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A visita domiciliar a pessoas idosas na ótica do agente comunitário de saúde e a noção de território sanitário

The home visit to the older adults from the perspective of community health workers and the notion of health territory

La visita domiciliaria a las personas adultas mayores desde la perspectiva de los agentes comunitarios de salud y la noción de territorio sanitario

Resumo

O estudo objetivou analisar o processo de trabalho do agente comunitário de saúde com a população idosa, dando especial ênfase à visita domiciliar no município de Foz do Iguaçu, no Paraná. Delineou-se um estudo transversal, de cunho analítico-descritivo, com abordagem mista. Participaram 114 agentes comunitários de saúde, com predominância do sexo feminino, média de idade de 43,2 (DP 10,76) anos, cor de pele branca, estado civil casada, religião católica e com ensino médio completo como maior grau de escolaridade. Surgiram três categorias discursivas que descrevem os desafios enfrentados por esses profissionais no trabalho com idosos: o ‘território epidemiológico’ reúne as demandas sanitárias dos idosos acompanhados pelas agentes; a ‘abordagem clínica’ discute aspectos do modelo assistencial da estratégia saúde da família; e a ‘vida em comunidade’ retoma a questão das relações sociais entre o idoso e o meio. O estudo permitiu constatar que a visita domiciliar é a principal atividade desenvolvida pelas agentes comunitárias de saúde com a população idosa. Achados do estudo oferecem aportes à gestão sanitária local, por meio da discussão dos desafios enfrentados por um segmento significativo de profissionais da saúde alocados na Atenção Primária à Saúde.

Palavras-chave:
agente comunitário de saúde; Atenção Primária à Saúde; envelhecimento populacional; Sistema Único de Saúde; gestão gerontológica

Abstract

The study aimed to analyze the work process of the community health agent with the older adults population, with special emphasis on home visits in the municipality of Foz do Iguaçu, Parana (Southern Brazil). A cross-sectional, analytical-descriptive study with a mixed approach was designed. A total of 114 community health workers participated, with a predominance of women, mean age of 43.2 (SD 10.76) years, white skin color, married marital status, Catholic religion, and complete high school as the highest level of education. Three discursive categories emerged that describe the challenges faced by these professionals in working with the older people: the ‘epidemiological territory’ brings together the health demands of the elderly accompanied by the workers; the ‘clinical approach’ discusses aspects of the care model of the family health strategy; and ‘community life’ takes up the issue of social relations between the older people and the environment. The study showed that home visits are the main activity developed by community health workers with the older population. Findings of the study offer contributions to local health management through the discussion of the challenges faced by a significant segment of health professionals allocated to Primary Health Care.

Keywords:
community health worker; Primary Health Care; aging population; unified health system; gerontological management

Resumen

El estudio tuvo como objetivo analizar el proceso de trabajo de los agentes comunitarios de salud con la población adulta mayores, con especial énfasis en las visitas domiciliarias en el municipio de Foz do Iguaçu, Paraná (sur de Brasil). Se trató de un estudio transversal, analítico-descriptivo, con abordaje de métodos mixtos. En total, participaron 114 agentes comunitarios de salud, en su mayoría del sexo femenino, con edad media de 43,2 (DP 10,76) años, color de piel blanca, estado civil casado, religión católica y con título de educación secundaria como máximo nivel de escolaridad. Surgieron tres categorías discursivas que describen los desafíos enfrentados por estos profesionales en el trabajo con las personas adultas mayores: el ‘territorio epidemiológico’ reúne las demandas de salud de los ancianos monitoreados por los agentes; el ‘abordaje clínico’ discute aspectos del modelo de atención de la estrategia de salud de la familia; y la ‘vida comunitaria’ retoma la cuestión de las relaciones sociales entre los adultos mayores y su entorno. El estudio demuestra que las visitas domiciliarias son la principal actividad realizada por los agentes comunitarios de salud con la población adulta mayor. Las conclusiones del estudio suponen una contribución a la gestión sanitaria local al analizar los retos a los que se enfrenta un segmento relevante de los profesionales sanitarios que trabajan en la Atención Primaria de Salud.

Palabras clave:
agente comunitario de salud; Atención Primaria en Salud; envejecimiento poblacional; sistema unificado de salud; gestión gerontológica

Introdução

O fenômeno social do envelhecimento populacional tem implicado um maior número de consultas geriátricas e gerontológicas registradas pelos sistemas públicos assistenciais, como o da saúde e o da assistência social (Coelho, Motta e Caldas, 2018COELHO, Lívia P.; MOTTA, Luciana B.; CALDAS, Célia P. Rede de atenção ao idoso: fatores facilitadores e barreiras para implementação. Physis: Revista de Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, e280404, 2018. Doi: 10.1590/S0103-73312018280404 Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/CbfBzzx3MZZf6TGyYgMhbkc/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Além da delimitação de orçamentos públicos superiores para contrastar o produto assistencial, isto é, o diferencial entre a demanda institucional resolvida e a demanda reprimida (Schenker e Costa, 2019SCHENKER, Miriam; COSTA, Daniella H. Avanços e desafios da atenção à saúde da população idosa com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 4, p. 1.369-1.380, abr. 2019. Doi: 10.1590/1413-81232018244.01222019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2019.v24n4/1369-1380 /. Acesso em: 28 mar. 2024.
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), esse incremento imprime a urgência de aprimorar e qualificar as ações desenvolvidas com pessoas idosas, com vistas a encontrar alternativas mais integrais e resolutivas às demandas referidas pelos profissionais da saúde (Figliuoli et al., 2018FIGLIUOLI, Lorenzo U. et al. Growing Pains: Is Latin America Prepared for Population Aging? Washington, DC: International Monetary Fund, 2018. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/Departmental-Papers-Policy-Papers/Issues/2018/04/16/Growing-Pains-Is-Latin-American-Prepared-for-Population-Aging-45382 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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).

Projeções populacionais preveem que, para o ano de 2060, o Brasil ocupará a sexta posição dentre os países mais envelhecidos no mundo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Projeções da População. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade simples: 2010-2060. 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Trata-se de estimativas geradas com base nos índices nacionais de envelhecimento populacional, que consideram os indivíduos com menos de 15 anos de idade e aqueles com 60 anos ou mais de idade (Marques, 2021MARQUES, Aline. Análise de situação de saúde: uso de indicadores sociais e de saúde. In: ROMERO, Dalia; MARQUES, Aline; MUZY, Jéssica (org.). Informação e indicadores: conceitos, fontes e aplicações para a saúde do idoso e envelhecimento. Rio de Janeiro: Edições Livres, 2021. p. 42-53. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/50672. Acesso em: 28 mar. 2024.). Os impactos na estrutura demográfica brasileira demonstram divergências entre regiões e estados que, por sua vez, podem explicar questões contextuais como o acesso aos serviços de saúde, a qualidade da atenção prestada e os modos e estilos de vida adotados pela população senescente (Oliveira, 2019OLIVEIRA, Anderson S. Transição demográfica, transição epidemiológica e envelhecimento populacional no Brasil. HYGEIA: Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, Uberlândia, v. 15, n. 32, p. 69-79, jun. 2019. Doi: 10.14393/Hygeia153248614 Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/hygeia/article/view/48614 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Cortez et al., 2019CORTEZ, Antonio C. L. et al. Aspectos gerais sobre a transição demográfica e epidemiológica da população brasileira. Enfermagem Brasil, Petrolina, v. 18, n. 5, p. 700-709, 2019. Doi: 10.33233/eb.v18i5.2785 Disponível em: https://convergenceseditorial.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/view/2785 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Ao lado desses quantitativos, múltiplos desafios emergem no campo assistencial, que envolve a atenção integral à saúde da pessoa idosa, já que o envelhecimento humano, apesar de ser um fenômeno de impacto coletivo, é experimentado de forma heterogênea por cada indivíduo, possuindo significações e visões divergentes.

No plano mais geral da busca pela garantia de direitos fundamentais, merece destaque a instituição da Política Nacional do Idoso (Brasil, 1994BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras previdências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), do Estatuto da Pessoa Idosa (Brasil, 2003BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras previdências. Brasília, DF: Presidência da República , 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
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) e da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSI) (Brasil, 2006BRASIL. Portaria n. 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt2528_19_10_2006.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), que juntos consolidam o caminho para a compreensão integral, humanizada e não biomédica da saúde da pessoa idosa. Particularmente, a PNSI reforça a intersetorialidade e interseccionalidade que devem prevalecer nas políticas públicas voltadas a essa população. A importância desse marco legal é ainda mais evidente quando se considera que a resposta ao desafio da transição demográfica exige ações intersetoriais que envolvam serviços de diferentes densidades tecnológicas e a plena integração com as redes formais e informais de apoio sociossanitário (Torres et al., 2020TORRES, Kellem R. B. O. et al. Evolução das políticas públicas para a saúde do idoso no contexto do Sistema Único de Saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, e300113, 2020. Doi: 10.1590/S0103-73312020300113. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/XqzFgPPbgmsKyJxFPBWgB3K /. Acesso em: 28 mar. 2024.
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).

Portanto, a abordagem assistencial à saúde da pessoa idosa deve incorporar a integralidade em todas as intervenções pensadas, quer na perspectiva preventivo-curativa, quer na perspectiva holística (Santos, Tonhom e Komatsu, 2016SANTOS, Simone C.; TONHOM, Sílvia F. R.; KOMATSU, Ricardo S. Saúde do idoso: reflexões acerca da integralidade do cuidado. Revista Brasileira em Promoção da Saúde , Fortaleza, v. 29, p. 118-127, 2016. Doi: 10.5020/18061230.2016.sup.p118. Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/6413 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Medeiros et al., 2017MEDEIROS, Kaio K. A. S. et al. O desafio da integralidade no cuidado do idoso, no âmbito da atenção primária à saúde. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 41, n. spe. 3, p. 288-295, set. 2017. Doi: 10.1590/0103-11042017S322. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/pMdR8RQtGPdkT9N6SM8HTfS /. Acesso em: 28 mar. 2024.
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), uma vez que pode ter impacto positivo na qualidade e no grau de resolutividade da assistência prestada à pessoa envelhecida e na expansão e cobertura das redes locais de atenção integral à saúde (Coelho, Motta e Caldas, 2018COELHO, Lívia P.; MOTTA, Luciana B.; CALDAS, Célia P. Rede de atenção ao idoso: fatores facilitadores e barreiras para implementação. Physis: Revista de Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, e280404, 2018. Doi: 10.1590/S0103-73312018280404 Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/CbfBzzx3MZZf6TGyYgMhbkc/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Brasil, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de cuidados para a pessoa idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_cuidados_pessoa_idosa.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Por isso, cresce a urgência de avaliar os serviços de atenção à saúde da pessoa idosa no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), por ser a porta de entrada preferencial dos usuários ao sistema público de saúde (Brasil, 2017BRASIL. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Nunes et al., 2018NUNES, Luceime O. et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma-Ata. Revista Panamericana de Salud Pública , Washington, v. 42, e175, 2018. Doi: 10.26633/RPSP.2018.175. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e175/pt /. Acesso em: 28 mar. 2024.
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) e por concentrar maior número de demandas do tipo crônicas, geralmente mais custosas e mais complexas em termos de eficiência institucional (Lopes et al., 2023LOPES, Wellington P. et al. Contexto sociopolítico e a organização da força de trabalho e oferta de serviços da Atenção Básica. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 21, e02005221, 2023. Doi: 10.1590/1981-7746-ojs02005. Disponível em: https://www.tes.epsjv.fiocruz.br/index.php/tes/article/view/2005 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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).

Uma das principais ferramentas que auxiliam na apropriação da assistência integral à saúde da pessoa idosa é justamente a visita domiciliar (VD). A prática da VD implica a necessidade de a equipe de saúde se locomover até as residências, constituindo uma extensão dos serviços de saúde que favorece a criação de vínculo entre os profissionais, o usuário e a sua família (Brasil, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de cuidados para a pessoa idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_cuidados_pessoa_idosa.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). A VD pode acontecer de forma espontânea ou programada; seu foco vai além da compreensão biomédica, pois é pensada para construir um espaço no qual novas possibilidades de cuidado mais criativas, solidárias e inovadoras possam ser imaginadas e validadas (Rocha et al., 2017ROCHA, Kátia B. et al. A visita domiciliar no contexto da saúde: uma revisão de literatura. Psicologia, Saúde & Doenças, Lisboa, v. 18, n. 1, p. 170-185, 2017. Doi: 10.15309/17psd180115. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/362/36250481015.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
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).

As vantagens de incorporar a VD podem ser vistas de forma dupla. Por um lado, possibilita que pessoas idosas com dificuldades de locomoção recebam o acompanhamento necessário, da mesma maneira que aquelas que conseguem acessar o serviço de saúde, assim promovendo o prisma da universalidade em saúde. Por outro lado, na VD a equipe de saúde consegue auferir a condição de vida (em uma perspectiva de aproximação biopsicossocial) que, em muitas ocasiões, passa despercebida pela crescente demanda institucional que compromete o tempo de consulta meramente à resolução da demanda fisiopatológica referida pelo usuário idoso.

No âmbito das atribuições profissionais do agente comunitário de saúde (ACS), a VD é quiçá a atividade mais importante. É por causa do vínculo que o ACS estabelece com a pessoa idosa e sua família que as ações de prevenção, promoção, controle, cura e recuperação adquirem maior sensibilidade e compreensão (Assis e Castro-Silva, 2018ASSIS, Audrey S.; CASTRO-SILVA, Carlos R. Agente comunitário de saúde e o idoso: visita domiciliar e práticas de cuidado. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, e280308, 2018. Doi: 10.1590/S0103-73312018280308. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/pdwWSpcYhfkfj9qbxP3RTZr/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Daí que o profissional ACS constitui uma peça-chave para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo a integração entre os serviços de saúde e as comunidades (Barreto et al., 2018BARRETO, Ivania C. H. C. et al. Complexidade e potencialidade do trabalho dos agentes comunitários de saúde no Brasil contemporâneo. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, n. spe. 1, p. 114-129, set. 2018. Doi: 10.1590/0103-11042018S108. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/yM5QgR9y7559xWP3jMMhpDd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Brasil, 2020BRASIL. Portaria MS n. 3.241, de 7 de dezembro de 2020. Institui o Programa Saúde com Agente, destinado à formação técnica dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-ms-n-3.241-de-7-de-dezembro-de-2020-293178860 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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).

Estudos desenvolvidos no âmago da APS brasileira ressaltam a relevância das ações gerontológicas desempenhadas pelo ACS (Fortes et al., 2016FORTES, Keila M. G. S. et al. Formação do agente comunitário de saúde da família na atenção ao idoso. Revista de Enfermagem UFPE (on line), Recife, v. 10, n. 1, p. 211-217, 2016. Doi: 10.5205/1981-8963-v10i1a10942p211-217-2016. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10942 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Arruda e Araújo, 2019ARRUDA, Joelina S.; ARAÚJO, Adriana S. S. Entraves e desafios da visita domiciliar realizada pelo agente comunitário de saúde: revisão integrativa. Revista Interdisciplinar, Teresina, v. 12, n. 3, p. 60-68, jul./set. 2019. Disponível em: https://uninovafapi.emnuvens.com.br/revinter/article/view/1496 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://uninovafapi.emnuvens.com.br/revi...
; Brasil et al., 2021BRASIL, Christina C. P. et al. Percepções de profissionais sobre o agente comunitário de saúde no cuidado ao idoso dependente. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 109-118, jan. 2021. Doi: 10.1590/1413-81232020261.31992020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/9cKzHyybpfsZ8yFNNtsXBjk/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/csc/a/9cKzHyybpf...
). Algumas das principais contribuições do ACS para as etapas de gestão e planejamento em saúde da pessoa idosa relacionam-se ao fortalecimento de diretrizes específicas, como a atenção ao primeiro contato (Brasil, 2017BRASIL. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de cuidados para a pessoa idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_cuidados_pessoa_idosa.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), a longitudinalidade do cuidado, a resolutividade (Rocha et al., 2021ROCHA, Vanessa C. L. G. et al. Avaliação da integralidade na Atenção Primária à Saúde pelo usuário idoso: estudo transversal. Revista de APS , Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 238-255, 2021. Doi: 10.34019/1809-8363.2021.v24.33312 Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/33312 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps...
), a participação da comunidade e a coordenação do cuidado (Schenker e Costa, 2019SCHENKER, Miriam; COSTA, Daniella H. Avanços e desafios da atenção à saúde da população idosa com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 4, p. 1.369-1.380, abr. 2019. Doi: 10.1590/1413-81232018244.01222019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2019.v24n4/1369-1380 /. Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielosp.org/article/csc/201...
). Portanto, ao analisar o processo de trabalho do ACS na realização de VD com pessoas idosas, surge a possibilidade de compreender a práxis gerontológica em relação ao perfil de necessidades e demandas referidas pelos usuários de maior idade, oferecendo subsídios para melhor abordar o desafio do envelhecimento populacional no sistema local de saúde.

Diante do cenário exposto, este estudo tem por objetivo principal analisar o processo de trabalho do ACS com a população idosa, dando especial ênfase à VD justamente por ser uma das demandas mais destacáveis nessa categoria profissional.

Procedimentos metodológicos

Desenvolveu-se um estudo do tipo transversal, de cunho analítico-descritivo e com abordagem mista. Estudos mistos olham para o problema de múltiplas formas, aproveitando ao máximo os métodos de análise e misturando, quando necessário, ambas as técnicas de apuração de dados (Hutchinson e Sutherland, 2019HUTCHINSON, Mary K.; SUTHERLAND, Melissa A. Conducting surveys with multidisciplinary health care providers: current challenges and creative approaches to sampling, recruitment, and data collection. Research in Nursing & Health, v. 42, n. 6, p. 458-466, dez. 2019. Doi: 10.1002/nur.21976. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/nur.21976 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Isso facilita que o pesquisador adote mais de uma vertente teórica e destaque as qualidades prevalentes das informações produzidas, resultando em uma interpretação mais fiel à realidade investigada (Creswell e Clark, 2015CRESWELL, John W.; CLARK, Vicki L. P. Pesquisa de Métodos Mistos. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2015. (Série Métodos de Pesquisa).).

Determinou-se como unidade de análise a rede local de saúde do município de Foz do Iguaçu, localizado no extremo oeste do Paraná. Em 2022, Foz do Iguaçu foi escolhido como um dos seis municípios paranaenses a fazer parte da implantação da Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (Renadi) por ter-se mostrado sensível à temática e possuir uma forte institucionalidade pública em prol da questão etária (Foz do Iguaçu, 2022aFOZ DO IGUAÇU (Município). Foz do Iguaçu é escolhida para integrar Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa. Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, 1 jun. 2022a. Disponível em: https://www5.pmfi.pr.gov.br/noticia-50257 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Conforme o Relatório Anual de Gestão 2020, o município conta com um total de 29 Unidades Básicas de Saúde (UBS), todas credenciadas no modelo assistencial da Estratégia Saúde da Família (ESF), somando 70 equipes. A cobertura da ESF anuiu, no ano de 2020, 88% do total da população residente (Foz do Iguaçu, 2021 FOZ DO IGUAÇU (Município). Relatório Anual de Gestão 2020. Foz do Iguaçu: Secretaria Municipal de Saúde, 2021. Disponível em: https://www5.pmfi.pr.gov.br/pdf-3947&publicacao . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www5.pmfi.pr.gov.br/pdf-3947&pub...
).

Em 2019, o município iniciou o recadastramento da população residente como parte do convênio “Cadastre Já”, desenvolvido em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde. Dos registros existentes, conseguiu-se recadastrar 51,6% do total de usuários e usuárias que acessam programas e serviços no âmbito da APS. Em relação à parcela populacional idosa, apesar dos esforços institucionais, o índice de recadastramento atingiu apenas 16,2%, o mais baixo ao se considerarem todas as faixas-etárias recadastradas (Gomes et al., 2022GOMES, Marília M. F. et al. Recadastramento da população residente em Foz do Iguaçu, Brasil, em atendimento à Política de Atenção Primária à Saúde. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 46, e158, 2022. Doi: 10.26633/RPSP.2022.158. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/56883 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://iris.paho.org/handle/10665.2/568...
).

Geograficamente, Foz do Iguaçu constitui uma das maiores regiões brasileiras de tríplice-fronteira internacional, limitando com as nações da Argentina e do Paraguai. O município possui uma área territorial estimada em 608,357 km2, com densidade demográfica de 424,05 hab/km2 e grau de urbanização de 99,17%. No último Censo Nacional, estimou-se um total de 256.088 habitantes, com taxa de crescimento geométrico populacional de -0,1 e de envelhecimento populacional de 19,83%. Outrossim, o índice de idosos foi dado em 5,05%, e a razão de dependência populacional em 43,88%. Em relação ao índice de desenvolvimento humano municipal, a cidade registrou um valor de 0,751, com índice de Gini de 0,5454 (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2021INSTITUTO PARAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Perfil do município de Foz do Iguaçu, 2021. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?codlocal=172&btOk=ok . Acesso em: 28 mar. 2024.
http://www.ipardes.gov.br/perfil_municip...
).

O convite para a participação neste estudo foi estendido a todos os profissionais, de ambos os sexos, com vínculo ativo na categoria profissional de ACS, alocados nos dispositivos sanitários da APS iguaçuense, durante o primeiro semestre de 2021. Dada a maior participação de profissionais do sexo feminino, optou-se por utilizar a forma feminina para a categoria profissional, destacando assim a feminização dessa profissão. Portanto, ao longo do texto, é empregada a expressão ‘a(s) ACS(s)’, o que não exclui a participação de ACSs do sexo masculino. Como critérios de inclusão, adotou-se possuir atuação de, no mínimo, seis meses na UBS-ESF e ter experiência no acompanhamento domiciliar de pessoas idosas. Foram desconsiderados aqueles profissionais que estavam de licença ou de férias durante o período de realização da pesquisa. Conforme o Relatório anual de gestão 2021, no momento da pesquisa havia um total de 332 ACSs com vínculo ativo (Foz do Iguaçu, 2022bFOZ DO IGUAÇU (Município). Relatório Anual de Gestão 2021. Foz do Iguaçu: Secretaria Municipal de Saúde , 2022b. Disponível em: https://www5.pmfi.pr.gov.br/pdf-3948&publicacao . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www5.pmfi.pr.gov.br/pdf-3948&pub...
). Os participantes foram selecionados por amostragem não probabilística, sem haver representatividade estatística dos selecionados com relação ao universo atuante dessa categoria profissional.

As UBS-ESF constituíram o cenário para coleta de dados, em ambiente calmo e não consultivo indicado por cada gerente. Antes da coleta de dados, realizou-se uma reunião informativa com os gerentes das UBS-ESF participantes com o objetivo de apresentar a pesquisa e obter a liberação institucional. Os encontros serviram para retomar estratégias e objetivos traçados por meio da parceria interinstitucional celebrada entre a 9ª Regional de Saúde do Paraná e a Secretaria Municipal de Saúde, que têm por fundamento a criação de uma Rede Integral de Saúde para a Pessoa Idosa (Murillo et al., 2021MURILLO, Roberth S. G. et al. Traçando caminhos para a construção-implantação de uma rede integral em saúde da pessoa idosa em município brasileiro trifronteiriço. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 291-311, 2021. Doi: 10.23925/2176-901X.2021v24i1p291-311. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/54570 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://revistas.pucsp.br/index.php/kair...
).

Para a coleta de dados, elaborou-se um questionário digital, semiestruturado, que continha questões discursivas e objetivas. Previamente à aplicação, o instrumento passou pela análise de confiabilidade, apontando um coeficiente Alfa de Cronbach alto (α = 0.88). Considerando que essa investigação foi desenvolvida durante o período de crise sanitária internacional pelo surgimento do novo coronavírus 2019, optou-se por empregar a versão paga da plataforma virtual Survey.com.br. O link de acesso foi encaminhado a todos os participantes e limitado a uma única tentativa de resposta. Ele ficou disponível de agosto a outubro de 2021. Cada UBS-ESF liberou 90 minutos da agenda profissional para que as participantes respondessem atenciosamente ao questionário.

Dividiu-se o instrumento em três seções. A primeira parte considerou o perfil sociodemográfico das ACSs. A segunda indagou representações sociais atribuídas pela ACS ao processo de envelhecimento humano, ao conceito de saúde do idoso e ao processo de trabalho gerontológico. Por último, a terceira parte destacou as experiências que descrevem fortalezas (discursos positivos) e debilidades (discursos negativos) percebidas pela profissional ACS no seu afazer sanitário com pessoas idosas.

Realocaram-se os dados armazenados na plataforma Survey.com.br em planilhas estatísticas de Microsoft Office Excel®, em versão compatível com o sistema operacional macOS Big Sur 14.1.0. Este programa foi selecionado para a análise estatística descritiva mediante o uso de medidas de dispersão e diferenciação simples de pesos percentuais, com frequências relativas e absolutas. Inicialmente, verificaram-se a normalidade e elasticidade dos dados. As variáveis independentes foram verificadas pelo teste ‘t’ de Student. Uma margem significativa de menos de 5% (p < 0,005) foi estabelecida para todas as análises inferenciais. Realizaram-se as comprovações estatísticas no software Graphpad Prism®, versão 9.2.0, compatível com o sistema operacional macOS Big Sur, versão 14.4.0. A apresentação dos dados deu-se por meio de figuras e tabelas comparativas para os dados quantitativos.

No caso dos dados qualitativos, optou-se por agrupar os discursos das profissionais em quadros de significados. Outrossim, os significados narrados pelas participantes passaram por um processo de correção lógico-gramatical sem minar as ideias centrais, o que permitiu a consolidação das margens de sentidos. Desse modo, os discursos foram categorizados de acordo com o modelo assistencial ao qual atribuíram sentido (saúde = acesso à informação; saúde = ausência de patologia ou; saúde = visão ampliada), usando o codinome ‘ACS’ e a ordem numérica de registro discursivo (ACS1, ACS114). Com base nesses passos metódicos, foi elaborado um mapa categorial (Figura 1).

Figura 1
Mapa categorial da visita domiciliar, segundo discursos profissionais das agentes comunitárias de saúde na Estratégia Saúde da Família, Foz do Iguaçu, Paraná, 2021.

A codificação e decodificação de termos foram realizadas na plataforma on line Wordart, versão 4.7.5, de uso livre e gratuito. As falas das profissionais passaram por um processo de apuração, no qual termos semelhantes foram agrupados em uma única frequência com vistas a evitar o viés de repetição (assim, ‘medicações’, ‘medicamentos’, ‘remédios’, ‘drogas’ e ‘receitas’ foram considerados como um valor único para ‘medicamentos’). Incluíram-se termos com citação mínima de cinco e máxima de 114 frequências.

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário União das Américas (UNIAMÉRICA) em junho de 2021, com CAAE n. 45010621.0.0000.9607 e parecer n. 4.758.232. A aprovação institucional também foi obtida da Secretaria Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu, Paraná, por meio do Protocolo Municipal, conforme requerimento n. 5530/2021. Assim, a pesquisa cumpriu as diretrizes técnicas contidas nas resoluções n. 466/12 e n. 510/16, do Conselho Nacional de Saúde, que envolvem a interação com seres humanos.

Resultados e discussão

Perfil sociodemográfico dos participantes

O estudo envolveu 114 ACSs, que representavam 35% dos recursos humanos dessa categoria profissional no município. A maioria dos participantes era do sexo feminino (n = 96; 84,21%), com média de idade de 43,2 (desvio padrão - DP 10,76) anos (variando de 21 a 66 anos), branca (n = 63; 55,26%), casada (n = 62; 54,39%), católica (n = 55; 48,25%) e com ensino médio completo como nível mais alto de escolaridade (n = 51; 44,74%). Identificaram-se também outros níveis de educação, incluindo o ensino fundamental completo (n = 47; 41,22%), graduação (n = 11; 9,65%) e pós-graduação (n = 5; 4,39%).

Vê-se que o perfil sociodemográfico do conjunto de ACSs iguaçuenses vai ao encontro da literatura nacional, que expõe o fenômeno de feminização dessa profissão como uma questão evidente desde a sua inserção no SUS a partir dos anos 1990 (Nogueira, 2019NOGUEIRA, Mariana L. Expressões da precarização no trabalho do agente comunitário de saúde: burocratização e estranhamento do trabalho. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 28, n. 3, p. 309-323, jul./set. 2019. Doi: 10.1590/S0104-12902019180783. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/3p3Hn8ywngS9GWL76FNW7TF/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/3p3Hn8y...
). O baixo nível de escolaridade das participantes se deve ao fato de que não era necessário ter um diploma para trabalhar como ACS (Pereira et al., 2018PEREIRA, Camilo E. A. et al. O reflexo da visita domiciliar do ACS na busca ativa do SR de um município da Amazônia. Revista de APS , Juiz de Fora, v. 21, n. 1, p. 77-85, 2018. Doi: 10.34019/1809-8363.2018.v21.16323. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/16323 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps...
; Fonseca, 2019FONSECA, Roberta B. G. O perfil do agente comunitário de saúde e sua feminização. Enfermagem Brasil , Petrolina, v. 18, n. 3, p. 430-436, 2019. Doi: 10.33233/eb.v18i3.2723. Disponível em: https://convergenceseditorial.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/view/2723 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://convergenceseditorial.com.br/ind...
; Paiva, Hillesheim e Haas, 2019PAIVA, Karina M.; HILLESHEIM, Danúbia; HAAS, Patrícia. Atenção ao idoso: percepções e práticas dos agentes comunitários de saúde em uma capital do sul do Brasil. CoDAS, São Paulo, v. 31, n. 1, e20180069, 2019. Doi: 10.1590/2317-1782/20182018069 Disponível em: https://www.scielo.br/j/codas/a/VRffZwvpFzJNC9KfRpjn5KQ/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/codas/a/VRffZwvp...
). Sem embargo, mudanças recentes incorporadas por efeito da lei n. 13.595 (Brasil, 2018BRASIL. Lei n. 13.595, de 5 de janeiro de 2018. Altera a lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. Brasília, DF: Presidência da República , 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13595.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
) exigem que futuros candidatos possuam diploma de conclusão do ensino médio como menor grau de escolaridade. Excepcionalmente, o parágrafo 1º, do inciso III, do art. 7º da lei mencionada (Brasil, 2018BRASIL. Lei n. 13.595, de 5 de janeiro de 2018. Altera a lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. Brasília, DF: Presidência da República , 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13595.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), prevê que contratos sejam aprovados pelas secretarias municipais de saúde, possibilitando em até três anos a conclusão do ensino médio nos casos em que os ACSs possuam apenas ensino fundamental (Brasil, 2015BRASIL. Portaria n. 243, de 25 de setembro de 2015. Dispõe sobre o curso introdutório para o agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias e seu conteúdo. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sgtes/2015/prt0243_25_09_2015.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
).

Abordando a experiência laboral, as profissionais tinham, em média, 11 (DP 5,74) anos de atuação profissional e 9 (DP 5,76) anos de serviço nas respectivas UBS-ESF. Quando questionadas sobre o local de residência, 25 participantes (21,93%) relataram morar em um bairro diferente daquele onde trabalhavam. As participantes também foram questionadas sobre sua percepção do vínculo, que inclui o nível de determinação da pessoa idosa, suas necessidades de saúde e suas características individuais. Encontrou-se que mais da metade (n = 69; 60,53%; IC 95% [0,6723 a 0,8712]) possui vínculo forte, isto é, conhece toda ou quase toda a população idosa. Outrossim, os achados mostraram significância estatística entre as variáveis ‘ter vínculo fraco’ (p < 0,001) e ‘morar em bairro diferente’ (p < 0,012). (Tabela 1)

Tabela 1
Correlação estatística entre as variáveis sociodemográficas e a práxis gerontológica das agentes comunitárias de saúde, Foz do Iguaçu, Paraná, 2021.

Neste estudo, as ACSs que disseram morar em bairro diferente apresentaram vínculo fraco com a pessoa idosa, fator negativo que poderia limitar as intervenções gerontológicas. Conforme Silva et al. (2017SILVA, Doane M. et al. Cotidiano de agentes comunitários de saúde com idosos segundo o referencial de Certeau. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 22, n. 4, e50436, 2017. Doi: 10.5380/ce.v22i4.50436. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/50436 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://revistas.ufpr.br/cogitare/articl...
), não pertencer à comunidade de atuação profissional poderia constituir um empecilho para a integralidade das tarefas desempenhadas. Na visão de Pinto et al. (2017PINTO, Antonio G. A. et al. Vínculos subjetivos do agente comunitário de saúde no território da estratégia saúde da família. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 789-802, 2017. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00071. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/5RjYgPrMjPmZnhTbBzQGy9p/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/tes/a/5RjYgPrMjP...
, p. 790), “a construção da identidade do ACS envolve [...] muitas especificidades que se relacionam tanto ao papel que ele desempenha como trabalhador na equipe de saúde, como de morador da comunidade”. Ademais, explicam que “no vínculo que se estabelece para além das relações sociais, há uma ampla interlocução subjetiva para o cuidado em saúde”.

O curso introdutório às funções de ACS forma parte da estratégia nacional de capacitação, que considera uma aproximação inicial da realidade que os profissionais enfrentarão no cotidiano da ESF (Fortes et al., 2016FORTES, Keila M. G. S. et al. Formação do agente comunitário de saúde da família na atenção ao idoso. Revista de Enfermagem UFPE (on line), Recife, v. 10, n. 1, p. 211-217, 2016. Doi: 10.5205/1981-8963-v10i1a10942p211-217-2016. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10942 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
; Rodrigues et al., 2019RODRIGUES, Inaê E. et al. Percepções dos agentes comunitários de saúde sobre o processo de formação para a atuação profissional. In: COSTA, António P. et al. (ed.). Atas do 8º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa: Investigação Qualitativa em Saúde. Lisboa: CIAIQ, 2019. v. 2. p. 930-939. Disponível em: https://ludomedia.org/publicacoes/livro-de-atas-ciaiq2019-vol-2-saude /. Acesso em: 28 mar. 2024.
https://ludomedia.org/publicacoes/livro-...
; Brasil, 2020BRASIL. Portaria MS n. 3.241, de 7 de dezembro de 2020. Institui o Programa Saúde com Agente, destinado à formação técnica dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-ms-n-3.241-de-7-de-dezembro-de-2020-293178860 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
). Trata-se de uma formação obrigatória de 40 horas requisitada pela Secretaria Municipal de Saúde, que deve ser efetuada antes do ingresso ao território de atuação. Conforme o art. 2º da portaria n. 243, do Ministério da Saúde (Brasil, 2015BRASIL. Portaria n. 243, de 25 de setembro de 2015. Dispõe sobre o curso introdutório para o agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias e seu conteúdo. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sgtes/2015/prt0243_25_09_2015.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), o curso deve contemplar nove componentes curriculares, sendo eles:

  1. Políticas Públicas de Saúde e Organização do SUS;

  2. Legislação específica aos cargos;

  3. Formas de comunicação e sua aplicabilidade no trabalho;

  4. Técnicas de entrevista;

  5. Competências e atribuições;

  6. Ética no trabalho;

  7. Cadastramento e visita domiciliar;

  8. Promoção e prevenção em saúde e;

  9. Território, mapeamento e dinâmica da organização social. (Brasil, 2015BRASIL. Portaria n. 243, de 25 de setembro de 2015. Dispõe sobre o curso introdutório para o agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias e seu conteúdo. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sgtes/2015/prt0243_25_09_2015.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
    https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
    , art. 2º, grifo nosso)

Achados deste estudo apontam que a maioria das participantes realizou e aprovou o curso (n = 109; 95,61%). Conforme Rodrigues et al. (2019RODRIGUES, Inaê E. et al. Percepções dos agentes comunitários de saúde sobre o processo de formação para a atuação profissional. In: COSTA, António P. et al. (ed.). Atas do 8º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa: Investigação Qualitativa em Saúde. Lisboa: CIAIQ, 2019. v. 2. p. 930-939. Disponível em: https://ludomedia.org/publicacoes/livro-de-atas-ciaiq2019-vol-2-saude /. Acesso em: 28 mar. 2024.
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, p. 931), “a precariedade de formação inicial e continuada para atuação no território [...] dificulta a efetividade das suas ações e a oferta de uma atenção [integral] à saúde respaldada pelo conhecimento teórico-científico [do ACS]”. Com relação à preparação em temáticas em saúde da pessoa idosa, mais da metade das participantes indicou ter recebido esse tipo de formação prévia (n = 84; 73,68%), constituindo um achado positivo para a estruturação e fortalecimento da rede de saúde iguaçuense.

No Paraná, o Linha Guia de Saúde do Idoso é a principal referência estadual em matéria de saúde da pessoa idosa, já que apresenta lineamentos técnicos para o exercício dos diversos profissionais da saúde, conforme grau de responsabilidade assistencial, e estabelece temas de interesse prioritário para a atenção geriátrico-gerontológica em todo o território paranaense (Paraná, 2018PARANÁ. Linha guia da saúde do idoso. Curitiba: Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, 2018. Disponível em: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/linhaguiasaudeidoso_2018_atualiz.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.saude.pr.gov.br/sites/defaul...
). Na esfera municipal, as estratégias locais de formação para ACS endereçam, prioritariamente, a abordagem de síndromes geriátricas, a identificação do risco de fragilidade funcional e sociofamiliar e a promoção do envelhecimento ativo e saudável (Murillo et al., 2021MURILLO, Roberth S. G. et al. Traçando caminhos para a construção-implantação de uma rede integral em saúde da pessoa idosa em município brasileiro trifronteiriço. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 291-311, 2021. Doi: 10.23925/2176-901X.2021v24i1p291-311. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/54570 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://revistas.pucsp.br/index.php/kair...
).

Dada a dinâmica demográfica observada no Brasil, espera-se que as ACS interajam cada vez mais com um número significativo de usuários idosos. Isso evidencia a necessidade de treinar essas profissionais para atender de forma eficaz as demandas do segmento populacional mais velho, já que os benefícios da capacitação e da adoção de novas competências gerontológicas no processo de trabalho da ACS são fatores relacionados à satisfação com a escolha profissional (Nogueira, 2019NOGUEIRA, Mariana L. Expressões da precarização no trabalho do agente comunitário de saúde: burocratização e estranhamento do trabalho. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 28, n. 3, p. 309-323, jul./set. 2019. Doi: 10.1590/S0104-12902019180783. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/3p3Hn8ywngS9GWL76FNW7TF/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/3p3Hn8y...
). Outrossim, o aprimoramento profissional é previsto no ordenamento jurídico-sanitário, haja vista o estipulado no Estatuto do Idoso e na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que instam, respectivamente, a “capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços [às pessoas idosas]” (Brasil, 1994BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras previdências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
, art. 4º, inc. V) e a “formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de saúde da pessoa idosa” (Brasil, 2006BRASIL. Portaria n. 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt2528_19_10_2006.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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, Diretrizes, inc. f).

A visita domiciliar como espaço para o exercício da práxis gerontológica

Após a análise de codificação e decodificação das falas das profissionais, surgiram dez termos predominantes (Figura 2), que foram encontrados com maior frequência de citação nos discursos contextuais: visita domiciliar (n = 92; 80,7%); medicamento (n = 79; 69,3%); idoso (n = 73; 64%); saúde (n = 64; 56,1%); doença (n = 58; 50,9%); família (n = 55; 48,2%); cuidado (n = 49; 42,9%); dia (n = 44; 38,6%); escuta (n = 41; 35,9%); e consulta (n = 39; 34,2%). Mesmo por meio de uma leitura rápida e sem linkagem terminológica, é possível levantar algumas considerações envolvendo os termos supracitados pelas ACSs.

Sabe-se que a VD constitui uma ferramenta recorrente por profissionais da saúde que desenvolvem atividades na APS e tem a finalidade de contribuir para a obtenção de dados sociossanitários e o reconhecimento da situação de vida dos usuários cadastrados nas equipes da ESF (Conceição et al., 2019CONCEIÇÃO, Antônia S. et al. Ações da enfermeira na visita domiciliar da atenção básica. Revista Eletrônica Acervo Saúde, São Paulo, n. 20, e441, 2019. Doi: 10.25248/reas.e441.2019. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/441 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://acervomais.com.br/index.php/saud...
). Ela se concretiza no decorrer do dia ou mesmo durante o período da tarde. Desse modo, a VD tem sido relacionada às tecnologias leves de cuidado gerontológico (do inglês soft care), possibilitando a escuta ativa e criação do vínculo entre os profissionais da saúde, o idoso e a sua família (Assis e Castro-Silva, 2018ASSIS, Audrey S.; CASTRO-SILVA, Carlos R. Agente comunitário de saúde e o idoso: visita domiciliar e práticas de cuidado. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, e280308, 2018. Doi: 10.1590/S0103-73312018280308. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/pdwWSpcYhfkfj9qbxP3RTZr/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/physis/a/pdwWSpc...
; Nascimento et al., 2020 NASCIMENTO, Ricardo C. S. et al. A importância do agente comunitário de saúde no envelhecimento ativo. Brazilian Journal of Development, São José dos Pinhais, v. 6, n. 5, p. 24757-24765, 2020. Doi: 10.34117/bjdv6n5-071 Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/9597 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs...
).

Figura 2
Nuvem de termos predominantes nos discursos das agentes comunitárias de saúde sobre o processo de trabalho gerontológico na Estratégia Saúde da Família, Foz do Iguaçu, Paraná, 2021.

A prática da VD da ACS com a população idosa não se encontra organizada em procedimentos predefinidos. A práxis gerontológica da ACS ocorre, em ocasiões, de forma espontânea dependendo da demanda apercebida e da capacidade de resposta da profissional:

A gente não tem tanto tempo quanto deveríamos de ter. São muitas famílias, sabe? Algumas envolvem cuidados mais prolongados, visitas redobradas. É um sem-número de coisas por aqui, por lá. Você resolve uma questão, logo mais já vai ver que tem mais outra coisa para se fazer (ACS13).

Eu dou mais prioridade a quem mais precisa. Fui ensinada desse jeito e eu concordo. Nem toda família necessita que a gente fique muito tempo conversando ou orientado. Tem gente mais esperta (ACS9).

Você conhece sua população, sabe quem está e quem não costuma estar em determinado dia ou horário. Isso já ajuda muito, para não perder tempo indo em casas vazias. Na maioria das vezes isso funciona para mim (ACS81).

Vai depender muito do andar do dia. Aqui na UBS temos outras tarefas também, então eu acabo deixando algumas VDs para o fim do mês, mas que eu sei que não são urgentes. Questão de conferir dados ou de atualizar o sistema, só (ACS65).

O gerenciamento do tempo é um aspecto importante para o ótimo andamento da VD. Trata-se de um elemento norteador na atuação das ACSs com o público idoso, pois contribui para uma melhor organização das demandas e aumenta a chance de resolutividade das equipes de saúde. Em que pese o planejamento das intervenções gerontológicas ser mais uma questão individual de cada ACS (conforme sua conveniência), a produtividade mensal está sujeita a uma rotina bem-estabelecida.

Com relação à tríade velhice-envelhecimento-pessoa idosa, alguns discursos das profissionais denotam a heterogeneidade que caracteriza o processo do envelhecimento humano e, concomitantemente, a complexidade envolvida na assistência gerontológica prestada à pessoa idosa:

Não tem como definirmos a VD de forma geral, porque cada idoso é diferente. Eu mesma não considero que todas as pessoas anciãs que acompanho se pareçam entre si. Lógico que tem algumas coisas, como doenças que não mudam, mas elas têm suas próprias particularidades, e a gente acaba se adaptando a elas (ACS3).

Cada caso é um caso. Isso realmente é verdade. Seja na UBS-ESF, seja no domicílio deles, eu percebo cada um como uma pessoa diferente. Alguns são mais fáceis de se lidar, outros até chegam a questionar tudo que a gente orienta. Mas eu não o vejo como ruim, eles só querem ter certeza de que nós estamos agindo da melhor forma. A minha mãe também é assim com a ACS dela (ACS41).

A nossa enfermeira por vezes faz reuniões em que discutimos algumas coisas relacionadas à velhice, sabe? Na VD eu enxergo o que ela quer dizer, pois não posso abordar todos meus idosos da mesma maneira (ACS93).

Apesar de estudos recentes ressaltarem os avanços e os benefícios da ESF como modelo predileto para abordar a saúde da pessoa idosa no âmbito do SUS (Nascimento et al., 2020 NASCIMENTO, Ricardo C. S. et al. A importância do agente comunitário de saúde no envelhecimento ativo. Brazilian Journal of Development, São José dos Pinhais, v. 6, n. 5, p. 24757-24765, 2020. Doi: 10.34117/bjdv6n5-071 Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/9597 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs...
; Lopes et al., 2023LOPES, Wellington P. et al. Contexto sociopolítico e a organização da força de trabalho e oferta de serviços da Atenção Básica. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 21, e02005221, 2023. Doi: 10.1590/1981-7746-ojs02005. Disponível em: https://www.tes.epsjv.fiocruz.br/index.php/tes/article/view/2005 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.tes.epsjv.fiocruz.br/index.p...
), ainda se observa nos discursos das profissionais participantes traços que privilegiam uma visão ‘patologizante’ no processo de trabalho com pessoas idosas. Isto é, existe um senso coletivo de que o bem-estar na fase da velhice se justificaria meramente pela ausência ou pelo controle da condição crônica caraterística da idade (Silva et al., 2017SILVA, Doane M. et al. Cotidiano de agentes comunitários de saúde com idosos segundo o referencial de Certeau. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 22, n. 4, e50436, 2017. Doi: 10.5380/ce.v22i4.50436. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/50436 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://revistas.ufpr.br/cogitare/articl...
; Rocha et al., 2017ROCHA, Kátia B. et al. A visita domiciliar no contexto da saúde: uma revisão de literatura. Psicologia, Saúde & Doenças, Lisboa, v. 18, n. 1, p. 170-185, 2017. Doi: 10.15309/17psd180115. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/362/36250481015.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.redalyc.org/pdf/362/36250481...
; Arruda e Araújo, 2019ARRUDA, Joelina S.; ARAÚJO, Adriana S. S. Entraves e desafios da visita domiciliar realizada pelo agente comunitário de saúde: revisão integrativa. Revista Interdisciplinar, Teresina, v. 12, n. 3, p. 60-68, jul./set. 2019. Disponível em: https://uninovafapi.emnuvens.com.br/revinter/article/view/1496 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://uninovafapi.emnuvens.com.br/revi...
; Schenker e Costa, 2019SCHENKER, Miriam; COSTA, Daniella H. Avanços e desafios da atenção à saúde da população idosa com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 4, p. 1.369-1.380, abr. 2019. Doi: 10.1590/1413-81232018244.01222019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2019.v24n4/1369-1380 /. Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielosp.org/article/csc/201...
). A deficiência de recursos humanos, o planejamento imediatista e não longitudinal, a formação biomedicalizada dos profissionais da saúde e o comum paternalismo no atendimento são os principais desafios para a implantação de um modelo assistencial integral em saúde da pessoa idosa (Carvalho e Hennington, 2015CARVALHO, Claudia R. A.; HENNINGTON, Élida A. A abordagem do envelhecimento na formação universitária dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia , Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 417-431, jun. 2015. Doi: 10.1590/1809-9823.2015.14054. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbgg/a/9bR6PxTwk4kQZC4fgQYXkFs/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/rbgg/a/9bR6PxTwk...
; Coelho, Motta e Caldas, 2018COELHO, Lívia P.; MOTTA, Luciana B.; CALDAS, Célia P. Rede de atenção ao idoso: fatores facilitadores e barreiras para implementação. Physis: Revista de Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, e280404, 2018. Doi: 10.1590/S0103-73312018280404 Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/CbfBzzx3MZZf6TGyYgMhbkc/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/physis/a/CbfBzzx...
).

Significações atribuídas à visita domiciliar segundo vivências profissionais da ACS

Os discursos foram analisados e identificaram-se três categorias principais, que estavam interligadas. Embora não tenha sido possível identificar um conceito universal que simbolize a VD no cotidiano das ACSs, entende-se que ela seja a principal tarefa realizada com os usuários idosos. O Quadro 1 mostra uma subcategorização de entendimentos multidimensionais que poderiam ajudar em uma abordagem conceitual.

Quadro 1
Síntese dos discursos das agentes comunitárias de saúde acerca da visita domiciliar a pessoas idosas, Foz do Iguaçu, Paraná, 2021.

Notou-se a descrição do território vinculada à produção de análises epidemiológicas, quer no nível micro (quando referiram o aproveitamento nas UBS-ESF dos dados coletados), quer no nível macro (quando indicaram a relevância para os relatórios municipais) da gestão sanitária. De certo modo, a fala das profissionais remete à questão da avaliação e planejamento em saúde, ambos beneficiados justamente porque, por meio da VD, é possível sistematizar, organizar e documentar mudanças no perfil de saúde das comunidades. Nesse sentido, a importância da VD se enfatiza por ser uma atividade que permite conhecer a realidade e avaliar os determinantes do processo saúde-doença no cenário real em que a pessoa idosa e sua família vivem (Andrade et al., 2014ANDRADE, Ademilde M. et al. Visita domiciliar: validação de um instrumento para registro e acompanhamento dos indivíduos e das famílias. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 23, n. 1, p. 165-175, jan./mar. 2014. Doi: 10.5123/S1679-49742014000100016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/cT3bPBCtdq7CbQ3p3T7tsqJ/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/ress/a/cT3bPBCtd...
).

Nas lentes da ESF, o território é visto mais como um espaço geograficamente delimitado, que abrange um determinado número de usuários. Todavia, vale retomar o exposto por Moraes e Canôas (2013MORAES, Denise E.; CANÔAS, Sílvia S. O conceito de “território” e seu significado no campo da atenção primária à saúde. Revista Desenvolvimento Social, v. 1, n. 9, p. 49-57, 2013. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/rds/article/view/1755 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.periodicos.unimontes.br/inde...
, p. 55) ao indicarem que o território “não pode ser entendido apenas como uma região administrativa, mas como um lugar de apropriação de direitos e saberes de determinados grupos de atores sociais que possuem uma identidade com aquele território que foi sendo construída no decorrer da história”. Desse modo, o território se define por comportamentos grupais e se insere em uma perspectiva social orientada por diferentes arranjos. Reforçando esses argumentos, Faria e Paiva (2020FARIA, Cintya C. M. V.; PAIVA, Carlos H. A. O trabalho do agente comunitário de saúde e as diferenças sociais no território. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, supl. 1, e0025183, 2020. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00253. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/8q9cCFQWWnvb6P93MxVJ9Zb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/tes/a/8q9cCFQWWn...
) comentam que,

Ao realizar sua intercomunicação com o território, o ACS é recebido, portanto, também como representante do governo na comunidade. Sua atuação surge tanto como um sujeito solidário quanto como um facilitador de cidadania. Quando os papéis se invertem, ou seja, quando o ACS passa a representar a comunidade em seu serviço, os conflitos surgem, já que ele emerge como um mediador de problemas e soluções, mas também é percebido como alguém que potencializa as reivindicações da população (Faria e Paiva, 2020FARIA, Cintya C. M. V.; PAIVA, Carlos H. A. O trabalho do agente comunitário de saúde e as diferenças sociais no território. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, supl. 1, e0025183, 2020. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00253. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/8q9cCFQWWnvb6P93MxVJ9Zb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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, p. 3).

Na fala das ACS se destacam as dificuldades de acesso aos serviços e programas oferecidos no município. Nesse ínterim, percebe-se a adoção de comportamentos prementes, que visam oferecer opções de cuidado conforme a autonomia e independência da pessoa (haja vista a renovação de receitas farmacológicas para aqueles idosos com limitações de locomoção). Assis e Jesus (2012ASSIS, Maria M. A.; JESUS, Washington L. A. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 11, p. 2.865-2.875, nov. 2012. Doi: 10.1590/S1413-81232012001100002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/QLYL8v4VLzqP6s5fpR8mLgP/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/csc/a/QLYL8v4VLz...
) explicam que a utilização dos serviços de saúde é mediada por três tipos de fatores individuais, tais como: predisponentes (idade), capacitantes (oferta de serviços) e determinantes (necessidades de saúde). Intervenções que escapam da lista predefinida de tarefas da ACS têm sido descritas em outras localidades do Brasil (Pedraza et al., 2018PEDRAZA, Dixis F. et al. Acessibilidade às Unidades Básicas de Saúde da Família na perspectiva de idosos. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 923-933, mar. 2018. Doi: 10.1590/1413-81232018233.11702016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/KvCp 8kfFmhFBWG7HZNWHSby/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/csc/a/KvCp 8kfFm...
; Placideli et al., 2020PLACIDELI, Nádia et al. Avaliação da atenção integral ao idoso em serviços de atenção primária. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 54, n. 6, 2020. Doi: 10.11606/s1518-8787.2020054001370. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/165861 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.revistas.usp.br/rsp/article/...
), comprovando que o trabalho em saúde, seja qual for a categoria profissional, não se dá de forma coesa (Andrade et al., 2014ANDRADE, Ademilde M. et al. Visita domiciliar: validação de um instrumento para registro e acompanhamento dos indivíduos e das famílias. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 23, n. 1, p. 165-175, jan./mar. 2014. Doi: 10.5123/S1679-49742014000100016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/cT3bPBCtdq7CbQ3p3T7tsqJ/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/ress/a/cT3bPBCtd...
; Faria e Paiva, 2020FARIA, Cintya C. M. V.; PAIVA, Carlos H. A. O trabalho do agente comunitário de saúde e as diferenças sociais no território. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, supl. 1, e0025183, 2020. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00253. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/8q9cCFQWWnvb6P93MxVJ9Zb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/tes/a/8q9cCFQWWn...
).

A pretensão maior da ESF é justamente a de aproximar os serviços e programas de saúde à realidade existencial dos usuários, incluindo usuários domiciliados e comunitários (Brasil, 2017BRASIL. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), legitimando, assim, as diretrizes de coordenação e longitudinalidade do cuidado, população adscrita, ordenação da rede e, com especial menção, participação da comunidade (Lopes e Carvalho, 2022LOPES, Wellington P.; CARVALHO, Brigida G. Práticas colaborativas em unidades básicas de saúde e o papel da gerência. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, Uberaba, v. 10, n. 2, p. 253-268, 2022. Doi: 10.18554/refacs.v10i2.5414. Disponível em: https://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/5414 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Portanto, a função relatada pelas ACSs responde ao argumento da integralidade na assistência prestada à pessoa idosa, pois articula soluções alternativas para as barreiras e os entraves enfrentados pelos usuários idosos. Aspectos similares são apontados por Brasil et al. (2021)BRASIL, Christina C. P. et al. Percepções de profissionais sobre o agente comunitário de saúde no cuidado ao idoso dependente. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 109-118, jan. 2021. Doi: 10.1590/1413-81232020261.31992020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/9cKzHyybpfsZ8yFNNtsXBjk/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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, ao destacarem o trabalho domiciliar da ACS com idosos dependentes. Na visão dos autores, a ACS “amplia a captação dessa população para acessar cuidados primários (busca ativa), possibilita a estratificação de risco, a identificação de doenças e aproxima as demandas dos idosos às UBS” (Brasil et al., 2021BRASIL, Christina C. P. et al. Percepções de profissionais sobre o agente comunitário de saúde no cuidado ao idoso dependente. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 109-118, jan. 2021. Doi: 10.1590/1413-81232020261.31992020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/9cKzHyybpfsZ8yFNNtsXBjk/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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, p. 113).

Neste estudo houve certo alinhamento discursivo entre as categorias ‘território epidemiológico’ e ‘vida em comunidade’. O elemento social seria uma construção coletiva, um somatório de vivências e características indistintas; porém, a vida, mesmo compartilhada em termos de tempo e espaço, não aporta iguais experiências entre o usuário idoso e a ACS. À vista disso, não se fala simplesmente na idade como circunstância definidora da velhice, mas todos aqueles elementos que constroem as histórias e os contatos entre ambas as partes. A junção entre o físico e o social expõe particularidades sociossanitárias em que o continuum saúde-doença-cuidados se (re)produz, vez que o modo em que as comunidades interagem com o meio influencia diretamente todos os ciclos vitais, desde o nascimento até a velhice. Daí que a VD propulsiona o estabelecimento de relações que desarvoram o tangível, como o são o vínculo entre a ACS e o sentimento de pertença à coletividade da pessoa idosa.

Aliás, sentir-se parte da comunidade tem sido informado na literatura gerontológica como um fator de proteção contra quadros de depressão e isolamento social (Bernardo e Carvalho, 2020BERNARDO, Lilian D.; CARVALHO, Claudia R. A. O papel do engajamento cultural para idosos: uma revisão integrativa da literatura. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, e190141, 2020. Doi: 10.1590/1981-22562020023.190141. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbgg/a/bm4KygNqHKR8QF4QQFdGZbj/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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) ao permitir que pessoas idosas compartilhem pensamentos, interesses e atividades e participem em associações (Oliveira et al., 2017OLIVEIRA, Beatriz C. et al. Avaliação da qualidade de vida em idosos da comunidade. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 30, n. 3, p. 1-10, jul./set. 2017. Doi: 10.5020/18061230.2017.5879 Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/5879 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/...
), promovendo a prática de atividade física (Cardoza et al., 2017CARDOZA, Loren M. S. et al. Conhecimentos e práticas sobre fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, em idosos de um bairro de Foz do Iguaçu, Paraná, adscritos à estratégia saúde da família. Revista de APS, Juiz de Fora, v. 20, n. 4, p. 575-586, out./dez. 2017. Doi: 10.34019/1809-8363.2017.v20.15905. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15905 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps...
) e a percepção positiva da qualidade de vida (Banhato, Ribeiro e Guedes, 2018BANHATO, Eliane F. C.; RIBEIRO, Pricila C. C.; GUEDES, Danielle V. Satisfação com a vida em idosos residentes na comunidade. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 18-26, jul./dez. 2018. Doi: 10.12957/rhupe.2018.40807. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistahupe/article/view/40807 . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
).

Além da convivência com outras pessoas idosas, a vida em comunidade proporciona a possibilidade de instituir redes de apoio às quais recorrer quando for preciso. Esse apoio pode ser de natureza emocional, financeira ou instrumental (Guedes et al., 2017GUEDES, Marcelo B. O. G. et al. Apoio social e cuidado integral à saúde do idoso. Physis: Revista de Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 1.185-1.204, out./dez. 2017. Doi: 10.1590/S0103-73312017000400017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/6Y9mMDxxqzzT8Lzww7tXW7N/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/physis/a/6Y9mMDx...
). É esperado que nesse intercâmbio surja o fortalecimento das relações sociais, da confiança, da cooperação e da reciprocidade, mas não se deve ignorar a chance de situações estressoras emergirem, que testem a capacidade de resiliência e de socialização da pessoa idosa, como é o caso dos grupos de convivência e as universidades abertas à terceira idade (Amthauer e Falk, 2017AMTHAUER, Camila; FALK, João W. Discursos dos profissionais de saúde da família na ótica da assistência à saúde do idoso. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental (online), Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 99-105, 2017. Doi: 10.9789/2175-5361.2017.v9i1.99-105. Disponível em: http://seer.unirio.br/cuidadofundamental/article/view/5004 . Acesso em: 28 mar. 2024.
http://seer.unirio.br/cuidadofundamental...
).

Certas concepções biomédicas plasmadas nos discursos das ACSs expuseram clínicas da práxis gerontológica, nas quais o cuidado semelhou estar mais centrado na patologia do que na integralidade da pessoa. Consoante com a lei n. 13.395, de 5 de janeiro de 2018, que dispõe sobre a reformulação das atribuições, jornada e condições de trabalho do ACS, embora não sejam atribuições profissionais realizar intervenções propriamente assistenciais, tarefas como aferir a pressão arterial e renovar receitas podem ser requisitadas em determinadas ocasiões (Brasil, 2018BRASIL. Lei n. 13.595, de 5 de janeiro de 2018. Altera a lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. Brasília, DF: Presidência da República , 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13595.htm . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Assim, a categoria ‘abordagem clínica’ agrupou atitudes imediatistas que evocam tarefas que devem ser resolvidas prontamente, caso contrário, o estado de saúde da pessoa idosa poderia se agravar. Aqui serve retomar o senso de responsabilidade endereçado pelas profissionais, reafirmando sua dedicação aos indivíduos que vivem em sua área de atuação. Similar a esses achados, Pinto et al. (2017PINTO, Antonio G. A. et al. Vínculos subjetivos do agente comunitário de saúde no território da estratégia saúde da família. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 789-802, 2017. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00071. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/5RjYgPrMjPmZnhTbBzQGy9p/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), Carrapato, Castanheira e Placideli (2018CARRAPATO, Josiane F. L.; CASTANHEIRA, Elen R. L.; PLACIDELI, Nádia. Percepções dos profissionais da saúde da atenção primária sobre qualidade no processo de trabalho. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 518-530, abr./jun. 2018. Doi: 10.1590/S0104%2D12902018170012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/PmjC6YSs8SYzmWLrd7ccHJH/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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) e Carvalho et al. (2022CARVALHO, Daniel J. G. et al. Atuação dos residentes multiprofissionais em saúde da família na capacitação de agentes comunitários de saúde: relato de experiência. Revista Ciência Plural, Natal, v. 8, n. 1, e25324, 2022. Doi: 10.21680/2446-7286.2022v8n1ID25324. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/25324 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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) ressaltam o protagonismo da profissional ACS no agir com as pessoas idosas, envolvendo a visão humanizada e holística como ferramenta de acompanhamento nas VDs.

A estratificação de riscos e do estado de saúde são algumas das ações mais relevantes desenvolvidas pela ACS na VD com idosos, no ambiente residencial tanto interno quanto externo. Para realizá-las corretamente, as ACS devem ter o conhecimento teórico e prático para identificar cenários comuns nessa população e a consequente abordagem resolutiva. Estudos reiteram a necessidade de reorganizar a formação da ACS (Dantas et al., 2018DANTAS, Débora S. G. et al. A formação dos agentes comunitários de saúde em educação popular: implicação na produção do cuidado na Estratégia Saúde da Família. Motricidade, Portugal, v. 14, n. 1, p. 157-163, 2018. Disponível em: https://scielo.pt/pdf/mot/v14n1/v14n1a21.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), incluindo estratégias de aprimoramento permanente e continuado (Nascimento et al., 2020 NASCIMENTO, Ricardo C. S. et al. A importância do agente comunitário de saúde no envelhecimento ativo. Brazilian Journal of Development, São José dos Pinhais, v. 6, n. 5, p. 24757-24765, 2020. Doi: 10.34117/bjdv6n5-071 Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/9597 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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), diante da complexidade que envolve a assistência geriátrica-gerontológica (Placideli e Ruiz, 2015PLACIDELI, Nádia; RUIZ, Tania. Educação continuada em gerontologia para agentes comunitários de saúde. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 10, n. 36, jul./set. 2015. Doi: 10.5712/rbmfc10(36)948. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/948 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Fortes et al., 2016FORTES, Keila M. G. S. et al. Formação do agente comunitário de saúde da família na atenção ao idoso. Revista de Enfermagem UFPE (on line), Recife, v. 10, n. 1, p. 211-217, 2016. Doi: 10.5205/1981-8963-v10i1a10942p211-217-2016. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10942 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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; Toledo et al., 2021TOLEDO, Renata F. et al. Processo participativo para o mapeamento de determinantes socioambientais de saúde por agentes comunitárias: contribuições para a gestão e o planejamento urbano. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, Rio de Janeiro, v. 56, n. 4, p. 564-576, 2021. Doi: 10.5327/Z217694781035. Disponível em: https://www.rbciamb.com.br/Publicacoes_RBCIAMB/article/view/1035 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Outrossim, destacam a importância dos conhecimentos gerontológicos, já que dita profissional “tem a função de fazer o intercâmbio entre comunidade e os serviços de saúde, pois traz as informações e necessidades da comunidade para a equipe multiprofissional e, também, retorna-as à população” (Dourado et al., 2018DOURADO, Alisson M. et al. Percepção dos agentes comunitários de saúde sobre conhecimentos gerontológicos: revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde , São Paulo, n. 13, p. S1464-S1471, 2018. Disponível em: https://www.acervosaude.com.br/doc/REAS123.pdf . Acesso em: 28 mar. 2024.
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, p. 1469).

Como limitações deste estudo, serve considerar o método adotado para a coleta de dados, uma vez que os questionários on line, também chamados de e-surveys, apresentam como pontos fracos a baixa versatilidade de respostas, o baixo controle amostral, o baixo índice de resposta e a baixa possibilidade de verificação de resposta (Neves, Augusto e Terra, 2020NEVES, Catarina; AUGUSTO, Cláudia; TERRA, Ana L. Questionários on line: análise comparativa de ferramentas para criação e aplicação de e-surveys. AtoZ: Novas Práticas em Informação e Conhecimento, Curitiba, v. 9, n. 2, p. 69-78, jun./dez. 2020. Doi: 10.5380/atoz.v9i2.75826. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/atoz/article/view/75826/41905 . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Ciente disso, tal método foi escolhido prioritariamente por causa da crise sanitária decorrente do novo coronavírus 2019, ademais de ter representado baixo custo, alta garantia de anonimato e alta uniformidade da mensuração (Faleiros et al., 2016FALEIROS, Fabiana. et al. Uso do questionário online e divulgação virtual como estratégia de coleta de dados em estudos científicos. Texto & Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 25, n. 4, e3880014, 2016. Doi: 10.1590/0104-07072016003880014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/Hjf6ghPxk7LT78W3JBTdpjf/abstract/?lang=pt . Acesso em: 28 mar. 2024.
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). Como estratégia de apuração da taxa de resposta, foram disparados e-mails e recordatórios aos gerentes das UBS-ESF, com frequência semanal.

O principal ponto forte deste estudo está no fato de ter sido a primeira análise municipal de cunho gerontológico realizada com profissionais da categoria ACS. Com base nos achados, as equipes da ESF podem decifrar e validar mecanismos de qualificação e aperfeiçoamento que auxiliem os demais profissionais da saúde que prestam cuidados à saúde da pessoa idosa no âmbito da atenção domiciliar. Para assim acontecer, caberá à Diretoria de APS, como órgão responsável perante a Secretaria Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu, promover atividades de educação permanente e continuada envolvendo temáticas geriátrico-gerontológicas, bem como fortalecer o vínculo e a participação da comunidade idosa. A rede de atenção integral à saúde da pessoa idosa experimenta benefícios conexos por meio da expansão e do reconhecimento das características dos usuários e usuárias de maior idade acompanhados em todos os distritos sanitários. Considerando que os atos em saúde e de saúde não são (re)produzidos apenas em espaços institucionais, a análise acerca da situação extrainstitucional se julga significativa para a gestão da saúde pública iguaçuense.

Considerações finais

O estudo constatou que a VD é a principal atividade desenvolvida pelas ACSs com a comunidade idosa, que não existe uma definição conceitual universal para essa ação e que ela pode ocorrer de forma espontânea, embora o planejamento e o agendamento geralmente ocorram com antecedência. A heterogeneidade atribuída pelas ACSs à práxis gerontológica merece atenção, pois denota as inúmeras realidades presentes na abordagem contemporânea da saúde da pessoa idosa, inclusive somando outros enfoques assistenciais, como o da atenção centrada no indivíduo e o da clínica compartilhada.

Visto que a ACS não é a única profissional da ESF que deve realizar VD com pessoas idosas, recomenda-se esse tipo de investigação com as demais categorias profissionais. A combinação de visões multiprofissionais e multidisciplinares proporcionaria uma compreensão mais abrangente das reais condições de vida e saúde dos usuários idosos sob a perspectiva da parte prestadora de serviços. Isso reforçaria os princípios doutrinários e as diretrizes organizacionais do SUS. Além disso, recomenda-se estender esse tipo de pesquisa à população idosa que recebe atendimento médico para avaliar externamente a qualidade dos programas e serviços prestados pelo sistema de saúde local em Foz do Iguaçu.

Referências

  • Financiamento

    Não houve financiamento de nenhuma natureza para a realização deste estudo.
  • Aspectos éticos

    O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário União das Américas (UNIAMÉRICA) em junho de 2021, com CAAE n. 45010621.0.0000.9607 e parecer n. 4.758.232. A aprovação institucional também foi obtida da Secretaria Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu, Paraná, por meio do Protocolo Municipal, conforme requerimento n. 5530/2021.
  • Apresentação prévia

    Este trabalho é resultante da dissertação de mestrado de Roberth Steven Gutiérrez Murillo, intitulada Atenção à saúde do idoso na Estratégia Saúde da Família: encontros e desencontros da assistência integral em município brasileiro de tríplice fronteira, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gerontologia, da Universidad Europea del Atlántico, Santander, Espanha, em 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2023
  • Aceito
    08 Mar 2024
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