RESUMO
O interesse na formação literária e nos sentidos do Modernismo foi compartilhado por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Antonio Candido (1918-2017). No entanto, ambos produziram panoramas da literatura nacional que, a despeito do acabamento ou inacabamento, demonstram resultados discretamente distintos. Se, por um lado, Candido propõe uma historiografia literária sentimental, pautada na transição das preceptivas clássicas para emergência de uma sensibilidade local, de outro, Sérgio Buarque organiza sua historiografia literária por meio da tópica, tornando-a o eixo analítico de seu panorama erudito. Em ambos os casos, a historiografia literária articula-se com o momento da superação de uma sensação de desterro, identificada nas raízes ibéricas ou na literatura comum. Todavia, o desejo compartilhado de descrever/engendrar a superação da sensação de desterro acaba por indicar formas diferentes de se compreender a expressão barroca e, por conseguinte, ritmos narrativos distintos na formação literária nacional, oscilando entre morosidade e aceleração.
Palavras-chave: Sérgio Buarque de Holanda; Antonio Candido; historiografia literária; Barroco; amizade
ABSTRACT
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) and Antonio Candido (1918-2017) both shared an interest in literary formation and the meanings of modernism. However, their respective overviews of national literature show slightly different approaches. Candido proposes a sentimental literary historiography, based on the transition from classical perspectives to a local sensibility, while Sérgio Buarque organizes his literary historiography through topics that form an analytical axis of his erudite overview. Nevertheless, in both cases, the authors articulate their literary historiography as an effort to overcome a sense of exile caused by either Iberian roots or common literature. The shared desire to describe and engender the process of overcome feelings of exile allowed them to perceive different ways of understanding baroque expression, and therefore suggest different narrative rhythms (oscillating between slow and fast) of national literary formation.
Keywords: Sérgio Buarque de Holanda; Antonio Candido; literary historiograph; Baroque; friendship
RESUMEN
El interés en la formación literaria y en los sentidos del modernismo fue compartido por Sérgio Buarque de Holanda (1902-2982) y Antonio Candido (1920-2017). Sin embargo, ambos produjeron panoramas de la literatura nacional que, a pesar de la finalización o interrupción, demostraron resultados directamente distintos. Sí por un lado, Candido propone una historiografía literaria sentimental, pautada en la tradición de las perspectivas clásicas para el surgimiento de una sensibilidad local, de otro, Sérgio Buarque organiza su historiografía literaria por medio del tópico, volviéndolo el eje analítico de su panorama erudito. En ambos casos, la historiografía literaria se articula con el momento de la superación de una sensación de destierro, identificada en las raíces ibéricas o en la literatura común. No obstante, el deseo compartido de describir/engendrar la superación de la sensación de destierro termina por indicar formas diferentes de comprender la expresión barroca y, por consiguiente, ritmos narrativos distintos en la formación literaria nacional, oscilando entre lentitud y aceleración.
Palabras Clave: Sérgio Buarque de Holanda; Antonio Candido; historiografía literaria; Barroco; amistad
Oposições discretas
A amizade [...] é desfrutada na medida em que é desejada, e apenas na fruição se cria, se alimenta e cresce, porque é espiritual e a alma se aprimora com o uso.
Michel de Montaigne, em Os ensaios.
A primeira redação de Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959), concluída em 1951, foi lida e bem recebida por Sérgio Buarque, segundo Antonio Candido. Concomitantemente, Sérgio Buarque dedicava-se à extensa pesquisa que daria origem à obra póstuma Capítulos de literatura colonial (1991). Candido acredita que a redação tenha sido realizada nos primeiros anos da década de 1950, momento em que revisava Formação (CANDIDO, 2000, p. 12; NICODEMO, 2018, p. 107-108). O interesse pela literatura colonial compartilhado pelos críticos, todavia, acaba por resultar em panoramas literários sutilmente diferentes. Candido propunha uma historiografia literária sentimental, pautada na transição das preceptivas clássicas para emergência de uma sensibilidade local, ao passo que Sérgio Buarque desenhava um panorama historiográfico literário que se organiza por meio dos topoi clássicos. Deriva-se de tal forma de organização uma distinção importante entre sentimento e erudição, podendo ser útil para enfatizar os encontros e desencontros da crítica literária de ambos, mais especificamente no que diz respeito ao papel do Barroco na formação literária nacional e ao ritmo da narrativa de superação do desterro.
Em um esboço de biografias cruzadas, Thiago Lima Nicodemo aponta para a convergência de projetos entre Antonio Candido e Sérgio Buarque, sobretudo, a profissionalização intelectual e a especialização universitária (NICODEMO, 2018). Entretanto, a concordância com a amplitude das experiências compartilhadas e com as afinidades eletivas não denega rasuras pontuais, porém significativas na historiografia literária proposta por eles. Para além da convergência procedimental, referindo-se a um tipo de forma e decoro intelectual, talvez seja possível indagar sobre a demarcação dos momentos decisivos da historiografia literária e a adoção de certo ritmo narrativo.
Segundo Antonio Candido, em conversa relatada por Thiago Nicodemo, poderia haver entre a historiografia literária de ambos uma oposição discreta, algo que, entretanto, talvez não esmorecesse a concordância de certas vontades (NICODEMO, 2018, p.107-108). A existência de uma oposição discreta permite uma análise comparativa desses dois grandes monumentos da historiografia literária. Desse modo, o objetivo aqui não seria rastrear as inúmeras convergências já amplamente cartografadas e analisadas pela fortuna crítica de ambos os autores, mas destacar a divergência sobre a dimensão do Barroco na historiografia literária. Além disso, como tal divergência implicou um certo descompasso narrativo entre Formação da literatura brasileira e Capítulos de literatura colonial, no reconhecimento de ênfases diferentes na superação das raízes ibéricas ou da literatura comum. A narrativa morosa, proveniente do uso da tópica e da ênfase nas permanências, apresentada por Sérgio Buarque, e a aceleração, derivada de uma narrativa de transição, proposta por Candido, indicam oposições discretas, porém profícuas, para indagações críticas.
Raízes ibéricas e literatura comum
“A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas...”, sentencia Antonio Candido em frase que se tornou lapidar e semeadora de verdadeiras querelas interpretativas. A constatação disfórica, mas rica em desdobramentos, funciona como brecha para propor uma entrada analítica que seja capaz de contribuir para a compreensão da exclusão do Barroco no panorama desenhado em Formação da literatura brasileira e, por corolário, da oposição discreta com Capítulos de literatura colonial.
A asserção possui indelével tom pessimista, pois implica uma dupla sensação de desterro: a literatura nacional teria como marca congenial sua enorme distância das musas e, além disso, seria pálida continuação de frágil arbusto lusitano. Nesse sentido, parece plausível que o desconforto provocado por essa quase que inevitável sensação histórica possa ter significativa influência sobre o olhar diante das manifestações literárias do Barroco, engendrando uma percepção pejorativa da experiência letrada lusitana transposta para novas paragens, marcando negativamente a literatura comum como uma espécie de cicatriz que rememora e evidencia nosso passado colonial. A narrativa de Antonio Candido parte de tal desconforto, da incômoda caracterização de uma ausência, para ir tecendo os mecanismos de subversão sentimental das convenções que permitem a visualização gradativa de traços de um íntimo nativismo.
A dimensão sociológica da crítica de Candido, referendada pela noção de sistema e, por conseguinte, pela articulação de uma tradição calcada na regularidade da circulação literária nacional a partir do século XVIII, coaduna-se com a dimensão estética, representada pelo ponto de partida neoclássico, fiando-se pela noção de equilíbrio. Do esforço de entrelaçar tais dimensões analíticas emerge uma questão fulcral, agora no âmbito histórico-cultural, a saber: a dificuldade quase que atávica de se erigir uma literatura autônoma e com traços originais, capaz de superar uma herança colonial. Apesar de deliberadamente evitar uma análise detida das manifestações literárias do período colonial, priorizando a descrição da passagem de uma subjetividade clássica para a sensibilidade romântica, talvez seja possível auferir outra possibilidade interpretativa para compreender a seleção dos fatos decisivos na formação literária nacional.
Ao descrever a transposição das convenções clássicas à sensibilidade romântica, Antonio Candido imputa certo imobilismo à herança literária lusitana transferida para a colônia, sobretudo, ao Barroco. Ao optar pela descrição da transição como ponto fundamental da formação literária, minimiza a produção literária derivada de ambiente cultural marcado pela experiência do desterro. Tal inadequação de origem marca a experiência colonial e a reflexão crítica de Antonio Candido e emerge como uma verdadeira tópica de nossa história e crítica literárias. Geralmente ocupadas em um esforço de compreensão da particularidade nacional, em meio à tradição lusitana, a crítica e a historiografia literárias brasileiras empenharam-se em reconhecer isolados sopros de originalidade no passado colonial, numa verdadeira arqueologia da imaginação ou de um sentimento que expressasse o local. Ou ainda, utilizaram balizas eminentemente políticas como condição para a emergência de uma literatura nacional. Tal empenho genealógico caracterizou os principais empreendimentos da historiografia literária. Independentemente das variações demarcatórias e das divergências analíticas isoladas, perscrutava-se a descrição do momento fundador da literatura nacional.
Assim, em linhas gerais, como inexorável ato que precede a descoberta do nacional tem-se a percepção do fardo colonial, da sensação de desterro como obstáculo para o processo de formação literária. Nesse sentido, a tópica do desterro, talvez seja possível dizer, antecede a tópica nacional, produz o contraste entre o legado ibérico e a noção de formação que engendra a expressão do nacional. A experiência do exílio marca a hegemonia de uma tradição exógena, um desconforto somente superado pela construção de outra identidade capaz de diferenciar-se, sendo a indicação da alteridade a passagem que viabiliza a costura de outra tradição. Se para Antonio Candido, despido de provincianismo repleto de ilusões de originalidade, o esforço centrado na ideia de formação teria como escopo certo mapeamento da superação desse desconforto, numa espécie de ato contínuo que permitiria desvencilhar-se de uma herança negativa, para Sérgio Buarque, o desterro configura uma espécie de “crônica dos descompassos” (MONTEIRO, 2015 p. 88).
A referência, portanto, não é o nativismo primário que cumpre certa expectativa pitoresca e documental, aquele nativismo que “arrisca tornar-se manifestação ideológica do mesmo colonialismo cultural que o seu praticante rejeitaria no plano da razão clara, e que manifesta uma situação de subdesenvolvimento e consequente dependência”, mas sim o lento processo de superação do desterro (CANDIDO, 1972, p. 358).1 Sérgio Buarque indica similar preocupação ao analisar o ideal arcádico e suas implicações para a superação “dos sentimentos de insegurança e inferioridade, que os faziam sentir-se desterrados na sua terra” (HOLANDA, 2000, p. 225).
Faz-se necessário apontar que o problema sobre a formulação de uma identidade nacional avança sobre a literatura, não só brasileira, mas também latino-americana, demarcando uma necessidade histórica das jovens nações periféricas. O pêndulo da crítica e historiografia literárias no continente americano parece, com certa regularidade, oscilar entre a inadequação provocada pelo desterro e a vontade de formação do nacional.2 Se, por um lado, Candido evita uma narrativa genealógica, por outro, não se furta às considerações sobre as relações entre literatura e sociedade - espécie de marca-d’água de sua crítica. Ao tentar captar o clima ou a atmosfera na qual se insere o artefato literário, mesmo que dialeticamente buscando uma mútua interpenetração, acaba por sugerir a inserção de sua crítica em campo mais abrangente, numa discussão sobre a formação cultural brasileira e o fardo das raízes ibéricas. Em Literatura e subdesenvolvimento (1970), aponta resignadamente para a ambivalência entre cosmopolitismo e regionalismo que marca a experiência cultural latino-americana:
Encaremos portanto serenamente o nosso vínculo placentário com as literaturas europeias, pois ele não é uma opção, mas um fato quase natural. Jamais criamos quadros originais de expressão, nem técnicas expressivas básicas, no sentido em que o são o romantismo, no plano das tendências; o romance psicológico, no plano dos gêneros; o estilo indireto livre, no da escrita. E embora tenhamos conseguido resultados por vezes originais no plano da realização expressiva, reconhecemos implicitamente a dependência. Tanto assim, que nunca se viu os diversos nativismos contestarem o uso das formas literárias importadas, pois seria o mesmo que se oporem ao uso dos idiomas europeus que falamos. O que requeriam era a escolha de temas novos, de sentimentos diferentes. Levado ao extremo, o nativismo (que neste grau é sempre ridículo, embora sociologicamente compreensível) teria implicado em rejeitar o soneto, o conto realista, o verso livre associativo (CANDIDO, 1972, p. 353).
A ênfase concedida às formas, temas e sentimentos, como lugares de possíveis subversões da cultura transplantada, não esconde a dificuldade atávica das culturas periféricas, daí o pessimismo latente da colocação.3 Seguindo os caminhos modernistas, Antonio Candido resvala num passado colonial que remete ao transplante de ideias e instituições, ao momento de fundação marcado pela experiência colonizadora. Seu modernismo tardio aproxima-se, sobretudo, da célebre síntese buarqueana, referente às raízes ibéricas, configurando ponto de apoio relevante para se compreender o mal-estar de nossa cultura, a saber: a ideia de que somos “desterrados em nossa terra” (HOLANDA, 1995, p. 31).4
O desterro como ponto de partida da reflexão sobre a formação nacional aproxima o panorama literário de Candido da versão consolidada de Raízes do Brasil (1936).5 Tal movimento argumentativo exige certo cuidado, pois a semântica do desterro mostra-se instável ao longo das edições do ensaio buarqueano (ROCHA, 2008; WAIZBORT, 2011; NICODEMO, 2013; MONTEIRO, 2015; FELDMAN, 2016; MATA, 2016; MONTEIRO; SCHWARCZ, 2016). Todavia, pode-se dizer que o sentido do desterro adquire certa estabilidade na versão consagrada de Raízes do Brasil (1969) - em grande medida também amparado pelo prefácio de Candido. As atualizações do ensaio, sobretudo entre 1948 e 1956, fazendo do desterro uma espécie de signo do entrelugar (FELDMAN, 2016), coincidem com a feitura de Capítulos de literatura colonial nos primeiros anos da década de 1950. Portanto, o que interessa sublinhar nesse momento é a confluência no sentido do desterro, elaborado internamente, nas rasuras do próprio ensaio, e externamente, através do prefácio que auxilia na configuração de um sentido estável, permitindo uma aproximação por meio do incômodo compartilhado. Desse modo, sem o objetivo de adentrar o ensaio buarqueano em seu complexo processo de metamorfose e em suas camadas de historicidade, interessa chamar a atenção para certa semântica do desterro que se estende ao panorama de Candido: a problemática condição histórico-existencial derivada da implantação da cultura europeia em ambiente estranho.
Tal inadequação de origem refere-se à dificuldade em aclimatar os padrões europeus ao Novo Mundo bem como se relaciona ao estranhamento inevitável provocado pelo ato colonizador. Roberto Schwarz menciona a existência de uma “comédia ideológica”, enfatizando as aparências e a falsidade das ideias transplantadas para a colônia, por conta de uma realidade que lhe era alheia. Valendo-se da reflexão buarqueana, busca compreender, assim como Candido, seus efeitos para a produção literária e cultural. Ademais, seguindo a influência marxista, Schwarz reflete que “para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia a dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional”, pois “a gravitação cotidiana das ideias e das perspectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura” (SCHWARZ, 1981, p. 24). A situação periférica brasileira seria responsável por um peculiar e, por demais, estorvado caminho até a desejada formação de uma consciência crítica nacional - questão estruturante do panorama de Candido. Seguindo as veredas abertas pelos modernistas e pelos ensaístas da primeira metade do século passado, Formação da literatura brasileira buscou dar uma feição literária e cultural aos esforços de captar a precariedade de nossa formação (ARANTES, 1992). Tal escopo marca a trajetória delineada no argumento de Candido, demonstrando a lenta superação das raízes ibéricas, ou, em seus termos, a suplantação da literatura comum.
A literatura comum (luso-brasileira), ainda de dicção prioritariamente reinol, mesmo que parcamente reproduza traços locais, constitui herança de árdua superação na trajetória literária descrita por Candido. A incapacidade da forma ibérica em plasmar uma nova sensibilidade denuncia o caráter convencional da literatura colonial, figurando como série amaneirada onde a inspiração perde-se na reprodução dos modelos. O Barroco seria, portanto, a expressão mais latente do maneirismo que se movimenta na superfície, incapaz de lastrear uma consciência literária nacional, exemplificando os contorcionismos linguísticos de origem retórica - asseverando que a retórica é menos arte de persuasão que ornamento.6 A exclusão de praticamente todo esse legado ibérico na narrativa de Candido expõe seu desinteresse em diferenciar autores e obras; a negação em conjunto permite que o silêncio seja interpretado como crítica à tradição ibérica, na esteira do diagnóstico de Raízes do Brasil - em sua edição de 1956 e com o sentido consagrado, posteriormente, no prefácio de Candido (1969). A ausência da manifestação de uma consciência crítica e do lastro literário inviabiliza a apreciação do Barroco como elemento formador. Ciente de que estabelecia um diálogo e contribuía para o debate sobre nossa formação, Candido ressalta, em prefácio à 1ª edição, uma espécie de dimensão coletiva da reflexão.
Não tenho ilusões excessivas quanto à originalidade em livro de matéria tão ampla e diversa. Quando nos colocamos ante um texto sentimos, em boa parte, como os antecessores imediatos, que nos formaram, e os contemporâneos, a que nos liga a comunidade da cultura; por isso acabamos chegando a conclusões parecidas, ressalvada a personalidade por um pequeno timbre na maneira de apresentá-la. O que é nosso míngua ante a contribuição para o lugar-comum (CANDIDO, 2009, p. 13).
Não se trata do uso de uma estratégia retórica que vise expressar humildade e angariar aceitação, Candido demonstra uma sincera vontade de inserção no amplo debate que se desenvolvia de maneira mais delineada desde fins do século XIX e que ganhou novo impulso nas propostas modernistas.7 Além disso, ressalta seu débito com os antecessores e sua tentativa de contribuir de maneira nuançada: troca-se o rasgo da originalidade pela peculiaridade do timbre. Oportuno apontar, nesse caso, que “lugar-comum” não possui conotação pejorativa, pois se adequa perfeitamente à continuidade que prefigura a noção de sistema, ou seja, conota certo legado intelectual, rotinização da reflexão crítica - nesse sentido, seu livro representa uma espécie de continuação do esforço em forjar uma nova tradição - daí a aproximação semântica entre literatura comum e raízes ibéricas.
Leopoldo Waizbort assinala a existência de uma teleologia narrativa da formação inscrita na perspectiva do narrador de Formação. Segundo o autor, “o resultado é o adensamento do tempo histórico e uma narrativa histórica que nada tem de ingênua, pois constrói no mesmo movimento a perspectiva do narrador e o processo que ele quer narrar” (WAIZBORT, 2007, p. 128-129) - diga-se de passagem, o mesmo procedimento pode ser identificado em Raízes do Brasil (NICODEMO, 2016). Portanto, em meio à multiplicidade de vozes, como as de Sílvio Romero, Ronald de Carvalho ou José Veríssimo, no âmbito da crítica literária, e de Mário de Andrade e Sérgio Buarque, na seara do modernismo e do ensaio, se esboça um novo passo. O que parece estar em jogo aqui é mais o passo firme e contínuo do que o salto desequilibrado e isolado, antes o longo e minucioso processo formador que a genialidade sem lastro. O esforço intelectual de Candido parece, deliberadamente, buscar a inversão da observação de Mário de Andrade, no Ensaio sobre a música brasileira (1928), para quem “o brasileiro é por enquanto um povo de qualidades episódicas e de defeitos permanentes” (ANDRADE, 2006, p. 56).
Ritmos narrativos
O compartilhamento do desejo de descrever/engendrar a superação da sensação de desterro não impossibilita o reconhecimento da divergência sobre o papel do Barroco na experiência letrada e seu impacto nos ritmos narrativos distintos de apresentação da formação literária nacional. Enquanto o uso da tópica expõe a constância e a morosidade no panorama literário de Sérgio Buarque, Antonio Candido se empenha em descrever a nossa formação por meio de uma narrativa de transição e orientada pelo desejo de lastrear uma atitude crítico-reflexiva (GAIO, 2017). Ou seja, os panoramas traçados se opõem na cadência do que é narrado, enquanto a tessitura narrativa buarqueana impõe a sensação de um tempo arrastado e repleto de permanências, a de Candido parece sugerir aceleração e transitoriedade.
Sérgio Buarque, em Capítulos de literatura colonial, ao utilizar a tópica como eixo organizador de sua erudição e como método analítico, produz uma historiografia literária de traço peculiar, pois a questão nacional não figura como fio narrativo que direciona o esforço de análise para a revelação de um sentimento local. Pelo contrário, a análise de lugares-comuns literários, como convenções que vão gradativamente adaptando-se a novas paragens, possibilita a proposição de temas locais em formatos consagrados, faz com que a produção colonial, mais do que literatura comum, seja parte de uma tradição mais ampla, inserindo-se na literatura ocidental. Segundo o próprio Candido escreve na introdução de Capítulos, tal método seria “uma espécie de golpe de misericórdia em certo nacionalismo estratégico que a nossa crítica adotou em função da Independência e como complemento dela, e do qual até hoje não nos desprendemos inteiramente” (CANDIDO, 2000, p. 23).
O realce da historiografia literária buarqueana reside no reconhecimento da manutenção de conjuntos temáticos e estilos, sobretudo, a significativa permanência dos traços barrocos para além da literatura seiscentista. Sérgio Buarque indica sua sobrevivência residual até o início do século XIX, sendo somente superada pela nascente literatura romântica. Aliás, aponta inclusive uma espécie de continuidade do recurso à mobilização emotiva como forma de persuasão poética, tanto no Barroco quanto no Romantismo. Contudo, mesmo inferindo a existência de possível semelhança por conta da subjetividade presente em ambos os casos, apressa-se em distinguir que a emoção barroca não significa a submissão ao impulso íntimo ou uma exteriorização da personalidade, pois a emoção, no caso da expressão barroca, alimenta-se através de convenções que dissimulam a interioridade, acabando por subsumi-la no artifício. De acordo com Sérgio Buarque, “a máscara contorcida ou angustiada, que não raro apresenta, pode dissimular uma inteligência fria, segura dos próprios meios e só atenta ao efeito exterior” (HOLANDA, 2000, p. 51).8 O receituário poético-retórico que organiza a expressão letrada, concede especial relevo à estratégia persuasiva voltada antes para o sensível que para o racional, pois “a arte do barroco procura, assim, vencer, não tanto convencer, tocar os sentidos e o coração, não o raciocínio discriminador e crítico”. A fugacidade das coisas terrenas provocaria, portanto, certo desdém “pelas regras eruditas, endereçadas a uma perfeição ideal, que mais tem de geometria do que de naturalidade” (HOLANDA, 1979a, p. 149).
O estranho conluio entre experiência e fantasia, ou razão e mito, forja uma racionalidade tipicamente barroca, na qual o mundo manifesta-se, no mais das vezes, enquanto alegoria, obrigando o observador ao empenho hermenêutico de depreender do visível e tangível os desígnios divinos encobertos. As antinomias constituem a matéria básica da expressão literária barroca, não somente pelas condições históricas, mas pela corrupção moderna de velhos modelos clássicos. Assim, nas palavras de Sérgio Buarque, “em grande número de casos, o que ocorria era um enlace extraordinário entre o vetusto e o anticonvencional, entre a rotina e a inteligência inquisidora, suscitando alguns daqueles monstros híbridos, daqueles entes de razão, que deixam confuso o historiador de hoje” (HOLANDA, 1979a, p. 158). O que parece estar em jogo aqui é a tensão entre preceptivas retórico-poéticas e a sensibilidade mundana, lugar por excelência para mobilizar, segundo Candido, o senso de coalescências que marcou a reflexão buarquena, movimentando-se no jogo entre semelhança e diferença ou entre natureza e artifício.
A primeira parte de Capítulos demonstra o predomínio do gênero épico, capaz de amalgamar diferentes obras na constância de um ideal heroico. Sérgio Buarque insiste em demonstrar a recorrência de temas. Desse modo, por exemplo, ressalta como a epopeia camoniana do desbravamento de mares pôde plasticamente tornar-se referência para a expressão heroica do descobrimento das terras americanas, numa engenhosa ornamentação que pudesse engrandecer os sucessos narrados, fazendo uso dos topoi clássicos da tempestade e do naufrágio e, assim, concedendo expressão literária para a história ainda em fase de construção, permitindo novos usos de convenções heroicas e mitológicas. Por outro lado, adverte que o afã declamatório, que tende à elevação fantasiosa dos eventos descritos, não estorva por vezes no mesmo poema a propensão a uma linguagem mais chã, mais atenta à narração singela e, o quanto possível, precisa dos fatos, revelando a prevalência do cronista sobre o poeta. O realismo pedestre como especial capacidade de apreensão do real, tematizado em Visão do paraíso (1959), aponta para as vias tortuosas ou escamoteações transitórias do real e do concreto (HOLANDA, 2010, p. 36-37).
Seja na possibilidade da imaginação preencher o ignoto, seja na moldura da convenção literária que orienta a experiência, trata-se de chamar a atenção para a convivência de preceptivas heroicas e da sensibilidade moderna, portanto, indicando certa lentidão na superação de elementos tradicionais. Em Capítulos, escreve Sérgio Buarque:
[...] já na segunda metade do mesmo século XVII parecerá irremediavelmente comprometida na América Lusitana a persistência de tais formas. Depois da sátira corrosiva de Gregório de Matos, que denunciara sem piedade as toscas ilusões de grandeza mundana entre os potentados da terra, e depois, sobretudo, de um Antônio Vieira, que das coisas do tempo queria extrair significados analógicos ou premonitórios, restava um mundo feito de sombras esquivas ou burlescas que mal se prestava à exaltação épica. Com o desterro da matéria nobre, alimento daquela exaltação, torna-se também um anacronismo a linguagem apropriada para manifestá-la. O herói clássico, sempre igual a si mesmo, fabricado de uma só peça, tende a emudecer num mundo que só quer falar por alusões, ambiguidades, metáforas, agudezas e equívocos. Se o prestígio antigo, e todavia ainda poderoso, dessas concepções consegue embotar as sensibilidades por muito tempo à sedução do novo, não é menos exato que elas se irão reduzindo cada vez mais à vã aparência (HOLANDA, 2000, p. 48).
A manutenção da moldura clássica não exclui a presença de uma nova linguagem. O estilo culto, que preza o brilho verbal e a metáfora aguda, espraia-se nas epopeias sacras, ou seja, o ideal heroico sofre adaptação dando lugar a novos personagens, revestindo-se de sentido diverso. Tal adaptação provoca, contudo, o fortalecimento de uma linguagem fantasiosa e inflacionada por metáforas usadas à exaustão, o que, pela recorrência do excesso, acaba por exaurir seu efeito, pois “esse gosto, sem meias tintas, do extraordinário, torna-se, ao cabo, contraproducente, pois parece certo que o extraordinário não impressiona mais do que a norma, desde que ele mesmo se fez norma” (HOLANDA, 2000, p. 59). O processo de hipertrofia da linguagem barroca adquire contornos convencionais e, como corolário, atenua o alcance da sobriedade árcade como momento de acomodação das preceptivas neoclássicas, retardando a maturação do racionalismo de pretensão universalista.
Para além da extensão da linguagem barroca em contraposição à sua submissão a manifestação literária sem viço e reverberação, aqui reside outro importante ponto de divergência com o argumento de Antonio Candido, pois Sérgio Buarque questiona tanto a diminuta circularidade daquela produção poética árcade como sua capacidade imediata de redirecionar os padrões de gosto para a naturalidade do estilo. Relatando as sobrevivências do Seiscentismo literário na obra de frei Francisco de São Carlos (1763-1829), diz-nos Sérgio Buarque:
Que o Seiscentismo, de há muito perento nos meios mais progressistas da colônia, ainda pudesse marcar sensivelmente, em 1819, um autor que, por outro lado, se insurgia abertamente contra certos aspectos mais gritantes do cultismo, só pode causar surpresa aos que vejam em nosso Arcadismo da segunda metade do Setecentos uma reação mais expansiva e contagiosa do que realmente o foi. O fato é que tal reação partiu principalmente de minorias bastante exíguas e durante longo tempo se cingiu a elas. Faltavam condições verdadeiramente apropriadas à formação de um público ideal para aquela arte apurada e estranha às nossas normas mais correntes. Esse público, os árcades mineiros, e muito particularmente um Gonzaga, só o teriam, de fato, com o advento dos românticos, que a eles se sentiriam levados por um sentimento de afinidade mal ou bem entendida (HOLANDA, 2000, p. 65-66). [Grifos meus]
A ausência de condições apropriadas para a formação de um público ideal, segundo o argumento buarqueano, minimiza o impacto do Arcadismo na formação do gosto setecentista. O esforço de diálogo e a presença de outrem, identificados por Antonio Candido como certa consciência de integração árcade, proveniente da relação entre razão e imitação, possuiriam influência relativa por conta das permanências do Maneirismo - também dimensionado na escrita de Formação, mas com outro tipo de avaliação e sentido. Candido reconhece que a historiografia literária de Sérgio Buarque tende a privilegiar o Barroco, em detrimento das virtudes literárias neoclássicas, pois, segundo demonstra na introdução de Capítulos, “a impregnação barroca passou por cima de intenções, programas e datas, chegando como vimos até Frei São Carlos à véspera da Independência” (CANDIDO, 2000, p. 21). Nesse sentido, o Arcadismo figura como uma mistura de princípios neoclássicos atenuados pela sobrevivência da expressão barroca, numa mescla entre convenções amaneiradas e um projeto de racionalidade. Sérgio Buarque rasura a dimensão preparatória do Arcadismo, seu papel formativo na luta contra a linguagem alambicada do Seiscentismo literário que ainda perdurava em pleno século XVIII.
Além disso, enquanto os vícios linguísticos continuavam a corromper o projeto de ordenação e polidez, Sérgio Buarque destaca a atmosfera ideológica que envolve os ideais árcades. Contudo, fazendo reservas quanto ao efeito produzido pelo incipiente nacionalismo, indica o equívoco do exclusivismo da leitura empenhada em reconhecer traços cívicos e patrióticos na literatura árcade. O combate à afetação e ao “mau gosto”, fruto dos afluxos da literatura espanhola, somente em parte responde aos embates travados pela busca da naturalidade de expressão. Segundo Sérgio Buarque:
A insurreição contra a linguagem alambicada e retorcida da era barroca foi, no Brasil, como no Portugal setecentista, mais do que uma questão de moda literária, uma espécie de imposição patriótica. Que o gosto lusitano se conformasse mal com as excentricidades do chamado estilo culto, e que a Idade de Ouro das letras e artes castelhanas tenha correspondido, em Portugal, segundo todas as aparências, a uma fase de abatimento, em muitos pontos, ou de esclerose da criação intelectual e artística, é o de que poucos duvidam. Todavia, não convém insistir demasiado nas supostas idiossincrasias nacionais como fundamento exclusivista de contrastes como esse (HOLANDA, 2000, p. 179).
O ponto de destaque aqui é a suposta contribuição árcade para a emergência de uma expressão nativista. Segundo Antonio Candido, o Arcadismo teria sido responsável pela construção de um olhar cívico e um primeiro esforço de adaptação da natureza às convenções, numa tentativa de particularizar o universalismo ou de determinação da paisagem; ao passo que, para Sérgio Buarque, a expressão árcade teria como principal elemento inovador o fato de ser “o primeiro movimento laico da história da literatura brasileira” (HOLANDA, 2000, p. 66), visto que o esforço de adequação da natureza local às convenções pode ser rastreado na produção colonial anterior. Ou seja, até mesmo o caráter preparatório de ideias que motivaram o processo de emancipação foi-lhe atenuado por conta do atraso na acomodação das difusas luzes ibéricas nas terras americanas. Sérgio Buarque aponta para o equívoco comum de se intuir a padronização de certo gosto árcade, sua centralidade quando se define o “bom gosto” do Setecentos, pois “quando muito o vemos meio balbuciante nos versos do mineiro Cláudio Manuel da Costa, um dos supranumerários do grêmio dos Renascidos” (HOLANDA, 2000, p. 83-84).
Para Sérgio Buarque, a descrição da natureza vai adquirindo “cidadania poética” em um processo iniciado por autores seiscentistas - prefigurando-se timidamente desde Botelho de Oliveira (1636-1711). No entanto, chama a atenção o caráter paroquial que o desenho da natureza possui em suas primeiras pinturas, geralmente atrelado ao apego à região de nascença e sem uma dimensão agregadora que pudesse sugerir um esboço de nacionalismo. A tópica do locus amoenus, feito jardim de delícias ou lugar ameno, se adequava perfeitamente aos motivos edênicos que motivaram os primeiros colonizadores. Assim, o ‘sentimento nacional só principia a exprimir-se plenamente em nossa poesia quando o locus amoenus se expande das ilhas para o continente e deixa, assim, de representar a exceção para converter-se em norma” (HOLANDA, 2000, p. 80). Para Antonio Candido, o cenário americano não conduz, inexoravelmente, à autonomia, “pois o cenário não basta se não corresponder à visão de mundo, ao sentimento especial que transforma a natureza física numa vivência”, por conseguinte, “a vivência neoclássica em relação à natureza física tendia a imprimir-lhe, qualquer que ela fosse, uma impessoalidade que se obtinha pelo desprezo do detalhe em prol da lei” (CANDIDO, 2009, p. 72).
Curtius demonstra historicamente que o locus amoenus opera como topos de descrição de paisagens ideais. Além disso, infere que, para o épico, “mais do que a distinção das três partes do mundo, importaria indicar, pela topografia, os diversos teatros de ação” (CURTIUS, 1957, p. 207). É justamente como ambientação da ação que o locus amoenus contribui para a descrição de uma paisagem natural e, consequentemente, para a valorização da geografia brasileira. Vejamos as palavras de Sérgio Buarque sobre a relação entre épica e natureza:
Não parece difícil explicar por que, entre todos os gêneros poéticos, a épica oferecesse desde cedo um campo relativamente livre para a descrição ou exaltação da natureza brasileira. Perseguindo um ideal coletivo, ela não tende a empenhar - ou não empenha em grau tão acentuado quanto o lirismo - as preferências pessoais dos autores, preferências essas que são ditadas, na maioria dos casos, pelos padrões clássicos. Um Cláudio Manuel da Costa, preso às convenções tradicionais do lirismo arcádico, poderá desenhar em favor das campinas do Tejo, do Lima e do Mondego a sua rude paisagem natal. Na poesia heroica, entretanto, onde, por definição, o genérico prevalece sobre o particular e de onde o autor deve estar individualmente ausente, mal teriam guarida semelhantes escrúpulos (HOLANDA, 2000, p. 80).
O sentimento nacional, expresso na valorização poética de seu lugar de nascença, torna-se gradativamente mais abrangente, permitindo, com isso, que através da adaptação dos topoi clássicos surjam os primeiros lampejos de nativismo. Nesse caso, sobressai a dimensão convencional, a utilização de um repertório literário ocidental como forma de sublinhar o traço local. Não seria equivocado ver certo afastamento em relação ao proposto por Antonio Candido, que mais do que ato previsto de decoração, de construção de uma espécie de cenário para o desenvolvimento da ação, encontra no Arcadismo pastoril e em suas delegações poéticas - como construção que se revela no plano literário - os primeiros sinais de sentimentalismo que frutificam posteriormente no Romantismo.
Sentidos da amizade
O diálogo deliberado que Candido estabelece com o esforço mais amplo de compreensão das raízes do Brasil implica uma narrativa direcionada para a superação da literatura comum, conferindo sentido e aceleração ao momento de transição da sensibilidade letrada. Sua apreciação histórico-literária, portanto, intui um percurso que começa com o universalismo clássico e conclui-se com o sentimentalismo romântico, destacando o insistente embate com a sensação de desterro. O caminho intelectual compartilhado por Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda pressupõe, sobretudo, o interesse na compreensão da formação brasileira, formulando um diagnóstico daquilo que dificultava o processo de modernização nacional e fazendo do passado literário um lugar de tensão entre convenção e sensibilidade ou entre imaginação e experiência.
O passado que emerge da experiência colonial letrada poderia tanto se manifestar majoritariamente enquanto vazio, ausência de rotina e sistema literário, como compreendido por Candido, ou como um longo processo de adaptação do conjunto de preceptivas que orientavam e organizavam as sensibilidades da incipiente produção literária dos primeiros séculos, como destacou Sérgio Buarque. O passar do tempo vagaroso, que se depreende da economia narrativa de Capítulos, seria consequência da acomodação da tópica ao ambiente hostil da colônia, num jogo intermitente entre imaginação europeia e sensibilidade americana, revelando pequenas e custosas rasuras que se espraiam ao longo de séculos, inclusive as manifestações do Barroco. Em contrapartida, Candido, ao excluir o Barroco de seu panorama e apresentar uma narrativa com ritmo mais marcado pela transição, realça a sensação de aceleração pela ênfase na descrição da acomodação neoclássica e na emergência do lirismo romântico.
Interessante notar, nesse momento, como Candido tende a minimizar tais divergências atribuindo-as ao caráter incompleto da obra. Diz-nos Candido no texto introdutório de Capítulos: “Estou certo de que, se houvesse terminado a obra, Sérgio teria mostrado na sua plenitude a interferência da dimensão neoclássica, que não chegou a desenvolver, para enriquecer ao máximo o panorama já de si riquíssimo que traçou” (CANDIDO, 2000, p. 22). Dado o desenho proposto, não seria absurdo acreditar na manutenção da distância em relação ao panorama de Formação. Sérgio Buarque, como dito anteriormente, confere conscientemente um ritmo mais lento à sua historiografia literária. Utilizando-se do rastreamento e análise dos topoi, identifica uma filiação clássica que perdura para aquém e além do Arcadismo, percebe que antes de períodos bem demarcados o que se delineia é a tensão entre a herança épica e o lirismo que mina gradativamente a antes hegemônica imaginação europeia.
Não se trata aqui de aproximar a historiografia literária de Sérgio Buarque e os experimentos estéticos que identificavam no Barroco uma forma subversiva e anticlássica. O interesse sincrônico da poesia hermética em procedimentos poéticos do Barroco não oblitera sua validade histórica e suas eventuais permanências. As afinidades eletivas implícitas no resgate da poética barroca, sobretudo na década de 1950, seriam prováveis ilusões de ótica, provocadas pelo interesse de identificação de precursores (GOMES JÚNIOR, 1998; HANSEN, 2001; CHIAMPI, 2010; ÁLVAREZ; MAFUD, 2013). Pois, segundo Sérgio Buarque, “o gosto moderno pela poesia ‘hermética’ não se pode confundir com os motivos que, na chamada idade barroca, determinaram a eclosão do ‘cultismo’ e do ‘conceitismo’”, da mesma forma que “o surto, em nossos dias, dos regimes totalitários nada tem a ver com o do poder absoluto ou da razão do Estado no Seiscentos e nem a atual economia dirigida se aparenta aos princípios do velho mercantilismo” (HOLANDA, 1979a, p. 145).
Em debate proporcionado pela apresentação das linhas gerais do material inédito que daria origem a Capítulos de literatura colonial, realizado em 1992, Candido reafirma o compartilhamento de preocupações de toda uma geração com os sentidos da modernidade nacional, estabelecendo um quadro da sua convergência de interesses com Sérgio Buarque. Para Candido, a importância estaria nos caminhos afins permeados pela relação de amizade:
Eu me sinto muito afim da crítica do Sérgio, é claro, porque tinha com ele afinidades intelectuais e por isso éramos grandes amigos. Nós pensávamos muita coisa parecida, do ponto de vista da teoria crítica circulávamos no mesmo horizonte, líamos os mesmos livros, trocávamos ideias. Creio que compreendo bem o Sérgio porque participo da visão crítica dele. [...] Com Sérgio eu pensava parecido e gostaria, se fosse capaz, de ter feito coisas que ele fez (CANDIDO, 1992, p. 116).
A amizade e a generosidade, que se expressam ao longo de inúmeras manifestações públicas de compartilhamento de projetos e na tessitura de um permanente diálogo intelectual, estão para além do artifício da memória e da tutela de certa recepção da obra buarqueana. O controle das divergências e o esforço de ombrear-se com o mestre e amigo, talvez seja possível dizer, emergem da robusta autonomia intelectual e do desejo franco de compartilhar certos horizontes de sentidos, seriam uma espécie de extravasamento público da amizade. Se tal hipótese possui algum valor, resta-nos indagar: qual seria o lugar da amizade na abordagem crítica das diferenças nas historiografias literárias de Sérgio Buarque e Antonio Candido?
Michel de Montaigne, nos Ensaios, apresenta a amizade, após um extenso cotejamento com proposições dos antigos, como concordância das vontades (MONTAIGNE, 2002, p. 278).9 Uma definição que se aproxima do sentido articulado por Candido, quando diz: “circulávamos no mesmo horizonte”. O trânsito em horizonte similar apresenta-se aqui como desejo indissociável de certa sociabilidade e orientação intelectual no espaço público, extrapolando, portanto, o âmbito privado das relações de amizade e seus impactos circunscritos. Longe de sugerir uma relação de cordialidade, no sentido da hipertrofia das relações interpessoais que inviabiliza a modernização nacional e a impessoalidade republicana, transformando-os em personagens inapropriados aos esforços de superação de certa tradição ibérica pautada na aparência, o que se pretende sublinhar nessa relação de amizade é a prerrogativa de certa missão intelectual, certo compromisso ético-político com o horizonte da modernização nacional.
A amizade, desse modo, refere-se não somente a sentimentos e emoções, em seu estado puramente subjetivo, mas também a práticas discursivas e a uma dimensão sociológica e situacional das emoções (SIMMEL, 2006; REZENDE, 2002; ARAÚJO, 2019). Trata-se de chamar a atenção para o alcance coletivo da amizade, para certo equilíbrio entre o público e o privado ou entre razão e sensibilidade. Ou seja, a amizade não necessariamente se restringe ao âmbito do privado, como modelagem de si ou autorrepresentação (VELLOSO, 2009; ARAÚJO, 2014), mas pode transbordar para uma dimensão pública, delineando certa trajetória intelectual, conformando uma memória disciplinar e expressando o sincero artifício de uma escrita de nós, uma vontade de pensar junto. Os sentidos de uma modernidade comum almejada tanto por Sérgio Buarque como por Antonio Candido, também reivindicados por uma geração e articulados em inúmeras intervenções intelectuais, demonstram que a divergência não se fez dissenso.
No ambiente clássico, tal como formulado na reflexão aristotélica sobre ética, as relações de amizade confluem para os ideais de virtude que se assentam no bem comum. A afinidade, portanto, pode se fundar na utilidade ou no prazer da virtude, podendo mesmo proporcionar certo adestramento da virtude (ARISTÓTELES, 1991). Giorgio Agamben, glosando os escritos aristotélicos e demarcando a diferença sobre a semântica moderna, refere-se à instância do com-sentimento da existência, ou seja, “o amigo é, por isso, um outro si, um heteros autos”. Em outras palavras, “o amigo não é um outro eu, mas uma alteridade imanente na ‘mesmidade’, um tornar-se outro do mesmo”. Pode-se inferir daí que “a amizade seria uma espécie de des-subjetivação no coração mesmo da sensação mais íntima de si” (AGAMBEN, 2009, p. 89-90).
A relação de amizade, como certa disposição de caráter, provocaria, no seu limite, a configuração de um “outro eu” que se manifesta além de si. Talvez aqui se possa, com certa liberdade interpretativa, pressupor o lugar da amizade na formulação crítica de Sérgio Buarque e Antonio Candido. Trata-se de um esforço de pensar junto o sentido da modernidade e a função do intelectual na conformação ou aceleração das expectativas, minimizando certos desencontros e preservando os caminhos afins. Vejamos as palavras do próprio Candido:
Com Sérgio eu pensava parecido e gostaria, se fosse capaz, de ter feito coisas que ele fez. O tipo de análise que ele faz aqui [em Capítulos] e eu chamei de ‘constituição do texto’, teria sido o meu ideal ver o texto não como um ‘condicionado’, mas como um ‘articulado’. Ele se articula com o ciclo de civilização a que pertence, como no caso da extraordinária análise de Cláudio Manuel da Costa, que é uma lição da consciência da temporalidade, nos termos do Prof. Peixoto. Sérgio circula no tempo, vai até Petrarca, vem até Lope de Vega, vai até Dante Alighieri, vem a Metastasio, volta para Cláudio Manuel da Costa, a constelação vai se formando e você sente que para explicar aquele texto curto de quatorze versos ele mobiliza a civilização do Ocidente (CANDIDO, 1992, p. 116)
A expressão social do sentimento de amizade, em suas funções e significados, permite uma tentativa de compreensão das oposições discretas e ao mesmo tempo considera certo desejo, enfático e transparente, de reafirmar os caminhos afins. Para além do pragmatismo em definir uma memória disciplinar ou do artifício na modelagem da recepção dos sentidos da modernidade, pretende-se aqui considerar relevantes certos afetos na conformação de si e do outro. O componente afetivo da amizade, mesmo reconhecendo certa assimetria em suas manifestações públicas, parece ter função considerável na configuração dos caminhos historiográficos de Sérgio Buarque e Antonio Candido, assim como nas leituras e releituras de suas obras - que não se perca da memória o reconhecimento da cumplicidade relatada por Sérgio Buarque em dedicatória para Antonio Candido. Se o inacabamento de Capítulos e sua abordagem da literatura colonial, sobretudo do Barroco, sugerem um distanciamento em relação a Formação, tendo como corolários opções distintas sobre os momentos decisivos e os ritmos narrativos adotados, a discrição da oposição reflete um mesmo horizonte de expectativa na trajetória intelectual desses dois críticos, historiadores da literatura e, por que não dizer, amigos e cúmplices.
Referências
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1
Nos termos mobilizados em Formação, trata-se da passagem de um ingênuo nativismo para um nativismo erudito tal como delineado na obra de Cláudio Manuel da Costa (CANDIDO, 2009, p. 224).
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2
Sobre uma dimensão latino-americana da reflexão de Antonio Candido, ver Torres (2018); Rocca (2018) e Barbosa (2019).
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3
Quando compilado no livro de ensaios Educação pela noite, o artigo sofreu alterações pontuais. Por exemplo, na versão original, as palavras grifadas no trecho supracitado eram: formas, temas e sentimentos; já na versão reunida em livro posteriormente eram: formas, temas e diferença. Sem querer superestimar o que parece somente uma nuance, porém sem acreditar na ingenuidade de tal alteração, talvez seja lícito relacionar tal rasura de si com a atenuação do sentimentalismo que marcou a feitura de Formação, dando lugar a uma perspectiva historiográfica da literatura onde a diferença desempenhe um papel central.
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4
Vale recordar que Antonio Candido foi reconhecido como cúmplice em Raízes do Brasil pelo próprio Sérgio Buarque em dedicatória de Visão do paraíso. Ver Candido (1998, p. 134). Ver também Costa (2018).
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5
Para um cotejamento das modificações realizadas entre as cinco primeiras edições de Raízes do Brasil e suas consequências para o sentido do ensaio, ver Feldman (2016).
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6
Para uma crítica contundente à exclusão do Barroco no processo de formação literária nacional, ver Campos (2011).
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7
A mesma atitude parece reverberar em “O significado de ‘Raízes do Brasil’”, famoso prefácio de Raízes do Brasil, redigido em 1967 e publicado na quinta edição de 1969. Ao relatar a formação de sua geração, diz-nos Candido: “julgam-se a princípio diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando iguais, que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais da sua época. Então registrar o passado não é falar de si; é falar dos que participaram de uma certa ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se deseja evocar” (CANDIDO, 2006, p. 235)
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8
Cumpre notar que o trecho citado já havia sido publicado no início da década de 1950, portanto em momento de efervescência do debate sobre o papel do Barroco na história literária nacional. Segue o trecho publicado no artigo e que posteriormente será levemente modificado: “Tanto quanto o romântico, o artista barroco apela para as emoções, mais do que para a inteligência. Por outro lado, essa emotividade não procede, no seu caso, de um impulso íntimo irrefreável. Ele não quer exprimir uma personalidade. E se chega a desprezar os preceitos artísticos consagrados é a fim de agir com eficácia maior sobre os fiéis e os comparsas. Sua arte poética não se assemelhará a um código, mas a um receituário. E a máscara retorcida ou angustiada que apresenta pode dissimular uma inteligência fria, segura dos seus meios e atenta só ao efeito exterior. Nisto principalmente separa-se ele do romântico, ao menos do romântico ideal, embora não falte quem veja no barroco uma antecipação do romantismo”. (HOLANDA, 1979a, p. 152).
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9
Para um panorama da idealização da agência individual nas formas modernas da amizade, ver Silver (1989).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
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Recebido
25 Jun 2020 -
Aceito
17 Dez 2020