 1639, há documentos anteriores que se referem a Dias na qualidade de governador dos negros (Mello, 1954, p. 14). O imbróglio da titulação de Henrique Dias foi estudado por Ronald Raminelli (2015). Efetivamente, o título simbolizou uma ascensão de Henrique Dias dentro das forças luso-brasileiras, passando ao comando-geral da gente preta que servia no exército da resistência. Então, a chefia da companhia dos africanos nas batalhas passou para seu substituto, intitulado Paulo São Feliche.

O processo de militarização das tropas negras, incluindo a hierarquização do comando a partir de títulos e mercês, tornou-se mais evidente no século XVIII, quando as milícias dos Henriques significavam canais para a criação de laços cooperativos entre escravos (Raminelli, 2011RAMINELLI, Ronald. Élite negra en sociedad esclavista: Recife (Brasil), c. 1654-1744. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [online]. v. 11, p. 45-67, 2011., p. 61). Desde as guerras de Pernambuco, os soldados de cor puderam mostrar seu valor para as autoridades coloniais, originando, a partir da atuação de Dias e de seus descendentes, uma importante elite negra e livre que servia como “porta-voz das aspirações e reivindicações” da gente negra do Brasil Colonial.

Em 1644, foram dois capitães de Angola, denominados Antônio Teixeira de Mendonça e Domingos Lopes de Sequeira, à Lisboa oferecendo-se para lutar pela expulsão dos holandeses de Angola. Para comandar a missão, D. João IV convocou o governador dos negros, Henrique Dias, através de carta, cuja passagem destaca a confiança depositada no capitão: “[...] porque espero de vós que com boa vontade vos disponhais a me ir servir nesta ocasião tanto de meu serviço.”21 21 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta Régia a Henrique Dias, Lisboa, 14 de novembro de 1644”, códice 46, fls. 34v.

Assim, D. João IV reconhece a atuação de Dias na defesa do território americano e confere credibilidade ao capitão, desta vez, para o socorro do território africano. Tratava-se da estratégia de contar com a experiência de um veterano capitão para lutar contra o mesmo inimigo. Entretanto, Henrique Dias não teria atendido às ordens do rei, apesar de ter enviado uma companhia de seu terço. A ausência de Dias estaria relacionada com o plano do governador-geral Antônio Teles da Silva de recuperar Pernambuco, empresa restauradora para a qual o capitão já teria sido recrutado (Mello, 1954MELLO, José Antônio Gonsalves de. Henrique Dias: governador dos pretos, crioulos e mulatos do Estado do Brasil. Recife: Universidade do Recife, 1954., p. 28).

A respeito da convocação de Dias, Mattos (2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457.) recuperou a troca de influências:

Se o próprio Henrique Dias não foi a Angola, retido no Brasil por Antônio Teles da Silva e pelos planos de retomada de Pernambuco, não são poucas as similitudes entre a lógica de formação do regimento e as guerras pretas angolanas, o que era explicitamente reconhecido pela nomeação feita por d. João IV (Mattos, 2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457., p. 442).

Além do trânsito de pessoas, o tráfico provocou uma intensa circulação de culturas, haja vista a própria influência das formas tradicionais centro-africanas na organização política de Palmares. De acordo com Mattos, a própria “cultura política dos reinos ambundo-imbangala”22 22 Sobre a influência da cultura política da África centro-ocidental na América Portuguesa, ver: Schwartz (1992, p. 103-136). pode ser pensada como uma chave interpretativa para entender não só a experiência dos quilombos que se desenrolava do outro lado do Atlântico, como também a formação do próprio regimento de Henrique Dias.23 23 De acordo com Gonsalves de Mello (1954, p. 215), o regimento de Henrique Dias era composto de pretos de quatro nações, a saber: “Minas, Ardras, Angolas e Creoulos”.

As autoridades portuguesas incorporaram toda a gente preta, isto é, os escravos e os libertos, às tropas lusitanas à maneira das guerras pretas angolanas, ou seja, a partir da fidelidade das tropas, chamadas de terço, à liderança pessoal de um chefe, Henrique Dias. Tratava-se de uma forma de manter os africanos vivendo como cristãos e sob a obediência portuguesa (Mattos, 2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457., p. 443), fornecendo uma liberdade tutelada do cativeiro.

Entretanto, o uso que os africanos fizeram dessa liberdade deu origem à consequências imprevistas pelas autoridades portuguesas. Muitos aproveitaram o alistamento para demonstrar fidelidade; alguns conheciam as fórmulas administrativas portuguesas para conseguir mercês, como foi o caso de Dias em seus requerimentos; e outros desertavam, procurando ajudar os holandeses.

A narrativa laudatória de Dias por sua resistência acompanhava o aumento do terço durante a insurreição.24 24 Em 1647, a tropa comandada por Henrique Dias somava por volta de trezentos homens. Houve um significativo número de alforrias concedidas pelo próprio João Fernandes Vieira a escravos seus, Minas e Angolas, que lutassem na guerra contra os holandeses (Calado, 2004CALADO, Manoel frei. O valeroso Lucideno e Triunfo da liberdade [manuscrito de 1648]. 5. ed. Recife: Cepe, 2004., v. II, p. 19). Então, o governador dos negros voltou ao campo de batalha em agosto de 1645, participando do ataque à casa-grande do engenho de D. Ana Pais. Da batalha, Dias saiu ferido de uma perna (Calado, 2004, v. II, p. 62-63).

Em maio de 1648, o “Arraial dos Pretos”, nome pelo qual ficou conhecida a estância fortificada por Dias, foi atacado pelos holandeses, imediatamente banidos do local na sequência do ataque. Em fevereiro de 1649, Henrique Dias participou da Segunda Batalha dos Guararapes, quando recebeu a sua oitava ferida em campo. Desta vez, o machucado foi mais sério: “uma pelourada que o atravessou de uma ilharga a outra, de que sua vida correu muito perigo”.25 25 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), códice 83, fls. 266/267 v. Apesar do susto, Dias conseguiu sobreviver.

A partir da resistência de Henrique Dias e dos soldados de seu terço aos holandeses, o próprio episódio da Restauração de Pernambuco foi ressignificado, constituindo-se uma brecha para os pretos saírem do cativeiro, no caso dos escravos, ou, distanciarem-se de sua origem, no caso dos libertos, devido aos pedidos de mercês pelos serviços militares prestados na guerra, inaugurados pelo próprio Henrique Dias em 1656.

Contudo, convém não exagerar creditando ao Terço dos Henriques um libelo antiescravista no século XVII, porque essa jamais fora a motivação da luta de tais homens, interessados em distinções e mercês ou em liberdades imediatas. O próprio capitão Dias capturava escravos e nem sempre para libertá-los. Ademais, é possível acrescentar que foi cogitado pelo vice-rei marquês de Montalvão, em 1640, para liderar uma ação contra um quilombo na Bahia, apesar do parecer contrário emitido pela Câmara de Salvador.

Embora a prestação de serviços ao rei representasse uma alternativa à escravidão e o Terço dos Pretos, o reconhecimento aos vassalos dos reis portugueses, a participação da gente de cor não se fazia fora da lógica escravista, de modo que a resistência aos holandeses jamais significou que a luta ocorresse em igualdade de condições. É necessário lembrar que o palco dos eventos eram as capitanias açucareiras, cujo açúcar, como salientado por Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.), era o esteio da própria guerra.26 26 Para a produção do açúcar, nem mesmo os holandeses, escrupulosos no início, conseguiram deixar de usar da mão de obra escrava. Não tardou até que os flamengos quisessem dominar territórios na África e participar do tráfico de escravos. Portanto, Henrique Dias estava integrado à essa sociedade e participava do lugar de preto forro lutando pela sua sobrevivência no território escravista.

Uma presença silenciada: o colaboracionismo negro

O que as fontes omitem e que a historiografia acabou não questionando foi o grau de interação entre os colonos em território escravista e sob conflito bélico. Se a via da resistência tem sido mais investigada, desde as narrativas nativistas que exaltavam a fidelidade do Terço dos Pretos até as pesquisas historiográficas recentes, pode-se perceber certa negligência dos estudos quanto à via da colaboração.

O próprio historiador Gonsalves de Mello apontou para as amizades entre holandeses e negros. Isto significa que: apesar do distanciamento recomendado pelo Conselho dos Dezenove na relação senhor-escravo; apesar do grau de relacionamento estar fincado no argumento da pretensa humanidade dos neerlandeses; e apesar do esforço de silenciamento dos africanos que pegaram em armas para lutar pelos flamengos, efetivamente houve pretos que colaboraram com a dominação holandesa no século XVII.

Crônicas neerlandesas já ressaltavam a presença fundamental dos africanos, como observou Gaspar Barleus (1974BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Trad. Cláudio Brandão. Belo Horizonte: Itatiaia, [1647] 1974., p. 64): “[...] não se pode governar uma nau sem piloto, nem um carro sem um cocheiro, assim também dizem os brasileiros que sem os negros, como figuras indispensáveis, não é possível tocarem-se os engenhos.” No entanto, pensar que os holandeses somente se dirigiam aos escravos como números e mercadorias é negar a tradição inaugurada com Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. rev. São Paulo: Global, [1933]2006.) de perceber as relações horizontais do processo histórico. Por outro lado, se lançarmos luz sobre os africanos enquanto sujeitos, sem negar a violência das relações escravistas, podemos encontrar associações afro-batavas.

É possível localizar casamentos afro-batavos, ainda que raros ou silenciados, como o do soldado Jan Hellingh, sob o comando do major Craey, que pediu licença ao Alto Conselho para casar-se com uma escrava da Companhia em 1641 (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 203). A permissão foi condicionada ao pagamento, pelo soldado, da alforria de sua futura esposa. Entretanto, eram casos excepcionais, uma vez que, os pastores reformados exerciam uma “vigilância quase policial” (Mello, J., 2007, p. 199) nestes assuntos.

Outra questão diz respeito às relações escravistas no âmbito doméstico. Muitos escravos desempenhavam serviços mais próximos aos senhores, possuindo intimidade com os holandeses. Alguns serviam aos mais variados favores, proximidade testemunhada pelo apadrinhamento dos pretos com nomes flamengos, casos de Jan Claessen e Joahan Harde (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 204).

Neste ínterim, variados são os exemplos: o conselheiro supremo Johan Ghijselin, que carregou consigo “um mulequinho negro” de nome Jacques Guillardt que, vítima de um grave acidente a bordo de um navio holandês, teve suas pernas amputadas. O conselheiro acaba por responsabilizar-se pelo menino.27 27 Carta de Johan Ghijselin ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 20 de março de 1637. Elias Herckmans, presidente do Conselho Político, também demonstrou interesse por crianças negras aprisionadas nas Alagoas dentro de um navio holandês, decidindo pegar um menino e uma menina com idades de, respectivamente, cinco e seis anos, para cuidar em sua casa, apadrinhando-as.28 28 No documento “[...] o Presidente adotou uma negrinha e um negrinho, crianças entre 5 à 6 anos para educá-los.” West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de abril de 1636. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 13 out. 2020.

O conselheiro supremo Hendrick Haecxs envolveu-se com uma escrava de nome Juliana, que o serviu pessoalmente por oito anos, apesar de ser propriedade da WIC. Por isso, o neerlandês resolveu comprá-la, juntamente com sua filha chamada Domingas, pela quantia de 200 florins, para libertá-las da escravidão.29 29 West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 9 de fevereiro de 1654. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 18 out. 2020. O documento, que descreve a alforria destas negras, registra ainda da liberdade concedida a Simão Gonçalves, escravo que o serviu por 18 anos no estaleiro da WIC, por parte do governo holandês.

Houve holandeses que se afeiçoaram a certos escravos, os levaram as Províncias Unidas e lhes concederam alforria, a exemplo de uma senhora holandesa, esposa de Ottho Etmijer, que carregou uma escrava da WIC para Holanda, sob condição de “[...] devolver a negra mencionada à Companhia ou a mandar de volta para o Brasil a bordo de um navio de carga ou de um navio da Companhia, arcando com os custos do mesmo […]”.30 30 West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 24 de janeiro de 1636. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 13 out. 2020.

Entre os pretos colaboradores que receberam nomes neerlandeses, na Rendição de holandeses,31 31 A análise do documento da rendição redigido em 1654 durante a capitulação da Taborda se baseou na versão publicada por José Antônio Gonsalves de Mello em 1979. há o caso de Claes Matthÿsen (Mello, 1979MELLO, José Antônio Gonsalves de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, [1654] 1979., p. 19). O documento assinado entre portugueses e holandeses em 1654, durante a capitulação da Taborda, não deixa claro se Matthÿsen era escravo ou não, mas é provável que não o fosse, tendo servido aos holandeses como capitão dos negros na ilha de Fernando de Noronha sob posse da WIC.

De acordo com a fonte, Matthÿsen possuía um procurador em Pernambuco que atendia pelo nome de Mathias Nosemans e representava seus interesses perante o Alto Conselho, enquanto ele mantinha a ordem na ilha. Fernando de Noronha funcionava, para os holandeses, como local de repouso e tratamento de soldados doentes, sendo grande parte dos seus moradores os escravos, população que organizou um levante em 1652.

Na guerra em curso, a colaboração afro-batava se manifesta não apenas na condição de escravos, mas como soldados. De acordo com Gonsalves de Mello: “Várias foram as nações importadas durante o domínio hollandez. Ardrenses, Minas, Angolas, Calabrenses, Sombrenses, Guinés; negros do Cabo, Congo, São Thomé, Serra Leôa, Cabo Verde. Sudanezes e Bantus” (Mello, J., 2007, p. 215). Destas nações, Hebe Mattos (2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457., p. 439) aponta que a maior parte dos africanos que pegaram em armas nas guerras foram os chamados de “Angolas, Minas e Ardras”.

Por isso, assim que foi iniciada a insurreição, foram os neerlandeses Gijsbert de With e Jacob Hammel, em Maurícia, e o almirante Lichthardt e Bartolomeu van Ceulen, no Recife, tratar de arregimentar africanos que quisessem engrossar as fileiras holandesas (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 204). O protagonismo dos pretos nas guerras pernambucanas pode ser alcançado na escolha que faziam entre a resistência ou a colaboração.

Notável foi a figura do mulato João de Andrade, que acabou por se tornar, já na altura do ano de 1648, chefe das forças negras que lutavam pelos flamengos (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 204). De acordo com Puntoni (1999PUNTONI, Pedro. A mísera sorte: a escravidão africana no Brasil Holandês. São Paulo: Hucitec, 1999., p. 167), os holandeses “[...] andavam de casa em casa em Recife procurando negros aptos a ajudarem na defesa”. Nos documentos da época, consta iniciativa do próprio mulato João de Andrade de procurar o Conselho Supremo para oferecer seus serviços como capitão de uma companhia de negros e de mulatos (Mello, 1979, p. 86). Imediatamente, a Companhia aceitou e o acolheu em 1648.

Andrade conseguiu recrutar negros e mulatos para seu regimento, que entrou em combate contra as forças luso-brasileiras. O capitão chegou a ser ferido na batalha do forte de Altena, em maio de 1648, vindo a requerer indenização da Companhia. A WIC lhe concedeu 120 florins, pagos com um escravo que valia 200 florins, logo, tornou-se devedor de 80 florins para a empresa (Mello, J., 2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 204). Apesar dos percalços, o regimento de Andrade só parou de lutar com a rendição dos holandeses, datada de 1654.

Colaborou ainda com os flamengos o capitão Antônio Mendes, que chefiava uma companhia de índios, mulatos e negros. O regimento de Mendes, por ter servido aos flamengos, foi perdoado pelos portugueses nos termos da rendição de 1654, podendo sair do território, sem levar suas armas (Mello, 1979MELLO, José Antônio Gonsalves de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, [1654] 1979., p. 85). Conforme o documento, Mendes serviu na tropa auxiliar por alguns anos e, como alferes dos holandeses, a partir de 1652.

Antônio Mendes apresentou ao Alto Governo os serviços que prestara com sua gente, contabilizando três assaltos contra os portugueses e assassinato de “nove soldados portugueses e um negro” (Mello, 1979MELLO, José Antônio Gonsalves de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, [1654] 1979., p. 86). Contudo, o governo holandês alegou a inexistência de provas concretas das mortes perpetradas pelo negro da terra; ainda assim, lhe designou certa quantidade de florins como retribuição, “a título de encorajamento”.

Incluído na rendição, Mendes foi alvo de suspeitas de lealdade por volta do ano de 1658, tendo sido preso e encaminhado para Lisboa, para provar sua inocência. Na ocasião, Mendes negociou sua liberdade pela missão de trazer de volta à obediência portuguesa os índios refugiados após a expulsão dos holandeses.32 32 Infelizmente, não há muita informação sobre o caso de Antônio Mendes na documentação, que se apresenta lacunosa, sobretudo, ao tratá-lo ora como índio, ora como negro, em determinados momentos.

Ambos os capitães supracitados vão de encontro à tradição que localiza os africanos junto aos holandeses na condição de escravos, servindo como “carregadores dos mantimentos, ou munições, dos despojos dos saques”, isto é, ficando encarregados dos “serviços mais pesados”, porque “os pretos não se acostumaram com as armas de fogo dos flamengos” (Mello, 1979MELLO, José Antônio Gonsalves de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, [1654] 1979., p. 206). Se tais interpretações não são despropositadas, é porque apoiam-se nas crônicas de guerra do período, sobretudo aquelas de autoria de frei Raphael de Jesus (1844JESUS, Raphael de frei. Castrioto Lusitano; ou, história da guerra entre o Brasil e a Holanda, durante os anos de 1624 a 1654, terminada pela valorosa restauração de Pernambuco e das capitanias confinantes [manuscrito de 1675]. Paris: J. P. Aillaud, 1844.), de Ambrósio Richshoffer (1978RICHSHOFFER, Ambrósio. Diário de um soldado da Companhia das Índias Ocidentais, 1629-1632. São Paulo: Ibrasa; Brasília: INL, [1677] 1978.) e de Gaspar Barleus (1974BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Trad. Cláudio Brandão. Belo Horizonte: Itatiaia, [1647] 1974.).

Este cronista chega a aconselhar que: “não se deve fiar muito nos pactos de tal gente pela sua ínsita falta de caráter, já outrora observada em africanos pelos escritores de Roma” (Barleus, 1974BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Trad. Cláudio Brandão. Belo Horizonte: Itatiaia, [1647] 1974., p. 339). Referências como estas, que identificam aspectos detratores à população de cor, neste caso produzidas pelos colonizadores holandeses, confirmam o argumento dos historiadores Silva (2020SILVA, Bruno. As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Lisbon International Press, 2020.) e Raminelli (2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), a respeito da pertinência das classificações sociorraciais nas colônias americanas já no século XVII.

Apesar dos receios dos cronistas, as alianças afro-batavas, que configuram os casos particulares aqui relatados, podem ser encontradas nas fontes administrativas da Companhia da Índias, sobretudo na tradução da coleção Dagelyske Notulen van den Hoogen en secreten raad in Brasilie, que reúne as atas diárias do Conselho Supremo e Secreto do Brasil. Por isso, é preciso matizar o olhar dos cronistas neerlandeses sobre os africanos, o qual escamoteia sua presença tecendo, efetivamente, os rumos daquele que é identificado apenas como um conflito luso-holandês.33 33 É exatamente por perceber a importância dos colonos nos rumos daquele episódio a partir de ambivalências das mais diversas, que se adota a nomenclatura de “guerras pernambucanas de açúcar”, conforme Evaldo Cabral de Mello (2007), neste trabalho, preterindo o termo conflito luso-holandês.

Casos como o de João de Andrade e o de Antônio Mendes exemplificam a colaboração explícita dos pretos com a dominação flamenga, não sendo difícil encontrar tropas de negros, índios e mulatos que lutaram pelos holandeses. Conforme Hebe Mattos (2010MATTOS, Hebe. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império Português. v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 433-457., p. 439), o conflito, inerente à sociedade, bem como os confrontos armados, incorporaram escravos nos dois exércitos em disputa.

A fonte da rendição dos holandeses aponta, também, o nome de Francisco de Angola, quem teria sido alferes de uma companhia de pretos no tempo de dominação holandesa (Mello, 1979MELLO, José Antônio Gonsalves de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, [1654] 1979., p. 86). Conforme o documento, este alferes parece ter sido bastante estimado entre os flamengos, por ter sido selecionado para acompanhar a viagem de volta dos holandeses até os Países Baixos, o que teria feito Francisco de Angola.

Assim, o cruzamento das fontes revela uma prática silenciada pelas correntes clássicas, qual seja, as associações afro-batavas existentes, desde os escravos apadrinhados com nomes holandeses, como os supracitados Jan Claessen e Joahan Harde, passando pelos que chefiaram tropas, como Claes Matthÿsen e João de Andrade, nomes que aparecem no documento da rendição dos holandeses em Pernambuco.

No entanto, tais colaborações funcionaram como consórcios particulares com os grupos dominantes em conflito, a fim de obter benefícios individuais, sobretudo aqueles que garantissem a sobrevivência no sistema escravista vigente. De maneira nenhuma tais estratégias chegaram a configurar formas de associativismo enquanto movimento organizado por iniciativa unificada dos escravos negros em adesão aos holandeses.

É exatamente porque essa adesão às partes em foi realizada de maneira individual, através da escolha conforme seus interesses imediatos ora aos holandeses, ora aos portugueses, que se visualiza as ambivalências sociais em meio ao Brasil Holandês. A defesa das ambivalências analisadas a partir de comportamentos individuais na documentação do período vai de encontro a qualquer sistematização pregressa a respeito das alianças generalizantes dos grupos sociais envolvidos no conflito colonial.34 34 Sobretudo contra a definição da resistência negra, baseada na exaltação do exemplo maior de Henrique Dias pela historiografia de viés mais tradicional, enquanto postura política manifesta por todo escravo residente nas capitanias açucareiras seiscentistas.

Ao fim e ao cabo, perceber as ambivalências pretas que predominavam no contexto das guerras pernambucanas do açúcar possibilita reacender o debate sobre a figura do negro colonial, discutir os matizes da relação senhor/escravo e perceber os caminhos dos escravizados para sobreviver à sociedade escravista em contexto bélico.

Considerações finais

Se a historiografia constrói o protagonismo holandês nas relações escravistas ou, quando muito, admite certa imagem de resistência negra em relação ao governo neerlandês, o faz silenciando outras ações dos africanos. É na redução de sua esfera de atuação à condição da escravidão ou no apelo ao discurso do tratamento humanizado, que os negros aparecem nas abordagens clássicas do conflito luso-holandês.

Mediante o contexto bélico, é preciso considerar que armar os escravos para lutar em companhias de pretos era perigoso, mesmo que a sua atuação fosse controlada pela obediência a lideranças nativas. Por isso, Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 176) advertiu que “não se deve idealizar assim a participação das companhias de escravos nas guerras holandesas, nem associá-las a um sentimento autêntico de confraternização racial”.

Por outra via, não se pode negar que havia escravos ao lado dos holandeses, dentro dos limites do sistema escravista, até porque estes conquistaram feitorias na África e repovoaram o Pernambuco de escravos quando da fuga com seus senhores, em 1636. Outro fator crucial é a existência da escravidão urbana como uma faceta da instituição sob o domínio holandês no Brasil, como explicou Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 5. ed.Rio de Janeiro: Topbooks, 2007., p. 194).

Como procurou-se demonstrar, é observando as trajetórias individuais, ainda que na condição escrava, e iluminando casos de atuação e mobilidade no território escravista, que se pode alcançar a dimensão do binômio resistência/colaboração que marca a presença dos africanos na construção do mundo colonial dominado pelos holandeses. Houve pretos associados aos flamengos não somente como escravos, mas como soldados e chefes militares, conforme as oportunidades que se abriram no sistema. Os dados analisados permitem, pois, refutar a hipótese de que entre os holandeses e os africanos haveria mais inimizade que entre os portugueses e os negros, uma vez que os flamengos não possuíam um pingo de “sangue negro nas veias” (Mello, 1937MELLO, José Antônio Gonsalves de. A situação do negro sob o domínio holandês. In: FREYRE, Gilberto(org.). Novos estudos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937, p. 201-221., p. 201).

Tal interpretação historiográfica segue a linha da mestiçagem para explicar a tradicional resistência negra aos holandeses. Grande foi a proximidade afro-batava, gerando casos explícitos de colaboração. No contexto da guerra, foram identificados africanos associados aos neerlandeses não apenas porque eram obrigados como escravos, mas porque se tornaram capitães - posto muitas vezes requisitado como condição para a colaboração -, e lideraram terços de negros, índios e mulatos.

Logo, foram como capitães que Antônio Mendes e João de Andrade prestaram serviços aos holandeses, desempenhando a função semelhante àquela que Henrique Dias desempenhou em relação aos portugueses. Foram homens que seguiram abertamente suas preferências conforme avaliação que faziam do conflito, empenhando sua fidelidade onde fosse maior a chance de sobrevivência.

Ainda assim, não é possível definir, como fizeram estudos de outrora, uma única posição dos pretos frente à presença neerlandesa na colônia, pois os indivíduos apresentaram comportamentos ambivalentes frente ao conflito luso-holandês e foi essa ambivalência de interesses que configurou as guerras pernambucanas do açúcar. Convém ressaltar, no entanto, que tais ambivalências não foram exclusividade dos africanos e que o próprio terreno bélico facilitava este tipo de comportamento social. Ademais, a identificação, nas fontes, de quem era esse negro, é complexa, sendo, às vezes, confusas as referências aos africanos e aos indígenas.

Seja como for, as ambivalências pretas em voga manifestaram-se por adesão coletiva, como no caso do Terço dos Henriques, ou por opções individuais tais quais as apresentadas pela pesquisa. Enquanto alguns escolheram resistir, outros colaboraram efetivamente com a permanência flamenga, o que reconheceram os próprios holandeses:

Quanto aos escravos que antes do período de paz passaram para nosso lado, estes não poderão ser restituídos sem cometer o maior ato de ingratidão do qual já se teve notícia, porque dos negros que fugiram de seus mestres, alguns nos serviram durante 4, 5, 6, 7 anos e mostraram que são fiéis para com nosso estado, muitos eram soldados, alguns outros nos mostraram os caminhos desconhecidos no país, e deste modo, por causa deles, conseguimos entrar país adentro e pudemos conquistá-lo.35 35 West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 18 out. 2020.

Portanto, as ambivalências se referem a diferentes vias de associação e de luta que negros, da terra ou da Guiné, encontraram naquela sociedade escravista em contexto bélico. Estudar as ambivalências pode ajudar a pensar como tais africanos, ao escolher o lado pelo qual lutariam, seja diretamente, pegando em armas, como no caso dos Henriques, seja indiretamente, no trabalho cotidiano, construíram com os holandeses e com os demais atores coloniais as configurações específicas das guerras pernambucanas do açúcar.

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  • WHEELER, Roxann. The complexion of race: categories of difference in Eighteenth-century British culture Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2000.
  • 1
    West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 10 out. 2020.
  • 2
    Por “colaboração”, considera-se os sinais de adesão, de lealdade ou de submissão, a nível individual, aos neerlandeses como um dos comportamentos característicos de associações afro-batavas durante o Brasil Holandês, tendo como suporte o “colaboracionismo”, chave interpretativa aberta por José Antônio Gonsalves de Mello (2007), melhor sistematizada por Evaldo Cabral de Mello (2007).
  • 3
    Por “resistência”, entende-se as formas de oposição desenvolvidas em casos pontuais ou como estratégia coletiva a partir da atuação conjunta em milícias armadas, tendo como referencial a análise que Bruno Romero Ferreira Miranda (2014) faz do exército da Companhia das Índias Ocidentais.
  • 4
    A “ambivalência de interesses”, presente na “constituição psicológica do indivíduo”, baseia-se na categoria de Norbert Elias (1993, p. 146), que entende “a coexistência de elementos positivos e negativos, uma mistura de afeto e antipatia mútuos em proporções e nuanças variáveis”. No contexto colonial em análise, as ambivalências são consideradas em termos de colaboração e de resistência aos holandeses, investigadas nos comportamentos individuais salientes no cruzamento das fontes do período.
  • 5
    A palavra kilombo remete aos acampamentos militarizados imbangalas, africanos, constituídos pela aliança de jovens guerreiros que negavam as estruturas tradicionais de parentesco e a superioridade dos anciãos (Mattos, 2010, p. 441).
  • 6
    Isto significa que os escravos fugitivos deviam ser enforcados ou queimados vivos. Cf. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Conselho de Justiça do Brasil ao Conselho dos XIX”, datada do Recife, 1º de outubro de 1644 e outras.
  • 7
    WIC refere-se a sigla da West-Indische Compagnie, isto é, Companhia das Índias Ocidentais.
  • 8
    Nesta linha, Alencastro (2000) destacou que os holandeses levaram agentes brasílicos e luso-africanos para a conquista de postos africanos, observando, por um lado, a importância destes agentes coloniais, embora enfatizasse a condução dos dominadores, cuja situação colonial, aparentemente, não permite fugir.
  • 9
    Apesar do “conflito entre portugueses e holandeses desdobrar-se dos dois lados do Atlântico”, o domínio holandês em território africano não consta como objeto de análise do presente trabalho (Mattos, 2010, p. 440).
  • 10
    West-Indische Compagnie (WIC).Generale Missive ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 1º de outubro de 1644.
  • 11
    West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta. jsp. Acesso em: 10 out. 2020.
  • 12
    Havia uma proibição formal do governo holandês do trabalho escravo aos domingos. Contudo, a regra não era respeitada nem pelos flamengos, quanto mais pelos senhores de engenho. Cf. Mello, J. (2007, p. 197).
  • 13
    West-Indische Compagnie (WIC).Generale Missive ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 13 de fevereiro de 1645.
  • 14
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Conselho dos XIX”, datada do Recife, 10 de maio de 1644.
  • 15
    O chamado “Terço da Gente Preta” ou “Terço de Henrique Dias” se originou nos primeiros anos das guerras pernambucanas do açúcar contra a ocupação dos holandeses e sua estrutura se assemelhava às guerras pretas angolanas. O terço se manteve em atividade até meados do século XVIII (Mattos, 2007).
  • 16
    Amplamente apoiado nas narrativas das crônicas coloniais portuguesas, os discursos nativistas construídos sobre a dominação holandesa desenvolveram-se a partir da própria insurreição pernambucana, forjando a união das raças e dos povos em prol da expulsão de um inimigo comum, o invasor. A construção nativista desenvolveu-se até o século XVIII, limiar do século XIX, envolvendo diferentes momentos, como estudou Evaldo Cabral de Mello (2008).
  • 17
    A palavra “terço”, segundo o Vocabulário português, de 1712, do padre Raphael Bluteau, designa um termo militar “correspondente ao que os Romanos chamavam Legião e os Alemães e Franceses chamavam Regimento” (Bluteau, 1728, p. 110).
  • 18
    Nas palavras de Mattos (2010, p. 441): “A presença militar portuguesa em Angola incorporou largamente táticas e forças de organização militares próprias à região”.
  • 19
    A presença portuguesa se consolidou, em Angola, com a expulsão dos holandeses e a derrota do rei do Congo na batalha de Ambuíla, em 1665 (Mattos, 2010, p. 455).
  • 20
    Patente passada na Bahia, 4 de setembro de 1639. Embora a patente date de 1639, há documentos anteriores que se referem a Dias na qualidade de governador dos negros (Mello, 1954, p. 14). O imbróglio da titulação de Henrique Dias foi estudado por Ronald Raminelli (2015).
  • 21
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta Régia a Henrique Dias, Lisboa, 14 de novembro de 1644”, códice 46, fls. 34v.
  • 22
    Sobre a influência da cultura política da África centro-ocidental na América Portuguesa, ver: Schwartz (1992, p. 103-136).
  • 23
    De acordo com Gonsalves de Mello (1954, p. 215), o regimento de Henrique Dias era composto de pretos de quatro nações, a saber: “Minas, Ardras, Angolas e Creoulos”.
  • 24
    Em 1647, a tropa comandada por Henrique Dias somava por volta de trezentos homens.
  • 25
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), códice 83, fls. 266/267 v.
  • 26
    Para a produção do açúcar, nem mesmo os holandeses, escrupulosos no início, conseguiram deixar de usar da mão de obra escrava. Não tardou até que os flamengos quisessem dominar territórios na África e participar do tráfico de escravos.
  • 27
    Carta de Johan Ghijselin ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 20 de março de 1637.
  • 28
    No documento “[...] o Presidente adotou uma negrinha e um negrinho, crianças entre 5 à 6 anos para educá-los.” West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de abril de 1636. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 13 out. 2020.
  • 29
    West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 9 de fevereiro de 1654. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 18 out. 2020.
  • 30
    West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 24 de janeiro de 1636. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 13 out. 2020.
  • 31
    A análise do documento da rendição redigido em 1654 durante a capitulação da Taborda se baseou na versão publicada por José Antônio Gonsalves de Mello em 1979.
  • 32
    Infelizmente, não há muita informação sobre o caso de Antônio Mendes na documentação, que se apresenta lacunosa, sobretudo, ao tratá-lo ora como índio, ora como negro, em determinados momentos.
  • 33
    É exatamente por perceber a importância dos colonos nos rumos daquele episódio a partir de ambivalências das mais diversas, que se adota a nomenclatura de “guerras pernambucanas de açúcar”, conforme Evaldo Cabral de Mello (2007), neste trabalho, preterindo o termo conflito luso-holandês.
  • 34
    Sobretudo contra a definição da resistência negra, baseada na exaltação do exemplo maior de Henrique Dias pela historiografia de viés mais tradicional, enquanto postura política manifesta por todo escravo residente nas capitanias açucareiras seiscentistas.
  • 35
    West-Indische Compagnie (WIC). Dagelijksche Notulen der Hooge Raden in Brazilïe de 25 de maio de 1637. Trad. e dig. por Marcos Galindo, P.B Galindo, A. Blokland. Recife: Liber-UFPE, [20_?]. PMH. Coord. Marcos Galindo. Disponível em: http://150.161.31.241/hyginia/monumenta.jsp. Acesso em: 18 out. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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