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Violência armada no contexto de trabalho da Atenção Primária à Saúde: o Programa Acesso Mais Seguro

Armed violence in the context of Primary Health Care work: the Safer Access Program

La violencia armada en el contexto del trabajo de Atención de la Salud Primaria: el Programa Acceso Más Seguro

Resumo

O objetivo deste estudo foi compreender a construção e a atuação dos planos de ação para usar a ferramenta Acesso Mais Seguro na Atenção Primária de Porto Alegre. Para tanto, realizou-se um estudo qualitativo e descritivo-exploratório, com grupos focais, aplicação de questionários sociodemográficos e exame dos planos de ação. Participaram do estudo 33 profissionais de oito unidades de saúde. A análise dos dados das discussões focais chegou a três categorias: avaliação do risco de violência; funcionamento do Acesso Mais Seguro; e atuação do grupo de tomada de decisão. Os resultados demonstram que a ferramenta auxilia as equipes de saúde em momentos de risco de violência. Porém, são necessárias melhorias no processo de notificações e na comunicação entre os profissionais, os setores e a comunidade, aprimorando a utilização dos planos de ação. Assim, para compreender o verdadeiro significado do Programa Acesso Mais Seguro, é preciso interpretá-lo no contexto de trabalho, caracterizado pela precarização das condições laborais, que leva o poder público a terceirizar a solução do problema da violência contra os profissionais de saúde.

Palavras-chave
violência; saúde; trabalho; risco; comunicação

Abstract

This study aimed to understand the construction and performance of action plans to use the Safer Access tool in Primary Care in Porto Alegre city, Rio Grande do Sul, Brasil. To this end, a qualitative and descriptive-exploratory study was carried out, with focus groups, application of sociodemographic questionnaires and examination of action plans. Thirty-three professionals from eight health units participated in the study. The analysis of the data from the focal discussions reached three categories: assessment of the risk of violence; functioning of Safer Access; and performance of the decision-making group. The results demonstrate that the tool assists health teams in times of risk of violence. However, improvements are needed in the notification process and communication between professionals, sectors and the community, improving the use of action plans. Thus, to understand the true meaning of the Safer Access Program, it is necessary to interpret it in the work context, characterized by the precariousness of working conditions, which leads the government to outsource the solution to the problem of violence against health professionals.

Keywords
violence; health; work; risk; communication

Resumen

El objetivo del estudio fue comprender la construcción e implementación de los planes de acción para la utilización de la herramienta Acceso Seguro en la Atención Primaria en la ciudad de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Para ello, se realizó un estudio cualitativo, descriptivo-exploratorio, utilizando grupos focales, cuestionarios sociodemográficos y examen de los planes de acción. Participaron en el estudio 33 profesionales de ocho centros de salud. Los datos de los grupos de discusión se agruparon en tres categorías: evaluación del riesgo de violencia, funcionamiento del Acceso Más Seguro y actuación del grupo de toma de decisiones. Los resultados muestran que la herramienta ayuda a los equipos sanitarios cuando existe riesgo de violencia. Sin embargo, es necesario mejorar el proceso de notificación y la comunicación entre los profesionales, los sectores y la comunidad, mejorando el uso de los planes de acción. A fin de comprender el verdadero significado del Programa Acceso Más Seguro, es necesario interpretarlo en el contexto laboral, caracterizado por la precariedad de las condiciones de trabajo, que lleva a los poderes públicos a subcontratar la solución del problema de la violencia contra los profesionales de la salud.

Palabras clave
violencia; salud; trabajo; riesgo; comunicación

Introdução

A violência contra profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde vem sendo identificada em vários estudos (Barbar, 2018 BARBAR, Ana E. M. Atenção Primária à saúde e territórios latino-americanos marcados pela violência. Revista Panamericana Salud Publica, Washington, v. 42, e142, 2018. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142 . Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e142/ . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142...
; Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
). Na última conferência da Organización Internacional del Trabajo (OIT), ocorrida em 2019, a violência e o assédio no trabalho foram definidos como um conjunto de comportamentos e práticas que causam ou podem causar danos físicos, psicológicos, sexuais e econômicos aos trabalhadores (Organización Internacional del Trabajo, 2019 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Convenio 190: Convenio sobre la eliminación de la violencia y el acoso en el mundo de trabajo. In: CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 108., Genebra. [Anais]. Genebra: OIT, 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/\-\--ed_norm/\-\--relconf/documents/meetingdocument/wcms_711719.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
). Conforme a Organização Mundial da Saúde, a violência física atinge entre 8% e 38% dos profissionais de saúde durante suas trajetórias profissionais e impacta negativamente na saúde dos atingidos, provocando consequências psicológicas e reduzindo a motivação para o trabalho (World Health Organization, 2019 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Preventing violence against health workers. WHO: Genebra, 2019. Disponível em: https://www.who.int/activities/preventing-violence-against-health-workers . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.who.int/activities/preventin...
).

No contexto mais específico da Atenção Primária à Saúde, estudos mostram que a violência armada vem trazendo consequências físicas aos profissionais de saúde (Santos, Silva e Branco, 2017 SANTOS, Milena S.; SILVA, Juliana G.; BRANCO, July G. O. O enfrentamento à violência no âmbito da Estratégia Saúde da Família: desafios para a atenção em saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 30, n. 2, p. 229-238, abr./jun. 2017. https://doi.org/10.5020/18061230 . Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/5895/pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5020/18061230...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
). A Organisation for Economic Co-operation and Development ( 2009ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Armed violence reduction: enabling development. 1. ed. Paris: OECD, 2009. , p. 28, tradução nossa) define que “a violência armada consiste no uso ou ameaça do uso de armas para infligir lesões, morte ou danos psicossociais”. Esse tipo de violência representa uma ameaça aos profissionais que atuam nos serviços de saúde, pois prejudica a saúde física e mental e se caracteriza, também, como violência no trabalho (Organización Internacional del Trabajo, 2019 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Convenio 190: Convenio sobre la eliminación de la violencia y el acoso en el mundo de trabajo. In: CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 108., Genebra. [Anais]. Genebra: OIT, 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/\-\--ed_norm/\-\--relconf/documents/meetingdocument/wcms_711719.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
). Além disso, estudos indicam que a violência armada causa algumas limitações na assistência à saúde, entre elas: dificuldade de acesso aos domicílios, dificuldade para circulação das equipes de saúde no território e diminuição da frequência da população nas unidades de saúde por medo (Santos, Silva e Branco, 2017 SANTOS, Milena S.; SILVA, Juliana G.; BRANCO, July G. O. O enfrentamento à violência no âmbito da Estratégia Saúde da Família: desafios para a atenção em saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 30, n. 2, p. 229-238, abr./jun. 2017. https://doi.org/10.5020/18061230 . Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/5895/pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5020/18061230...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
).

Devido a este cenário, alguns autores referem que é um desafio a atuação de profissionais nas unidades de saúde localizadas em territórios caracterizados pela violência armada (Barbar, 2018 BARBAR, Ana E. M. Atenção Primária à saúde e territórios latino-americanos marcados pela violência. Revista Panamericana Salud Publica, Washington, v. 42, e142, 2018. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142 . Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e142/ . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142...
; Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
). Essa violência é uma realidade nas grandes cidades brasileiras, principalmente nas regiões periféricas, por conta de um processo de urbanização desordenado e precariamente estruturado, que permitiu a formação de comunidades onde o controle do crime e da violência não acontece de forma efetiva pelo poder público. Tal fato tem facilitado o surgimento de organizações criminosas, que acabam obtendo o controle dessas áreas e as tornam pontos estratégicos para venda de drogas, além de locais de disputas territoriais e de circulação de armas de fogo, aumentando, assim, o risco de violência armada (Cavalcanti, 2017 CAVALCANTI, Ricardo C. As dinâmicas da violência urbana na América Latina. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v.7, n. 2, p. 226-251, jul./dez. 2017. https://doi.org/10.5902/2236672531915 . Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/31915/17577 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5902/2236672531915...
; Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
).

No Rio Grande do Sul, a taxa de homicídios provocados por armas de fogo está em crescimento desde o último século, passando de 2,92/100 mil habitantes em 1980 para 12,02/100 mil habitantes em 2021 (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2024 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Taxa de homicídios por armas de fogo. IPEA, 2024. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/35 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/d...
). E Porto Alegre, a capital do estado, também tem demonstrado uma escalada da violência, com um aumento de 24,8% no número de mortes violentas intencionais em 2022 em relação ao ano anterior, superando as demais capitais da região Sul. A taxa em Porto Alegre é de 30/100 mil habitantes, contra 9,9 em Florianópolis e 22,1 em Curitiba (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023 FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
). Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), 76,5% das mortes violentas intencionais no Brasil foram praticadas com o uso de armas de fogo (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023 FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
).

A violência armada – causada pelo uso de armas de fogo – gera insegurança e medo e pode levar ao adoecimento de trabalhadores que atuam na Atenção Primária à Saúde, além de causar prejuízo ao funcionamento desses serviços (Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
). Esse tipo violência, que inclui tiroteios, confrontos e balas perdidas, ocorre com frequência nas regiões mais vulneráveis e que fazem parte das periferias das grandes cidades, resultando em graves consequências sociais (Santos, Silva e Branco, 2017 SANTOS, Milena S.; SILVA, Juliana G.; BRANCO, July G. O. O enfrentamento à violência no âmbito da Estratégia Saúde da Família: desafios para a atenção em saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 30, n. 2, p. 229-238, abr./jun. 2017. https://doi.org/10.5020/18061230 . Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/5895/pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5020/18061230...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
).

Por esse motivo, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre ( 2016a PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 1º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016a. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_de_gestao_1_quadrimestre_de_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
), em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, introduziu o Programa Acesso Mais Seguro, desenvolvido para o enfrentamento da violência armada, através do uso de protocolos, que são construídos por gestores juntamente com profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde, para que possam ser usados em momentos de risco de violência armada, protegendo-os. A iniciativa de enfrentamento da violência em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha já está implementada no Brasil desde 2009, quando se desenvolveu um projeto piloto no Rio de Janeiro, com ações específicas e direcionadas às populações afetadas pela violência armada, resultando em ações integradas para as áreas da saúde e da educação (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2023 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais: Resumo Executivo. Brasília, DF: CICV, 2023. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-resumo-executivo . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
). A estratégia também foi realizada em outras grandes cidades do Brasil, das regiões Sul, Sudeste e Nordeste, como São Paulo, Fortaleza, Florianópolis, Duque de Caxias e Vila Velha (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
; Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2023 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais: Resumo Executivo. Brasília, DF: CICV, 2023. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-resumo-executivo . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
).

Tal decisão teve como finalidade desenvolver protocolos de atuação na Atenção Primária para reduzir a exposição dos profissionais de saúde à violência (Porto Alegre, 2016a PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 1º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016a. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_de_gestao_1_quadrimestre_de_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
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, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
). Assim, pactuaram-se previamente planos de ação entre gestão e profissionais da área da saúde que atuam nesses locais. Para a elaboração dos planos de ação, consideraram-se as particularidades dos territórios de cada unidade de saúde e a necessidade de as equipes agirem com autonomia nas decisões mediante sinais verificados nos territórios (Porto Alegre, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
).

Para a utilização do Acesso Mais Seguro, houve a necessidade de sensibilização dos gerentes e coordenadores das unidades de saúde, uma vez que foi preciso adaptar essa ferramenta à realidade local, com identificação de riscos inerentes à violência armada e elaboração de planos específicos para cada unidade de saúde (Porto Alegre, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
). Além disso, realizaram-se capacitações para que profissionais implementassem as ações nas áreas (Porto Alegre, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
; Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2020 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais. Brasília, DF: CICV, 2020. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
).

Este estudo teve como objetivo compreender o processo de construção e atuação dos planos de ação do Acesso Mais Seguro, mediante a avaliação da classificação de risco, do uso e do funcionamento dessa ferramenta e da identificação da forma de atuar dos grupos de tomada de decisão. Esses grupos são constituídos por profissionais de cada unidade de saúde, definidos pelas próprias equipes, cujos nomes e atribuições estão descritos nos planos de ação, ficando, assim, responsáveis por tomarem decisões em momentos de violência armada ou risco de violência.

O enfrentamento da violência armada nas cidades é necessário, principalmente nas regiões periféricas dominadas por organizações criminosas, pois ela atua como uma barreira de acesso às unidades de saúde e vem se tornado constante no cotidiano das pessoas que vivem nessas regiões. Além disso, a violência armada dificulta as atividades dos profissionais das unidades de saúde que atuam nos territórios. Muitas vezes, eles encontram dificuldades para transitar nos locais e realizar atendimentos de saúde devido às imposições dessas organizações (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
).

Metodologia

Este estudo tem características metodológicas qualitativas e descritivo-exploratórias (Minayo, 2014MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2014. ). Foi desenvolvido em unidades de saúde com equipes da Estratégia Saúde da Família (eSFs) de três regiões de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Participaram do estudo profissionais pertencentes às unidades com eSFs da capital gaúcha com certificação para o uso da ferramenta Acesso Mais Seguro, que integravam o grupo de tomada de decisão e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Excluíram-se da pesquisa profissionais que estavam de férias, afastados ou em licença médica, no momento da coleta dos dados, e os que não aceitaram assinar o TCLE. Não se incluiu no estudo a unidade em que a pesquisadora atuava.

A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade La Salle e da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre. Foram realizados grupos focais em oito unidades de saúde seguindo um roteiro de perguntas semiestruturadas e abertas referentes à proposta do estudo, baseadas na revisão da literatura. A coleta de dados ocorreu nos meses de abril e maio de 2019, com encontros únicos em cada unidade. O número de participantes de cada grupo foi: 5 (3 grupos), 6 (1 grupo), 4 (1 grupo), 3 (2 grupos), 2 (1 grupo).

O tempo de duração para cada encontro foi de uma hora. Para preservar a identidade dos participantes, empregaram-se nomes de frutas. Para facilitar as análises, gravaram-se áudios durante o grupo focal, transcritos posteriormente na íntegra. Solicitou-se aos entrevistados uma cópia do plano de ação do Acesso Mais Seguro desenvolvido na unidade de saúde para avaliação.

Executou-se a técnica de análise de conteúdo conforme Bardin ( 2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. ), cumprindo-se as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. A matriz teórica de discussão dos dados foi a hermenêutica crítica, que interpreta os significados dos resultados com base no contexto em que acontece o fenômeno (Minayo, 2014MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2014. ; Ricoeur, 2019RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. Petrópolis: Vozes, 2019. ), permitindo uma leitura crítica dos resultados.

Resultados e discussão

Para responder aos objetivos propostos, analisaram-se, primeiramente, as informações coletadas com o questionário sociodemográfico e, a posteriori , as análises dos grupos focais com base na análise de conteúdo de Bardin ( 2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. ).

A descrição das características dos participantes deste estudo está descrita na Tabela 1 .

Tabela 1
- Caracterização dos participantes da pesquisa, 2019.

Nota-se, pela Tabela 1 , que houve o predomínio de profissionais do sexo feminino, dados reafirmados como representativos do setor de saúde (Machado et al., 2016 MACHADO, Cynthia B. et al. Violência urbana e repercussão nas práticas de cuidado no território da saúde da família. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 24, n. 5, e25458, 2016. https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.25458 . Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/25458 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.254...
; Sturbelle et al., 2020 STURBELLE, Isabel C. S. et al. Workplace violence types in family health, offenders, reactions, and problems experienced. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, e20190055, 2020. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0055 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/56cYqDgKHCR4tHxMLZWsgrv/?lang=en . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
; Fabri et al., 2022 FABRI, Natalia V. et al. Violência laboral e qualidade de vida profissional entre enfermeiros da atenção primária. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 35, eAPE0362345, 2022. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO0362345 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/9yYM8LBX5Ys5DrZLrsMNVwD/abstract/?lang=pt# . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO...
). A média de idade (42,51) está um pouco acima do encontrado em outros estudos da mesma área (Machado et al., 2016 MACHADO, Cynthia B. et al. Violência urbana e repercussão nas práticas de cuidado no território da saúde da família. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 24, n. 5, e25458, 2016. https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.25458 . Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/25458 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.254...
; Sturbelle et al., 2020 STURBELLE, Isabel C. S. et al. Workplace violence types in family health, offenders, reactions, and problems experienced. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, e20190055, 2020. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0055 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/56cYqDgKHCR4tHxMLZWsgrv/?lang=en . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
; Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
) e se deve à idade média dos agentes comunitários de saúde (ACSs) (46,9), superior aos demais participantes da pesquisa (42,6). A informação se confirma pela predominância desses profissionais na atuação dos planos de ação, fundamentais para a implementação da ferramenta por conhecerem o território. Em referência ao tempo de atuação na unidade, o que predominou foi acima de cinco anos, o que também se deve ao grande número de ACSs participantes da pesquisa e que atuam, em média, a 10,7 anos no serviço, além do fato de residirem na área. Este quesito atende à lei n. 10.527, de 2002, que criou a profissão de ACS (Brasil, 2002 BRASIL. Lei n. 10.507, de 10 de julho de 2002. Cria a Profissão de Agente Comunitário de Saúde e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/617811/pg-1-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-07-2002 . Acesso em: 23 maio 2024.
http://www.jusbrasil.com.br/diarios/6178...
), contribuindo fortemente para maior permanência na função.

Em relação à escolaridade, prevaleceu o nível médio devido à soma de participantes técnicos de enfermagem e de ACS, predominantes nos grupos tomadores de decisão que participaram do estudo. Entre os integrantes, 14 (42,4%) apresentavam nível superior, 17 (52,5%) com nível médio, um (3%) com ensino fundamental e um (3%) com ensino fundamental incompleto. No que tange à raça ou cor, constatou-se o predomínio da cor branca. Observou-se que outras pesquisas executadas na Atenção Primária não abordaram essa questão. Contudo, de acordo com os dados do Rio Grande do Sul reunidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( 2024 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua: Características gerais dos domicílios e dos moradores 2022. Brasília, DF: IBGE, maio 2024. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102004_informativo.pdf Acesso em: 23 maio 2024.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
), há um predomínio populacional de cor ou raça branca.

De acordo com a Tabela 2 , o uso do Acesso Mais Seguro e a atuação no grupo de tomada de decisão prevaleceram entre um e dois anos e se deve à implantação recente do programa em Porto Alegre, que teve início em 2016 (Porto Alegre, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
).

Tabela 2
. Dados de utilização do Acesso Mais Seguro, 2019.

A análise dos dados produzidos com base nos grupos focais foi feita em torno do tema processo de construção e atuação dos planos de ação do Acesso Mais Seguro na Atenção Primária de unidades que compõem as eSFs. Estruturou-se a verificação em três categorias temáticas: avaliação do risco de violência; funcionamento do Acesso Mais Seguro; e atuação do grupo de tomada de decisão.

Avaliação do risco de violência

A avaliação do risco de violência foi a primeira categoria que surgiu. Os participantes relataram que o início da discussão para a elaboração dos planos de ação do Acesso Mais Seguro ocorreu em uma oficina de capacitação realizada na gerência, com a participação de toda a equipe. Definiram-se colegas para compor os grupos de tomada de decisão, que teriam a responsabilidade de conduzir a equipe em momentos de risco de violência, avaliando um conjunto de sinais e informações trazidas pelos componentes dos grupos e efetuando a classificação de risco. Essa classificação segue uma padronização nas unidades e é definida por três diferentes cores: verde, amarelo e vermelho. Conforme relataram,

[...] se tiver amarelo, é alguma situação que estamos vendo perigo. E vermelho, quando é necessário fechar a unidade porque aconteceu alguma situação extrema [...]. (Melão)

Essa avaliação esteve de acordo com o relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha ( 2020 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais. Brasília, DF: CICV, 2020. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
), presumindo que, para a implementação do Acesso Mais Seguro de forma a garantir a segurança dos profissionais que atuam em regiões violentas, é importante a sensibilização dos gestores e da equipe de tomada de decisão.

Conforme a Organización Internacional del Trabajo ( 2020 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Entornos de trabajo seguros y saludables, libres de violencia y acoso. Genebra: OIT, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/safety-and-health-at-work/resources-library/publications/WCMS_751837/lang\--es/index.htm . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.ilo.org/global/topics/safety...
), a violência armada no local de trabalho é uma ameaça constante à saúde e à segurança dos profissionais. Ela deve ser uma preocupação de governos, com implantação de políticas que regulamentem a prevenção e eliminação desse tipo de violência, necessitando da participação de órgãos profissionais e dos próprios trabalhadores para a redução de riscos.

Os motivos que representam riscos de violência às equipes são vários. No entanto, algumas situações significam um alerta, pois podem ameaçar a vida dos profissionais, como a presença de pessoas de facções criminosas ou ligadas ao tráfico nas unidades. Os profissionais relataram possibilidade de confronto armado com rivais. As situações descritas a seguir podem ocorrer nas unidades de saúde ou no seu território de abrangência e são percebidas como sinais de perigo para os profissionais.

Pessoas feridas aqui. Feridas por tiros. Geralmente são pessoas que trabalham na questão do crime. E são machucadas. Sofrem violência na rua e vêm para fazer os curativos. E acaba, assim, [...] se fica em alerta, porque a qualquer momento pode vir alguém atrás dessa pessoa. (Laranja)

[...] a gente está num buraco na realidade. Por mais que se tente fazer um bom plano de ação. (Melancia)

Esses episódios corroboram outras pesquisas realizadas em contextos similares ao do cenário estudado, como no Rio de Janeiro, onde também há disputas entre diferentes grupos armados que rivalizam pelo monopólio do comércio de drogas, o que faz com que os impactos sejam percebidos na Atenção Primária à Saúde (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
; Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
).

Na classificação de risco amarelo, constataram-se situações de restrição de atividades impostas por componentes da comunidade ligados ao tráfico de drogas, afetando a função dos ACSs devido à circulação no território para a realização das visitas domiciliares. Os entrevistados relataram que, em dias assim, as atividades no território são suspensas, ou quando abrangem determinada área, não são realizadas as visitas naquele dia.

[...] simplesmente eles dizem que não é para nós entrarmos [...]. (Cereja)

[...] esse caso de conflito de tráfico [...] é por eventualmente estarmos fazendo uma visita domiciliar. O risco de uma bala perdida [...], mas não é nada conosco. (Abacate)

Isso é igualmente mencionado em outros estudos (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
). Também são relatadas situações de confronto entre policiais e traficantes que ocorrem em territórios onde há violência armada, dificultando a presença de profissionais da saúde nesses locais (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
; Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
).

Em algumas situações, observaram-se divergências entre os profissionais da equipe quanto à classificação de risco, principalmente nas classificações vermelho e amarelo. Para os participantes, quando isto ocorre, deve-se à decisão de manutenção ou não da unidade em funcionamento. Muitas dificuldades foram relacionadas à não aceitação pela comunidade de decisões tomadas com base na aplicação do Acesso Mais Seguro.

Eu acho difícil, porque às vezes é muito subjetivo. Para fulana pode ser uma coisa e para mim pode ser outra, mas a gente conversa e define. (Pitanga)

Por mais que aconteça um fato que necessita esse fechamento, [...] eles não aceitam, assim, tão fácil [...] está acontecendo um tiroteio na área, precisamos fechar a unidade, ou o paciente foi baleado [...] eles não aceitam. (Pera)

Trata-se de um desafio para os profissionais de saúde a adoção de medidas que visam mudanças de comportamento como estratégia para uma prática segura (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
). No entanto, identificar e diferenciar os tipos de violência contribui para o planejamento e desenvolvimento de ações preventivas (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
).

Na fala dos participantes, verificaram-se muitas situações acerca da banalização do risco, ou seja, muitas vezes eles reconhecem o cenário violento em que convivem, mas informam que aprendem a conviver com ele.

Aconteceu uma situação na área [...] tiroteio, então eu tive que ficar na casa de um morador. Não tinha como sair. Achávamos normal, e está errado achar normal. (Guabiju)

[...] esvaziar os consultórios médicos para fechar a unidade porque a gente está em risco? Como é que a gente vai fazer isso? (Lima)

Essa banalização da violência também foi citada em outros estudos realizados na Atenção Primária à Saúde, quando profissionais relataram perceber os riscos de violência, mas trataram essas situações como ‘naturais’ por conta da sua ocorrência frequente (Sturbelle et al., 2020 STURBELLE, Isabel C. S. et al. Workplace violence types in family health, offenders, reactions, and problems experienced. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, e20190055, 2020. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0055 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/56cYqDgKHCR4tHxMLZWsgrv/?lang=en . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
). No entanto, há também estudos que mostraram a resiliência dos profissionais, que superam seus medos e transcendem limitações para promover o cuidado em áreas vulneráveis (Santos, Silva e Branco, 2017 SANTOS, Milena S.; SILVA, Juliana G.; BRANCO, July G. O. O enfrentamento à violência no âmbito da Estratégia Saúde da Família: desafios para a atenção em saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 30, n. 2, p. 229-238, abr./jun. 2017. https://doi.org/10.5020/18061230 . Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/5895/pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5020/18061230...
).

Funcionamento da ferramenta Acesso Mais Seguro

A utilização do Acesso Mais Seguro, conforme relatos dos participantes, permite a autonomia nas tomadas de decisão em situações de risco de violência para os profissionais e auxilia na proteção. Eles relatam que, sem o uso da ferramenta, permaneciam trabalhando expostos ao risco, e quando buscavam proteção, sentiam-se ‘punidos’ pela gestão.

[...] hoje temos autorização para fechar a unidade, se precisar [...] tínhamos que trabalhar de portas abertas sem cadeado. Era o que a outra gestão falava. (Jabuticaba)

Acho que melhorou muito. Era muito difícil fechar o posto. Teve situações que a gente precisava ter fechado e não pôde fechar. (Marmelo)

Autonomia de ver que estamos em risco e decidir pelas nossas vidas [...]. (Pitanga)

Seguir protocolos de ação em situações de violência no local de trabalho ou seguir algumas medidas preventivas no território pode contribuir para garantir as condições de saúde e de segurança dos trabalhadores (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
). Em outros locais, como no Rio de Janeiro, de acordo com o relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha ( 2020 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais. Brasília, DF: CICV, 2020. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
), a implementação do Acesso Mais Seguro também foi descrita pelos profissionais como fator de redução do estresse relacionado à violência armada no ambiente de trabalho.

Algumas estratégias são utilizadas para a proteção desses profissionais contra a violência armada, tais como: observação dos sinais do território, classificação de risco e comunicação entre os profissionais. Informaram-se diferentes formas de comunicação, no entanto, a predominante são os grupos no WhatsApp. Em muitas unidades, componentes do grupo de tomada de decisão referem que avisam os colegas quando unidades próximas estão em situação de risco, pois eles estão inseridos em outros grupos do WhatsApp e temem a violência pela proximidade das áreas. Porém, geralmente a própria gestão avisa as unidades. Outras formas de comunicação foram mencionadas, como olhares e sinalizações compreendidos pelas equipes:

[...] um olhar, no jeito de olhar, mímicas, palavras que dizem uma coisa, mas que é outra. (Jabuticaba)

Geralmente a gente se comunica pelo WhatsApp e se reúne [...] ou, quando tem uma unidade ao nosso redor que sabemos que está em vermelho ou em amarelo [...] a gente se comunica, também no nosso grupo de WhatsApp, e avisa. (Melão)

Aqui dentro da unidade tem a classificação na porta [...] tem as estrelinhas. (Maçã)

Para minimizar a exposição à violência, são necessárias medidas institucionais de prevenção e de orientação aos profissionais (Fabri et al., 2022 FABRI, Natalia V. et al. Violência laboral e qualidade de vida profissional entre enfermeiros da atenção primária. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 35, eAPE0362345, 2022. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO0362345 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/9yYM8LBX5Ys5DrZLrsMNVwD/abstract/?lang=pt# . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO...
). No entanto, mesmo assim, há declarações que expõem dificuldades envolvendo a comunicação entre profissionais da própria equipe ou a compreensão de seguir as orientações dos planos elaborados. Em situações vivenciadas nas visitas domiciliares no território ou na própria unidade, os profissionais se tornam ainda mais vulneráveis aos riscos. Como segue:

Porque houve uma situação [...] estavam na rua e ninguém falou nada para elas. [...] tinham que fazer uma visita e, quando chegaram [...], tinha toque de recolher. E ninguém informou nada. E elas estavam expostas na rua. (Banana)

A gente nunca imaginou que pudesse acontecer. A polícia invadir, assim, atirando, [...] talvez se a polícia avisasse [...] “vamos fazer uma ação na comunidade”. Falasse para a guarda municipal. Avisasse a unidade. Já seria melhor para trabalhar. Ficaria mais seguro. (Bergamota)

[...] de reconhecer sinais [...] teve morte no território. Nós saímos [...] nós passamos por cima do corpo. (Abacate)

Segundo Barbar ( 2018 BARBAR, Ana E. M. Atenção Primária à saúde e territórios latino-americanos marcados pela violência. Revista Panamericana Salud Publica, Washington, v. 42, e142, 2018. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142 . Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e142/ . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142...
), para garantir o cuidado da população, é necessário segurança para os profissionais, pois uma das repercussões da violência armada é a diminuição do acesso da comunidade aos serviços de saúde, o que também se observou em outros países, como Colômbia, Peru, México, El Salvador e Honduras.

Nos planos do Acesso Mais Seguro, é importante a inclusão de fluxos de comunicação e coordenação adequados, assim como de funções e atribuições para cada membro da equipe em caso de incidentes (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2020 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais. Brasília, DF: CICV, 2020. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
). É importante investir em projetos intersetoriais, principalmente aqueles que articulam ações entre as unidades de saúde, segurança pública, centros comunitários, entidades religiosas, e mais, pois a construção de estratégias de trabalho, adaptadas às diferentes realidades locais, é um grande desafio à segurança de serviços que atuam nesses locais (Almeida, Peres e Fonseca, [s.d.] ALMEIDA, Juliana F.; PERES, Maria F. T.; FONSECA, Thais L. O território e as implicações da violência urbana no processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde em uma unidade básica. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 207-221, jan./mar. 2019. https://doi.org/10.1590/S010412902019170543 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/8MJnfvZVYsNdDMqqSq3nHYC/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S010412902019170...
; Broch et al., 2020 BROCH, Daiane et al. Social determinants of health and community health agent work. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 54, e03558, 2020. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018031403558 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/reeusp/a/4gvNKTSTgR9CTxYxMGkdhRG/?lang=en . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201803...
).

Nos planos de ação do Acesso Mais Seguro de cada unidade, descrevem-se as rotas e locais seguros de abrigo nas unidades, além de comportamentos adequados. Essas descrições levam em consideração o território e as unidades. Nos relatos, é demonstrada a importância do conhecimento do território, além da comunicação entre os trabalhadores e os planos estabelecidos.

É a questão de olhar o território [...] pensamos em rota de fuga aqui dentro. Se tiver [ sic ] acontecendo alguma coisa [...] as gurias estão na área [...] e elas também têm um plano de se proteger, não ficar circulando. (Melão)

Para a implementação do Acesso Mais Seguro, é preciso identificar com os serviços públicos essenciais quais os riscos inerentes à violência armada e definir planos de ação específicos, de modo que essa metodologia possa ser empregada pelos profissionais (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 2020 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais. Brasília, DF: CICV, 2020. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.icrc.org/pt/publication/aces...
). Isso corrobora a proposta que visa instrumentalizar as equipes que atuam em territórios caracterizados pela violência armada a adotarem comportamentos mais seguros (Porto Alegre, 2016b PORTO ALEGRE (Prefeitura). Relatório de Gestão 3º Quadrimestre - 2016. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, 2016b. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_gestao_3quadrimestre_2016.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref...
).

Atuação dos grupos de tomada de decisão

A atuação do grupo de tomada de decisão foi mais uma categoria evidenciada na revisão dos planos e que se destacou nas falas dos participantes, sendo entendida como importante para evitar riscos da equipe à violência. No entanto, as atuações não ocorrem de maneira isolada dos demais profissionais da equipe, pois a tomada de decisão envolve um conjunto de sinais observados e a comunicação com os outros colegas, que auxiliam nesse processo. Os participantes evidenciaram a importância dessa atuação:

Se não tiver alguém que decida, que não saiba o que está acontecendo [...]Todos podem estar em risco. (Maçã)

Quando a gente tem uma boa comunicação, é mais fácil para o grupo tomar a decisão. (Marmelo)

Os impactos da violência na saúde de profissionais e usuários também foram mencionados em outros estudos (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
; Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
). É imprescindível que os empregadores e as organizações introduzam todas as medidas e procedimentos preventivos e de proteção para reduzir e eliminar os riscos de violência no local de trabalho. Além disso, deve haver cooperação por parte dos trabalhadores para a redução desses riscos (Organización Internacional del Trabajo, 2020 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Entornos de trabajo seguros y saludables, libres de violencia y acoso. Genebra: OIT, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/safety-and-health-at-work/resources-library/publications/WCMS_751837/lang\--es/index.htm . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.ilo.org/global/topics/safety...
).

Relatou-se a utilidade de se rever planos. Muitas equipes de tomada de decisão estavam incompletas pela saída dos profissionais que faziam parte do grupo.

[...] mas as dificuldades são de manter atualizados [...] porque fizemos mil combinações [...] outra colega já entrou e já saiu. Então precisamos reestruturar esse plano para ver as obrigações de cada um [...] os deveres de cada integrante do grupo de tomada de decisão. (Ameixa)

Para a redução de riscos de violência na área da saúde, é essencial a realização de programas de formação e capacitação de trabalhadores e que qualquer intervenção se mantenha de forma sistemática (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

Os participantes trazem à tona algumas dificuldades das tomadas de decisão: o processo de comunicação, que é dependente da percepção de risco de outros profissionais, como é o caso dos agentes comunitários, que são moradores da área e auxiliam nesse processo; as condutas dos trabalhadores quanto à avaliação de risco, que não seguem o que foi definido nos planos de ação e podem comprometer a segurança da equipe.

[...] é uma decisão difícil de tomar. Porque você não está aqui no território. [...] eu tive problema com colega que ficou me questionando, mas naquele momento estávamos tentando tomar a melhor decisão para o grupo. (Pera)

[...] é que depende muito da percepção das pessoas [...]. (Cacau)

E a dificuldade é [...] quando tem aquela pessoa que não quer obedecer ao plano do acesso. (Jabuticaba)

A relação com a comunidade é descrita como primordial, pois em muitos momentos são os próprios moradores que orientam os profissionais em situações de risco, como a seguir descrito:

[...] a própria comunidade nos avisa quando tem conflitos. (Figo)

As informações externas da comunidade [...] que a gente ouve. (Manga)

No entanto, em muitas situações são relatadas dificuldades para a população entender que o serviço deve ser fechado para a proteção dos profissionais. Isso demonstra a importância de estratégias para aprimorar a comunicação com os usuários. Há relatos, inclusive, de profissionais que não expõem o motivo do fechamento do serviço, pois eles assim foram orientados.

[...] quando a gente fecha o posto e [...] falam assim: “está fechando o postinho por quê?”. (Pêssego)

A gente não pode dizer o motivo. (Melancia)

A dificuldade é fazer a comunidade entender que aquilo aconteceu devido à violência [...]. Falta de apoio da própria comunidade. (Caju)

É um desafio a atuação de profissionais em territórios onde não se pode evitar por completo a exposição a riscos à violência. Por isso, há a necessidade da proteção dos trabalhadores de saúde, como prestadores do cuidado, assim como de evitar barreiras entre a população e as equipes de saúde (Barbar, 2018 BARBAR, Ana E. M. Atenção Primária à saúde e territórios latino-americanos marcados pela violência. Revista Panamericana Salud Publica, Washington, v. 42, e142, 2018. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.142 . Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e142/ . Acesso em: 23 maio 2024.
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). Aprimorar as estratégias de prevenção à violência contra profissionais de saúde por meio da sensibilização da população é uma necessidade iminente (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

Os profissionais relataram a dificuldade de registrar as situações de violência, ou seja, de descrever os fatos ocorridos em um formulário on-line , disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde para registro dos dados relacionados à violência armada. No entanto, referem que, apesar das dificuldades, efetivaram os registros dessas interrupções, pois ele seria obrigatório para comprovar na folha de ponto o motivo das horas não trabalhadas. Observou-se, pelos relatos nos grupos, que há um déficit nos registros das situações de risco de violência.

A gente notifica as vermelhas [...] disseram que era para notificar as amarelas também, mas como o território entra muito em amarelo, é inviável [...]. (Pera)

A gente não notifica [...] tem uma carga intensa de trabalho [...] tem algumas pessoas selecionadas que precisam de senha [...] os itens não são muito claros, não são muito objetivos [...]. (Lima)

Essas adversidades são descritas em outros estudos, todavia, para a redução de riscos, é importante comunicar esses incidentes, mesmo aqueles considerados de menor importância (Flórido et al., 2020 FLÓRIDO, Helena G. et al. Gerenciamento das situações de violência no trabalho na Estratégia Saúde da Família pelo enfermeiro. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 29, e20180432, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0432 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/zr6vqrpkSzwqG5yLNWBGcxg/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
). Um dos aspectos mais significativos revisados na literatura foi a importância da reorganização do processo de trabalho na Atenção Primária a Saúde para o enfrentamento da violência armada (Mendonça et al., 2020 MENDONÇA, Carolina S. et al. Violência na Atenção Primária em Saúde no Brasil: uma revisão integrativa da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, p. 2.247-2.257, jun. 2020. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.19332018 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/5GyqvZVTTXQLnSbVwcZ6QvL/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020256...
).

O Programa Acesso Mais Seguro pode trazer efeitos positivos para a segurança dos profissionais, como apontam os resultados deste estudo, mas o seu verdadeiro significado só aparece quando ele é colocado e interpretado pelo contexto de trabalho dos profissionais. Existe uma constatação comprovada por estudos de uma gradativa precarização das condições de trabalho (Machado et al., 2016 MACHADO, Cynthia B. et al. Violência urbana e repercussão nas práticas de cuidado no território da saúde da família. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 24, n. 5, e25458, 2016. https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.25458 . Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/25458 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.254...
; Leite et al., 2020 LEITE, Caroline N. et al. Violência na Estratégia Saúde da Família: riscos para a saúde dos trabalhadores e ao atendimento. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 28, e45789, 2020. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.45789 . Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/enfermagemuerj/article/view/45789 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.457...
). Um dos principais dispositivos dessa precarização é a terceirização de muitas obrigações dos empregadores em relação aos seus contratados (Druck, 2011 DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Cadernos do Centro de Recursos Humanos, Salvador, v. 24, n. 1, p. 37-57, 2011. https://doi.org/10.9771/ccrh.v24i1.19219 . Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/19219 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.9771/ccrh.v24i1.19219...
).

A terceirização e a precarização do trabalho também ocorrem na saúde pública com a aplicação do paradigma de administração pública gerencial, que mede sua eficiência pelos resultados contábeis, com a ideologia de eliminar atividades-meio, concentrando-se em puras atividades-fim. Essa tendência leva a uma radicalização da terceirização, que atinge as próprias atuações de responsabilidade direta do poder público (Druck, 2016 DRUCK, Graça. A terceirização na saúde pública: formas diversas de precarização do trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, p. 15-43, nov. 2016. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00023 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/ZzrBrfcK75czCSqYzjjhRgk/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
).

O Programa Acesso Mais Seguro precisa ser compreendido e interpretado por esse escopo da terceirização e da precarização das condições de trabalho. O contexto de violência presente no território precariza a situação dos profissionais da Atenção Primária, interfere na realização das atividades e provoca sofrimento psíquico expresso por medo, insegurança e ansiedade (Leite et al., 2020 LEITE, Caroline N. et al. Violência na Estratégia Saúde da Família: riscos para a saúde dos trabalhadores e ao atendimento. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 28, e45789, 2020. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.45789 . Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/enfermagemuerj/article/view/45789 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.457...
).

A resposta do poder público ao problema é a terceirização da solução, propondo um dispositivo digital que os alerta quando acontecem riscos de violência na região. Ou seja, a proposta é que profissionais tornem a comunicação mais efetiva, com o uso de um grupo no WhatsApp, para uma tomada de decisão mais eficiente em momentos de risco de violência armada. Contudo, a alimentação desse dispositivo com informações e sua gestão depende de um grupo escolhido entre os profissionais para tomada de decisão em situações de risco.

Os estudos que analisaram as repercussões da violência no processo de trabalho evidenciam que as vivências dos profissionais permitem acumular um saber individual e coletivo para lidar com os riscos da violência armada e com a sua imprevisibilidade. Permitem, principalmente, estabelecer redes de solidariedade com a comunidade para continuar exercendo ações no território (Busch, 2018BUSCH, Verônica S. S. Violência urbana e processo de trabalho da Equipe de Saúde da Família: estratégias de gestão de riscos e o Programa Acesso Mais Seguro. 2018. 95 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ). Nesse sentido, os ACSs desempenham um papel central na comissão, porque conhecem o território; porém, também enfrentam desafios, já que eles são, ao mesmo tempo, moradores daquela região. Por isso, cabe a pergunta: “Acesso mais seguro para quem?”. As estratégias de proteção dos profissionais precisam levar em consideração as desigualdades da própria equipe, pois os agentes comunitários são duplamente vulneráveis, porque sofrem os efeitos dos episódios da violência armada como profissionais e como moradores (Goulart et al., 2021 GOULART, Elisiene P. et al. Visita domiciliar pela Estratégia Saúde da Família: limites e possibilidades no contexto da violência urbana no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 16, n. 43, jan./dez. 2021. https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2651 . Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/2651/1593 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2651...
).

A Atenção Primária, sobretudo no seu modelo de Estratégia Saúde da Família, tem a territorialização como uma das suas características essenciais. Por isso, as ações de saúde não se restringem à unidade, mas compreendem atividades voltadas ao território, principalmente para a prevenção. O território é também um elemento central para entender o fenômeno da violência armada (Silva et al., 2021 SILVA, Mayalu M. et al. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.109-2.118, jun. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/HP7Fpy7bkkJ49vzBkrS3Yfg/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
). O território pode ser compreendido como um espaço ou fator de fragmentação sócio-político-espacial urbano apropriado por certo grupo social com identidade sociocultural. No entanto, quando esse espaço está vinculado a organizações que possuem uma relação de poder, pode apresentar risco de violência armada, principalmente quando há a exclusão e a omissão do Estado. É nesse contexto que as carências e as violências se tornam visíveis e mostram seus efeitos sobre a vida das pessoas (Ferreira e Penna, 2005 FERREIRA, Ignez C. B.; PENNA, Nelba A. Território da violência: um olhar geográfico sobre a violência urbana. GEOUSP: Espaço e Tempo, São Paulo, n. 18, p. 155-168, 2005. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2005.73979 . Disponível em: https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/73979 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892....
).

Essa situação tem evidentes consequências na saúde da população, pois há dificuldades tanto dos habitantes desses territórios em buscar assistência em serviços de saúde quanto dos profissionais que fazem essa assistência, pois ambos estão expostos aos riscos da violência armada. Tal fato tem se tornado um problema de saúde pública, já apontado pela Organização Mundial da Saúde em 1996 (World Health Organization, 1996 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Prevention of violence: public health priority. World Health Assembly, Genebra, n. 49, 1996. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/179463/WHA49_R25_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 23 maio 2024.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
). O conceito que engloba essa compreensão são os determinantes sociais da saúde, ou seja, fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam o surgimento de problemas de saúde, constituindo-se em fatores que ameaçam a saúde da população (Buss e Pellegrini Filho, 2006 BUSS, Paulo M.; PELLEGRINI FILHO, Alberto. Determinantes sociais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1.772-1.773, set. 2006. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006000900001 . Disponível em: https://cadernos.ensp.fiocruz.br/ojs/index.php/csp/article/view/2879 . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200600...
).

Como as condições sociais da população determinam a sua saúde? Elas conformam o espaço social habitado por uma população em um território onde aparecem exclusões e carências sociais, marcado por diferentes situações de violência (Almeida, Peres e Fonseca, [s.d.] ALMEIDA, Juliana F.; PERES, Maria F. T.; FONSECA, Thais L. O território e as implicações da violência urbana no processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde em uma unidade básica. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 207-221, jan./mar. 2019. https://doi.org/10.1590/S010412902019170543 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/8MJnfvZVYsNdDMqqSq3nHYC/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S010412902019170...
). A violência armada é uma das formas de violência enfrentadas pela população que vive nesse contexto e pode se tornar uma barreira de acesso aos serviços de saúde (Sampaio e Andrade, 2023 SAMPAIO, Jéssyca F. S.; ANDRADE, Cristiane B. Violência armada e repercussões no cotidiano de trabalho de profissionais da Estratégia Saúde da Família. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 33, e33066, 2023. https://doi.org/10.1590/S0103-7331202333066 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/g7XQ5JrW5SxFNyMCVzqvqyy/ . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331202333...
).

A resposta a esse problema é o fortalecimento local de organizações comunitárias por meio de políticas públicas que configurem o capital social da comunidade como fator de resiliência comunitária e construção de redes de solidariedade para a promoção da saúde (Sapag e Kawachi, 2007 SAPAG, Jaime C.; KAWACHI, Ichiro. Capital social y promoción de la salud en América Latina. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 139-149, fev. 2007. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000100019 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/8tVds3WhWLp8TwnpZ6xWTgJ/?lang=es# . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
; Pattussi et al., 2008PATTUSSI, Marcos et al. A influência do capital social no contexto da Estratégia Saúde da Família. In: MOYSÉS, Simone T.; KRIEGER, Léo; MOYSÉS, Samuel J. (coord.). Saúde bucal das famílias: trabalhando com evidências. São Paulo: Artes Médicas, 2008. p. 207-215. ).

Além disso, para o enfrentamento da violência armada na Atenção Primária à Saúde, é necessário compreender a desestabilização que ela causa nas equipes de saúde e nos seus usuários, diminuindo o acesso aos serviços de saúde e gerando riscos de saúde física e mental aos profissionais que atuam nesses serviços. O uso do Programa Acesso Mais Seguro é significativo quando bem implementado, tornando-se uma estratégia de proteção, mas mitigar os efeitos da violência armada não significa que esta não ocorra, e o seu enfrentamento depende não só do apoio da comunidade e de organizações comunitárias, mas da atuação efetiva da segurança pública (Santos et al., 2020 SANTOS, Raphael S. et al. Nuances entre o Acesso Mais Seguro e o conflito armado no contexto da atenção básica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 10, e00139519, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00139519 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/VP6JvV4XgJh5ygJHTwkKVWs/?lang=pt . Acesso em: 23 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013951...
).

Conclusão

Os resultados deste estudo mostraram que a introdução do Programa Acesso Mais Seguro ajudou os profissionais a lidarem com situações de risco de violência, porque as comissões de controle e análise das situações acumularam conhecimento sobre as manifestações de violência no território. Além disso, possibilitou a construção de parceria com a comunidade para enfrentar o problema. Esse dado aponta para a necessidade de aprimorar a participação dessas comissões nas respostas ao problema.

No entanto, é necessária uma análise crítica sobre o uso da ferramenta Acesso Mais Seguro, pois mesmo auxiliando na proteção dos profissionais contra a violência armada, ela também pode significar uma forma de a gestão municipal passar a responsabilidade para lidar com o problema aos próprios profissionais que já estão fragilizados. Para enfrentar os riscos de violência, os agentes comunitários desempenham um papel essencial nas comissões por serem do território. Por outro lado, isso os deixa mais vulneráveis, porque não só vivenciam situações episódicas de violência, mas residem no território e também estão sujeitos ao domínio de organizações que promovem a violência armada.

Assim, o estudo possibilitou mostrar como os profissionais se organizam para o enfrentamento da violência armada nos serviços de saúde que se localizam em territórios marcados por esse tipo de violência, e as consequências para os usuários que precisam acessar os serviços. Além disso, mostrou a necessidade de fortalecer a utilização do Programa Acesso Mais Seguro por meio da formação dos profissionais para atuar em situações de risco de violência armada, tendo em vista que não basta usar esse programa para proteger os profissionais. Faz-se necessário um olhar crítico sobre a conformação do território, onde estão presentes carências sociais e a omissão do Estado. Além do mais, é preciso fortalecer a articulação entre as unidades de saúde, segurança pública e comunidade para a construção de estratégias de enfrentamento da violência armada.

Referências

  • Como citar:

    SOFIATTI, Vanesa; SALDANHA, Ricardo P.; JUNGES, José R. Violência armada no contexto de trabalho da Atenção Primária à Saúde: o Programa Acesso Mais Seguro. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 22, 2024, e02565255. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2565
  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Aspectos éticos

    A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade La Salle (UniLaSalle) (CAAE: 03329418.6.0000.5307, parecer n. 3.106.198) e da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (SMSPA) (CAAE: 03329418.6.3001.5338, parecer n. 3.131.536).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2023
  • Aceito
    13 Maio 2024
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