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Formações de Estado, políticas de circulação e infraestrutura crítica. Entrevista com Finn Stepputat

Introdução

Nascido em janeiro de 1955, Finn Stepputat ocupa, desde 2003, a posição de pesquisador sênior no Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais (DIIS)1 1 Ver website: Finn Stepputat - DIIS : https://www.DIIS.dk/en/experts/finn-stepputat , em Copenhague, na Dinamarca. Seu processo de formação é interdisciplinar nos campos das Ciências, Ciências Sociais e Humanidades: finalizou o mestrado em Geografia Econômica no Instituto de Geografia da Universidade de Copenhague em 1983 e recebeu o diploma de doutorado em Sociologia Cultural na mesma instituição em 1992.35 35 Tradução de Felipe Menezes.

Suas temáticas de pesquisa têm como fio condutor investigações sobre a formação do Estado e cidadania, especialmente em regiões com persistentes conflitos armados e contestações acerca do poder estatal. Uma de suas mais potentes contribuições para as Ciências Sociais é o conceito de “formações de soberania” (Stepputat, 2015Stepputat, F. (2015), “Formations of sovereignty at the frontier of the modern state”. Conflict and Society, 1 (1): 129-143.), o que se deve a sua colaboração com o professor Thomas Blom Hansen, da Universidade de Stanford, com quem desafiou, a partir de situações empíricas e abordagens etnográficas, uma ideia clássica de soberania unívoca e centrada num poder estatal reificado. Assim, ele nos brinda com um conceito sofisticado que propõe uma noção de soberania plural, sempre incompleta, e conectada com disputas cotidianas por hegemonia e ordem (Hansen e Stepputat, 2001Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn. (eds.) (2001), States of imagination: ethnographic explorations of the postcolonial state. Durham, NC: Duke University Press.; 2005Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn (eds.). (2005), Sovereign bodies: Citizens, migrants, and states in the postcolonial world. Princeton, NJ and Oxford: Princeton University Press.; 2006Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn. (2006), “Sovereignty revisited”. Annu. Rev. Anthropol., 35: 295-315.).

Seus campos de pesquisa etnográfica variam de acordo com a cronologia de suas publicações. Desde a virada da década de 1990 até meados dos anos 2000, concentrou-se na América Latina, em países como México, Guatemala e Peru, onde desenvolveu pesquisas sobre deslocamentos, fronteiras e refugiados (Stepputat, 1992Stepputat, Finn. (1992), Beyond relief?: life in a Guatemalan refugee settlement in Mexico. Doctoral Dissertation, Copenhagen, University of Copenhagen, 1992.; 1994Stepputat, Finn. (1994), “Repatriation and the politics of space: The case of the Mayan diaspora and return movement”. Journal of Refugee Studies, 7 (2-3): 175-185.; 1999Stepputat, Finn. (1999), “Repatriation and everyday forms of state formation in Guatemala”. In: Black, Richards; Koser, Khalid (eds.). The end of the refugee cycle?: Refugee repatriation and reconstruction. Nova York e Oxford: Berghahn Books, pp. 210-226.), e, posteriormente, sobre formações de estado e soberania (Hansen e Stepputat, 2001Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn. (eds.) (2001), States of imagination: ethnographic explorations of the postcolonial state. Durham, NC: Duke University Press.; Stepputat, 2013Stepputat, Finn. (2013), “Contemporary governscapes: Sovereign practice and hybrid orders beyond the center”. In: Local politics and contemporary transformations in the Arab World. Bouziane, Malika. Londres: Palgrave Macmillan, pp. 25-42.; 2015Stepputat, F. (2015), “Formations of sovereignty at the frontier of the modern state”. Conflict and Society, 1 (1): 129-143.; Stepputat e Nuijten, 2018Stepputat, Finn; Nuijten, Monique. (2018), Anthropology and the enigma of the state. In: Handbook of political Anthropology. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, pp. 127-144.). Em seguida, suas observações analíticas se deslocam para questões sobre segurança, violência e infraestruturas, sobretudo a partir do continente africano, principalmente sua região leste habitada por grupos Somali (Stepputat e Hagmann, 2019Stepputat, Finn; Hagmann, Tobias. (2019), “Politics of circulation: The makings of the Berbera corridor in Somali East Africa”. Environment and Planning D: Society and Space, 37 (5): 794-813.; Stepputat, 2018Stepputat, Finn. (2018), “Pragmatic peace in emerging governscapes”. International Affairs, 94 (2), 399-416.; Buur, Jensen e Stepputat, 2007Buur, Lars; Jensen, Steffen; Stepputat, Finn. (2007), The security-development nexus. Expressions of sovereignty in Southern Africa. Uppsala, Nordiska Afrikainstitutet / Cape Town: HSRC Press.).

Seus projetos mais recentes - sobretudo sua pesquisa sobre portos, corredores e rotas de circulação2 2 Port polities - Logistics, political orders and new hegemons in the land-sea nexus. Mais informações no link: https://www.DIIS.dk/projekter/port-polities-logistics-political-orders-and-new-hegemons-in-the-land-sea-nexus. , mas também o projeto sobre como o comércio faz Estado3 3 Trade makes state é um livro em processo de publicação. Mais informações: https://www.hurstpublishers.com/book/trade-makes-states/. - são interessantes para pesquisadores, como nós, preocupados com cadeias de valor e mobilidades em torno dos mercados transnacionais de produtos ilegais. Conceitos como “políticas de circulação” (Stepputat e Hagmann, 2019Stepputat, Finn; Hagmann, Tobias. (2019), “Politics of circulation: The makings of the Berbera corridor in Somali East Africa”. Environment and Planning D: Society and Space, 37 (5): 794-813.) são exemplares da articulação entre redes de logística globais e poderes locais e da relevância de sua sociologia para os debates contemporâneos que o conjunto de artigos reunidos nesta edição especial contemplam.

A entrevista começa perpassando a trajetória desse experiente pesquisador através de suas escolhas teóricas, temáticas e empíricas. Em seguida, exploramos algumas questões trazidas na edição especial “States of circulation: The co-production of logistical and political orders”, publicado na revista Environment and Planning D: Society and Space (Schouten, Stepputat e Bachmann, 2019Stepputat, Finn; Hagmann, Tobias. (2019), “Politics of circulation: The makings of the Berbera corridor in Somali East Africa”. Environment and Planning D: Society and Space, 37 (5): 794-813.). Ao final, Stepputat revela que está prestes a se aposentar, então aproveitamos a oportunidade para brindar este momento especial com conselhos para as próximas gerações de profissionais das Ciências Sociais. Completando quase quarenta anos de carreira e sendo este, possivelmente, o último ano antes de sua aposentadoria, Finn Stepputat nos apresenta aspectos instigantes de sua trajetória, pensamentos e insights analíticos.

Parte I: De Copenhague ao México, da Guatemala à Somália

Em primeiro lugar, agradecemos por você aceitar nosso convite para esta entrevista. Gostaríamos de iniciar focando na sua trajetória acadêmica com uma espécie de genealogia da sua carreira. Como você se aproximou das temáticas e teorias com as quais trabalha?

Finn Stepputat [FS]: Eu vim de uma geografia marxista nos anos 1970, e agora é como se eu estivesse dando uma volta completa. Não tanto com a geografia marxista, mas com a geografia crítica e a economia política. Nos anos 1980, eu entrei no Instituto de Sociologia Cultural, em Copenhague, e lá conheci mais os trabalhos de Bourdieu, Foucault e a sociologia cotidiana. Também conheci a Antropologia, ministrei cursos junto com alguns antropólogos, e isso me influenciou muito. Ao mesmo tempo, acho que os contextos políticos dos momentos foram muito definidores para o meu trabalho e as mudanças que fiz.

Em meados dos anos 1980, era o início de uma crise de refugiados iranianos4 4 O movimento revolucionário iraniano da década de 1970 era composto por distintos segmentos políticos - estudantes, movimentos de esquerda, conservadores religiosos - que desejavam o fim da monarquia e estavam insatisfeitos com o regime sob a liderança do Xá Reza Pahlevi. Apesar de inicialmente diverso, o segmento islâmico, sobretudo xiita, liderado por Aiatolá Rouhollah Khomeini, consolidou-se como liderança revolucionária. De forma que o ano de 1979 marca o início do regime islâmico no Irã com a deposição do Xá Reza Pahlevi. À época, milhares deixaram o país na crise de refugiados citada por Stepputat. Em 2022, o Irã volta às notícias com uma onda de grandes protestos, sob a liderança de meninas e mulheres, com o mote “Jin, Jiyan, Azadi” (Mulher, Vida, Liberdade), contrárias ao regime autoritário. A reação policial aos protestos já deixou centenas de mortos. Ver: Gritten, 2022; e “Iran: At least 23 children killed with impunity during brutal crackdown on youthful protests” (October 13, 2022). vindos para a Europa, e eu me envolvi em discussões sobre isso. Havia essa “fadiga de refugiados” e foi aí que toda a política de restrição começou. Eu adentrei os estudos de refugiados globais e fiz meu phd em um assentamento de refugiados guatemaltecos no México, discutindo ajuda humanitária. Mas também, é claro, discutindo sobre conflitos violentos e por que as pessoas fogem de seus países. Então comecei a me aprofundar mais em estudar conflitos armados - o que foi bem definidor para mim por um longo período.

Quando terminei meu phd nos anos 1990, houve, também politicamente, um momento de repatriação. Depois da Guerra Fria, as “guerras por procuração” meio que desapareceram, nesse caso na América Central, mas também na África e na Ásia. Então houve essa onda de repatriação e, como eu já estava envolvido, comecei a seguir isso. Na mesma década, os conflitos e o papel das intervenções internacionais se transformaram. Por exemplo, existia essa ideia de que a comunidade internacional poderia resolver esses conflitos e melhorá-los, sabe? Poderia ajudar na reconstrução depois das guerras, e repatriação era apenas uma parte disso. Eu me envolvi com a perspectiva maior de realmente reformar e reconstruir Estados. E foi aí que comecei a trabalhar mais com a noção de Estado. Ouvindo, por exemplo, os refugiados antes da repatriação e suas ideias sobre o Estado. Olhando para as políticas de espaço que evoluíram em torno da mobilidade e retorno dos refugiados através das quais as instituições estatais, racionalidades e tecnologias se tornaram subitamente presentes nas fronteiras do Estado. Foi então que eu comecei esse trabalho.

Quais foram as questões teóricas que você começou a abordar? Você poderia nos contar um pouco mais sobre quais foram os avanços teóricos a partir desses novos projetos de pesquisa e novas redes acadêmicas?

FS: Eu estava em um programa nos anos 1990 que se chamava algo como “Formas de vida, identidade e organização em situações de instabilidade”. O programa era basicamente sobre situações de conflito violento e migração. Foi esse o contexto em que eu e o Thomas Blom Hansen fizemos o livro States of imagination (Hansen e Stepputat, 2001Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn. (eds.) (2001), States of imagination: ethnographic explorations of the postcolonial state. Durham, NC: Duke University Press.). Depois o estendemos com o livro Sovereignty bodies (Hansen e Stepputat, 2005Hansen, Thomas Blom; Stepputat, Finn (eds.). (2005), Sovereign bodies: Citizens, migrants, and states in the postcolonial world. Princeton, NJ and Oxford: Princeton University Press.). Foi muito interessante tentar usar toda a minha bagagem da Sociologia Cultural para trabalhar nos dois livros a partir de uma perspectiva mais etnográfica, da vida cotidiana. Isso foi muito definidor. Também porque, politicamente, ou na política internacional, como eu disse, na época havia essa crença na habilidade de reformar e refazer Estados. As consequências dos conflitos violentos foram consideradas como uma janela de oportunidade para melhorar a governança e os Estados institucionalizados.

A ideia de Estado e de construção de Estado estava muito em alta na agenda por volta dos anos 2000, sobretudo depois do colapso do Estado na Somália, o genocídio em Ruanda, o florescimento de novos Estados na antiga Iugoslávia. Também pelos conflitos aparentemente intermináveis no Congo, Angola, Sudão, África Ocidental e Afeganistão, onde Estados não muito eficientes ou com controle limitado estavam em crise. De muitas formas, isso definiu os meus próximos dez, quinze anos de trabalho. Isso porque trabalho no DIIS, que é parcialmente financiado pelo governo dinamarquês e, parcialmente, pelos nossos próprios fundos de projetos. Nós [pesquisadores do DIIS] sempre temos que estar em contato com o Ministério de Relações Exteriores e com o Ministério da Defesa. Então, estamos nesse campo entre pesquisas, no sentido clássico do termo, e em trabalhos mais políticos e pragmáticos que, de alguma forma, devem ajudar os ministérios a desenvolverem novas áreas de política. Tem sido sempre difícil lidar, entretanto, com a pragmática da política. Mas toda essa questão do Estado forneceu uma plataforma para combinar os dois, eu diria.

Como você mudou seu contexto empírico da América Latina para se envolver com outras regiões?

FS: Várias pessoas me diziam nos anos 1990: “É muito interessante o que você está fazendo, mas por que você está trabalhando na América Latina?”. Na Dinamarca, após os conflitos armados terem desaparecido na América Latina nos anos 1990, não havia absolutamente nenhum interesse político nessa região. Existia um interesse comercial, mas não realmente um interesse político. Por razões pragmáticas, mas também porque eu tinha esse interesse em Estados e soberania, pensei: “Vou dar uma olhada no Afeganistão” (contudo, nós não conseguimos o projeto). Alguns anos depois eu me tornei mais generalista. Então conheci o Tobias Hagmann5 5 Ocupa o cargo de Senior Program Offices na Swisspeace. É coeditor de Aid and authoritarianism in Africa (2016). , que assumiu uma posição aqui na Dinamarca. Nós conversamos e percebemos que tínhamos muitas das mesmas ideias sobre o papel dos mercados e das transações comerciais durante e depois dos conflitos armados. Ideias muito parecidas sobre o Chifre da África e, em particular, sobre áreas da Somália com as quais ele estava trabalhando. Eu não tinha conhecimento algum sobre essas regiões, e não sou um africanista, mas ele é.

Juntamos forças e desenvolvemos o projeto govsea, “Governing Economic Hubs and Flows in Somali East Africa”6 6 Mais informações em: https://www.DIIS.dk/en/projects/govsea-governing-economic-hubs-and-flows-in-somali-east-africa. . A ideia era investigar fluxos econômicos através das fronteiras. Em particular porque a diáspora Somali tinha estendido muito suas transações comerciais e negócios para a Etiópia e para o Quênia, onde já havia substanciais populações Somalis. No mesmo período, Peer Schouten7 7 Peer Schouten é pesquisador sênior no DIIS e autor do livro Roadblock politics: the origins of violence in Central Africa. Ver: https://www.DIIS.dk/en/experts/peer-schouten. veio para o DIIS e ele estava trabalhando com infraestrutura. Nós nos juntamos em torno dessa ideia de circulação e pudemos ver que havia muita coisa acontecendo na área da logística. O livro da Deborah Cowen saiu em 2014Cowen, Deborah. (2014), The deadly life of logistics: Mapping violence in global trade. Minneapolis: University of Minnesota Press., por exemplo. Eu diria que algo que você pode chamar de “logística crítica” surgiu na década de 2010. Mas o Estado tem sido o centro do meu interesse por muito tempo. Então as temáticas eram: logística comercial, circulação e formação de Estado, que procuramos captar na edição especial chamada “Estados de circulação”8 8 “States of circulation: The co-production of logistical and political orders”, publicado na revista Environment and Planning D: Society and Space (Schouten, Stepputat; Bachmann, 2019). .

Parte II: A noção de Estado

Gostaríamos de destacar um ponto da nossa conversa até aqui: a noção de Estado. Esse nos parece ser um conceito transversal a toda sua produção acadêmica. Como a reflexão acerca do conceito de “Estado” muda em sua produção, desde suas pesquisas sobre refugiados, fronteiras, depois soberanias e, agora, infraestruturas e logística? Você acha que isso tem a ver com as transformações empíricas na própria forma como esses Estados funcionam?

FS: Boa pergunta. O campo da Antropologia do Estado, emergente na década de 2000, se tornou institucionalizado. Na Europa, está muito ativo, desenvolvendo-se uma quantidade expressiva de novos trabalhos que eu realmente não sigo mais. Mas está florescendo. Em termos de política internacional, em particular com o Afeganistão, há esta “fraude”, a ideia de que talvez o esforço de construção do Estado tenha ido um pouco longe demais. Foi um alargamento daquilo que se acreditava como “poderes” da comunidade internacional para realmente fazer este tipo de engenharia social. Os americanos chamam isso de “construção da nação”, mas é basicamente a mesma coisa. Há esta ideia de que “na verdade, é muito mais complicado construir ou reformar um Estado e não tenho certeza se temos os recursos para fazer isso”. Mas as tarefas estavam apenas se acumulando - construir sistemas de justiça, forças de segurança, governança democrática de segurança etc. -, e para alguns o objetivo tornou-se construir cópias dos países nórdicos ou algo parecido, mesmo que houvesse também ideias sobre o Estado minimalista e a chamada “light footprint”, que foi a abordagem inicial dos Estados Unidos ao Afeganistão. Mas existe muita resistência quando se tenta construir Estados, basicamente de fora, mesmo que haja, é claro, partes interessadas dentro dos países, da diáspora, e assim por diante. Porém, o projeto de construção de Estados fracassou. Não é por nada que sociólogos históricos falam da formação do Estado - diferente da construção do Estado - como um processo de décadas ou centenas de anos de acomodação de lutas pelo poder, mudanças de hierarquias, desenvolvimento de instituições e culturas de Estado, e assim por diante.

Essas são provavelmente as mudanças mais importantes que tem havido. Fizemos uma outra discussão há alguns anos sobre a ideia de uma paz pragmática, que se volta para o que é possível fazer. Também “o local” tem sido atualizado em termos de sua importância para estruturas de poder e as divisões políticas e econômicas de vários países. Na prática, esse é o desenvolvimento que nós vemos em termos de Estado. Teoricamente, eu não tenho certeza. Mas, claro, há muito de Bruno Latour (2007Latour, Bruno. (2007), Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press.) e da virada material. Agora é muito mais sobre infraestrutura e Estados, e logística e Estados. Ou seja, a virada material consiste nas interações entre dinâmicas sociopolíticas e o trabalho das coisas, como, por exemplo, as infraestruturas e a circulação de commodities. Então, há algo que também dialoga com as “modas” das Ciências Sociais. Mas muitos dos trabalhos que surgiram nos anos 1990 e nos anos 2000 ainda valem, sobre os aspectos culturais de como os Estados funcionam, como eles influenciam a vida das pessoas, e como as pessoas influenciam os Estados. De certa forma, é basicamente a mesma agenda.

Uma curiosidade: na sua trajetória de pesquisa, houve alguma situação empírica que fez você pensar “Essa ideia de Estado como uma entidade talvez não esteja funcionando”?

FS: Quando fui para a Guatemala, eu morei muito perto da fronteira com o México. Impressionou-me o fato de que, quando eles falavam sobre o Estado guatemalteco, na verdade estavam falando sobre a Cidade da Guatemala, a capital. “Lá é onde o Estado e o governo estão. Nós não temos muito a ver com isso aqui. Eles não vêm muito para cá.” Havia o exército, que era o único representante do Estado que ficava lá o tempo todo durante o conflito armado. As pessoas tendiam a ver o Estado por fora, como algo muito distante. Embora fosse possível mostrar como o processo de formação do Estado tinha influenciado a posse da terra e afins. Eu me lembro de conversar com alguns dos representantes dos povoados na conjuntura pós-conflito, quando as instituições estatais estavam aparecendo para estabilizar a área antes insurgente. Eles tinham essa percepção de que agora as coisas estavam mudando. “Agora o Estado não está aqui para nos punir. Ele está aqui para criar alguns serviços para nos ajudar.” Havia uma forte imagem de mudança naquele contexto.

Existia outra questão que era típica do início dos anos 1990, quando trabalhei um pouco para o Conselho de Refugiados Dinamarquês. Houve um retorno coletivo, parcialmente auto-organizado, de refugiados do México para a Guatemala, que foi inspirado nos movimentos de guerrilha, e organizado pelos próprios refugiados. Eu fiz uma série de entrevistas com algumas das ongs que estavam apoiando o retorno dos refugiados. Muitos movimentos de esquerda nos anos 1970 e 1980 viam o Estado como repressor e, portanto, algo a se combater, ou manter distância. Então, de repente, nos anos 1990, na onda da redemocratização latino-americana, acredito, você ouvia entre ongs de esquerda que “talvez nós possamos trabalhar com o Estado, talvez nós possamos fazer algumas mudanças trabalhando com o Estado”. Politicamente essa era uma mudança muito interessante na percepção da esquerda sobre o Estado.

O Estado, como uma ideia, tem seus altos e baixos. É claro, por exemplo, que os neoliberais do consenso de Washington nos anos 1980 queriam reduzir o Estado o máximo possível. Por outro lado, nos anos 1990, o pêndulo começou a oscilar de volta para o Estado através das políticas de desenvolvimento, concentrando-se na construção de instituições e na boa governança do Estado. Mas também, popularmente, as ideias variam: ora o Estado é um monstro mau e perigoso, ora tem uma presença benevolente em nossas vidas. Ou, como aqui na Dinamarca, onde ele é parte de você mesmo, as pessoas e o Estado estão tão enraizados um no outro. É incrível.

Nossa última pergunta para encerrar essa seção sobre Estado: você fala sobre conceitos como “soberania” e “governscapes (paisagens de governo)” (Stepputat, 2013Stepputat, Finn. (2013), “Contemporary governscapes: Sovereign practice and hybrid orders beyond the center”. In: Local politics and contemporary transformations in the Arab World. Bouziane, Malika. Londres: Palgrave Macmillan, pp. 25-42., 2018Stepputat, Finn. (2018), “Pragmatic peace in emerging governscapes”. International Affairs, 94 (2), 399-416.), que se relacionam também com conceitos como “ordens híbridas” e “regimes normativos” (Feltran, 2011Feltran, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp. 360 p). Uma pergunta, relacionada com nossa pesquisa sobre os carros (Feltran, 2021Feltran, Gabriel (ed.). (2021), Stolen cars: A journey through São Paulo’s urban conflict. Londres: John Wiley & Sons.) e com seu trabalho mais recente sobre corredores e infraestrutura, seria: como poderíamos refletir sobre o papel de atores de mercado na construção de soberanias, como no nosso caso, por exemplo, seguradoras e gestoras portuárias?

FS: Uma questão é pensar em que tipo de prática soberana os atores privados se envolvem. Eu diria que há principalmente uma questão de restringir o acesso aos recursos e canalizar valores, através de circuitos mais ou menos fechados por meio de licenciamentos, (sub)contratações, rastreamento e normas internacionais. As coisas que se passam ao redor e restringem a mineração artesanal, por exemplo. Ou o sonho do transporte suave de mercadorias através das fronteiras, através de “corredores”, utilizando contêineres-padrão, postos fronteiriços de uma só parada, sistemas aduaneiros on-line etc. Na prática, porém, pode funcionar de forma diferente.

Há a ideia de Anna Tsing (2009Tsing, Anna. (2009), “Supply chains and the human condition”. Rethinking Marxism, 21 (2): 148-176.) de que as cadeias de abastecimento (supply chains) são muito mais heterogêneas, que não se trata apenas de uma empresa controlando tudo isso. As cadeias de abastecimento entram e saem de zonas controladas, de condutores mais formais. De fato, 80% das cadeias de abastecimento globais estão fragmentadas devido à subcontratação extensiva - geográfica e funcional -, o que em muitas áreas torna difícil para as empresas líderes explicarem como as mercadorias estão circulando (Schouten, 2022Schouten, Peer. (2022), Roadblock politics. The origins of violence in Central Africa. Cambridge: Cambridge University Press., p. 17). Existem estas formas pouco controladas e não muito governadas de produzir e circular valor. Não é muito claro, mas definitivamente vale analisar como o setor privado controla fluxos de dados, comunicação, acesso a diferentes tipos de recursos e, em particular, toda a ideia de pontos de estrangulamento - a ideia de que o controle de um ponto (um porto, um estreito, uma passagem de montanha, um cabo ou gasoduto) que é impossível ou difícil de contornar produz poder soberano em uma determinada área. Jatin Dua (2019Dua, Jatin. (2019), Captured at sea: Piracy and protection in the Indian Ocean. Oakland: California, University of California Press.) relaciona isso com Djibouti devido a sua localização próxima ao Estreito de Bab al Mandab, por onde passa o petróleo para a Europa e onde Estados Unidos, França, Arábia Saudita e agora também a China têm bases navais. Essa é uma maneira de se olhar o fenômeno.

Outra abordagem deriva do exame da circulação e do tipo de infraestrutura que é construída para canalizar a circulação, como portos, ferrovias, estradas etc. Fica claro que é muito caro para os Estados financiarem essa infraestrutura sozinhos. Então eles fazem parcerias com empresas privadas, grupos financeiros privados e assim por diante. Essa parceria público-privada é realmente um sinal dos tempos. E é curioso porque, quando se olha para a Somalilândia - um Estado de facto cuja existência depende do porto de Berbera -, havia a ideia de que a dp World9 9 DP World é uma empresa logística multinacional especializada em operações de terminais portuários, serviços marítimos e zonas de livre-comércio. A empresa tem sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Além de operar em parcerias público-privadas em portos ao redor do mundo, como um dos terminais do porto de Santos, no Brasil. , o operador portuário que investe na atualização do porto para um porto moderno de contêineres, seria prejudicial ao Estado. As pessoas diziam: “Ok, isso vai reduzir o controle do governo porque foi privatizado”, mas a questão curiosa que eu vejo é como, na verdade, a entrada da dp World fortaleceu o governo central, porque isso os ajudou a ganhar mais controle sobre o porto vis-à-vis o clã local dominante. Basicamente, os clãs locais foram um pouco colocados de lado onde antes eles tinham uma mão pesada sobre o porto e podiam cifrar muitos tipos de receita não muito formalizados. Antes, muitas pessoas em Berbera tinham acesso mais ou menos fácil ao porto. Assim, havia esses excedentes circulando na comunidade ao redor dele, os veteranos, anciãos de clã, clubes de futebol etc. Mas após a chegada da dp World, o clã dominante dizia: “O porto está fechado agora”, portanto sem acesso se você não for um funcionário.

É um paradoxo. É muito interessante que investimentos internacionais possam de fato ajudar a fortalecer governos centrais. A outra coisa é que houve muita resistência e protestos em Berbera durante o primeiro ano desde a chegada da dp World. Mas, depois de dois, três, quatro anos, particularmente quando a nova infraestrutura surgiu, os guindastes e tudo o mais, dizia-se: “Na verdade tem algo acontecendo aqui e eles pagam melhor, e salários mais estáveis que o Estado, e assim por diante”. Então, depois de alguns anos, houve uma avaliação muito mais positiva da presença da dp World. Mas a dp World é muito grande, são os mais importantes atores locais. Esse “romance” pode não durar, a ver.

Parte III: Infraestruturas, logística e políticas de circulação

Gostaríamos de explorar algumas das reflexões que os artigos publicados na edição especial da revista Environment and Planning D: Society and Space (Schouten, Stepputat e Bachmann, 2019Schouten, Peer; Stepputat, Finn; Bachmann, Jan. (2019), “States of circulation: Logistics off the beaten path”. Environment and Planning D: Society and Space, 37(5): 779-793.) trazem. Todas as contribuições adotam a posição de olhar para a “logística em ação”, de forma diferente dos quadros teóricos que a enxergam como algo “inerentemente econômico ou puramente técnico” - e são essas as suas palavras na introdução. Você poderia explicar para nós o que podemos conceber como “virada logística” e “logística crítica”?

FS: Isso é provavelmente mais uma questão de como a logística se tornou um assunto de pesquisa crítica. Infraestrutura e circulação operam muito além do olhar do cotidiano: estão ali na sua frente, mas não são algo que você realmente nota na sua vida cotidiana enquanto funcionam bem. As coisas fluem por seus canais e conduções. Muito auxiliadas pela invenção do contêiner, que possibilitou a globalização das cadeias de suprimentos, ajudando a reduzir enormemente os custos de transporte. Mas quando há um bloqueio, como o navio porta-contêineres da Ever-Green que ficou preso no canal de Suez10 10 Em março de 2021, o canal de Suez foi bloqueado por seis dias devido ao encalhe de um cargueiro Ever Given de 400 metros de comprimento e 200 mil toneladas. Ver: “Canal de Suez pode ficar dias ou semanas bloqueado após meganavio encalhar; entenda”, 2021. , de repente fica muito visível como a logística e a circulação estão funcionando e quão vulneráveis esses sistemas são. As mudanças de paradigma da produção pós-década de 1940 nos ajudam a compreender o problema quando algo como o bloqueio no canal de Suez acontece. Nossa forma de produção econômica se transformou de uma grande produção em larga escala, com estoques imensos, para algo muito mais flexível, com o modelo “just in time” e pequenos estoques.

Um grande exemplo contemporâneo é o que aconteceu depois do Brexit11 11 Aprovado em 2016, “Brexit” é o nome dado ao referendo no qual o Reino Unido decidiu pela sua saída formal da União Europeia. O acordo passou a valer em 2020. Ver: “Brexit: Reino Unido sai da União Europeia”, 2020. . O governo e os empresários britânicos perceberam que não tinham estoques - de todo tipo de coisas, energia etc. - para um longo período, mas só para alguns dias, porque a logística funcionava de modo tão suave e tão eficiente (como, por exemplo, a provisão de produtos do Oriente para o Ocidente). E a consequência do caos no controle de fronteiras e migração após o Brexit foi um grave desabastecimento de suprimentos. Sobretudo nesses momentos, a logística fica visível, e alguns problemas aparecem. Esses tipos de experiências têm estimulado a “virada logística” junto com, como falamos antes, a virada material nas ciências sociais e políticas. Seguir as coisas, seguir as commodities, e assim por diante.

A logística é uma ciência, uma disciplina, uma arte há muito tempo. Nos anos 1980, quando eu estava trabalhando com ajuda humanitária, participei de um curso da Cruz Vermelha para representantes de desastres (disaster delegates). Foi muito interessante porque, das vinte, 25 pessoas participando, quatro ou cinco eram oficiais aposentados, pessoas do exército. Naquele tempo, eles eram os “especialistas” em logística, sabiam como transportar as coisas, conseguir mercadorias através dos portos, contratar caminhões, fazer pontes quando elas caíam e todas essas relações que são centrais para a logística como uma disciplina militar. Era muito interessante ver: “Tem esses antigos oficiais fazendo trabalho humanitário e realmente ajudando a profissionalizar as ongs trabalhando em ajudas humanitárias”. Por outro lado, eu me lembro da geografia dos anos 1970: na África, a infraestrutura parecia muito como uma espécie de canudos sugando recursos para os portos e assim por diante. Nesse sentido, sempre houve interesse na base material de sociedades e Estados. Mas isso se junta nessa logística crítica recentemente. Não tenho certeza se isso responde sua pergunta, mas é um aspecto.

Você poderia esmiuçar a noção de “circulação”? Por que ela lhe parece mais adequada do que “transporte”, “mobilidades”, “fluxos”, “jornadas”? Fale-nos mais sobre política de circulação, projetos de circulação e Estados de circulação.

FS: Eu não tenho certeza, na verdade. Essas noções se esgueiram sem você notar e, de repente, surge um conceito e ele se encaixa no que você está fazendo. Você começa a usá-lo e percebe que todo mundo começou a usar. Então você meio que surfa em ondas que não via antes. As pessoas se articulam em produtos, artigos, livros e tudo o mais, há algo sobre os tempos que também produzem conceitos, e eles vêm de muitos lugares diferentes.

Em termos marxistas, faz algum sentido falar de “circulação” em oposição à “produção”, porque grande parte da produção se deslocou do Ocidente para o Oriente, o que resultou em um aumento da circulação de mercadorias à medida que as cadeias de abastecimento se estenderam pelo globo. Vemos, portanto, o enorme aumento do transporte, com o contêiner, e também a redução nos seus custos. A parte do valor dos produtos que é usada para transporte tem diminuído, é mais ou menos 3% do valor agora. Esse é o nível no qual a logística tem se tornado eficiente. E também poderíamos falar de comércio em termos de circulação, porque muito dele é na verdade comércio, mesmo que grande parte ocorra dentro de empresas e subcontratados. As coisas são movidas, elas não são necessariamente comercializadas.

Então, por enquanto parece fazer sentido falar sobre circulação, sobre o que facilita e retarda a circulação. Nós falamos sobre circulação de pessoas. Mobilidade é algo diferente, um conceito relevante, mas não tem a oposição produção/circulação. Porém, eu não queria ser muito dogmático sobre isso. Apenas funciona por agora.

Como você concebe “circulação” e como essa formulação se relaciona com os conceitos de estado e projetos de circulação?

FS: Trata-se de uma grande discussão. No contexto da edição especial “States of circulation” e do artigo “Politics of circulation”, que organizamos na revista Environment and Planning D: Society and Space, diz respeito a como controlar a circulação de commodities, mas também sobre a maneira como os Estados dependem de infraestrutura e logística para funcionar.

Vocês estão perguntando sobre Estados e circulação. Como eu disse antes, a conexão público/privado é muito importante para a construção de novos projetos de infraestrutura para a circulação. Mas é também uma competição entre diferentes Estados e Estados em potencial. Nesse sentido, é tanto sobre fazer quanto desfazer Estados e projetos de Estados. É interessante ver agora a Somália, o centro-sul da Somália, onde há os Estados membros federais que veem o que aconteceu na Somalilândia, com o novo porto de contêineres e o corredor da dp World. Eles também querem o porto e o corredor deles para a Etiópia, porque a circulação de commodities para o mercado etíope vale ouro. É explorando esses recursos, a circulação de commodities, que se podem criar as bases materiais para uma administração estatal em áreas áridas como a África Oriental Somali. Há algo muito prático de economia nesses projetos de circulação: trata-se de como atrair e explorar a circulação para que você possa obter fontes de receita a partir dela.

Também é interessante olhar para Al-Shabaab12 12 Al-Shabaab é um grupo insurgente islâmico jihadista baseado em territórios somalis e quenianos. , que é uma insurgência islâmica, mas também um ator estatal. Grande parte de sua receita vem da tributação de caminhões transportando mercadorias entre os portos Somali, na Etiópia ou no Quênia, com gado, alimentos, produtos eletrônicos etc. Eles podem ganhar dezenas de milhares de dólares por mês em um posto de controle. Não existem muitas estradas na Somália, e o Al-Shabaab pode produzir insegurança em uma estrada, que está sob controle do governo, para que as pessoas usem estradas controladas pelo Al-Shabaab e para que possam tributá-las. Não são exatamente projetos concorrentes, mas há, pelo menos, competição pela circulação, esta que pode ser muito importante para fazer e quebrar essas estruturas estatais muito rudimentares que existem nos estados membros federais da Somália.

Temos um livro saindo em breve que se chama Trade make states: governing the greater Somali economy. Nós estamos brincando tanto com Charles Tilly (1985Tilly, Charles. (1985), “War making and state making as organized crime”. In: Evans, Peter B.; Rueschemeyer, Dietrich; Skocpol, Theda (eds). Bringing the State Back In. Nova York: Cambridge University Press.), que tinha essa ideia de que “guerras formam os Estados”, quanto com a ideia da “Grande Somália”. Essa era uma ideia politicamente muito contestada na África Oriental pós-colonial, de que todas as áreas Somali deveriam ser unidas em uma nação, incluindo partes de Djibouti, Etiópia, Quênia e a própria Somália, que deu muito errado. Mas, economicamente, existe algo que se pode chamar de economia transfronteiriça da Grande Somália, estendendo-se até Nairóbi e uma grande parte da Etiópia Oriental. Na verdade, globalmente, também alcança Dubai, América do Norte e Malásia.

Isso é vital porque a diáspora Somali é muito difundida e, financeiramente, muito forte. A Somalilândia é talvez o único caso direto em que há uma relação muito clara entre liberar a circulação - nesse caso, de gado para exportação, que havia sido obstruída por bloqueios de milícias e de gangues durante o conflito armado no início dos anos 1990 - e, de fato, fornecer a base econômica para uma administração do Estado por meio da tributação das mercadorias em circulação. Esse pode ser um caso muito particular. Então, nós também temos investigado outras partes da Somália onde isso é menos claro. Ainda assim, ter um porto é o que explica a diferença entre os Estados Federais da Somália.

Nesse caso, a política de circulação é, na verdade, a luta por fluxos de receita, através da alfândega, normalmente. Isso porque ainda existem muitos Estados [na África] que dependem de alfândegas. Também na Europa, historicamente, houve os Estados-pedágios. A Dinamarca era um Estado-pedágio que, basicamente, foi formado na base de pedágios; mercadores tinham que pagar para passar pelo estreito entre o que é hoje Suécia e Dinamarca. Na época, a Dinamarca tinha os dois lados, o que tornava mais fácil pressionar os navios mercantes. Então, “os negócios formam os Estados”, em alguns lugares, sob algumas condições. De certa forma, estou voltando a essas questões de economia política que fizeram parte da minha formação geográfica, mas agora com uma reviravolta.

Além disso, há o clássico exemplo da França do século xvii, a França onde a construção do Estado e a construção de infraestruturas de circulação andavam de mãos dadas (Mukerji, 2010Mukerji, Chandra. (2010), “The territorial state as a figured world of power: Strategics, logistics, and impersonal rule”. Sociological Theory, 28 (4): 402-424.). Há a construção de um canal no centro da França por Luís xiv - um “projeto de circulação”, se quiserem -, que interrompeu o controle de circulação dos lotes feudais locais da nobreza. Canais que então se tornaram uma forma muito mais eficiente de transportar commodities do que as estradas. Essa mudança tirou a circulação das mãos da nobreza e contribuiu para a centralização do poder em Paris. Esses tipos de exemplos de “coprodução” são muito bons.

Ainda na introdução da edição especial, você fala sobre dois pontos: a circulação nas margens e uma coprodução de logística e (des)ordens políticas. Pensar a circulação nas margens implica olhar a logística como mais que um projeto calculista? Parece-nos que há também uma virada metodológica, uma maneira mais etnográfica de olhar para a logística e, como dizGregson (2017Gregson, Nicky. (2017), “Logistics at work: Trucks, containers and the friction of circulation in the UK”. Mobilities, 12 (3): 343-364.), para a “logística em funcionamento” (“logistics at work”). Como se dá essa virada etnográfica sobre o tema da logística e quais são as contribuições dessa escolha metodológica?

FS: Os métodos etnográficos são bastante apropriados para identificar alguns desses contraexemplos. Há essa ideia de capitalismo de logística e da cadeia de suprimentos, vistos como um sistema suave de transporte de commodities em contêineres, por exemplo, e assim por diante. Quando você olha de perto, na verdade não é assim, é muito mais frágil do que se espera: percebe-se quando, de repente, há um navio entalado no canal de Suez. Há também alguns bons exemplos de como é possível que diferentes atores explorem essas redes logísticas globais e obtenham lucros com isso.

Eu amo um exemplo no artigo de Haugen (2019Haugen, Heidi Ø. (2019), “The social production of container space”. Environment and Planning D: Society and Space, 37 (5): 868-885.) em nossa edição especial, sobre como o conteúdo de contêineres, roupas, por exemplo, é colocado sob pressão. Como os comerciantes africanos que trabalham em uma cidade portuária chinesa conseguem espremer mais mercadorias nos contêineres para aumentar um pouco suas escassas margens de lucro. Esses 5% extras podem ser essenciais, potencializando ou quebrando seus negócios. Mas também como ainda é possível subornar a entrada para um porto chinês e em muitos outros lugares. Essas observações não são fáceis de fazer sem um olhar etnográfico. Você tem que estar lá e conversar com as pessoas e ter uma noção de como está o dia a dia da logística. Devo dizer que realmente não tive essa experiência em meu trabalho em Berbera, porque só estive lá em visitas curtas e basicamente apenas trabalhei com entrevistas. Eu gostaria de ter feito algumas observações no porto. No entanto, não é tão simples, já que os portos são áreas de acesso restrito.

Eu estava conversando com a Anna Tsing13 13 Anna Tsing é antropóloga e professora da Universidade da Califórnia. Tem publicado amplamente em globalização, antropoceno e teoria feminista. Seus livros mais conhecidos são Friction (2004) e The mushroom at the end of the world (2015). , que começou a trabalhar com um porto na Indonésia, e ela me perguntou: “Então, como você faz?”. Eu disse que estava pensando, por exemplo, em falar com as pessoas da comunidade portuária. Hoje em dia, os portos geralmente são afastados das cidades, mas ainda existem os lugares onde os trabalhadores são recrutados. Conversar com “intelectuais orgânicos”14 14 Referente à ideia de Gramsci do pensamento intelectual, embora não se trate de indivíduos de nível educacional superior entre camponeses ou trabalhadores. locais, pessoas que se interessam pelas histórias locais, ou ex-trabalhadores da construção do porto, e também os trabalhadores atuais, nos dará muitas informações sobre como os processos funcionam na realidade, e não como apenas eles deveriam funcionar.

A outra parte de sua pergunta é sobre as margens dos sistemas logísticos. Ficamos cientes dessas lutas - ou políticas - em torno de como organizar a circulação. Nas margens, a logística global atende a sistemas de circulação preexistentes, nos quais comerciantes, trekkers e caminhoneiros movimentam mercadorias em circunstâncias difíceis. São operadores logísticos qualificados, que contam com infraestruturas sociais, conhecimento e cálculo de risco. Quando surgem novos projetos de circulação como o projeto do corredor Berbera, há perdedores, há vencedores, há novas alianças, conforme falei anteriormente. Mas os sistemas preexistentes não são necessariamente apagados. Em Berbera, há o que chamo de buffer institutions, que fazem a mediação entre os caminhoneiros locais e o WFP15 15 Centro regional de logísticas do The World Food Programme em Berbera. , por exemplo, que é uma grande organização internacional. Eles trabalham com toda a burocracia moderna, contratos, recibos e assim por diante. Mas os caminhoneiros que costumam levar ajuda à Etiópia trabalham com apertos de mão. Quero dizer, sem contratos. Assim, o WFP trabalha por meio de empresas logísticas locais, que são as instituições que podem preencher a lacuna e mediar um sistema de contrato e um sistema de aperto de mão, por assim dizer.

Percebemos essas coisas quando estamos presentes nos territórios e começamos a conversar com as pessoas e ver como os processos funcionam na prática. Nem tudo é regulamentado e simplificado. Em vez disso, você tem muitos operadores diferentes que estão sendo vinculados à produção de valor de grandes empresas e organizações internacionais sem necessariamente serem incluídos.

Parte IV: Planos futuros, novas perspectivas teóricas e as novas gerações

Você poderia compartilhar alguns de seus planos de pesquisa para os próximos anos? Sabemos, por exemplo, do seu projeto chamado “Governing the dead”. Quais são as perspectivas empíricas e teóricas que você está interessado em desenvolver?

FS: Primeiramente, costumo dizer que estou no caminho da aposentadoria e pretendo me aposentar no próximo ano - talvez me tornar emérito ou algo assim. Mas eu não fiz nenhum plano. Agora estou apenas focado em terminar nosso projeto sobre portos e o livro sobre comércio. No projeto “Port Polities”, nós temos uma abertura para pensar novas perspectivas surgindo ao olhar para os portos, em termos do instável nexo terra-mar. Isso porque os portos são pontos nodais nas cadeias de abastecimento, ligando os transportes terrestres e marítimos, e o que vemos no Chifre da África é que os atores marítimos, da “economia azul”, procuram desenvolver os seus mercados para além dos portos, para o interior. Isso é contrário às diferentes tentativas de regular o mar e os recursos do mar que vêm dos estados territoriais, do lado da terra16 16 Por exemplo, o livro Capitalism and the sea, escrito por Campling e Colás (2021), que investiga como estados territoriais tentam estender sua legislação nacional e internacional em direção ao mar, com zonas econômicas exclusivas, bandeiras de conveniência etc. .

Olhando para a logística ao redor do Chifre da África, e é isso que estou tentando descobrir agora, percebemos que muitas das empresas que operam redes logísticas marítimas na região - tanto companhias marítimas, gerentes de portos e empresas globais de logística - trabalham na extensão dos sistemas baseados em contêineres para o interior a partir dos portos, através de corredores e portos secos. Eles estão nessa competição pela logística de ponta a ponta. Há uma enorme concorrência agora para esse mercado. E é exatamente isso o que a Amazon está fazendo, por exemplo. Eles tentam monopolizar a logística porta a porta, de ponta a ponta. Então, está tudo dentro de um sistema, de uma empresa, e todos os seus subcontratados, subsidiárias e aliados. A maneira como isso funciona é através de aquisições, por meio de alianças. É extremamente complexo, mas visível em muitos lugares, como no Chifre da África.

Fora isso, eu não tenho grandes planos. Tenho reduzido minha área de interesse, até porque estava muito ampla. Não se pode simplesmente seguir novas literaturas em tantos campos diferentes como migração, Estado, soberania, conflito armado, comércio, logística etc. Parece que o que resta agora foram os portos e os mortos. O “Governing the dead” (Stepputat, 2020Stepputat, Finn (ed.). (2020), Governing the dead: Sovereignty and the politics of dead bodies. Manchester, UK: Manchester University Press.) foi um projeto paralelo que eu tinha desde 2007, quando estava passando um ano na Yale University (EUA), depois que minha esposa faleceu. Na verdade, era um capítulo que eu queria escrever para um livro sobre a Guatemala que nunca escrevi. Comecei a pensar sobre uma dessas experiências etnográficas que você tem e não sabe realmente o que fazer com ela. É obviamente muito interessante, mas como você pode usá-la? O que ela nos conta?

Certo dia, tive que ir com o juiz local para muito perto da fronteira na Guatemala. Para discutir uma solução de um conflito de terra ou algo do gênero. O juiz não tinha carro, então prometi dar-lhe uma carona. Mas pela manhã, no caminho, havia um oficial militar, o coronel da base local e outras pessoas. Pensei: “Há algo acontecendo”. E me contaram que houve um tiroteio, havia uma patrulha do exército que matou um guerrilheiro, que eles tinham acabado de encontrar com um pequeno grupo. Portanto, havia esse homem morto e ele estava em uma área inacessível. Bem, eles estavam carregando esse cara enrolado em um plástico por um dia, até que chegaram a uma estrada. O juiz estava indo para lá para fazer o que é chamado de “levantamiento del cadáver”, uma espécie de investigação da cena do crime.

O contexto era essa transição de guerra para a paz, monitorada pela onu, em que o exército também atuava. Eles disseram: “Ok, agora queremos envolver as autoridades civis nisso porque há um morto, e agora temos que seguir as regras do tempo de paz”. Essas regras tinham acabado de ser reformadas para garantir os devidos procedimentos forenses e legais. Era tudo muito novo, e levaram o dia inteiro fazendo o registro do cadáver, para tentar identificar essa pessoa. Então eu passei o dia lá com o juiz, o exército e os moradores locais. No final, eles queriam enterrar a pessoa no vilarejo local, mas os funcionários da onu, que estavam lá como parte da missão da onu, disseram que o corpo deveria ser levado para um necrotério, que ficava a umas quatro horas de distância. E ninguém tinha um veículo que pudesse ser usado para isso, exceto eu. Eles simplesmente pediram que eu levasse o corpo para o necrotério. Eram seis da tarde. Eu disse: “Hum, ok”. Na época ainda havia bloqueios nas estradas feitos pelos grupos guerrilheiros e militares. Eu não queria ir sozinho com um guerrilheiro morto na carroceria, então um policial me acompanhou, e nós levamos essas quatro horas para chegar à capital da província.

Essa história foi superinteressante, mas eu não conseguia descobrir para que usá-la. Quando fui para Yale, dez anos depois, decidi escrever a respeito. Tive que me aprofundar nas regras que existem para lidar com cadáveres e como elas se relacionam com os modos pelos quais o Estado historicamente desenvolveu suas legislações e práticas em torno dos corpos. Quem controla os cadáveres? E por quê? Foi por isso que eu entrei nesse projeto “Governing the dead”.

Além disso, eu tive essa experiência quando minha esposa morreu. Era mais ou menos meia-noite quando nós a encontramos. De repente, a nossa casa estava cheia de gente. Havia ambulância, polícia e tudo o mais. Eu perguntei se poderíamos ficar com ela durante a noite, apenas para dizer adeus. Eu tinha essa ideia muito romântica de colocar velas e outras coisas, que eu tinha visto uma vez em um assentamento de refugiados no México. Mas eles disseram: “Não é frequente recebermos esse tipo de pedido. E, na verdade, a princípio, é um caso criminal. Então, você não pode ser deixado sozinho com um cadáver. Nós temos que levá-la embora”. Eles me deram vinte minutos. E como eu estava interessado em Estado e soberania, comecei a me perguntar como o Estado se torna tão ativo e tão visível na transição entre a vida e a morte, e comecei a ver esse controle estatal de cadáveres como uma expressão de soberania.

Essas foram as duas inspirações para o projeto “Governing the dead”, que rendeu uma coletânea, e eu fiz alguns outros trabalhos. Com a pandemia de covid-19, um dos primeiros assuntos na imprensa foram os caminhões do exército trazendo cadáveres de Bergamo, Itália. Eu não estava em posição de fazer qualquer pesquisa, mas reuni algumas pessoas e houve muitas contribuições, muitos trabalhos do Brasil e do México, nada da Ásia ou da África. Provavelmente é com o que eu vou continuar. Há um projeto para o qual nunca tentei um financiamento, mas eu gostaria de comparar México, Índia e Etiópia em termos de como a governança de corpos evoluiu e também para falar sobre formação de Estado, porque basicamente são os estados coloniais que definiram a legislação. Mas também, como no México e no Brasil, a sociedade civil e o crime organizado participam da política dos cadáveres. É, esses são os planos.

Nós não sabíamos que você estava pensando em aposentadoria. Isso torna essa entrevista ainda mais especial! Para finalizar, a última pergunta: com base na sua trajetória e nas pesquisas que você fez, qual seu conselho para as gerações futuras que estão pensando sobre esses assuntos e perspectivas teóricas?

FS: Uma atividade que me manteve em movimento e manteve minha curiosidade é, na verdade, o trabalho de campo. Sentar com as pessoas, ver o que está acontecendo e conversar com elas em ambientes aonde você geralmente não vai. Porque essa experiência sempre acrescenta perspectivas e perguntas. É muito inspirador. Quando você só senta atrás do seu computador, lê trabalhos, escreve, analisa e assim por diante, é ótimo. Mas eu acho que muito do meu combustível vem de outras pessoas. Simplesmente fora do escritório. E também os workshops. Eu amo workshops. Meu tipo favorito de formato. Eu realmente preciso desses encontros com pessoas.

Entrevista realizada em agosto de 2022

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    Port polities - Logistics, political orders and new hegemons in the land-sea nexus. Mais informações no link: https://www.DIIS.dk/projekter/port-polities-logistics-political-orders-and-new-hegemons-in-the-land-sea-nexus.
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    Trade makes state é um livro em processo de publicação. Mais informações: https://www.hurstpublishers.com/book/trade-makes-states/.
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    O movimento revolucionário iraniano da década de 1970 era composto por distintos segmentos políticos - estudantes, movimentos de esquerda, conservadores religiosos - que desejavam o fim da monarquia e estavam insatisfeitos com o regime sob a liderança do Xá Reza Pahlevi. Apesar de inicialmente diverso, o segmento islâmico, sobretudo xiita, liderado por Aiatolá Rouhollah Khomeini, consolidou-se como liderança revolucionária. De forma que o ano de 1979 marca o início do regime islâmico no Irã com a deposição do Xá Reza Pahlevi. À época, milhares deixaram o país na crise de refugiados citada por Stepputat. Em 2022, o Irã volta às notícias com uma onda de grandes protestos, sob a liderança de meninas e mulheres, com o mote “Jin, Jiyan, Azadi” (Mulher, Vida, Liberdade), contrárias ao regime autoritário. A reação policial aos protestos já deixou centenas de mortos. Ver: Gritten, 2022Gritten, David. (28 September 2022), “Iran protests: Death toll rises to 76 as crackdown intensifies - rights group”. BBC News. Disponível em https://www.bbc.com/news/world-middle-east-63047363, consultado em 26/10/2022.
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    Peer Schouten é pesquisador sênior no DIIS e autor do livro Roadblock politics: the origins of violence in Central Africa. Ver: https://www.DIIS.dk/en/experts/peer-schouten.
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    DP World é uma empresa logística multinacional especializada em operações de terminais portuários, serviços marítimos e zonas de livre-comércio. A empresa tem sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Além de operar em parcerias público-privadas em portos ao redor do mundo, como um dos terminais do porto de Santos, no Brasil.
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    Em março de 2021, o canal de Suez foi bloqueado por seis dias devido ao encalhe de um cargueiro Ever Given de 400 metros de comprimento e 200 mil toneladas. Ver: “Canal de Suez pode ficar dias ou semanas bloqueado após meganavio encalhar; entenda”, 2021“Canal de Suez pode ficar dias ou semanas bloqueado após meganavio encalhar; entenda”. (25 mar. 2021), G1. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/03/25/navegacao-no-canal-de-suez-segue-suspensa-autoridades-tentam-fazer-meganavio-flutuar.ghtml.
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    Aprovado em 2016, “Brexit” é o nome dado ao referendo no qual o Reino Unido decidiu pela sua saída formal da União Europeia. O acordo passou a valer em 2020. Ver: “Brexit: Reino Unido sai da União Europeia”, 2020“Brexit: Reino Unido sai da União Europeia” (31 jan. 2020), G1. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/31/brexit-reino-unido-sai-da-uniao-europeia.ghtml.
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    .
  • 12
    Al-Shabaab é um grupo insurgente islâmico jihadista baseado em territórios somalis e quenianos.
  • 13
    Anna Tsing é antropóloga e professora da Universidade da Califórnia. Tem publicado amplamente em globalização, antropoceno e teoria feminista. Seus livros mais conhecidos são Friction (2004) e The mushroom at the end of the world (2015).
  • 14
    Referente à ideia de Gramsci do pensamento intelectual, embora não se trate de indivíduos de nível educacional superior entre camponeses ou trabalhadores.
  • 15
    Centro regional de logísticas do The World Food Programme em Berbera.
  • 16
    Por exemplo, o livro Capitalism and the sea, escrito por Campling e Colás (2021)Campling, Liam; Colás, Alejandro. (2021), Capitalism and the sea: The maritime factor in the making of the modern world. Londres e Nova York: Verso Books., que investiga como estados territoriais tentam estender sua legislação nacional e internacional em direção ao mar, com zonas econômicas exclusivas, bandeiras de conveniência etc.
  • Apoio financeiro

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp): Processos n 2020/14000-6; 2021/14797-4; 2020/00670-0; 2021/14246-8
  • 35
    Tradução de Felipe Menezes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2022
  • Aceito
    05 Jan 2023
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