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A construção da “USP forte”: Permanência e mudança no poder institucional da USP (1934-2024)

The construction of a “strong USP”: continuity and change in the institutional power of USP (1934-2024)

Resumo

A história da Universidade de São Paulo vem sendo contada e disputada por muitas perspectivas. Uma, porém, tem sido pouco explorada: aquela que enfatiza o poder institucional da universidade, ou seja, a formação da sua administração central e do seu corpo dirigente correspondente. Reconhecendo essa lacuna, o presente artigo propõe apresentar o longo processo de construção do poder institucional da USP mostrando como, apesar das mudanças ao longo do tempo, esse poder foi e segue concentrado no polo profissional-tradicional da universidade, formado pelas unidades, em especial das Faculdades de Direito, Medicina e Engenharia, da capital e do interior do estado.

Palavras-chave
Universidade de São Paulo; Gestão universitária; Poder

Abstract

The history of the University of São Paulo has been narrated and contested from various perspectives. However, one perspective has been relatively unexplored: that which emphasizes the institutional power of the university, namely the formation of its central administration and corresponding governing body. Acknowledging this gap, the present article proposes to outline the lengthy process of constructing the institutional power of USP, demonstrating how, despite changes over time, this power has been and continues to be concentrated in the traditional professional hub of the university, comprised notably of the Schools of Law, Medicine, and Engineering, both in the capital and throughout the state’s interior.

Keywords
University of São Paulo; University management; Power

Introdução

Um dos maiores riscos que se correm ao analisar a Universidade de São Paulo é permanecer refém das categorias e visões que emanam das posições de poder da instituição, controladas por seu polo dominante. Especialmente porque uma parte importante da sua historiografia está ligada justamente a essas posições, seja por meio de histórias, escritas diretamente por altos dirigentes (Americano, 1947AMERICANO, Jorge. (1947), A Universidade de São Paulo: dados, problemas e planos. São Paulo, Empresa Revista dos Tribunais.; Mendes, 1977MENDES, Josué Camargo. (1977), Universidade de São Paulo, súmula da sua história. São Paulo, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia; Academia de Ciências do Estado de São Paulo.; Reale, 1986REALE, Miguel. (1986), "Recordações da Universidade de São Paulo". Revista da Universidade de São Paulo, 3: 91-101., 1994REALE, Miguel. (1994), "Minhas memórias da USP". Estudos Avançados, 8 (22): 25-46. https://doi.org/10.1590/S0103-40141994000300004.
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; Oliveira, 1995OLIVEIRA, Hélio Lourenço de (org.). (1995), USP 1968-1969: Hélio Lourenço de Oliveira. São Paulo, Edusp.; Marcovitch, 2001MARCOVITCH, Jacques. (2001), Universidade viva, diário de um reitor. São Paulo, Mandarim.; Rodas e Motoyama, 2001), seja por meio de projetos de reconstrução histórico-institucional patrocinados ativamente por essas posições (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Kwaniscka, 1985KWANISCKA, Eunice Lacava (org.). (1985), Universidade de São Paulo: subsídios para uma avaliação. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Oba, 2006OBA, Rosana. (2006), Universidade de São Paulo seus reitores e seus símbolos. Um pouco da história. São Paulo, Edusp.; Motoyama, 2006MOTOYAMA, Shozo. (org.). (2006), USP 70 anos, imagens de uma história vivida. São Paulo, Edusp.). Essa tradição historiográfica compartilha a perspectiva metodológica memorialística, seduzida pela técnica da história oral, e a tentativa de estabelecer uma cronologia estabilizada dos “fatos” e “feitos”, apresentada como um processo bem-sucedido de construção institucional, em que a USP de hoje já parece encubada, como projeto, nas escolas profissionais tradicionais criadas no século XIX.

Na contramão dessa tradição ligada ao polo dominante da USP, estão os trabalhos que, em geral, concebem a USP como um projeto não realizado de uma universidade criada nos anos 1930 e integrada a partir da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Escritas desde o campo da filosofia e da história da educação, essas reconstruções falam de um “projeto vencido” de universidade, denunciando, assim, seu lugar estruturalmente mais frágil (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 3 vols.; Celeste Júnio, 2013). Compartilhando uma noção historiográfica que enfatiza o papel das “ideias de universidade” como a dimensão mais importante da história institucional, esses trabalhos também revelam esquemas e categorias que enquadram uma visão sobre a USP ligada a uma posição institucionalmente dominada.

O presente artigo procura escapar das armadilhas postas por essas duas tradições historiográficas reivindicando uma terceira tradição, que pode ser sintetizada na noção de “distância” como chave para o esforço de conceber a instituição como um espaço socialmente estruturado. Fazem parte desta tradição trabalhos muito distintos, mas que compartilham, em linhas gerais, a escolha de reconstruir a história institucional a partir da objetivação das posições determinantes da sua estrutura interna (Cardoso, 1982; Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega. e 1984; Hey e Catani, 2006HEY, Ana Paula & CATANI, Afrânio. (2006), "A USP e a formação de quadros dirigentes". In: MOROSONI, Marília (org.). A universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília, Inep, pp. 295-312.; Limongi, 1988LIMONGI, Fernando. (1988), Educadores e empresários culturais na construção da USP. 1988. 279f. Campinas, dissertação de mestrado em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas., 1989LIMONGI, Fernando. (1989), "Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo". In: MICELI, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, vol. 1, pp. 111-86.; Miceli, 1989MICELI, Sergio. (1989), “Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais”. In: MICELI, Sergio (org.) História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, pp. 72 -110.; Pontes, 1998; Nadai, 1981).

Partindo desse enquadramento teórico, em trabalhos anteriores realizei um esforço de sistematizar a estrutura social da USP (Carlotto, 2018CARLOTTO, Maria Caramez. (2018), "A universidade vista a 'certa distância': a estrutura social da USP e sua representação simbólica". Política & Sociedade, 17 (38): 224-255.), mostrando como essa estrutura se traduz em padrões distintos de reconstrução da história institucional (Carlotto, 2022CARLOTTO, Maria Caramez. (2022), "Relato pessoal ou primazia da estrutura? Da história oral à história estrutural como modelo para a sociologia histórica: o caso da história institucional da USP". Tempo Social, 34 (1): 55-82. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2022.180874.
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). Neste artigo, pretendo recuperar essa abordagem estrutural para analisar não as diferentes visões sobre o passado da instituição, mas a imposição de um projeto dominante sobre o seu futuro. Nesse sentido, proponho analisar a construção institucional da USP como um esforço do polo dominante da instituição – formado pelas escolas profissionais tradicionais que, inclusive, antecedem a própria universidade – no sentido de concentrar poder e criar condições para ir definindo uma política comum para diferentes âmbitos da universidade, enfraquecendo, consequentemente, os órgãos colegiados locais.

É à luz dessa proposta que proponho analisar a história de construção do poder central na USP – representado pela reitoria e seus órgãos subsidiários – assinalando como a construção dessa “USP forte” consolidou o poder das unidades profissionais-tradicionais que, hoje, mais do que nunca, dispõem de instrumentos de força para impor visões e concepções de universidade. A expressão “USP forte” foi retirada de uma das entrevistas realizadas nesta pesquisa, em que, analisando o impacto da criação das pró-reitorias na década de 1980, um dirigente explicita que o poder, na USP, passa pela capacidade de impor regras para o conjunto da universidade, especialmente para as suas unidades mais antigas, o que só começou a ser possível como consequência da reforma de 1968, internalizada pela USP no início dos anos 1970:

Você imagina que a USP é a reunião de Faculdade de Filosofia, da Escola Politécnica, da Faculdade de Medicina, da Veterinária, da Faculdade de Direito […]. Todas escolas centenárias. Então, a graduação da Faculdade de Medicina não tinha nada que ver com a USP, você não conseguiria jamais dar uma mesma forma. Enquanto a pós-graduação, por outro lado, já nasceu centralizada, com a reforma de 1972, quer dizer ela já surgiu com a USP forte.

Partindo dessa inspiração geral, o objetivo deste artigo é mostrar o que muda e o que permanece do ponto de vista da construção desse poder institucional, entre a fundação da USP em 1934 e a contemporaneidade. Nesse sentido, o objetivo é apresentar a “USP forte” como a construção do polo profissional tradicional no sentido de centralizar poder, o que, no entanto, como já sugere a citação acima, tem impacto profundo inclusive sobre a dinâmica desse mesmo polo. Vale notar que, dado que a USP enquanto universidade pressupõe, em alguma medida, a existência de políticas e orientações comuns a todas as suas unidades, é do longo processo de criação da própria universidade que estamos tratando neste texto.

Do ponto de vista das técnicas de pesquisa mobilizadas, este artigo baseia-se na pesquisa documental em atas e registros oficiais da USP, na análise de trajetória de todos os reitores da USP entre 1934 e 2024, e em entrevistas realizadas com dirigentes da USP entre 1988 e 20101 1 . No que concerne às entrevistas, dada a proposta de realizar uma história estrutural sem nomes próprios (Carlotto, 2014; 2022), não identifiquei nominalmente os dirigentes da USP, identificando apenas os atributos sociais mais significativos para esta análise, em especial os que distinguem as suas trajetórias no interior da instituição. O universo de dirigentes é formado por: i) todos os reitores da USP que ocuparam o cargo de 1934 a 2014; ii) todos os diretores administrativos, que ocuparam a direção da Codage, depois Vrea, de 1973 a 2014; e iii) todos os pró-reitores que assumiram esse cargo de 1988 a 2014. Desse universo, que reúne ao todo 75 dirigentes, procurei entrevistar todos os reitores, pró-reitores e diretores administrativos que assumiram cargos a partir de 1968, o que, na prática, acabou se viabilizando apenas para os que assumiram cargos no âmbito central a partir de 1986. Ao todo foram realizadas 23 entrevistas. . Do ponto de vista metodológico, a proposta é tratar a USP como um espaço socialmente estruturado por meio de uma análise sistemática de dados institucionais, em particular, o perfil do corpo docente, expresso em indicadores do Anuário Estatístico da USP, e o perfil socioeconômico dos ingressantes em diferentes cursos e unidades, a partir dos dados do Questionário Socioeconômico da Fuvest (Carlotto, 2014, 2018, 2022).

Do ponto de vista da sua estrutura, o presente artigo se propõe a analisar as mudanças na estrutura de poder da USP, atentando para o que muda e o que permanece. Para tanto, parte de uma caracterização geral dos reitores da universidade para, depois, analisar cronologicamente a história de desenvolvimento do poder institucional. Assim, na segunda parte, intitulada “A era das cátedras e congregações: reitores fortes, USP fraca”, apresenta-se o perfil dos reitores da USP do período e, ao mesmo tempo, a estrutura institucional da USP entre 1934 e os anos 1960. Na segunda parte, “Os anos de chumbo: a grande batalha pela reforma universitária e a USP que emerge da ditadura”, o foco recai sobre a disputa em torno da reforma universitária, que seria internalizada pela USP nos anos 1970. A terceira parte, chamada “A redemocratização e a consolidação da perspectiva gerencial: a USP forte”, analisa a transformação da USP na redemocratização, quando a universidade ganha os pilares da sua estrutura atual, especialmente considerando a centralização do ingresso e da produção de dados.

USP entre a permanência e a mudança

O presente artigo parte do reconhecimento de que a estrutura que vertebra a USP opõe, em síntese, as unidades profissionais-tradicionais, especialmente aquelas ligadas aos cursos de medicina, engenharia e direito – que se caracterizam por um poder temporal muito forte, em função dos seus laços com o poder econômico e político e que, por isso mesmo, recrutam seus alunos e professores entre camadas sociais mais elevadas –, às unidades acadêmico-científicas, em especial as que resultaram de um desdobramento da antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, que se caracterizam, no geral, por uma abertura maior a setores sociais de menor capital econômico, político e cultural, porém, mais reconhecimento acadêmico-científico (Carlotto, 2014, 2018).

Essa estrutura se traduz, como não poderia deixar de ser, na estrutura de poder da universidade. Nesse sentido, ao analisar o quadro de reitores ao longo dos noventa anos de história da USP (1934-2024), o que salta aos olhos é, justamente, a permanência de um padrão que resulta da primazia do polo dominante da instituição, formado pelas suas unidades voltadas à formação profissional tradicional, com destaque para as escolas de direito, medicina e engenharia, em primeiro plano, economia, farmácia, odontologia e agronomia, em segundo.

Além do caráter hegemonicamente masculino, em parte esperado2 2 . Cabe não naturalizar a ausência de mulheres nas estruturas de poder das instituições universitárias. Em parte, isso é esperado porque as mulheres foram, por muito tempo, minoria no ensino superior brasileiro e especialmente nas unidades mais poderosas da instituição. Por outro lado, a ausência de mulheres em posições de poder é um fenômeno que deve ser compreendido em si mesmo e não como reflexo “natural” da menor presença na universidade como um todo. , o que a Tabela 1 revela é o fato de que praticamente todos os reitores da USP vieram do polo profissional tradicional da universidade, seja quando olhamos para o curso de formação, seja para a unidade de origem. As exceções – ou seja, reitores que nem se formaram nem vieram do polo profissional tradicional – merecem destaque porque não deixam de confirmar a regra, são elas:

TABELA 1
: Reitores da USP segundo período no cargo, faculdade de origem e curso de formação

  • Mário Guimarães Ferri: botânico oriundo da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, enquanto vice-reitor, só se tornou reitor por um curto período, por ocasião do afastamento de Antônio Gama e Silva para assumir o Ministério da Justiça do governo Costa e Silva. Ferri não terminou o mandato, sendo substituído por Hélio Lourenço de Oliveira, um médico.

  • José Goldemberg: físico que se tornou o primeiro diretor do Instituto de Física porque era, justamente, o titular da cadeira de Física da Escola Politécnica na Reforma Universitária de 1968. Vale notar que, na entrevista concedida a esta pesquisa, ele ressaltou que a sua origem institucional na USP era, na verdade, a “Poli”.

A hegemonia do poder institucional da USP pelo polo profissional tradicional da universidade se dá a despeito das mudanças nos critérios de escolha dos reitores, que se traduz nas diferentes trajetórias dos mais altos dirigentes. Dessa perspectiva, é possível separar a história institucional da USP em três grandes fases que marcam uma progressiva consolidação, de um lado, da autonomia da instituição e, de outro, da sua capacidade executiva central, por meio do fortalecimento da reitoria e órgãos subsidiários. Esses dois processos, profundamente correlacionados, concorrem para consolidar o que estamos chamando de “USP forte”, num processo que vai da era das cátedras e fundações (1934-1964), passando pela ditadura militar e a intensificação dos conflitos em torno da reforma universitária (1964-1986), até chegar ao contexto atual, que vai da redemocratização até hoje (1986-2024), que consolidou um padrão institucional de funcionamento marcado pela força do executivo central, ou seja, da reitoria e, ao mesmo tempo, pelas disputas políticas internas cada vez mais autonomizadas, ainda calcadas no poder das unidades profissionais.

Antes de avançar para a análise dessas três fases, é importante frisar que o processo de consolidação do poder institucional da USP é acompanhado por um processo linear, embora não constante, de crescimento da universidade, o que pode ser observado por alguns indicadores básicos tais como número de unidades, número de estudantes de graduação e pós-graduação e número de docentes.

Do ponto de vista do número de unidades de ensino e pesquisa, o Gráfico 1 mostra a evolução entre 1934 e 2024, período em que a USP passou de 10 para 42 unidades, sendo a maior expansão observada a partir da Reforma Universitária de 1968, que fragmentou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em diferentes unidades.

GRÁFICO 1
: Evolução do número de unidades de ensino e pesquisa da USP

O aumento do número de unidades foi acompanhado pela expansão do alunado, de graduação e pós-graduação, conforme o Gráfico 2, que apresenta, ainda, a evolução do número de docentes.

GRÁFICO 2
: Evolução do alunado e do corpo docente da USP (1960-2020)*

É relevante salientar, em relação a esses dados, que a sua existência é profundamente dependente da própria constituição da “USP forte”. Nesse sentido, praticamente inexistem dados estatísticos sistematizados sobre a USP no período anterior a 1987, quando se organiza o Anuário estatístico, até hoje responsável por sistematizar e padronizar essas informações3 3 . Para o número de alunos, os dados realmente confiáveis são os consolidados a partir de 1989, quando o processo de coleta e processamento dessas informações pelo anuário se tornou mais sistematizado. Para a década de 1960, os únicos dados estatísticos disponíveis são, primeiro, os fornecidos por Heládio Antunha, que, depois de criticar a universidade por não possuir um serviço de estatística centralizado, afirma ter conseguido, junto à Divisão de Difusão Cultural da Reitoria, alguns dados “não inteiramente satisfatórios” (1971, p. 5) e, segundo, as Estatísticas Educacionais do MEC publicadas em 1972 e 1974 pelo Serviço de Estatística da Educação e Cultura e que sintetizam algumas informações gerais sobre a USP entre 1960 e 1971 (MEC, 1972, p. 107). É importante frisar que, ao longo da pesquisa, procurei ter acesso a esses dados de diversas maneiras, como a consulta a bibliotecas de unidades, ao arquivo da USP e ao Anuário estatístico da universidade. Esse último órgão, vale notar, também se engajou, sem sucesso, na busca por essas informações estatísticas referentes aos anos 1960, 1970 e, em certa medida, 1980. A pesquisa mostrou, por fim, que os únicos dados estatísticos anteriores a 1980 e produzidos oficialmente pela USP são uma primeira série de anuários estatísticos produzida de 1934 a 1941, disponível na Biblioteca Digital de Obras Raras do Sibi-USP (http://www.obrasraras.usp.br, consultado em 21/04/2014). Mas essa série não traz, evidentemente, dados sobre as décadas de 1960 e 1970. . Além disso, cabe notar que esse processo de expansão e consolidação da USP que será analisado neste artigo vem acompanhado de um fortalecimento do orçamento da universidade, que tem seus marcos, como veremos, no avanço dos projetos de autonomia universitária, conquistado sobretudo nos contextos de consolidação democrática. Mas antes de entender esse sentido geral é fundamental analisar, em profundidade, os três grandes momentos de consolidação da USP: a era das cátedras e congregações (19341964), a grande batalha pela reforma universitária (1964-1985) e a redemocratização e a consolidação de uma burocracia centralizada (1986-2024).

A era das cátedras e congregações: reitores fortes, USP fraca

A primeira grande fase de funcionamento do poder institucional da USP corresponde às três décadas iniciais da instituição, indo da fundação da USP em 1934 ao início da ditadura militar, em 1964. Essa fase pode ser descrita como a “era das cátedras e congregações”, quando o reitor da USP, sempre um catedrático com carreira na política estadual ou nacional, era um personagem politicamente forte, mas, ao mesmo tempo, sem instrumentos internos para afirmar institucionalmente o seu poder. Essa fragilidade institucional do reitor e da reitoria se dava, sobretudo, pela força dos seus pares, outros professores catedráticos, e das congregações de unidade, chamadas então “institutos universitários”.

A USP foi criada, oficialmente, por um decreto federal de 25 de janeiro de 1934 (USP, 1934a). Logo depois, o então presidente Getúlio Vargas e o seu ministro da Educação e Cultura, Gustavo Capanema, seguindo atribuição do Estatuto das Universidade de 1931, aprovaram e publicaram os estatutos da Universidade de São Paulo (USP, 1934b). Portanto, a USP foi originalmente regida pelo Decreto de Fundação (USP, 1934a) e pelos Estatutos do mesmo ano (USP, 1934b).

Posteriormente, no bojo do processo de transição política entre o Estado Novo e a Democracia de 1946, a USP ganhou maior autonomia e passou a se reger pelo Decreto de 29 de fevereiro de 1944, que, apesar de assinado pelo Interventor do Estado de São Paulo e dispor sobre “subordinação da Universidade de São Paulo à Interventoria Federal”, transforma a universidade, pela primeira vez, em “autarquia estadual”. Assim, ainda que “sob a tutela administrativa do Governo do Estado e sob o controle econômico-financeiro da Secretaria da Fazenda, no que diga respeito à tomada de contas e inspeção da contabilidade”, esse decreto concedeu mais autonomia à USP ao passar “para a alçada do Reitor a prática de todos os atos administrativos da Universidade, que antes eram da competência do Secretário de Estado, ou do Diretor Geral da Secretaria da Educação e Saúde Pública” (USP, 1944, artigo 2º, parágrafo 1º, n.p.).

Tanto sob a vigência dos Decretos de 1934 quanto do Decreto de 1944, a escolha do reitor da USP se dava exatamente da mesma maneira: sua nomeação era atribuição do governador do Estado de São Paulo, que o escolhia livremente “entre brasileiros natos, professores catedráticos de qualquer dos institutos universitários” (USP, 1934b, n.p.). Na prática, isso significava que o governador poderia escolher para reitor da USP, por três anos à época, qualquer dos professores catedráticos da instituição. Além de conferir enorme poder ao governador, essa prerrogativa se traduzia em reitores politicamente fortes, porque alinhados com a autoridade máxima do estado, mas institucionalmente fracos, seja porque não estavam necessariamente legitimados pelo consentimento ou apoio explícito de seus pares, seja porque não dispunham, ainda, de estrutura de governo capaz de viabilizar seu poder institucional enquanto USP.

Do ponto de vista da trajetória política dos reitores desse período, o que merece destaque, além de todos serem do polo profissional tradicional, oriundos sobretudo das três grandes escolas que já existiam antes da criação da USP – a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica –, é o fato de que todos tinham forte trajetória política fora da USP, alguns mesmo como políticos profissionais, conforme indicado a seguir.

  • Reinaldo Porchat (1934-1937): catedrático da Faculdade de Direito, foi membro fundador do Partido Democrático e senador estadual de São Paulo no início dos anos 1920. Escrevia regularmente para o periódico A República, tendo sido, também, delegado de polícia, juiz eleitoral, membro do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras.

  • Lúcio Martins Rodrigues (1937-1939): catedrático da Escola Politécnica, integrou a primeira comissão que estudou a possibilidade de implementação de uma universidade em São Paulo, ainda em 1931. Foi chefe da comissão de obras da prefeitura de São Paulo, além de ter dirigido obras estaduais importantes como a estrada de Ferro Central e o Porto de Santos.

  • Domingos Rubião Meira (1939-1941): catedrático da Faculdade de Medicina, foi formado pela Escola Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, onde também estudou Adhemar de Barros, que, enquanto interventor em São Paulo entre 1938 e 1941, indicou seu colega de faculdade e correligionário ao cargo de reitor da USP. Rubião Meira era, ainda, irmão de João Alves de Meira Júnior, deputado federal por São Paulo por duas legislaturas (1924 a 1926; 1935 a 1937) e membro fundador do Partido Social Progressista (PSP) em 1946, junto, de novo, com Adhemar de Barros.

  • Jorge Americano (1941-1946): catedrático da Faculdade de Direito, foi promotor de justiça de São Paulo, chegando ao cargo de Procurador-Geral da Justiça em 1930. Deputado estadual entre 1927 e 1928 pelo Partido Republicano Paulista (PRP), foi eleito deputado constituinte em 1933. De 1946 a 1945, enquanto era reitor da USP, elegeu-se presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, atual Ordem dos Advogados, saindo para assumir a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Sua carreira ao mesmo tempo política, jurídica e acadêmica o levou à direção de outras instituições, como a presidência da Fundação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, da União Cultural Brasil-Estados Unidos e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, além de ter sido diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie por uma década, de 1954 a 1964

  • Antônio de Almeida Prado (1946-1947): catedrático da Faculdade de Medicina por convite de Arnaldo Vieira de Carvalho quando da fundação da Faculdade no início do século XX. Presidiu a Academia Brasileira de Medicina entre 1930 e 1931, período em que foi Diretor do Serviço Sanitário de São Paulo, antes de assumir a Secretaria de Educação de São Paulo por indicação do então interventor Laudo de Carvalho. Foi enquanto Secretário de Educação que nomeou, em 1931, a primeira Comissão para estudar o projeto de uma universidade em São Paulo.

  • Benedito Montenegro (1947): catedrático da Faculdade de Medicina, foi secretário da Educação e da Saúde Pública de São Paulo em 1931, durante o período de intervenção. Foi eleito deputado estadual em 1935, pelo Partido Constitucionalista. Promulgou a Constituição de São Paulo em 1935, como presidente em exercício da Assembleia Constituinte. Foi sócio fundador da “União Cultural Brasil – Estados Unidos”.

  • Lineu Prestes (1947-1949): catedrático da Faculdade de Odontologia, foi secretário da Fazenda do estado de SP na gestão Adhemar de Barros. Saiu para concorrer à prefeitura da cidade de São Paulo, tendo sido eleito prefeito em 1950 como representante do ademarismo. Pelo PSP de Adhemar de Barros, concorreu à eleição ao Senado por SP e foi eleito senador suplente. Assumiu o cargo de senador em 1957, permanecendo até sua morte, em 1958.

  • Miguel Reale (1949-1950): catedrático da Faculdade de Direito, ingressou na vida política na chamada “Revolução Constitucionalista de 1932”, quando integrou o batalhão universitário Ibrahim Nobre. Ainda na década de 1930, aproximou-se do integralismo, tendo sido, ao lado de Plínio Salgado e Gustavo Barroso, um dos três nomes mais importantes da Ação Integralista Brasileira. Entre 1942 e 1946, quando o interventor era o getulista Fernando de Souza Costa, foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo. Em 1947, sob a gestão de Adhemar de Barros, foi nomeado Secretário de Justiça do Estado, saindo para assumir, pela primeira vez e por decisão do governador, a reitoria da USP.

  • Luciano Gualberto (1950-1951): catedrático da Faculdade de Medicina, foi, nos anos 1920, vereador por três mandados consecutivos, vice-prefeito de São Paulo e deputado estadual originalmente pelo PRP e, depois, cada vez mais próximo do ademarismo. Foi nomeado reitor do governo Adhemar de Barros. Saiu da reitoria para se tornar secretário de saúde no governo de Lucas Nogueira Garcez.

  • Ernesto Moraes Leme (1951-1953): catedrático da Faculdade de Direito, entrou na política em 1932, tendo lutado na chamada “Revolução de 1932”. Foi eleito para a Assembleia Constituinte e Legislativa de São Paulo em 1935 pelo Partido Constitucionalista. Em 1945, entrou para a UDN. Em 1951, foi nomeado reitor da USP por decisão de Lucas Nogueira Garcez (PSP de Adhemar de Barros). Depois de reitor, tornou-se embaixador do Brasil na ONU, chegando até mesmo a presidir o Conselho de Segurança da ONU. Entre 1964 e 1965 tornou-se Secretário de Justiça de SP.

  • José de Mello Moraes (1954-1955): catedrático da Escola de Engenharia Luiz de Queiroz (Esalq), foi secretário de agricultura, Indústria e Comércio de SP de Lucas Nogueira Garcez (PSP), cargo que deixou para assumir a reitoria da USP.

  • Alípio Correia Neto (1955-1957): catedrático da Faculdade de Medicina, foi fundador e presidente da Associação Paulista de Medicina e da Associação Brasileira de Medicina. Foi expedicionário da FEB, atuando como médico cirurgião na Segunda Guerra Mundial e tornando-se major do exército. A experiência vinha, em certa medida, da Revolução de 1932. Foi deputado estadual por dois mandatos, nas legislaturas de 1951-1955 e 1955-1959, pelo PSB, deixando o mandato para assumir a reitoria da USP. Ele foi, ainda, Secretário da Educação, e Secretário Municipal de Higiene.

  • Gabriel Sylvestre de Teixeira de Carvalho (1957-1959): catedrático da Faculdade de Medicina Veterinária, foi presidente do Conselho Estadual de Educação.

  • Antonio Barros de Ulhôa Cintra (1960-1963): catedrático da Faculdade de Medicina, oriundo de família tradicional de São Paulo, era médico formado pela Faculdade de Medicina e foi um dos primeiros contemplados com bolsa da Fundação Rockefeller, o que o levou a construir uma carreira mais voltada à pesquisa do que à clínica médica. Foi conselheiro da Fapesp e Secretário da Educação depois de deixar a reitoria da USP. Apesar de as redes políticas ligadas à sua origem social serem decisivas para que chegasse à reitoria, sua trajetória indica que havia uma mudança em curso ligada ao robustecimento de trajetórias fortes também na estrutura interna de poder da USP.

A força dos reitores da USP no cenário político paulista contrasta com a fragilidade institucional do poder central da universidade. O decreto de fundação da USP previa, no nível central, a existência de três órgãos: i) Reitoria que, nesse primeiro momento, contava com apenas duas subseções: a contabilidade e a secretaria, essa última coordenada por um secretário particular da confiança do reitor (USP, 1934b, p. 14-15), atestando sua frágil institucionalização neste momento; ii) o Conselho Universitário, expressão de um poder mais colegiado, que reunia todos os diretores de unidade e alguns representantes da comunidade externa, subdividindo-se, por sua vez, em três comissões: ensino e regimentos; legislação e recursos; e orçamento e regência patrimonial (USP, 1934b, p. 17); e, por fim, iii) a Assembleia Universitária, composta por todos os professores catedráticos da universidade, reunindo-se pelo menos uma vez por ano para “tomar conhecimento, por exposição do reitor, das principais ocorrências da vida universitária e dos progressos e aperfeiçoamentos realizados nos institutos universitários”, bem como para “assistir à entrega dos títulos honoríficos” (USP, 1934b, p. 18). Além dessa reunião anual de caráter solene, a Assembleia poderia ser convocada a qualquer momento, por proposta do Conselho Universitário, para opinar “sobre alienação de bens imóveis da Universidade e sobre greves universitárias gerais” (USP, 1934b, p. 18).

A Assembleia Universitária, apesar de reunir apenas os professores catedráticos, era a maior expressão, no nível central, do poder colegiado da universidade e seria extinta como consequência do fortalecimento do poder executivo central durante a ditadura militar. Seu nome será reivindicado pelo movimento sindical docente como forma de nomear a instância principal de deliberação dos docentes, a assembleia geral, que reúne, virtualmente, todos os docentes da universidade. O Conselho Universitário, por sua vez, reunia os diretores de unidade e seria, idealmente, um contraponto ao poder executivo central, contraponto este que, com o tempo, será contrabalanceado pelo peso da reitoria na escolha dos dirigentes de unidade.

A primeira reforma na estrutura de poder da USP ocorreu dez anos depois da fundação, em fevereiro de 1944, quando o decreto-lei n. 13.855 transformou a universidade em autarquia estadual, numa vitória dos defensores da autonomia universitária. Essa mudança estatutária, que vinha no bojo do processo de democratização social no contexto da dissolução progressiva do Estado Novo, fez com que, de um lado, a universidade se tornasse relativamente mais autônoma em relação à vida política nacional e estadual e, de outro, que o poder executivo central se fortalecesse. Isso se deu sobretudo porque a reitoria passou a concentrar “todos os atos administrativos da Universidade, Institutos Universitários e respectivas dependências que antes eram processados pela Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública” (São Paulo, 1944, p. 1), marcando uma tendência crescente de centralização de poder no seu interior.

Nesse sentido, como resultado dessa mudança, foi aprovada, pelo Conselho Universitário, em julho de 1944, a criação de um órgão voltado especificamente para a administração central da universidade (USP, 1945, p. 8): o Departamento Administrativo. Vale notar que, embora fosse originalmente vinculado ao Conselho Universitário, esse departamento foi transferido para a reitoria durante a primeira gestão de Miguel Reale (1949-1950), na reforma do Regimento Interno de 1949, realizada sob influência direta do Departamento Administrativo do Serviço Público, o Dasp, ligado ao governo federal (USP, 1950, p. 5). Em um estudo sobre a administração da USP realizado em 1951 pelo Instituto de Administração do Estado de São Paulo, consta que o Departamento de Administração tinha “por finalidade, como órgão centralizador de administração, a coordenação, a execução e a fiscalização de todas as atividades administrativas da reitoria” (Instituto de Administração, 1951, p. 7).

Assim, por consequência da reforma de 1949, as duas subseções originais da reitoria – a contabilidade e a secretaria particular do reitor – transformaram-se em oito subseções: i) a Comissão de Pesquisa Científica; ii) o Gabinete do Reitor; iii) a Secretaria Geral; iv) a Consultoria Jurídica; v) o Departamento Administrativo; vi) o Departamento de Ação Cultural; vii) a Comissão de Compras; e viii) a Tesouraria Central.

A reforma promovida por Miguel Reale em 1949-1950, sob influência direta do Dasp, foi, portanto, a primeira a ampliar consideravelmente o número de órgãos e comissões centrais, dando maior fundamento institucional à reitoria. Ainda assim, pelo menos do ponto de vista da política acadêmica, o alcance dessas instâncias ainda era restrito, de modo que praticamente não havia coordenação, no nível central, das atividades de ensino, pesquisa e extensão das diferentes unidades.

Nesse sentido, podemos dizer que, nas duas primeiras décadas de existência da USP, o lócus privilegiado de poder na universidade eram as suas unidades, isto é, as Faculdades e Escolas, algumas delas – em geral as mais poderosas – anteriores à fundação da própria universidade. Nas unidades, o poder estava concentrado nas congregações, órgão colegiado que reunia seus professores catedráticos, estes últimos portadores de enorme poder. Isso porque, na inexistência de departamentos, as cátedras permitiam o controle, vitalício e discricionário, dos professores catedráticos sobre uma enorme estrutura que incluía cargos, verbas e instalações físicas e sobre decisões de caráter científico, pedagógico e administrativo.

Em suma, esse foi o período em que a USP se caracterizava por uma profunda descentralização de poder, em que reitores politicamente fortes atuavam em uma USP institucionalmente fraca. Nesse contexto, professores catedráticos gozavam de enorme poder e autonomia, e as congregações, órgãos colegiados que reuniam todos os catedráticos de uma mesma unidade, eram a verdadeira instância decisória.

Os anos de chumbo: a grande batalha pela reforma universitária e a USP que emerge da ditadura

A historiografia contemporânea sobre a instituição universitária reconhece que uma das transformações mais importantes que atingiram as universidades do século XX foi a emergência de um conhecimento específico sobre “gestão universitária”, que transformou profundamente o exercício do poder institucional até então definido pelo princípio da colegialidade, da própria dinâmica da profissão acadêmica e ancorada na autonomia individual (Charle e Soulié, 2007CHARLE, Christophe & SOULIÉ, Charles (orgs.). (2007), Les ravages de la "modernisation" universitaire en Europe. Paris, Éditions Syllepse.; Musselin, 2005MUSSELIN, Christine. (2005), "Change or continuity in higher education governance?". In: BLEIKLIE, Ivar & HENKEL, Mary. Governing knowledge: a study of continuity and change in higher education. Dordrecht, Springer, pp. 65-80.; Rothblat e Wittrock, 1993; Strathern, 2000STRATHERN, Marylin (org.). (2000), Audit culture: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. Londres, Routledge.).

Para analisar a história da mobilização do conhecimento em gestão no campo do ensino superior brasileiro e dimensionar o seu impacto, é preciso considerar que, no final da década de 1950, o governo brasileiro assinava mais um acordo bilateral com os Estados Unidos para garantir a extensão da assistência técnica à expansão dos cursos de administração no Brasil (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. (1984), O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade. São Paulo, tese de doutorado em Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo.; Oliveira, 1990OLIVEIRA, Maurício Roque. (1990), A importação de metodologias administrativas no Brasil. 225f. São Paulo, dissertação de mestrado em Administração, Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.). Iniciava-se, assim, no país uma intensa disputa pela definição de um projeto de reforma do ensino superior, que acabou por opor os dois polos da universidade brasileira: o acadêmico-científico, relativamente mais autônomo, e o profissional tradicional, marcadamente mais heterônomo.

A reivindicação por uma reforma profunda das universidades brasileiras foi inicialmente protagonizada pelas áreas científicas das universidades, em geral concentradas nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, que, existentes em todas as universidades do país, queriam mudanças na estrutura acadêmica e política da universidade. De fato, como apontam as análises de Florestan Fernandes (1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega. e 1984), Luiz Antônio Cunha (2007b e 2007c), Heládio Antunha (1971)ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., Beatriz Fétizon (1986)FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 3 vols., Macioniro Celeste Filho (2013) e Rodrigo Patto Sá Motta (2014)MOTTA, André Patto Sá. (2014), As universidades e o regime militar. Cultura política e modernização autoritária. Rio de Janeiro, Zahar., a ideia de que a universidade brasileira precisava passar por uma reforma profunda foi sendo gestada no interior das próprias universidades, ao longo da década de 1950.

As raízes da insatisfação com a organização da universidade residiam em grande medida na fragilidade da carreira de docência e pesquisa, tal como desenhada pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, que regulamentou a organização universitária no país em 1931. Em síntese, esse marco legal incorporou, às universidades criadas a partir da década de 1930, o regime de cátedras vitalícias vigente nas faculdades profissionais pré-universitárias, pelo qual a cada disciplina curricular deveria corresponder um, e somente um, professor catedrático, integralmente responsável pela organização do trabalho e pela contratação docente naquela área do conhecimento. O estatuto de 1931 – assim como a Constituição de 1946 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 que ratificaram os aspectos centrais do Estatuto de 1931 –, apesar de afirmar o caráter vitalício da cátedra, instituiu a obrigatoriedade de concurso de prova e títulos para o provimento desse cargo, a despeito das pressões em contrário por parte de setores da universidade.

Pela lógica de funcionamento do regime, que conferia muita autonomia ao catedrático, o concurso público só se tornou regra4 4 . Segundo Maria de Lourdes Albuquerque Fávero, o Estatuto de 1931 previa uma exceção à realização do concurso público: um professor poderia ser nomeado catedrático caso provasse ter “realizado invento ou descoberta de alta relevância, ou tenha publicado obra doutrinária de excepcional valor” (2001, p. 225). para o grau mais alto da carreira docente, representado justamente pela cátedra. Nos outros níveis da carreira, vigorava a livre vontade do catedrático, o que tornava a carreira docente praticamente uma ficção, conforme explica Celeste Filho:

O Estatuto das Universidades Brasileiras, ao manter a cátedra, acarreta um adiamento da criação de uma carreira docente para o magistério superior. Os diversos auxiliares do catedrático, quer sejam chefes de clínica, chefes de laboratórios, assistentes ou auxiliares de ensino, deveriam ser de confiança do respectivo catedrático. Eram por ele escolhidos, e sua permanência no cargo, dele quase sempre dependia. A ascensão na carreira dos assistentes e auxiliares estava calcada na vontade do catedrático, em decisões tendenciosas e às vezes eivadas de autoritarismo (Celeste Filho, 2013, p. 16).

Além disso, o regime de cátedras representava um empecilho ao desenvolvimento das atividades de pesquisa, que pressupunham não só o aumento do corpo de docentes-pesquisadores e a diversificação mais ágil das disciplinas oferecidas, como uma alteração da dinâmica de decisão interna às faculdades, tendo em vista o compartilhamento das decisões sobre a distribuição de recursos e prioridades didáticas e de pesquisa. Como é possível supor, essa fragilidade da docência e da pesquisa sob o regime de cátedras era percebida com mais intensidade nas unidades em que a atividade científica e a cultura acadêmica haviam conseguido se consolidar minimamente, o que significa, em suma, professores que tinham na universidade a sua primeira opção de carreira, pretendendo atingir, portanto, o chamado “tempo integral”, na USP denominado de Regime de Dedicação Exclusiva à Docência e à Pesquisa (RDIDP).

Nesse sentido, ao comparar o percentual de docentes em tempo integral nas diferentes unidades da USP em 1969, Heladio Antunha observa que as unidades profissionais como as Faculdades de Direito e de Arquitetura e Urbanismo eram as que tinham um percentual mais baixo de professores em dedicação exclusiva, justamente em função “da situação privilegiada de certas classes de profissionais para os quais – mercê da alta remuneração que podem receber extramuros – não há interesse em se dedicar inteiramente à Universidade” (1971, p. 167). No outro extremo, o alto percentual de professores em tempo integral era típico, segundo ele, “daquelas escolas e daqueles domínios do saber cujos professores têm em geral menores possibilidades de exercício profissional altamente remunerado fora da universidade, ou então daquelas áreas do conhecimento em que há uma especial motivação para as atividades de pesquisa” (1971, p. 168).

No caso da USP, justamente, esses dois perfis de alto percentual de professores em dedicação exclusiva correspondiam a dois espaços acadêmicos distintos. De um lado, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que, além de concentrar os cursos científicos e pedagógicos da universidade, sofrera diretamente o impacto das missões europeias na consolidação de um padrão relativamente autônomo de pesquisa, que incluía a dedicação exclusiva à docência e à pesquisa. De outro, estavam as áreas básicas da Faculdade de Medicina e das Faculdades de Saúde Pública de São Paulo e de Medicina de Ribeirão Preto, que foram espaços institucionalmente moldados pela Fundação Rockefeller, que procurou instituir uma cultura de pesquisa na área médica da USP, com a expansão do tempo integral, o incentivo à formação de pesquisadores e a promoção da dedicação exclusiva à pesquisa (Marinho, 2001). Não por acaso, portanto, serão essas duas unidades que vão protagonizar, na USP5 5 . Essa história será retomada em detalhe na próxima seção. Por ora, cabe notar que a Faculdade de Medicina de São Paulo contou com o apoio da Fundação Rockefeller sobretudo nas áreas básicas, o que gerou uma unidade cindida entre as áreas predominantemente clínicas e as áreas predominantemente científicas. Consequentemente, essa unidade viveu, ao longo dos anos 1960 e particularmente depois de 1964, um violento conflito interno ligado, justamente, às disputas pela modernização da universidade entre um polo “científico” (voltado à formação para a pesquisa) e um polo “profissional” (voltado à formação do médico exclusivamente). Esse conflito resultou na demissão e na aposentadoria de uma significativa parcela dos docentes, especialmente nas áreas básicas (Adusp, 2004), e está na raiz da criação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), a partir da reforma universitária aprovada na USP em 1969. , as tentativas de eliminação do regime de cátedras e de criação dos departamentos universitários na década de 1960 (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.; Celeste Filho, 2013; Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega. e 1984).

Nesse sentido, se é verdade que aspectos centrais da reforma universitária realizada pelos militares em 1968 vinham sendo formulados e testados no interior das próprias universidades desde a segunda metade da década de 1950, é preciso abandonar a ideia geral de que a universidade constitui um bloco monolítico, o que implica trazer para o primeiro plano as disputas que se desdobraram em seu interior, por diferentes propostas de reforma universitária, em geral conectadas a diferentes posições na estrutura universitária.

A tensão estrutural da universidade brasileira se torna mais intensa a partir dos anos 1950, quando a instituição passa a sofrer mudanças, também estruturais, ligadas à expansão do corpo docente e discente das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.; Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega.; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 3 vols.). Segundo dados do MEC, as FFCLs seguiram um ritmo acelerado de crescimento desde a segunda metade dos anos 1950, de modo que se tornariam, já em 1964, as principais responsáveis pelas matrículas de ensino superior no país, atingindo o patamar de 100 mil alunos matriculados no primeiro semestre de 1969. Em termos proporcionais, isso representava quase um terço do alunado de ensino superior do país naquele ano, um percentual muito superior ao de outras unidades profissionais como as Faculdades de Direito, de Medicina, de Engenharia e de Economia e Administração, que, em 1969, respondiam, respectivamente, por 17,7%, 8,0%, 7,6% e 8,9% das matrículas de ensino superior (MEC, 1972, p. 98). Além disso, os dados mostram que a expansão das Faculdades de Filosofia contemplava especialmente o público feminino, o que tinha consequências importantes para a composição do professorado. Assim, se em 1960 as mulheres já representavam 63% dos alunos de Filosofia, Ciências e Letras do país, em 1971, o percentual de mulheres matriculadas nessas instituições chegou a representar 71% do alunado, sendo considerável a diferença em relação aos demais cursos profissionais como direito, com 25% de mulheres em 1971, medicina com 24%, administração e economia com 15%, e engenharia com apenas 3% (MEC, 1972).

Na USP, os dados estatísticos para o período são frágeis, refletindo a própria fragilidade institucional que marca o período inicial da instituição, mas as informações parciais disponíveis sugerem que o quadro não variava muito disso, com a FFCL reunindo, em 1969, 40% do alunado de toda a USP, com um perfil marcadamente mais feminino e oriundos de setores sociais menos favorecidos (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 3 vols.). Essa fratura estrutural entre, de um lado, a FFCL e setores mais modernos (e minoritários) das faculdades tradicionais e, de outro, a estrutura dominante das faculdades profissionais tradicionais está na origem do embate entre, de um lado, um projeto de reforma que consolidasse a carreira docente, empoderando o conjunto dos professores por meio do fortalecimento dos colegiados departamentais e, de outro, uma proposta que, sem mexer na estrutura original de poder da USP, preservasse o poder dos catedráticos, convertido em professores titulares e força das faculdade tradicionais, centralizando o poder no executivo central, isto é, na reitoria, por elas controlada.

O embate entre esses dois modelos de reforma se seguiu, no país e na USP, durante toda a década de 1960. Nos dois casos, até 1964, a reforma que parecia ganhar força expressava as concepções das áreas acadêmico-científicas da universidade, especialmente concentradas na FFCL, que se expandiam rapidamente. A partir do golpe de 1964, o cenário se modifica. Multiplicam-se as comissões e grupos de trabalhos para estudar uma proposta alternativa de reforma universitária que viabilizasse uma concepção gerencial de inspiração norte-americana, marcada por uma visão muito mais centralizada e hierárquica de universidade, em que a carreira docente e os órgãos colegiados são fragilizados em favor do poder executivo central6 6 . Para um debate aprofundado dos embates pela reforma universitária em âmbito nacional, ver Carlotto, 2014; Carlotto e Garcia, 2021. .

Nesse sentido, a reforma do estatuto da USP aprovada em 1969 e implementada em 1970, inclusive como forma de internalizar a reforma universitária de 1968, orientava o fortalecimento do poder executivo do reitor, em detrimento dos diferentes órgãos colegiados, e hierarquizava pesadamente a carreira docente, concentrando poder administrativo no topo da carreira, agora representado pelos titulares.

Foi nesse sentido que a reforma de 1969 eliminou a Assembleia Universitária – tornada órgão consultivo paritário por proposta de Hélio Lourenço de Oliveira, reitor oriundo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em exercício afastado e cassado no começo de 1969 – e ampliou dramaticamente os órgãos centrais da universidade: além da Reitoria e do Conselho Universitário, foram criados o Conselho Técnico-administrativo e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão de Serviços à Comunidade (Cepe), este último formado por quatro câmaras: i) a Câmara de graduação; ii) a Câmara de pós-graduação; iii) a Câmara de Pesquisa; e iv) a Câmara de extensão de serviços à comunidade.

Com a criação dessas novas instâncias de discussão e deliberação, o âmbito central da universidade passou a dispor, pela primeira vez, de poder de agenda sobre as diferentes unidades, formulando uma política de ensino, pesquisa e extensão para a universidade como um todo. Isso se expressa claramente nas atribuições do Conselho Técnico-administrativo, que, segundo o Estatuto de 1969, incluía a deliberação sobre acordos entre as unidades e entidades oficiais, públicas ou privadas externas, o aceite de legados e doações à universidade, a fixação do quadro docente, a criação, modificação e extinção de órgãos em unidades e museus e o estabelecimento de normas para a concessão de bolsas de estudo e afastamento remunerado (USP, 1969, p. 9).

Já o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão de Serviços à Comunidade incorporou funções ainda mais importantes, tais como: deliberar sobre a criação de novos cursos; organizar currículos; regulamentar cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão; estabelecer as normas de avaliação do ensino e da promoção de alunos, o número de vagas por curso, as formas de ingresso na universidade, o calendário acadêmico comum; e regulamentar o ensino de pós-graduação (Idem, pp. 10-1). Ainda que as Congregações seguissem sendo ouvidas nas deliberações, a criação do Conselho foi um passo fundamental no estabelecimento de uma política acadêmica comum a toda a universidade.

As consequências da criação desses órgãos que davam à reitoria poder para definir política de ensino, pesquisa e extensão marcam o início da consolidação da “USP forte” como sinônimo de órgãos executivos centrais fortes. Tanto que, com a reforma de 1969, a reitoria da USP, ao contrário do Conselho Universitário, viu seus órgãos executivos aumentarem, passando a ser composta pelas seguintes subseções, todas sob controle direto do reitor:

  1. Gabinete do Reitor;

  2. Secretaria Geral;

  3. Consultoria Jurídica;

  4. Coordenadoria Geral de Administração (Codage);

  5. Coordenadoria de Atividades Culturais (Codac);

  6. Coordenadoria de Saúde e Assistência Social (Coseas);

  7. Grupo de Planejamento Setorial;

  8. Prefeitura da Cidade Universitária (Idem, p. 11).
    • O Regimento Geral da USP, de 1972, que regulamentou a reforma de 1968-1969, aumentou ainda mais o número de órgãos ligados à reitoria, que passou a incluir:

  9. a Editora da Universidade;

  10. o Coral da Universidade (Coralusp);

  11. a TV – Educativa;

  12. o Centro de Computação Eletrônica (CCE);

  13. a Comissão de Extensão de Serviços à Comunidade (Coesco);

  14. o Centro de Tecnologia na Educação (Ceteusp) (USP, 1972, p. 11).

Do ponto de vista da organização administrativa da universidade, a partir do estatuto de 1969 – consequência direta da reforma universitária aprovada pelo governo federal no ano anterior –, o antigo Departamento de Administração foi promovido à Coordenadoria de Administração Geral (Codage), cujas funções foram regulamentadas pelo Regimento Geral da USP, aprovado em 1972, na segunda reitoria de Miguel Reale, passando a funcionar a partir do ano seguinte. Permanecendo ligado à reitoria, a Codage alcançou um âmbito de atuação mais amplo do que o antigo Departamento de Administração, que se voltava exclusivamente às atividades da reitoria. Segundo o Regimento Geral, constituíam finalidades da Codage “o estudo, a orientação e o controle da administração geral da USP, a coordenação e articulação de suas atividades com as [atividades] de outros órgãos da USP; e a execução de serviços de administração geral” (Idem, p. 14; grifo meu). Já ao Grupo de Planejamento Setorial caberia “assessorar o Reitor, competindo-lhe orientar, rever e acompanhar as atividades de planejamento, programação e orçamento” (Ibidem). Eram os primeiros órgãos voltados à administração e ao planejamento universitário em que passaram a atuar os experts em gestão na USP, formados nos espaços nacionais e internacionais de difusão da expertise gerencial universitária (Carlotto, 2014; Carlotto e Garcia, 2021).

Do ponto de vista do perfil dos reitores do período, chama a atenção que, em detrimento da dinâmica política de São Paulo, passam a predominar nomes com profundas ligações com o governo militar da época. O caso mais paradigmático foi o de Luiz Antônio Gama e Silva, reitor efetivo de 1963 a 1967, e afastado de 1967 a 1970. Filiado ao Partido Republicano Paulista, Gama e Silva foi diretor da Faculdade de Direito, antes de ser nomeado reitor da USP pelo governador de São Paulo em 1963. A partir de 1964, acumulou o cargo de reitor da USP e ministro da Educação e Justiça do governo Castello Branco. Em 1967, afastou-se da reitoria da USP, sem abdicar do cargo de reitor, para assumir novamente o Ministério da Justiça, sendo atribuída a ele a redação do AI-5. Com o afastamento de Gama e Silva, assumiu a reitoria o então vice-reitor e ex-diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Mário Guimarães Ferri, que renunciou ao cargo por pressão poucos meses depois, durante o chamado conflito da Maria Antônia, em outubro de 1968. No lugar de Ferri foi nomeado o vice-reitor, o médico Hélio Lourenço de Oliveira, então diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto que, por falta de alinhamento com a ditadura militar, acabou afastado da reitoria e cassado do cargo de professor da USP em 1969. Na sequência, assumiu a reitoria da USP o ex-diretor da Faculdade de Direito da USP e ex-membro da Ação Integralista Brasileira, Alfredo Buzaid, que, em função da sua proximidade com Gama e Silva, tornou-se vice-reitor e depois reitor da USP. Buzaid abandonou a reitoria da USP justamente para suceder a Gama e Silva no Ministério da Justiça em 1969, tendo sido considerado um dos ministros civis mais importantes da ditadura, até ser indicado ao STF por Figueiredo. Ao sair da reitoria em 1969, Buzaid foi substituído por Miguel Reale, que dirigiu a USP pela segunda vez entre 1969 e 1973. Como Gama e Silva e Buzaid, Reale constituía o núcleo jurídico da ditadura, tendo redigido a Emenda Constitucional n. 1 e integrado a chamada Comissão de Alto Nível que redigiu a Constituição de 1967.

A partir do final da reitoria de Reale, em 1973, como consequência do fortalecimento do poder central da USP e, ao mesmo tempo, da instituição da lista sêxtupla em detrimento da livre nomeação pelo governador, passa a predominar um perfil mais ambivalente de professores que, não obstante sua lealdade com a ditadura, têm uma atuação política mais discreta, marcada antes por pontes com as estruturas de política científica e tecnológica do regime militar, do que por vínculos com o núcleo político duro do governo, como havia até então. É o caso do médico veterinário Orlando Marques Paiva, reitor de 1973 a 1979, e dos engenheiros, Waldir Moniz Oliva e Antonio Hélio Guerra Vieira, reitores de 1979 a 1983 e 1983 a 1986, respectivamente.

A redemocratização e a consolidação da perspectiva gerencial: a USP forte

A partir da redemocratização, embora o polo dominante da USP, marcado pelo conjunto das escolas profissionais tradicionais, siga dominando o poder reitoral, as unidades de origem se diversificam consideravelmente. Ganham força unidades da capital que nunca tinham dirigido a USP, como a Faculdade de Saúde Pública, a Faculdade de Economia e Administração e o Instituto de Ciências Biológicas, bem como unidades do interior, especialmente a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e a Esalq.

Essa transformação no perfil dos dirigentes máximos da USP expressa tanto a mudança do sistema político nacional e dos seus efeitos sobre o formato da eleição para os cargos executivos da universidade, quanto os impactos da atuação prolongada de experts em gestão sobre a complexificação do governo acadêmico a partir da consolidação de novos dispositivos e rotinas, com a consequente imposição de uma nova linguagem, fruto da expansão do discurso gerencial.

A principal mudança na eleição para os cargos executivos das universidades estaduais paulistas durante a redemocratização foi a extinção da lista sêxtupla que, na prática, representava ainda uma enorme possibilidade de intervenção do governo estadual na escolha dos dirigentes máximos da instituição. Em seu lugar estabeleceu-se uma lista tríplice apresentada ao governador do estado, a quem compete, ainda hoje, a escolha final. Desde o estabelecimento da lista tríplice, a tendência quase unânime foi o respeito por parte dos governadores à eleição interna – a única exceção tendo sido a escolha de João Grandino Rodas pelo então governador José Serra em 2010.

Assim, se, até a redemocratização, a escolha dos reitores da USP se dava exclusivamente em função da trajetória política externa à universidade, a partir de 1987 e progressivamente, torna-se cada vez mais importante a trajetória interna à instituição.

Quanto à forma de eleição para a reitoria, vale notar que no momento da mudança do estatuto da USP, em 1987, havia uma pressão interna, especialmente por parte das entidades representativas – Adusp, Sintusp e DCE – por uma mudança ainda mais radical na forma de eleição dos dirigentes internos, em especial reitores e diretores, através da instituição de mecanismos de eleição direta, paritária ou não, associada ao fim dos privilégios administrativos ligados ao cargo de titular7 7 . Diferente do que ocorre na carreira docente no sistema federal, em que os níveis da carreira não definem propriamente privilégios administrativos, na USP, a dinâmica administrativa segue hierarquizada pelos níveis da carreira. Assim, os titulares têm primazia para cargos como a chefia de departamento e a exclusividade em postos de gestão como diretoria de unidade e reitoria. .

Essa posição, no entanto, foi derrotada, no processo de mudança do estatuto durante a redemocratização, por outra, que defendia que a escolha dos dirigentes deveria ser feita por um colégio eleitoral formado apenas pelos órgãos colegiados da universidade mais elevados da Universidade. No interior dessa segunda posição, no entanto, existiam e existem tensões importantes, sobretudo no que concerne à forma de escolha do reitor. A maior parte do Conselho Universitário, em 1988, defendeu um sistema de eleição em dois turnos, que predominou na USP até 2013. Segundo esse sistema, um primeiro turno, para a escolha de oito candidatos, era composto por um colégio eleitoral formado por todas as congregações de unidade ou órgãos análogos, pelo Conselho Universitário e pelos Conselhos Centrais (de Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa e Cultura e Extensão), e um segundo turno, voltado exclusivamente à elaboração da lista tríplice, era formado somente pelos Conselhos Centrais. A vitória dessa posição, vale dizer, já indica que as propostas centralizadoras preservaram sua força na reforma do estatuto da USP de 1988. Uma outra posição, minoritária à época, mas predominante nos últimos anos, defende a extinção do segundo turno e a formação de um colégio eleitoral único, que envolvesse todas as congregações de unidade e colegiados centrais da USP. Entre os defensores do turno único para a escolha do reitor existe, ainda, uma terceira posição, que defende a ampliação do colégio eleitoral para todos os órgãos colegiados da universidade, incluindo os Conselhos de Departamento. Os defensores dessa última proposta são, em geral, embora não exclusivamente, membros do polo acadêmico-científico que tentam viabilizar um governo universitário que minimize os processos de centralização, conferindo poder aos órgãos colegiados de diferentes instâncias. Essa posição, no entanto, nunca prosperou, e a USP segue tendo um processo de eleição bastante hierarquizado e centralizado quando comparado ao de outras universidades públicas brasileiras. Por fim, uma última e minoritária posição defende a existência de eleições diretas, com a participação paritária de estudantes, funcionários e professores, nos moldes das consultas públicas que existem nas universidades federais. Embora essa posição seja minoritária, a consulta pública informal vem ganhando força na USP, à semelhança do que acontece com outras instituições universitárias do país.

Essas diferentes posições se confrontaram na reforma estatutária da USP de outubro de 2013. Como consequência, passaram a compor o colégio eleitoral da USP: o Conselho Universitário, os Conselhos Centrais (Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa e Cultura e Extensão Universitária), as Congregações das Unidades e os Conselhos Deliberativos de Museus e Institutos Especializados, sendo a eleição em turno único. Em 2013, esse colégio somava 2.134 eleitores, que representavam 1,86% da universidade que, em 2013, tinha 58.303 alunos de graduação, 28.498 alunos de pós-graduação, 5.860 docentes e 16.837 funcionários técnico-administrativos. Esses podiam participar, no entanto, da consulta pública informal à comunidade, durante o processo eleitoral, sem poder vinculante.

Para além das mudanças na forma de escolha do reitor, a reforma de 1987, que resultou no Estatuto universitário de 19888 8 . A aprovação do novo estatuto da USP pelo Conselho Universitário ocorreu em dezembro de 1987. Uma vez aprovado no âmbito da universidade, o estatuto seguiu para avaliação do Conselho Estadual de Educação, que, em 31 de agosto de 1988, aprovou o novo estatuto por unanimidade. O estatuto foi publicado no Diário Oficial do Estado em 8 de outubro de 1988 pelo então reitor José Goldemberg, sem a prévia autorização do então governador Orestes Quércia. , foi um passo decisivo no fortalecimento do poder central na USP, especialmente a partir da criação das pró-reitorias, sendo elas, na época: i) a pró-reitoria de graduação; ii) a pró-reitoria de pós-graduação; iii) a pró-reitoria de pesquisa; e iv) a pró-reitoria de cultura e extensão.

Com essa mudança, as quatro Câmaras do antigo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) se transformaram em quatro novos conselhos centrais, ligados às respectivas pró-reitorias.

A criação das pró-reitorias representou, na percepção dos dirigentes da USP entrevistados durante esta pesquisa, a principal mudança da estrutura de poder da USP a partir de 1988. A função desses órgãos, segundo o estatuto de 1988, é “promover atividades” de graduação, pós-graduação, pesquisa e cultura e extensão, “estabelecendo as normas que julgar necessárias para esse efeito” (USP, 1988, p. 9). Em suma, o poder de normatizar as atividades-fim da universidade é o que define as pró-reitorias e orienta a ação dos conselhos centrais cujo presidente, escolhido entre o conjunto de professores titulares da USP, deve ser indicado pelo reitor e sancionado pelo Conselho Universitário, de modo que suas ações estejam “sempre subordinadas aos interesses maiores da Universidade, representada pelo Reitor” (Ibidem). De fato, considerando-se a estrutura geral do âmbito central de poder, a criação dos Conselhos Centrais e das pró-reitorias foi a principal mudança no âmbito central da USP, cujos órgãos, depois das mudanças, passaram a ser:

  1. a Reitoria;

  2. o Conselho Universitário;

  3. o Conselho de Graduação;

  4. o Conselho de Pós-graduação;

  5. o Conselho de Pesquisa;

  6. o Conselho de Cultura e Extensão;

  7. a Pró-reitoria de Graduação;

  8. a Pró-reitoria de Pós-graduação;

  9. a Pró-reitoria de Pesquisa;

  10. a Pró-reitoria de Cultura e Extensão;

  11. o Conselho Consultivo (Idem, p. 4).

O Conselho Universitário, que continuou sendo “o órgão máximo […] com funções normativas e de planejamento, cabendo-lhe estabelecer a política geral da universidade para a consecução de seus objetivos” (Idem, p. 5), manteve a sua estrutura interna praticamente inalterada, preservando, com pequenas mudanças de nomenclatura, as mesmas comissões que tinha em 1934, quando foi fundado junto com a universidade, a saber: i) a Comissão de Legislação e Recursos; ii) a Comissão de Orçamento e Patrimônio; e iii) a Comissão de Atividades Acadêmicas. A reitoria da USP, por outro lado, enquanto órgão executivo por excelência, viu suas seções internas aumentarem mais uma vez.

De fato, como é possível observar no Quadro 1, entre 1988 e 2010, a estrutura da reitoria se expandiu consideravelmente. Como consequência de uma série de reformas organizacionais, o executivo central da USP foi ganhando corpo, com destaque para a criação de órgãos que passam a integrar e coordenar as atividades antes descentralizadas e autônomas. Como resultado, formou-se uma enorme estrutura burocrática centralizada e sob o controle direto do reitor, que passou a contar com enorme orçamento e um importante quadro funcional.

QUADRO 1
: Evolução dos órgãos executivos da USP (1998-2010)

O fortalecimento dos órgãos executivos centrais fez com que o percentual gasto pela reitoria e suas seções internas de direção e serviços aumentasse significativamente. Assim, ao considerar o percentual do orçamento da USP gasto em “outras despesas”, que exclui o gasto com pessoal, vemos que a reitoria se fortaleceu muito. Em 1990, 68,03% das despesas da USP, excluindo gasto com pessoal, eram centralizadas, sendo executadas pelos “órgãos centrais”, “atividades integradas” ou “projetos especiais”. Dessas, 15,41% eram de responsabilidade exclusiva dos órgãos centrais (USP, 1991). Em 2012, mesmo com o aumento do número de unidades de ensino e pesquisa, 73,13% do total de despesas da USP, excluindo gastos com pessoal, eram executadas no âmbito central, 33,78% pelos órgãos centrais de direção e serviços. No mesmo ano de 2012, a FFLCH, maior unidade da USP, gastou 1,01% do orçamento da USP relativo a “outras despesas”. As 42 unidades de ensino e pesquisa da USP executaram, juntas, no mesmo ano, apenas 19,72% do orçamento, excluindo-se o gasto com pessoal9 9 . Todos esses dados são, como dito, publicados anualmente no Anuário Estatístico da USP. Os dados são de acesso público e estão disponíveis em https://uspdigital.usp.br/anuario, consultado em 21/04/2014. .

É no âmbito desse processo contínuo de centralização, que também pode ser descrito como um empoderamento dos órgãos executivos da universidade, em detrimento dos seus órgãos colegiados, inclusive colegiados centrais, que devemos interpretar uma mudança essencial na dinâmica administrativa: o surgimento das estatísticas universitárias centralizadas. Ao analisar a construção de uma gestão acadêmica efetiva, o consultor especial dos acordos MEC-Usaid, Rudolph Atcon, afirmava que, do ponto de vista da “moderna gestão acadêmica”, “conhecimento é poder [porque] sem ele não se pode planejar” (1974, p. 15). Nesse sentido, o desenvolvimento de órgãos capazes de produzir e sistematizar dados estatísticos confiáveis sobre a USP foi ao mesmo tempo consequência do processo de fortalecimento do poder central da USP e pressuposto para o seu recrudescimento a partir dos anos 1990.

Nos estudos que se voltam para a história da Universidade de São Paulo produzidos antes da década de 1980, não é raro encontrar observações sobre a carência de estatísticas sistematizadas e confiáveis sobre a USP. Heládio Antunha, por exemplo, ressalta, na introdução do seu estudo histórico realizado no final dos anos 1960, a inexistência de dados confiáveis sobre a evolução da instituição, razão que o leva a criticar a organização interna da USP:

Tivemos muita dificuldade para obter dados estatísticos sobre o desenvolvimento da Universidade de São Paulo em geral; mesmo os que obtivemos – graças à extrema gentileza da Divisão de Difusão Cultural da Reitoria – não se mostraram inteiramente satisfatórios. Na realidade, uma das nossas críticas à situação atual da USP refere-se exatamente à inexistência, até o presente, de um serviço de estatísticas e informações sobre as ocorrências gerais da Universidade (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., p. 5).

A observação procede. De fato, até a década de 1980, quando surge o Questionário socioeconômico da Fuvest e passa a ser publicado o seu Anuário estatístico, a Universidade de São Paulo não dispunha de estatísticas confiáveis sobre a instituição como um todo, resultado da dispersão dessas informações entre as diferentes unidades de ensino e pesquisa, que ainda representavam, apesar das mudanças implementadas a partir da reforma de 1968, um núcleo ativo da vida administrativa da USP. Assim, a história da emergência dessas duas instâncias produtoras de dados – que dão suporte à análise sobre a expansão, diversificação e hierarquização da USP – é inseparável do processo de transformação da universidade em objeto de gestão, através da criação e fortalecimento de órgãos, mecanismos e dispositivos voltados à administração e à construção de instâncias de centralização da política universitária. Dessas, vamos destacar especificamente duas: a criação da Fuvest em 1976 e a criação do Anuário estatístico em 1987.

A ênfase na necessidade de centralizar os exames vestibulares como forma de aumentar o planejamento e a eficiência da expansão universitária era um lugar-comum nos diferentes estudos e relatórios que embasaram a Reforma Universitária de 1968. Não por acaso, como visto, a lei 5.540/1968 trazia um artigo específico sobre os exames vestibulares, estabelecendo um prazo para a unificação da sua execução. Foi no âmbito do novo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) e atendendo às mudanças exigidas pela lei de 1968, que a USP criou, em 1973, sua primeira Comissão de Vestibulares. Depois de algum tempo de trabalho, a comissão reiterou a importância de realizar um vestibular unificado de todas as áreas e cursos, criando, para tanto, uma Comissão Permanente do Vestibular, composta de sete membros indicados pelo reitor10 10 . Data dessa época, pós-reforma universitária de 1968, a prática que se tornou hegemônica de atribuir ao reitor, e não ao Conselho Universitário, a responsabilidade pela nomeação de comissões, órgãos e conselhos no interior da universidade, o que, somado ao poder de escolha dos diretores de unidade pela lista tríplice, atribui ao executivo universitário ainda mais poder. .

A Comissão Permanente estabeleceu como objetivo principal criar uma estrutura que permitisse à USP realizar o seu próprio vestibular unificado, o que, na prática, significava colocar todo o processo de recrutamento dos estudantes de graduação, em todas as áreas e cursos, sob um controle único na USP. O caminho de unificação partiu do modelo das organizações responsáveis, na época, pelo processo seletivo unificado de profissões liberais altamente concorridas, tais como a Mapofei (que reunia os cursos de engenharia da Mackenzie, Poli e FEI), o Cescem (Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas) e o Cesea (Centro de Seleção de Candidatos às Escolas de Administração). A solução encontrada pela Comissão para a organização de um vestibular unificado para toda a USP foi a criação de uma fundação – forma jurídica proposta como modelo para as instituições educacionais pelos relatórios finais do primeiro acordo MEC-Usaid, da consultoria de Rudolph Atcon e do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária e que levou à criação das fundações universitárias ligadas às unidades da USP e que garantem mais flexibilidade para a gestão orçamentária de recursos advindos do pagamento de taxas, matrículas e serviços.

Assim, em fevereiro de 1976, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Fundação Universitária para o Vestibular, mais conhecida como Fuvest, que alterou completamente as bases de seleção dos ingressantes da USP. A ideia inicial – proposta pela Fundação Seade no âmbito de uma política de racionalização dos gastos do Estado de São Paulo – era que a Fuvest se tornasse responsável pelos vestibulares da USP, da Unesp e da Unicamp, o que foi possível apenas por um curto período. Em 1980, a Unesp abandona o vestibular conjunto para criar a Vunesp, e, em 1987, a Unicamp também se retira da Fuvest, alegando pouca participação na organização das provas, e passa a organizar o seu próprio processo seletivo (Motoyama e Nagamini, 2007, pp. 80ss). Ainda assim, entre 1977, ano seguinte à sua fundação, e 1979, a Fuvest realizou o vestibular unificado das universidades estaduais paulistas, com 92.261 inscritos para 8.218 vagas distribuídas em cinquenta carreiras (Idem, p. 530).

Desde 1980, a Fuvest tornou obrigatório, no ato de inscrição, o preenchimento de um Questionário socioeconômico que acabou se tornando a primeira fonte confiável de dados sobre a USP produzida por uma instância central, embora referente apenas ao perfil socioeconômico dos inscritos e dos aprovados no vestibular.

A capacidade da Fuvest de gerar e administrar um grande Banco de Dados se explica pelo apoio que a Fundação recebeu, desde os seus primeiros anos de funcionamento, do Centro de Computação Eletrônica da USP (CCE-USP). O CCE foi criado pela Escola Politécnica em 1962, sob a denominação de Centro de Cálculo Numérico. Em 1971, logo depois da reforma universitária, foi incorporado pela reitoria como parte da sua assessoria (Motoyama e Nagamini, 2007, p. 95), no bojo do processo, já analisado, de centralização e empoderamento dos órgãos centrais da universidade.

Foi justamente o apoio do CCE que viabilizou, igualmente, o projeto do reitor José Goldemberg (1986-1989) de criar um Anuário estatístico para reunir todas as informações demográficas, acadêmicas e patrimoniais da USP como um mecanismo ao mesmo tempo de gestão e de prestação de contas. Originalmente, o Anuário estava ligado a uma comissão central de planejamento, criada por Goldemberg no começo da sua gestão, sob coordenação de Joaquim José de Camargo Engler, que assumiu a função de organizar um Anuário estatístico.

Nesse sentido, compreende-se por que o Anuário foi publicado, originalmente, como um volume da coleção Cadernos de Planejamento, que sistematizava informações estratégicas sobre a universidade. No entanto, em 1988, o Anuário ganhou autonomia. Por meio da portaria 2.344/88, o reitor criou a Comissão Coordenadora do Banco de Dados da Universidade de São Paulo, “em vista da necessidade de se consolidar[em] as informações básicas sobre a Universidade, para servir de instrumento para o planejamento de suas atividades e fornecer subsídios para o processo decisório a nível central e nas unidades universitárias” (USP, 1988, n.p.).

A Comissão Coordenadora do Banco de Dados foi presidida, de 1988 até o final da década de 2010, pelo dirigente 36, que passou a integrar a gestão central da USP enquanto diretor da Comissão de Planejamento, criada pelo novo Estatuto de 1988, para fortalecer a capacidade da administração central de traçar planos, estratégias e diretrizes para a universidade, bem como enquanto diretor da Coordenadoria de Administração Geral, responsável pela administração da universidade com um todo. A função da Comissão Coordenadora do Banco de Dados era, basicamente, reunir as informações estatísticas antes concentradas no CCE (Centro de Computação Eletrônica), órgão incorporado pela reitoria em 1971, na Codage (Coordenadoria de Administração Geral), implementada em 1973, e no Sibi (Sistema Integrado de Bibliotecas), criado em 1964. Em um primeiro momento, a execução do Anuário ficou a cargo da Coordenadoria Adjunta de Processamento Administrativo do CCE. A partir de 1995, passou para o Departamento de Informática da Codage, que, em 2012, como resultado de um novo processo de reforma administrativa, se tornou Vice-reitoria Executiva de Administração.

Ao relatar a história da criação do Anuário estatístico, cuja elaboração coordenou desde a sua primeira edição, o dirigente responsável pela criação do anuário enfatizou, em entrevista, as dificuldades administrativas associadas à ausência de informações estatísticas sobre a USP, indicando que a decisão de centralizar a produção de dados pela reitoria ligou-se diretamente à tentativa de se criar um órgão de planejamento universitário no âmbito do poder central durante a gestão 1986-1989.

É interessante notar que o dirigente abriu o seu relato pelas circunstâncias que o levaram a se aproximar da administração central da USP, nos anos 1970, quando ela se caracterizava, ainda, por um relativo amadorismo, ligado à rigidez das estruturas hierárquicas da administração. Esta não abria espaço para os saberes administrativos mais novos, que o expert então possuía não só pela sua área de especialização – em economia aplicada – mas, também, pela sua participação em um programa de formação de dirigentes universitários, resultado de um convênio entre o MEC e a Universidade de Michigan nos anos 1970.

Eu tive um grande aprendizado quando assessorava o Diretor da Esalq. Ele tinha sido meu professor […] e achava que na área administrativa eu estava bem preparado. Então, quando ele assumiu a diretoria da Esalq, ele me indicou como assessor. Eu era, nessa época [1972-1980], chefe de departamento e o assessorava na direção da unidade. Com isso, eu vinha muito à reitoria para tratar de assuntos administrativos, principalmente na área financeira, que era considerada um grande tabu em que ninguém mexia: “Seu Marinho é seu Marinho”, ninguém queria falar com seu Marinho, que era funcionário e diretor financeiro da universidade, o todo-poderoso (risos). Eu me lembro da primeira vez que eu fui conversar com ele, discutir o problema de uma licitação que estava parada na Esalq, e perguntei se não era possível agilizar, e ele falou: “Bom, o senhor o que é lá na Esalq?”. “Sou professor.” E ele respondeu: “Ah, então eu não vou perder tempo com o senhor. Professor não entende de administração, professor não entende de finanças, professor isso, professor aquilo.” Eu engoli seco e falei: “Tá bom, seu Marinho”. Mas eu continuava indo lá a pedido do então diretor da Esalq, de quem ele gostava muito. Eu me lembro que o seu Marinho me atendia, mas antes dizia: “Olha, eu vou te atender só porque o diretor não veio, porque eu só atendo diretor”. E eu respondia (em tom humilde): “Tá bom, seu Marinho”. E aos poucos ele foi vendo que a minha intenção era ajudar, e eu fui começando a conhecer como funcionava a administração da universidade. [Mais tarde], quando foi eleito o novo reitor e eu terminava meu mandato de diretor na Esalq, ele me chamou e disse: “Bom, você já trabalhou muito na sua unidade, agora eu quero que você me ajude aqui na reitoria. Eu estou querendo criar uma Assessoria de Planejamento e quero que você assuma esse órgão”. E eu vim trabalhar na reitoria. Logo de imediato, o reitor tinha um problema com as estatísticas da USP. Ou seja, as diferentes fontes de dados. Se você conversasse com três pessoas diferentes, você tinha três informações diferentes. Se conversasse com dez, você tinha dez, porque cada pessoa tinha um dado. Então, precisava ter uma certa uniformização, uma certa confiança, e disso surgiu o Anuário estatístico da USP, que eu comecei a fazer em 1987. […] O objetivo do anuário era obter informações que fossem fidedignas para a USP. Tanto como uma prestação de contas à comunidade paulista, financiadora da universidade, como também um elemento para planejamento das atividades. Porque toda vez que precisava de alguma informação, ficava aquela correria. Então, por exemplo, quantos docentes a USP tem? Era incrível, a universidade não sabia. E não sabia mesmo! Tinham falhas gritantes na forma de computar esses dados. […] Como não tinha orçamento na época, não tinha tanto problema. Mas naquele momento, Goldemberg estava negociando melhorias orçamentárias, estava surgindo a nossa autonomia, então essas falhas ficavam mais gritantes. Nós precisávamos saber com que números nós estávamos trabalhando. Mas as informações eram das unidades e cada unidade informava do seu jeito, e o órgão central, quando reunia, reunia mal. Não havia um entrosamento entre os diversos órgãos e a informatização era muito reduzida, então complicava ainda mais.

O relato do dirigente indica claramente o impacto da emergência de um conhecimento especializado sobre a gestão acadêmica, que ele adquiriu em programas de treinamento oferecidos pelo MEC em parceria com universidades norte-americanas nos anos 1970, sobre a organização do governo acadêmico, com a criação de comissões especiais de planejamento, de procedimentos sistematizados de decisão e, principalmente, de instâncias centralizadas de produção de dados sobre a universidade como um todo que permitissem, ao nível central, conhecer, controlar e planejar a vida universitária. Mas ele não é o único que tem essa percepção. O dirigente 23, que era vice-reitor da USP durante a criação do Anuário estatístico, considera que a produção de estatísticas confiáveis sobre a universidade foi pré-condição para o surgimento de uma gestão mais “científica”:

[Pergunta] Professor, voltando à questão da gestão política e da gestão científica. Qual é a diferença para o senhor?

[Resposta] Uma gestão científica é aquela que trabalha em cima de dado, exatamente como a gente faz pesquisa [risos]. Então, eu, por exemplo, sempre trabalhei em cima de uma gestão científica. Quando assumi administração, eu disse: “Vou fazer administração do jeito que eu fazia Física. Então eu tenho que ter indicador, eu tenho que ter dados, estudos, para poder tomar uma decisão”. […] foi por isso que participei da criação do Anuário. […] Porque antes, não tinha um dado confiável!! Então a unidade pedia uma vaga, a reitoria nem sabia quantos alunos por professor ela tinha, qual era o indicador, se tinha mais ali do que na outra, se não tinha, se o pessoal produzia muito ou pouco. Você não tinha um dado confiável. Cada um fazia a coleta do jeito que queria e informava a reitoria do jeito que queria. Como é que se pode fazer uma gestão em cima disso? […] Então o Anuário serviu para começar a dar uma certa estrutura de dados para a Universidade. E foi importantíssimo.

Essa percepção sobre a importância do Anuário estatístico reapareceu em várias entrevistas, sobretudo entre experts em gestão – ou seja, aqueles dirigentes que se destacaram na administração por seus conhecimentos em gestão, adquiridos ou em cursos de graduação ou pós-graduação em administração – e demais lideranças acadêmicas que, mesmo sem formação formal em gestão, também passam a valorizar essa linguagem.

O que vale destacar é que as duas principais instâncias produtoras de dados sobre a USP, a Fuvest, por meio do seu Questionário socioeconômico, e a Coordenadoria de Administração, hoje Vice-reitoria executiva, responsável pela publicação do Anuário estatístico, surgem como desdobramentos das mudanças promovidas a partir da reforma universitária da década de 1960, inspirada por uma concepção econômica da educação (Almeida, 1998) e por uma visão gerencial de universidade (Carlotto e Garcia, 2021). Desde então, tais perspectivas marcam definitivamente a consolidação da USP como uma instituição forte, ou seja, como um poder executivo central capaz de definir a política da universidade como um todo.

Esse diagnóstico foi formulado de maneira muito explícita pelo dirigente da USP que talvez melhor expresse as transformações sofridas pela universidade a partir da redemocratização. Trata-se do dirigente 37, que foi responsável pela Coordenadoria Geral de Administração (Codage) de 1991 a 2001, quando saiu do órgão para se tornar vice-reitor da USP, dando continuidade aos programas centrais que desenvolvia na Coordenadoria, como a Comissão Permanente de Avaliação, criada em 1992, e o Programa Permanente de Qualidade e Produtividade, criado em 1996. O dirigente 37, vale notar, chegou à administração central da USP enquanto um “expert em gestão”, uma vez que o reitor da USP, à época, decidiu colocar na direção da Codage um especialista. Para tanto, recorreu formalmente à Faculdade de Economia e Administração (FEA), solicitando que a unidade apresentasse uma indicação formal, como o próprio reitor descreve, em entrevista realizada por mim em 2013:

Chegou um dado momento em que eu resolvi convocar o pessoal da FEA para que eles indicassem um especialista. Eu me lembro que eu disse: “Acho um absurdo uma reitoria que tem uma Faculdade de Economia e Administração não ter o seu coordenador de administração vindo de lá. Me indiquem um nome”.

O nome era justamente o do dirigente 37, que fez sua carreira, incluindo a pós-graduação, ligada à administração de ciência e tecnologia, atuando fortemente no Núcleo de Política e Gestão de Ciência e Tecnologia, vinculado, por sua vez, ao Programa de Administração em Ciência e Tecnologia criado em 1973, como resultado do convênio FEA-Vanderbilt, financiado pela Usaid e voltado à formação de economistas e administradores nos Estados Unidos. Ao avaliar os quase quinze anos contínuos em que permaneceu na reitoria à frente da área administrativa, batalhando para “que a linguagem de planos e metas fosse aceita por toda a comunidade”, o dirigente 37 assume que o processo de centralização foi central para a USP passar a funcionar como uma universidade, superando a resistência das unidades à preservação da sua autonomia:

Apesar de a USP se organizar como uma federação de unidades, cada vez mais você tem dimensões que são muito centrais. Por exemplo, a contratação de professores, que é o que há de mais importante na universidade, hoje ela é central. Ou seja, a Comissão de Claros Docentes reúne os pedidos das unidades, compara e decide o que se justifica ou não em termos de contratação docente. Então, as unidades perdem um pouco de autonomia nesse aspecto. Na contratação de funcionários também. […] Então, em certo sentido, as unidades perdem um pouco da liberdade que tinham quando elas eram pequenininhas, sozinhas, no seu canto. Agora elas têm que negociar, têm que se posicionar entre os pares, tudo isso. Então o “jogo USP” tornou-se muito importante […] porque o jogo é grande. E você ter uma marca internacional como a USP é muito importante. A autonomia, que, no passado, significava muito, aos poucos foi perdendo importância para a “marca USP”, que passou a contar muito com suas regras, com a sua estabilidade, inclusive. […]. Então, a USP foi ganhando, com essa centralização, uma necessidade de planejamento. Planejamento significa ter regras comuns. Então, todo mundo tem regras mais ou menos comuns.

Em suma, o processo de autonomização, complexificação e fortalecimento da gestão – que se expressa justamente na crescente centralização do poder – contribuiu para uma mudança profunda na estrutura do poder na USP, que passou a valorizar, de um lado, o jogo político interno e, por outro, as habilidades e competências ligadas à gestão acadêmica, usualmente auferidas por essa experiência pregressa em cargos de direção, especialmente no âmbito executivo central. É o que explica por que o perfil dos reitores a partir de 1988 passa a ser o de figuras com longa trajetória na estrutura de poder interna à USP, com destaque para a direção de unidade e, principalmente, a passagem por pró-reitorias, vice-reitorias e coordenadorias centralizadas. Essa mudança não alterou, porém, o fato de que o corpo dirigente da universidade, representado por seus reitores, seguiu sendo recrutado no polo dominante da instituição, formado pelas faculdades profissionais tradicionais, em especial as escolas de engenharia, medicina e direito.

Conclusão

O presente artigo apresentou o processo de consolidação do poder central da USP a partir de uma análise da permanência e da mudança. Para tanto, segmentou a história da USP em três grandes momentos, a saber: “a era das cátedras e congregações”, quando a universidade não tinha um executivo central estabelecido e o poder se exercia no âmbito das unidades descentralizadas; “os anos de chumbo”, quando se trava “a grande batalha pela reforma universitária”, vencida pelos defensores da centralização; e, por fim, “a redemocratização”, que, de 1988 até hoje, marca o processo de consolidação da “USP forte”. Essa análise chamou a atenção para a dinâmica de escolha dos reitores em cada período e a implicação desse processo para o perfil dos mesmos em cada um desses momentos.

Essas mudanças não devem obliterar, porém, o fato de que o perfil dos reitores da USP entre 1934 e 2024, considerando suas unidades de origem, praticamente não mudou ao longo dos últimos noventa anos. Como mostra a análise que abre este artigo, o poder na USP permaneceu concentrado no polo dominante da instituição, formado pelas faculdades profissionais que ontem, como hoje, recrutam seu alunado entre os setores sociais mais elitizados da sociedade paulista. Nesse sentido, não parece exagero dizer que a “USP forte” é, também, ao mesmo tempo, a “USP dos mais fortes”.

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  • STRATHERN, Marylin (org.). (2000), Audit culture: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. Londres, Routledge.
  • 1
    . No que concerne às entrevistas, dada a proposta de realizar uma história estrutural sem nomes próprios (Carlotto, 2014; 2022), não identifiquei nominalmente os dirigentes da USP, identificando apenas os atributos sociais mais significativos para esta análise, em especial os que distinguem as suas trajetórias no interior da instituição. O universo de dirigentes é formado por: i) todos os reitores da USP que ocuparam o cargo de 1934 a 2014; ii) todos os diretores administrativos, que ocuparam a direção da Codage, depois Vrea, de 1973 a 2014; e iii) todos os pró-reitores que assumiram esse cargo de 1988 a 2014. Desse universo, que reúne ao todo 75 dirigentes, procurei entrevistar todos os reitores, pró-reitores e diretores administrativos que assumiram cargos a partir de 1968, o que, na prática, acabou se viabilizando apenas para os que assumiram cargos no âmbito central a partir de 1986. Ao todo foram realizadas 23 entrevistas.
  • 2
    . Cabe não naturalizar a ausência de mulheres nas estruturas de poder das instituições universitárias. Em parte, isso é esperado porque as mulheres foram, por muito tempo, minoria no ensino superior brasileiro e especialmente nas unidades mais poderosas da instituição. Por outro lado, a ausência de mulheres em posições de poder é um fenômeno que deve ser compreendido em si mesmo e não como reflexo “natural” da menor presença na universidade como um todo.
  • 3
    . Para o número de alunos, os dados realmente confiáveis são os consolidados a partir de 1989, quando o processo de coleta e processamento dessas informações pelo anuário se tornou mais sistematizado. Para a década de 1960, os únicos dados estatísticos disponíveis são, primeiro, os fornecidos por Heládio Antunha, que, depois de criticar a universidade por não possuir um serviço de estatística centralizado, afirma ter conseguido, junto à Divisão de Difusão Cultural da Reitoria, alguns dados “não inteiramente satisfatórios” (1971, p. 5) e, segundo, as Estatísticas Educacionais do MEC publicadas em 1972 e 1974 pelo Serviço de Estatística da Educação e Cultura e que sintetizam algumas informações gerais sobre a USP entre 1960 e 1971 (MEC, 1972, p. 107). É importante frisar que, ao longo da pesquisa, procurei ter acesso a esses dados de diversas maneiras, como a consulta a bibliotecas de unidades, ao arquivo da USP e ao Anuário estatístico da universidade. Esse último órgão, vale notar, também se engajou, sem sucesso, na busca por essas informações estatísticas referentes aos anos 1960, 1970 e, em certa medida, 1980. A pesquisa mostrou, por fim, que os únicos dados estatísticos anteriores a 1980 e produzidos oficialmente pela USP são uma primeira série de anuários estatísticos produzida de 1934 a 1941, disponível na Biblioteca Digital de Obras Raras do Sibi-USP (http://www.obrasraras.usp.br, consultado em 21/04/2014). Mas essa série não traz, evidentemente, dados sobre as décadas de 1960 e 1970.
  • 4
    . Segundo Maria de Lourdes Albuquerque Fávero, o Estatuto de 1931 previa uma exceção à realização do concurso público: um professor poderia ser nomeado catedrático caso provasse ter “realizado invento ou descoberta de alta relevância, ou tenha publicado obra doutrinária de excepcional valor” (2001, p. 225).
  • 5
    . Essa história será retomada em detalhe na próxima seção. Por ora, cabe notar que a Faculdade de Medicina de São Paulo contou com o apoio da Fundação Rockefeller sobretudo nas áreas básicas, o que gerou uma unidade cindida entre as áreas predominantemente clínicas e as áreas predominantemente científicas. Consequentemente, essa unidade viveu, ao longo dos anos 1960 e particularmente depois de 1964, um violento conflito interno ligado, justamente, às disputas pela modernização da universidade entre um polo “científico” (voltado à formação para a pesquisa) e um polo “profissional” (voltado à formação do médico exclusivamente). Esse conflito resultou na demissão e na aposentadoria de uma significativa parcela dos docentes, especialmente nas áreas básicas (Adusp, 2004), e está na raiz da criação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), a partir da reforma universitária aprovada na USP em 1969.
  • 6
    . Para um debate aprofundado dos embates pela reforma universitária em âmbito nacional, ver Carlotto, 2014; Carlotto e Garcia, 2021.
  • 7
    . Diferente do que ocorre na carreira docente no sistema federal, em que os níveis da carreira não definem propriamente privilégios administrativos, na USP, a dinâmica administrativa segue hierarquizada pelos níveis da carreira. Assim, os titulares têm primazia para cargos como a chefia de departamento e a exclusividade em postos de gestão como diretoria de unidade e reitoria.
  • 8
    . A aprovação do novo estatuto da USP pelo Conselho Universitário ocorreu em dezembro de 1987. Uma vez aprovado no âmbito da universidade, o estatuto seguiu para avaliação do Conselho Estadual de Educação, que, em 31 de agosto de 1988, aprovou o novo estatuto por unanimidade. O estatuto foi publicado no Diário Oficial do Estado em 8 de outubro de 1988 pelo então reitor José Goldemberg, sem a prévia autorização do então governador Orestes Quércia.
  • 9
    . Todos esses dados são, como dito, publicados anualmente no Anuário Estatístico da USP. Os dados são de acesso público e estão disponíveis em https://uspdigital.usp.br/anuario, consultado em 21/04/2014.
  • 10
    . Data dessa época, pós-reforma universitária de 1968, a prática que se tornou hegemônica de atribuir ao reitor, e não ao Conselho Universitário, a responsabilidade pela nomeação de comissões, órgãos e conselhos no interior da universidade, o que, somado ao poder de escolha dos diretores de unidade pela lista tríplice, atribui ao executivo universitário ainda mais poder.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2024
  • Aceito
    02 Mar 2024
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