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Singular e como todo mundo: Visibilidade e as pessoas com deficiência

Unique and like everyone else: visibility and people with disabilities

Resumo

O artigo analisa o conceito de visibilidade, visando a criar bases teóricas para pensar a invisibilidade das pessoas com deficiência na atualidade. Em perspectiva ensaística, articula revisão teórica e depoimentos dessas pessoas nas redes sociais, em três movimentos: pensa a visibilidade como reconhecimento social; discute o visível pela noção de regime de visibilidade; analisa suas configurações atuais, quando seu sentido está sendo reduzido à mera exibição. Trata, enfim, de uma alteridade nas relações contemporâneas entre imagem, visibilidade e reconhecimento, exigindo que a luta pelo direito das pessoas com deficiência conquiste lugares no espaço do visível, mas crie também semânticas distintas das impostas hegemonicamente, até pelas imagens.

Palavras-chave
Visibilidade; Pessoa com deficiência; Imagem; Reconhecimento social

Abstract

The article analyzes the concept of visibility aiming to create theoretical bases to think about the invisibility of the person with disabilities today. In an essayistic perspective, it articulates theoretical review and testimonials of these people on social networks, in three movements: it thinks of visibility as social recognition; it discusses the visible through the notion of visibility regime; it analyzes its current configurations, when its meaning is being reduced to mere display. It deals, finally, with an alterity in contemporary relations between image, visibility and recognition, requiring that people with disabilities, in addition to conquer places in the space of the visible, create different semantics from those hegemonically imposed, even by images.

Keywords
Visibility; People with disabilities; Image; Social recognition

Tem tanta gente falando por nós que ficamos invisíveis na sociedade

ISABELLA SAVAGET (Metrópoles, 2022METRÓPOLES. (2022), "Jovem com paralisia cerebral usa TikTok para 'descomplicar' deficiência". Vídeo postado em 13/07. https://www.youtube.com/watch?v=P8Hwq7WIOoM, consultado em 07/05/2023.
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)

Somos poucos ainda (nas redes sociais) e somos os poucos que as pessoas fazem questão de não ver

NATHÁLIA SANTOS (Nina, 2020NINA, Alana Della. (2020), "Um bate-papo com cinco PcD influenciadores". Elástica, 12/08. https://elastica.abril.com.br/especiais/pcd-influenciadores-deficiencia, consultado em 11/06.
https://elastica.abril.com.br/especiais/...
).

Isabella Savaget (2022)SAVAGET, Isabella. (2022), "9 o Episódio: Daí minha paixão pela Dança". Vamos descomplicar juntos? Perfil TikTok @bellsavaget. 27/06. https://www.tiktok.com/@bellasavaget/video/7114051822305824006?q=descomplicar%20Isabella%20savaget@t=1679317109583, consultado em 05/06/2023.
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, jovem com paralisia cerebral1 1 . Redigido pelas autoras, o artigo é fruto, entretanto, dos debates realizados com a professora Fátima Vidal e as pesquisadoras Mariana Barros, Evelyn Rodrigues, Clara Marinho e Sophia de Oliveira, equipe da pesquisa (In)visibilidades da pessoa com deficiência no regime contemporâneo de imagens, projeto de cooperação entre a Universidade de Brasília e a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes). , usa seu canal no TikTok2 2 . Quarta maior rede social do mundo, criada na China em 2016, hoje com cerca 1,5 bilhão de usuários ativos. Para mais informações: https://infobase.com.br/infografico-tik-tok-rede-social-da-geracao. , com pouco mais de 200 mil seguidores, para “descomplicar a deficiência”. Nathália Santos, jornalista autodeclarada “cega” e “mamãe do Davi”, compartilha seu cotidiano nas redes sociais visando a contribuir para os brasileiros entenderem melhor a situação das pessoas com deficiência3 3 . “Aquelas pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (Brasil, 2009). . Com cerca de 60 mil seguidores no Instagram, reivindica visibilidade que vá além da deficiência: “Eu não enxergo, mas é a sociedade que não me vê, que me torna invisível” (Santos, 2021SANTOS, Nathália. (2021), "Deficiência visual e maternidade: 'Eu não enxergo, mas é a sociedade que não me vê'". Gshow. https://gshow.globo.com/programas/e-de-casa/noticia/nathalia-santos-fala-sobre-deficiencia-visual-e-maternidade-eu-nao-enxergo-mas-e-a-sociedade-que-nao-me-ve.ghtml, consultado em 11/06/2023.
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). Isabella Savaget (2022)SAVAGET, Isabella. (2022), "9 o Episódio: Daí minha paixão pela Dança". Vamos descomplicar juntos? Perfil TikTok @bellsavaget. 27/06. https://www.tiktok.com/@bellasavaget/video/7114051822305824006?q=descomplicar%20Isabella%20savaget@t=1679317109583, consultado em 05/06/2023.
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faz exigência semelhante: “Não subestimem nossa capacidade, nem nos superprotejam e nos infantilizem ou, muito menos, nos tornem invisíveis”. O apelo é reforçado pela propaganda da Paraolimpíada de 2020, em Tóquio: “Apenas quando vocês nos virem como um de vocês – maravilhosamente comuns, maravilhosamente humanos –, só então todos nós poderemos quebrar essas barreiras que nos mantêm separados”4 4 . Propaganda do WETHE15 (2022), “movimento global de direitos humanos que visa tornar visíveis as pessoas com deficiência, que representam 15% da população mundial”. Liderado pelo Comité Paralímpico Internacional e pela Aliança Internacional para a Deficiência, o WETHE15 reúne organizações internacionais do esporte, de direitos humanos, políticos, empresas, das artes e do entretenimento que trabalham pelas “mudanças a favor do maior grupo marginalizado do mundo”. .

Isabella e Nathália, e não só elas5 5 . Busca no Google, em 23 de junho de 2023, utilizando palavras-chave referentes a pessoa com deficiência, aponta, com os descritores “Instagram”, “perfil” e “PcD”, 583 mil resultados; com os descritores “Tiktok”, “perfil” e “PcD”, 131 mil resultados. Qualquer navegação pelas duas redes sociais evidencia o crescente número de perfis de pessoas com deficiência compartilhando seus cotidianos. Nesse primeiro momento da pesquisa nos interessou pensar se alguns desses perfis tratavam do tema da visibilidade explicitamente, que sentidos atribuíam ao ser invisível e ao ser visível, como acionavam a invisibilidade. Tratou-se, portanto, de etapa exploratória de análise dos enunciados publicados na rede. , querem furar essa espécie de manto de invisibilidade que ainda hoje encobre suas vidas: “Olhem isto aqui. Olhem, existimos; parem de nos ignorar, o mundo é para todos”. Exigem seus enunciados, criando fissuras nessa espécie de paisagem humana já consolidada, bastante homogênea e erguida à custa de lógicas de inclusão e exclusão da normalidade. Assim denunciam a economia de poder que exerce sobre elas – pessoas com deficiência – espécie de indiferença, alienação social, desprezo moral e consentimento (ele, sim, invisível) de que elas deveriam ficar à margem, ausentes do espaço público.

De fato, nenhum diagrama de poder se institui sem que um diagrama de visibilidade também seja implantado, fazendo com que certas verdades e saberes se manifestem em determinados momentos históricos, bem como certos grupos sociais a serem dotados do “direito” de recusar o olhar ou da “capacidade de ver através” de seus subordinados ou excluídos (Honneth, 2001HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126.)6 6 . Professor de filosofia social na Universidade de Frankfurt, diretor do Instituto de Pesquisa Social desde maio de 2001. Considerado teórico da terceira geração da Escola de Frankfurt, desenvolve sua teoria do reconhecimento social a partir dos escritos de Hegel, para quem a reciprocidade seria condição essencial do reconhecimento social (cf. Honneth, 2003, p. 121). Argumenta que os conflitos sociais atuais se baseiam em lutas pelo reconhecimento social, fundamentalmente vinculadas à própria ideia de autorreconhecimento (p. 273). Nessa e nas demais citações de textos em idiomas estrangeiros a tradução é nossa. . Trata-se de uma arquitetura de visibilidades em sentido amplo, ligada à percepção e à atenção de certa atualidade, em que se abrem diferenças incomensuráveis entre aqueles grupos sociais autorizados a verem e a serem vistos e aqueles que desaparecem socialmente. Se, nessas falas de pessoa com deficiência, o verbo ver não se refere ao gesto literal, refere-se, por outro lado, ao esquema de visibilidade em que algumas pessoas e não outras são colocadas à luz social, interferindo no que é (e no que não é) passível de ser reconhecido ou ignorado, mostrado ou escondido, valorizado ou desprezado.

É esse desprezo social que também Clarinha Mar (2022)MAR, Clarinha. (2022), "#coisaqueeuescuto#pcd". Canal @clarinhamaroficial, postado em 08/04. https://www.tiktok.com/@clarinhamaroficial/video/7130645793291144454, consultado em 11/06/2023.
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, jovem com paralisia cerebral, “influenciadora PcD”, enfrenta cotidianamente quando utiliza o transporte público: “Não olha não, filho, ela tem só um probleminha”. Ao adentrar os espaços, se defronta com desvios de olhares – uma recusa corporal das pessoas sem deficiência que, ante seu corpo, seu andar, seus gestos ou seu jeito de falar, respondem ora com repulsa, ora com rodeios, ora com lamento ou caridade. O que enfrenta não é exatamente o “olhar através” típico da indiferença ou da “superioridade” das classes dominantes, por exemplo, em relação à pobreza, mas mescla de incômodo, pesar, estranhamento, repulsa de quem prefere não olhar. “As pessoas com deficiência até pouco tempo não eram nem vistas pela sociedade; ficavam em casa, não tinham valor social” (Mar, 2020MAR, Clarinha. (2020), "Da dificuldade do dia a dia ao sucesso nas redes sociais. Direito e inclusão". YouTube, 19/06. https://www.youtube.com/watch?v=GbsPvstMACU, consultado em 12/06/2023.
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).

Não por acaso, a metonímia da invisibilidade se tornou, pelo menos desde os anos 1980, bastante usada para analisar as dinâmicas a que os grupos à margem social estão submetidos. Relaciona-se a ausência não restrita às imagens circulantes: efeito que se efetiva mediante as omissões de direitos, falta de leis, ineficiência de políticas públicas, privação de bens materiais e imateriais, e acessibilidade negada em múltiplas esferas da vida. O “não ver” se refere a um campo de relações de poder capaz de criar áreas de sombras, desumanizando aqueles cuja existência é colocada em dúvida pela autoridade da visão de classes e grupos hegemônicos.

Tratamos aqui de 18,6 milhões de pessoas de dois anos ou mais de idade com deficiência no Brasil em 2022, o que corresponde a 8,9% da população nessa faixa etária, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua 1 (IBGE, 2023). No âmbito mundial, esse valor está atualmente em 15% da população do planeta, quase um bilhão de pessoas (ONU, 2017ONU. (2017), "Disability and development report". United Nations, New York. https://social.un.org/publications/UN-Flagship-Report-Disability-Final.pdf, consultado em 03/05/2023
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), integrantes de culturas diversas, alocadas em distintas faixas econômicas e etárias, portadoras de tipos e níveis variados de deficiências – formas plurais de habitar o corpo e estar no mundo (Diniz, 2009DINIZ, Debora et al. (2009), “Deficiência, direitos humanos e justiça”. SUR: Revista Internacional de Direitos Humanos, 11 (6): 64-75, dezembro.). Multiplicidade que compartilha, entre outros elementos, a invisibilidade social, expressa de inúmeras maneiras e intensidades, o que inclui as imagens nos circuitos hegemônicos da comunicação.

Visibilidade hoje, porém, não é questão circunscrita aos grupos historicamente à penumbra social, como o das pessoas com deficiência. Nas últimas décadas, vem ganhando outras camadas de significado, tornando-se espécie de injunção na vida de “todos, todas e todes”, tipo de moeda, negociado como capital − de pessoas ou empresas – a ser investido e barganhado em troca de uma existência supostamente mais autêntica. Ganha também sentido de competência (ou incompetência, quando não a alcançamos), de habilidade necessária à sobrevivência contemporânea. Torna-se um tipo de senha, metafórica ou explícita, tanto para a vida pautada nas lógicas mercadológicas quanto para conquistas no campo das lutas sociais, adquirindo não raro significados divergentes e contraditórios.

Aprofundar a análise da ideia de visibilidade hoje é o objetivo deste artigo. Compreender a visibilidade como campo de inscrição social e disputa de sentido nos parece fundamental para o avanço na investigação acerca das invisibilidades da pessoa com deficiência na economia imagética atual, tema da pesquisa ora em desenvolvimento7 7 . Desde 2022 no âmbito do projeto de cooperação entre a UnB e a Fenapaes, sob coordenação de Cláudia Linhares Sanz e Fátima Vidal. . Trata-se de levantar os problemas em torno do conceito e de suas acepções contemporâneas. Articular, portanto, a revisão teórica à espécie de escavação da atualidade, a partir do diálogo com depoimentos de pessoas com deficiência, sobretudo aqueles proferidos nas redes sociais. Diante da complexidade do tema na atualidade e, principalmente, da importância da questão para a luta da pessoa com deficiência, entendemos que, mais do que mapear os números dessa invisibilidade, é necessário colocar em suspensão quando ela pode estar sendo tensionada ou, por outro lado, quando está sendo intensificada, inclusive pelas imagens.

Tal análise se faz em três movimentos: pensar a visibilidade no âmbito da luta pelo reconhecimento social (Honneth, 2001HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126.), identificando seu vínculo com as injustiças sociais; analisar, com base em Foucault (2019)FOUCAULT, Michel. (2019), Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes., Courtine (2006)COURTINE, Jean-Jacques. (2006), "Corpo anormal: história e antropologia culturais da deformidade". In: COURTINE, Jean-Jacques & VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar. O século XX, 3. Petrópolis, Vozes. e Lobo (2015)LOBO, Lilia. (2015), Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro, Lamparina., a aparição do visível como efeito de um regime de visibilidade – forma histórica capaz de fazer com que aquilo que estava à sombra se torne objeto do saber ou do poder, do olhar e da evidência, da representação e da vigilância; discutir as configurações atuais do termo visibilidade, quando há espécie de redução do seu sentido à exposição e à exibição. Cabe esclarecer que a escolha teórica e metodológica ensaística constitui o modo pelo qual acreditamos ser possível perceber as configurações fluidas, dinâmicas e relacionais da invisibilidade da pessoa com deficiência no regime atual de imagens. Em vez de partir de um universal, a visibilidade, problematizamos a alteridade de seus sentidos no contemporâneo, dentro e fora da luta pela inclusão. Sendo um modo de avançar na pergunta da pesquisa, o ensaio permite reunir um conjunto de práticas discursivas em torno do tema, nelas percebendo, através da perspectiva teórica, o jogo sempre em negociação, constantemente esgarçado e recomposto entre dominação e resistência.

Visibilidade, do reconhecimento social

Sou um homem invisível. Não, não sou um espectro como aqueles que assombravam Edgar Allan Poe; nem sou um ectoplasma do cinema de Hollywood/ Sou um homem com substância, de carne e osso, fibras e líquidos, e talvez até se possa dizer que possuo uma mente. Sou invisível – compreende? – simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver […] quando se aproximam de mim, só enxergam o que me circunda, a si próprios ou o que imaginam ver – na verdade, tudo, menos eu.

RALPH ELLISON (2020)ELLISON, Ralph. (2020), O homem invisível. Rio de Janeiro, José Olympio..

No pensamento contemporâneo, o termo visibilidade tem sido utilizado em acepções variadas. Nos campos da sociologia, antropologia, psicologia social, ciência política e ética, a expressão invisibilidade social vem servindo para tratar da experiência de inexistência social – coletiva, individual, moral ou psicológica –, efeito de processos de alienação e ocultamento de certas realidades e de grupos de pessoas. No já citado texto de Honneth (2001)HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., visibilidade é termo mobilizado no âmbito do debate sobre a luta por reconhecimento, mola propulsora dos conflitos sociais. Interessado em produzir uma teoria social de conteúdo normativo, o autor revitaliza a categoria hegeliana de reconhecimento como ferramenta social para compreender o sofrimento derivado das desigualdades materiais e simbólicas, sofrimento que revelaria, segundo ele, uma vontade emancipatória da sociedade. A estrutura primária da socialização, base social, analisa o autor, seria justamente a busca por reconhecimento, já que ela organiza as trocas sociais, mas também as relações do indivíduo com ele mesmo. Contrapondo-se à ideia de constituição isolada do sujeito, argumenta que as condições intersubjetivas são fundamentais para a autorrealização individual. Assim, a anomalia nas relações interpessoais intervém na experiência subjetiva dos indivíduos, encontrando sua expressão, como afirmação moral, nas lutas sociais.

Sem pretender aprofundar o conceito de reconhecimento social de Honneth (2001)HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., interessa-nos aqui pensar como ele incorpora a ideia de visibilidade para discutir as relações sociais de injustiça: “a história cultural oferece inúmeros exemplos nos quais o dominador expressa sua superioridade social aparentando não perceber aqueles que ele domina” (Honneth, 2001HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., p. 112). E acrescenta: se um nobre se despia diante de seus servos era porque, aos olhos da nobreza, a presença dos que o serviam era tida como ausência. Olhando “através” de seus subordinados, continua o pensador, a nobreza efetivava gestos de indiferença, cinismo e humilhação, como se quem a vestia não estivesse fisicamente no mesmo espaço ou como se nem todos ali merecessem ser reconhecidos, senão como seres inferiores. Para pensar essa tática de segregação, Honneth utiliza também as ricas descrições do prólogo do romance Homem invisível, do estadunidense afrodescendente Ralph Ellison (2020)ELLISON, Ralph. (2020), O homem invisível. Rio de Janeiro, José Olympio., que empresta a sua reflexão imagens que expressam, encarnam e, simultaneamente, possibilitam, em termos imagéticos, disparar a análise das relações entre visibilidade e reconhecimento social. A cena criada por Ellison é capaz de inscrever o leitor – do romance ou do texto sociológico – na dinâmica especialmente sutil pela qual se realiza a humilhação racista contra o protagonista negro, dinâmica capaz de o tornar invisível, de o fazer desaparecer não da presença física do protagonista, mas expressando antes seu domínio – dinâmica em que aquele que vê e é visto ocupa o lugar do “sujeito universal e essencial”, e quem vê, mas não é reconhecido, se transforma em “predicado contingente e particular” (Costa, 2004COSTA, Fernando Braga da. (2004), Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo, Globo.).

A visão, então, intervém como método de cisão social, segregação, tática política de corpos e subjetividades. Assimetria variável em intensidade ou forma, como afirma Honneth (2001)HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., em gradiente que vai desde a “desatenção inofensiva” de alguém que esquece de cumprimentar um conhecido em uma festa; passa pela “ignorância distraída” decorrente da falta de atribuição de valor social quando um patrão não vê sua faxineira; até chegar ao olhar através ou desviante de alguém branco que expressa seu racismo evitando reconhecer a presença de alguém negro. Esses exemplos, esclarece o autor, compartilham a propriedade de ser formas de invisibilidade em sentido figurativo e metafórico: “como cada um deles é, sem dúvida, visível, o ‘conhecido’, a ‘faxineira’ e a pessoa negra humilhada representam objetos facilmente identificáveis no campo visual do sujeito em questão; como resultado, a ‘invisibilidade’ aqui não pode designar um fato cognitivo, mas deve significar um tipo de estado social de coisas” (Honneth, 2001HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., p. 119. Grifo nosso).

A invisibilidade, portanto, sugere o autor, é decorrência de comportamento ativo que negligencia, ignora ou despreza socialmente; que não se expressa, ou melhor, que se expressa na ausência de “formas enfáticas de expressão”. Trata-se, segundo Honneth (2001)HONNETH, Axel. (2001), "Invisibility: on the epistemology of 'recognition'". Aristotelian Society, Supp. (75): 111-126., de ausência performativa realizada publicamente, necessária para que, sendo visível e identificável a partir de suas características, tanto o sujeito afetado se sinta invisível, quanto outras pessoas possam interpretar sua presença como invisibilidade. A invisibilidade social adquire caráter público, portanto e justamente porque se manifesta, de modo paradoxal, em um lapso das formas enfáticas que em geral expressariam o ato de identificação individual. Experimentar-se como invisível revelaria – na perspectiva do autor – que o indivíduo pressupõe ter sido visto e identificado, mas não reconhecido. O sujeito só pode afirmar que quem olha através dele o ignora (ou o negligencia) se pressupuser que essa pessoa o identificou, apesar de não o expressar publicamente – “a invisibilidade no sentido figurativo pressupõe a visibilidade no sentido literal” (Idem, p. 114). Ver literalmente e desviar o olhar, perceber e olhar através, identificar e ignorar são formas de afirmar a ausência de validade social desse sujeito visto, mas não reconhecido (Idem, p. 122).

A questão que nos interessa especialmente a partir dessa argumentação de Honneth é a profunda relação do sentimento de invisibilidade com o sofrimento, o desrespeito e desprezo social, atuando como formas de exercício de dominação, algo que não depende do ver, mas “da construção de seus olhos internos, aqueles olhos com os quais eles olham para a realidade por meio de seus olhos físicos”, como, aliás, trata Ellison. Esse sentimento de invisibilidade é sintoma da força das relações intersubjetivas na esfera pública, mas igualmente nas relações dos indivíduos com eles mesmos, já que as subjetividades são constituídas na dialética entre indivíduo e sociedade. Trata-se, portanto, de noção relacional, que supõe relações desiguais na interação social, sendo também vinculada à constituição da própria subjetividade dos indivíduos.

Se o raciocínio de Honneth (2003)HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34. parte da categoria metafórica de (in)visibilidade, ele não conclui, entretanto, que a visibilidade seja o contraponto dessa patologia social. A visibilidade, reiteramos, aparece em seu texto tanto como pressuposto dos processos ativos de invisibilização (vejo, mas olho através; percebo, mas desvio o olhar), quanto antecedente aos vínculos morais de reconhecimento. “Tornar-se visível” emerge no argumento do autor como espécie de fato elementar e primário, vinculado à afirmação da existência do outro e à identificabilidade das características relevantes dessa pessoa, algo que precede a luta pela reciprocidade entre indivíduos, mas não a define. Assim, apesar de visibilidade e reconhecimento social se relacionarem de modo significativo, para o autor não são sinônimos. A visibilidade aparece associada muito mais ao gesto de conhecer (erkennen) do que ao eixo fundamental de seu trabalho que é pensar os processos pelos quais o reconhecimento seria o núcleo de um sistema de estima, maneira de os sujeitos validarem uns aos outros, rompendo com suas disposições egocêntricas ou aéticas (Honneth, 2003HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34., p. 39). Nesses termos, Honneth utiliza pontualmente a categoria visibilidade, para logo a abandonar em um sentido literal, em prol de conceito mais complexo, que seria justamente o de reconhecimento como fator social omnipresente e irredutivelmente fundamental.

Retemos aqui, entretanto, alguns aspectos da análise do autor. Primeiro, a visibilidade per si, em sua perspectiva, não figura positividade, já que é pressuposto tanto para invisibilidade quanto para reconhecimento. Assim, confere à visibilidade uma espécie de neutralidade que só estaria circunscrita em lógicas éticas e morais quando vertida em reconhecimento. Além disso, interessa notar o vínculo que ele atribui – como próprio da visibilidade – entre presença e identificação dessa presença, para usar seus termos. Nesse sentido, a luta por visibilidade poderia ser pensada, primeiro, como batalha pelo “direito plural e performativo de aparecer, direito que afirma e instaura o corpo em meio ao campo político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite uma exigência corpórea por um conjunto mais suportável de condições econômicas, sociais e políticas” (Butler, 2018BUTLER, Judith. (2018), Corpos em aliança e políticas das ruas: notas de uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., p. 7).

Cabe, por outro lado, notar que, se a análise de Honneth (2003HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34., p. 90) demonstra como a invisibilidade participa da gênese social da identidade do indivíduo, ela avança menos no debate sobre os sentidos da visibilidade propriamente. Nessa perspectiva, as reivindicações daqueles que iluminam a escuridão de sua invisibilidade como modo de se fazer visível poderiam parecer apenas formas ingênuas ou mal formuladas de exigir reconhecimento. Entretanto, é justamente a partir do protagonismo da expressão visibilidade, a qual ganha, nas narrativas aqui discutidas, um sentido de valor social, que pretendemos pensar os conflitos atuais e os processos constitutivos da subjetividade contemporânea como sintomas de dinâmicas amplas e contraditórias, características dos jogos de poder da atualidade. Conforme veremos, a luta por visibilidade não manifesta apenas sofrimento e desprezo social; é também imperativo cada vez mais generalizado; não sendo, portanto, positividade assegurada. Ser “visível” pode ser a armadilha a que estaríamos todos submetidos e simultaneamente o meio pelo qual algumas pessoas sentem ser possível quebrar o silêncio em torno de suas vidas.

Regime de visibilidade e as imagens do anormal

O que torna o visual inteligível é ele mesmo invisível.

É um corpo anônimo de práticas espalhadas por diversos lugares

RAJCHMAN (1988)RAJCHMAN, John. (1988), "Foucault's art of seeing". October, (44): 89-117..

Acrescentamos à análise até aqui desenvolvida uma perspectiva que, distante da pressuposta por Honneth, nos ajude a pensar a visibilidade para além de seu aspecto literal, fora de uma constante universal ou de uma análise trans-histórica, investigando em consequência a alteridade dos sentidos que adquire no mundo contemporâneo. Trata-se de compreender como se tornou, especialmente hoje, categoria em disputa, que se vincula à luta indignada de grupos minoritários, sem deixar de aparecer atrelada às novas maneiras de governo de conduta, formas de incorporar os indivíduos a sistemas de dominação e em processos de sujeição inerentes ao tipo contemporâneo de produção de subjetividade. Essa ambiguidade, disjunção bastante característica da atualidade, nos exige pensar a visibilidade no âmbito de relações amplas entre poder e saber, resultado da articulação de dispositivos variados e heterogêneos, materialidades e imaterialidades que configuram as condições de possibilidade até para as normas morais e os arcabouços normativos.

Falamos aqui da relação de forças não excludentes que constituem justamente os diagramas por meio dos quais as coisas são dadas ou tomadas como vistas, as condições para que certos corpos e subjetividades se tornem “visíveis” e valorizáveis, circunstâncias para que certas imagens sejam percebidas e até produzidas. Trata-se do que Michel Foucault chamou de regime de visibilidade – forma histórica capaz de fazer com que aquilo que estava à sombra se torne objeto do saber ou do poder, do olhar e da evidência, da representação ou da vigilância, bem como capaz de enfraquecer outros modos de perceber e dar atenção, levando-os à sombra, desprovidos de valor social8 8 . Foucault usou termos referentes à visibilidade e ao olhar em muitos textos e cursos, para tratar de questões distintas, tanto em seu trabalho arqueológico quanto nas pesquisas mais genealógicas. .

No pensamento foucaultiano a ideia de regime de visibilidade se relaciona aos pressupostos que aparecem na própria acepção do termo regime9 9 . Derivando do latim regimen, de regere, regime tem sentido de ação de dirigir, governar, reger (Houaiss). Na edição francesa do dicionário Larousse, há definições do termo aplicadas a campos diversos, por exemplo: “conjunto de instituições, procedimentos e práticas que caracterizam forma de organizar e exercer o poder”; “conjunto de disposições legais que regem a maneira pela qual alguém ou algo está sujeito a uma instituição”. Em meio às diferentes aplicações, encontramos duas ideias importantes: conjunto de elementos diferentes entre si, instalado em um certo campo, território ou período; tais elementos estão em relação. Regime, portanto, é uma “qualidade de relação” entre formas e forças que, articuladas, submetem e conduzem pessoas (ou objetos) a certo ritmo, padrão, limite, possibilidade, demarcação ou procedimento. : trata-se de forma de reger elementos variados, economias heterogêneas que, articuladas, em luta, em disputa, às vezes em consonância, estabelecem, como efeito sempre provisório e histórico, as condições para que certas coisas, ideias, pessoas, fenômenos se tornem “visíveis”, até como objeto do poder e do saber. Essa regência estabelece as condições de possibilidade para que o visível e o invisível se manifestem como tais, mas também submete, constrange, compromete ou conduz tanto a visão quanto os próprios sujeitos que veem. Nessa perspectiva, nem a visibilidade, nem o reconhecimento estariam “destacados”, autônomos ao regime que, formado por forças sempre em conflito, estabelece as condições para o que se vê e o que se reconhece, como se vê e como se reconhece e para as próprias subjetividades que reconhecem e são reconhecidas, veem ou são vistas. Mais do que isso, são esses regimes também que constrangem sentidos à noção de visibilidade, seja ela literal ou simbólica.

Ou seja, embora os regimes de visibilidade sejam as condições de possibilidade de certas formas de ver, não são, entretanto, determinações definitivas. As lutas sociais, as reorganizações epistemológicas, as formas de ver e as imagens produzidas são simultaneamente capazes de transformar esse regime de condições de possibilidades. Colocados em movimento, esses elementos podem funcionar como dispositivos de incrementação, acréscimo e prolongamento, mas também de desterritorialização e transformação dessa “organização conceitual e prática” que é o regime de visibilidade na perspectiva foucaultiana. Campo de inscrição social, não é espacialidade unificada, mas disposição provisória, aberta ao devir, território em que concorrem modelos mais e menos dominantes, bem como uma série de práticas e culturas hegemônicas e desviantes, em múltiplas frentes – diagramas vulneráveis a esgarçamentos, variações, crises e críticas no próprio tempo que os criou. Se as pessoas são muito menos livres do que pensam para ver, pois haveria nesse ver muito mais “regularidade” do que imaginamos, essa regularidade também é o que permite a transformação, a ampliação ou subversão dos regimes de visibilidade e de reconhecimento, tornando as pessoas muito mais livres do que supomos para ver e reconhecer (Rajchman, 1988RAJCHMAN, John. (1988), "Foucault's art of seeing". October, (44): 89-117.).

Na constituição de um regime de visibilidade não há, portanto, submissão direta ou exclusiva à circulação de imagens, seu excesso ou ausência. Tampouco as invisibilidades constituem efeitos de interdição imagética, embora o contrário possa ocorrer – é plenamente possível que as invisibilidades sejam constituídas por milhares de imagens sobrepostas. Breve recuo à modernidade do século XIX nos possibilita encontrar, por exemplo, o estreito vínculo entre a produção de inúmeros dispositivos visuais de exibição da deficiência – fotografias, ilustrações, cartões-postais – e a constituição de uma cultura de profunda estigmatização e invisibilização social. Segundo Courtine (2006)COURTINE, Jean-Jacques. (2006), "Corpo anormal: história e antropologia culturais da deformidade". In: COURTINE, Jean-Jacques & VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar. O século XX, 3. Petrópolis, Vozes., aliás, um dos mais pregnantes modelos de inteligibilidade para ver, reconhecer e interpretar as “anomalias” ou “desvios do corpo” foi o monstro – modelo que reinou muitos anos sem contestação no campo das percepções das diferenças humanas, banalizado por meio de verdadeira festa do olhar (Lobo, 2015LOBO, Lilia. (2015), Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro, Lamparina.; Courtine, 2006COURTINE, Jean-Jacques. (2006), "Corpo anormal: história e antropologia culturais da deformidade". In: COURTINE, Jean-Jacques & VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar. O século XX, 3. Petrópolis, Vozes.). Encarnando temores coletivos, esse modelo entrou em cena e dela saiu algumas vezes durante o século XIX, aparecendo também mais tarde, desbotado ou como sombra, quando legitimou, por exemplo, o lema nazista “eliminar os indesejáveis e multiplicar os desejáveis” (Courtine, 2006COURTINE, Jean-Jacques. (2006), "Corpo anormal: história e antropologia culturais da deformidade". In: COURTINE, Jean-Jacques & VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar. O século XX, 3. Petrópolis, Vozes., p. 307)10 10 . Estima-se que o programa nazista Aktion T-4 exterminou cerca de um milhão de pessoas pelo fato de possuírem alguma deficiência (Enciclopédia do Holocausto). .

Se a exibição da monstruosidade se converteu progressivamente em exposição do anormal, ela não deixou de configurar uma forma de visibilidade. Entre processos de habilitação e reabilitação, o “anormal” passa, aliás, a estar submetido à visibilidade integral, necessária aos cada vez mais sofisticados sistemas ortopédicos e disciplinares da medicina e da psiquiatria, tão bem estudados por Foucault11 11 . O vaticínio de Foucault (2019) de que a “visibilidade é a armadilha” foi realizado em Vigiar e punir, ao tratar do panóptico de vigilância como modelo generalizável para a sociedade disciplinar. O olhar está associado “a um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento do poder” (p. 181). . Trata-se aqui de um esquema de “luminosidades” não mais entre servo e nobre, mas entre indivíduos, Estado, lei e polícia, polarizados em vigiados e vigilantes. A modernidade, sabe-se, inventa suas próprias técnicas do “olhar”, integrando-as em regimes próprios de luz como parte indispensável de sua economia de poder.

Segundo Lobo (2015)LOBO, Lilia. (2015), Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro, Lamparina., a deficiência pode ser pensada como a configuração histórica capaz de verter e reduzir a percepção da diferença em exceção, variação em desvio, multiplicidade em desigualdade e subjugação. Foi no âmbito dessas formas de percepção que a exclusão passou a se dar no interior de uma inclusão tipicamente disciplinar, e os “infames da história” – expressão que titula o livro desse autor sobre pobres, escravizados e pessoas com deficiência no Brasil – passaram a estar detidos e aprisionados nas instituições, destituídos das condições humanas, tornados objeto de ódio, desprezo, normalização e medo. A partir da segunda metade do século XX, em decorrência também da luta em defesa da pessoa com deficiência, ocorre o desenvolvimento de outras maneiras de lançar o olhar às diferenças do humano, avançando em muitos sentidos, sem, no entanto, deixar de criar outras contradições. Embaralha-se a fronteira entre normal e anormal, mas empenha-se também em desatenção calculada “que visa reduzir os contatos oculares, multiplicar os afastamentos” (Courtine, 2006COURTINE, Jean-Jacques. (2006), "Corpo anormal: história e antropologia culturais da deformidade". In: COURTINE, Jean-Jacques & VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar. O século XX, 3. Petrópolis, Vozes., p. 334). As formas de invisibilidade se deslocam, nuançadas (talvez) as perversidades, porém integradas agora em novos regimes de visibilidade. A pessoa com deficiência passa, paradoxal e simultaneamente, a ser percebida e apagada em sua diferença, lembrada e negada, reconhecida e recalcada (Idem, p. 335). As novas montagens entre imagem, poder e subjetividade, imanentes às máquinas e às práticas de uma sociedade de mercado, criam, como veremos, novas relações entre, por exemplo, imagem, valor social e desprezo moral.

Injunção da visibilidade, novas contradições

Se acho alguma coisa feia em mim, procuro expor para, de alguma forma, cuidar e superar. E para que outras pessoas com corpos imperfeitos se sintam vistos, se sintam de alguma forma representados, porque não tem graça um ambiente virtual só de corpos perfeitos e de vozes-padrão

IVAN BARON (2022)BARON, Ivan. (2022), "Veja quem é o 'Influenciador da Inclusão'", Estado de Minas, 22/07. https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2022/07/22/noticia-diversidade,1381978/ivan-baron-veja-quem-e-o-influenciador-da-inclusao.shtmll, consultado em 11/06/2023.
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Poderíamos, então, articular as duas ideias de visibilidade aqui discutidas – de autores tão distantes quanto Honneth e Foucault –, primeiramente pela constatação de que a luta das pessoas com deficiência por visibilidade participa da luta por reconhecimento, sendo sintoma de um processo histórico de invisibilização, que, nesse caso, é simultaneamente literal – porque, de fato, a história das pessoas com deficiência é marcada por confinamento significativo e sua ausência no espaço público – e simbólico, porque feito também pela distribuição e circulação de discursos, os imagéticos incluídos, que produzem desprezo social, relações patológicas intersubjetivas e sofrimento pessoal. Em segundo lugar pelo fato de que essa invisibilidade só se torna legível e possível no âmbito de um regime mais amplo de poder e saber que constitui suas condições de possibilidade e opera configurando os próprios sentidos – de visibilidade e invisibilidade.

Trata-se de pensar quais as perspectivas teóricas que possibilitam compreender o protagonismo atual do termo visibilidade nas reivindicações da pessoa com deficiência, sem deixar de considerar seus contornos contemporâneos, os sentidos que ele adquire no âmbito de uma sociedade em que visibilidade é dispositivo político, econômico e subjetivo fundamental no capitalismo tardio. E, assim, reconhecer a complexidade do problema para identificar que imagens e enunciados de fato trabalham para a formação de uma sociedade menos excludente e injusta, material e simbolicamente; que tipos de visualidade podem participar da formação de relações intersubjetivas com base no respeito mútuo e engendradas em lógicas de solidariedade social; que imagens configuram a visibilidade exigida pelos discursos das próprias pessoas com deficiência, mesmo que neles os entendimentos desse termo extrapolem as elaborações teóricas. Esses discursos nos dizem, aliás, que há um tipo de visibilidade que não parece ser enunciado a partir de um fundamento literal, exigindo interpretações para além de axiomas conceituais consolidados.

Tegan Vincent-Cooke (2020)VINCENT-COOKE, Tegan. (2020), "I see you, can you see me?". TEDxBristol. Publicado em 05/02. https://www.youtube.com/watch?v=bRWJQouDbsw, consultado em 20/05/2023.
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, americana tetraplégica diagnosticada com paralisia cerebral e distonia, aciona o problema da visibilidade ao interrogar seu público: “Você consegue me ver? Aposto que muitos de vocês estão pensando: ‘Bem, é claro, eu consigo ver você’, mas será que você realmente consegue me ver?”. Segundo Tegan, para que o público a veja, é necessário que haja um gesto para além da identificação, “pelo que ela é, além da deficiência: “o mais óbvio é que eu ando e falo de forma diferente da maioria de vocês […]. Sim, eu tenho uma deficiência, e sim, ela é um desafio […]. Dito isso, ela é apenas parte de mim. Não sou apenas minha deficiência […]. Estou vendo você e, agora, você pode me ver”. Ana Paula Oliveira (2023)OLIVEIRA, Ana Paula. (2023), "O dia que descobri que era 'deficiente', que eu era vista como 'deficiente'". Perfil do Instagram @elafazamissdela, postado no dia 16 de abril. https://www.instagram.com/p/CrGDbxsuNGw/, consultado em 4/12/2023.
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, única brasileira a disputar o Miss Mundo Cadeirante, também compartilha com seus seguidores do Instagram sua compreensão acerca de ser visível: “O dia que o cara que eu gostava ficou comigo a segunda vez, ele me puxou pra perto, me enlaçou nos seus braços me beijou em um beijo longo e quente. Disse olhando bem pertinho nos olhos: nem parece que você é deficiente […]. Eu percebi naquele instante que pra ficar, namorar, beijar, eu preciso primeiro de pessoas ao me redor que vejam além da deficiência, que vejam a mulher que eu sou e respeitem as minhas diferenças”.

Sem dúvida, os enunciados das pessoas com deficiência, sobretudo nas redes sociais, rompem a segregação produzida por narrativas proferidas por “outrem” – seja da medicina, psiquiatria, mídia, instituições filantrópicas e até de suas famílias. Trata-se de centenas de “perfis PcDs”, alguns de conteúdo mais político, outros simples canais de compartilhamento da vida privada, que vão aos poucos modificando a paisagem normativa dos corpos “normais”, “belos” ou “perfeitos”, como trata Baron na epígrafe deste segmento. Questionam, assim, os discursos hegemônicos – do cinema, da televisão, do jornalismo, das propagandas institucionais e mercadológicas, por exemplo –, que vão sendo forçados a abrir espaço para a presença das pessoas com deficiência no campo social, reconhecendo-as como parte fundamental da sociedade. Evidenciam, portanto, que a ampliação da circulação social da pessoa com deficiência passa, necessariamente, pela ocupação dos espaços midiáticos – cujo papel é central e inédito na sociabilidade contemporânea.

Notamos, no entanto, que tais narrativas participam também de um processo amplo em que a visibilidade não é mero sintoma de direitos assegurados, laços de reconhecimento ou vínculos sociais democráticos. Desejável por todos, verteu-se na “figurinha fácil” das empresas; apelo constante das nem tão novas tecnologias midiáticas; exigência das instituições; objeto de empenho de políticos e dirigentes supostamente demandados a, tanto quanto realizar ações, divulgá-las, tornando-as “visíveis”. Nesses contextos, a invisibilidade não aparece exatamente como violência decorrente dos esquemas de dominação e de hegemonia, mas como inabilidade de pessoas e instituições.

Não por acaso, ser visível parece ser uma espécie de capital conquistável por quem “investir” adequadamente; algo consumível porque comprável, avaliável metricamente, rastreável, modulável e passível de ser revigorado ilimitadamente (por quem manejar bem a vida). Segundo Sibilia (2008SIBILIA, Paula. (2008), O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira., p. 111), “há uma moral da visibilidade que instaura de maneira generalizada a premissa de que se ninguém vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista”. Os indivíduos contemporâneos, massiva e indiscriminadamente, passaram a “investir” seu tempo e sua emoção em fazer circularem, proliferarem e indexarem no mundo das telas grandes ou portáteis suas fotografias, seus vídeos, suas hashtags, qualquer marca que certifique sua existência. Debord (2000DEBORD, Guy. (2000), Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto., p. 12), aliás, muito antes das redes sociais, anuncia que o espetáculo se apresenta como positividade indiscutível, sol sem poente, que nada mais diz senão que “o que aparece é bom; o que é bom aparece”. As relações sociais, ele argumenta, passaram a ser mediadas por imagens – não quaisquer imagens, mas aquelas que materializam e intensificam relações contáveis com a vida. Na sociedade do espetáculo há, segundo Debord, indissociável vínculo entre os acúmulos (infinitos) de capital e imagens.

A adesão generalizada ao desejo de visibilidade seria, pontua Birman (2013BIRMAN, Joel. (2013), "Sou visto, logo existo: a visibilidade em questão". In: AUBERT, Nicole & HAROCHE, Claudine. Tiranias da visibilidade: o visível e o invisível nas sociedades contemporâneas. São Paulo, Editora FAP-Unifesp, pp. 47-62., p. 48), sintoma de alteração fundamental na tradição social e cultural, responsável por deslocar “um código de existência fundado na ideia de reconhecimento como valor essencial, para outro código, articulado, dessa vez em torno dos registros da presença e da visibilidade como valores fundamentais” (p. 49, grifos do autor). A questão que se impõe na vida contemporânea vincula-se justamente a essa “descontinuidade decisiva que leva o cogito a se centrar no registro da imagem e que impõe a injunção da visibilidade como critério definitivo de existência para o sujeito” (Idem, p. 53). Nesse contexto, o termo visibilidade se entrelaça, e às vezes se confunde, com o regime comunicacional e informacional, do qual as imagens são importante pilar, ganhando acepções específicas: como se só pudesse efetivar-se, necessária e, muitas vezes, exclusivamente, pela exposição desmesurada. Nesse duplo movimento, a existência social se torna equivalente à sua exibição, que parece carregar com ela também o sentido de reconhecimento social, agora, então, cada vez mais, reduzido ao campo de um visível exorbitante. A reciprocidade de olhares aqui é deslocada para tornar-se indispensável à hierarquização avaliativa própria da concorrência generalizada. Ser visto verte-se em “qualidade quantitativa” inerente aos rankings produtores de renovados processos de exclusão. As novas acepções, aliás, afastam a visibilidade da chance de ser uma espécie de direito de pertencimento ao pressuposto de direitos universais, para ser cada vez mais incremento ilimitado do sujeito empresarial12 12 . Segundo Dardot e Laval (2016), as sociedades neoliberais instauram uma rede de sanções, estímulos e comprometimentos que tem o efeito de produzir funcionamentos psíquicos de um novo tipo, um “devir-outro dos sujeitos”, para alcançar o objetivo de reorganizar completamente a sociedade, produzindo pessoas inteiramente imersas na competição mundial. “Sujeito empresarial”, “sujeito neoliberal”, “neossujeito” ou “empresário de si mesmo” denominam o indivíduo convocado a desejar o que se exige que ele cumpra e a nisso se engajar. A coerção econômica e financeira transforma-se, então, em autocoerção e autoculpabilização, já que somos os únicos responsáveis pelo que nos acontece, visto que as crises sociais são tomadas como crises existenciais. .

Como ficariam as invisibilidades nesse regime da superexposição? Como evitar que a pessoa com deficiência, uma vez levada ao regime do espetáculo, não se dilua na mera espetacularização, tornando-se mais uma moeda submetida ao capital? Que imagens, discursos e práticas são capazes de criar as brechas necessárias para que sejam afirmadas as formas de ver da pessoa com deficiência, suas maneiras de existir, sentir, pensar, introduzindo na paisagem neoliberal modos singulares de existência? Como a produção de imagens – veículo privilegiado de subjetivação neoliberal – pode ser potência de disrupção das invisibilidades sociais?

Algumas ponderações a título de breve e provisória conclusão: importante perceber como as dinâmicas desiguais que constituem esses lugares de aparição estão relacionadas hoje à imposição generalizada de sermos todos “visíveis”. Para que o imperativo de exposição permanente se institua, é necessário que seja configurado como economia móvel, sempre desigual, que exclui grupos e pessoas, mas, ao mesmo tempo, os faz girarem em torno dela. Ou seja, o regime de superexposição, sustentado pela experiência da “visibilidade” como capital e moeda neoliberal, vive de uma contradição inerente, já que precisa estar sempre incompleto, pressupondo que sejam de sua natureza uma forma ilimitada (sempre podemos nos tornar mais visíveis) e sua desigualdade (nem todos devem ser visíveis da mesma maneira). Assim, se, em geral, parece ser imposta, essa imperatividade, entretanto, pressupõe a manutenção de seu inverso: a invisibilidade de certos grupos sociais ou indivíduos, sem que o imperativo possa ser de fato realizável por todos, justamente para que ele se mantenha como desejo e motor. Sinônimo de pertencimento, inclusão e identidade, sua preservação pressupõe também processos de ocultamento de certos modos de vida.

Esse não é, contudo, o único aspecto paradoxal de uma sociedade que tem colocado a exposição e a visibilidade no centro de suas dinâmicas sociais e as instituído como eixo fundamental para a constituição das subjetividades contemporâneas. Manter desigual essa economia de aparição social não pressupõe apenas jogos de ausências e silêncios; demanda igualmente formas específicas de incorporação, maneiras de, tornando-os exibíveis, os submeter a certos parâmetros de desempenho, avaliação, superação, performance, concorrência e outras sujeições, normalmente mediante imagens compatíveis com racionalidades empresariais. Configuram-se, dessa maneira, maneiras próprias de controle, inerentes às dinâmicas do espetáculo, da avaliação contínua e da vigilância. Trata-se assim, cada vez mais, de reduzir os sentidos de uma visibilidade em sentido amplo ao regime do perceptível, do imagético ou do exibível – sem que necessariamente essa visibilidade se reflita em conquistas simbólicas, singularidades e multiplicidades, direitos e novas liberdades.

Nessa alteridade contemporânea das relações entre imagem, visibilidade e reconhecimento, a luta das pessoas com deficiência (e a de outros grupos sociais) se depara com novos desafios, pois não basta conquistar lugares no espaço do visível, é preciso criar semânticas distintas das impostas hegemonicamente, até pelo regime de imagens. A visibilidade depende também das formas pelas quais as imagens se fazem presentes – das lógicas que elas supõem, propõem e intensificam; depende dos engendramentos entre imagens e dos agenciamentos entre elas e outros elementos – como discursos, práticas, normas e leis. Depende das relações entre poder e resistência, saber e dizer, que juntos constituem as condições de possibilidade para os sentidos do visível em certa atualidade.

Essas são algumas das bases teóricas sobre as quais nossa pesquisa pretende avançar – compreendendo que, para a pessoa com deficiência ser de fato integrada socialmente como parte importante do que somos, é necessário que os sentidos dessas imagens que circulam socialmente reverberem reconhecimento, valorização social, inclusão e justiça social. Não basta a pessoa com deficiência ser vista – a forma de ver precisa diferir dos processos de controle, vigilância e das infinitas sujeições que ocorrem quando passamos a estar sob os holofotes do poder e do saber. A luta pela visibilidade não pode estar restrita à conquista de lugares “no espaço instituído do visível, conformando-se com as convenções semânticas impostas de maneira dominante” (Voirol, 2005VOIROL, O. (2005), "Les luttes pour la visibilite´. Esquisse d'une proble´matique". Re´seaux, 129-130 (1): 89-121. https://www.cairn.info/revue-reseaux1-2005-1-page-89.htm, consultado em 20/05/2023.
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, p. 115). É imperioso fazer com que a sociedade veja e ouça formas que rompam com as narrativas hegemônicas, responsáveis pelos atuais modos de subordinação e exclusão. Cabe, então, criar outros esquemas de interpretação, novas formas de dizer e fazer ver, linguagens que deem voz e rosto à multiplicidade do que somos nas muitas formas de habitar o corpo e a vida. Lançar novas peças para subverter, então, os atuais regimes de (in)visibilidade.

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  • SANTOS, Nathália. (2021), "Deficiência visual e maternidade: 'Eu não enxergo, mas é a sociedade que não me vê'". Gshow https://gshow.globo.com/programas/e-de-casa/noticia/nathalia-santos-fala-sobre-deficiencia-visual-e-maternidade-eu-nao-enxergo-mas-e-a-sociedade-que-nao-me-ve.ghtml, consultado em 11/06/2023.
    » https://gshow.globo.com/programas/e-de-casa/noticia/nathalia-santos-fala-sobre-deficiencia-visual-e-maternidade-eu-nao-enxergo-mas-e-a-sociedade-que-nao-me-ve.ghtml
  • SAVAGET, Isabella. (2022), "9 o Episódio: Daí minha paixão pela Dança". Vamos descomplicar juntos? Perfil TikTok @bellsavaget. 27/06. https://www.tiktok.com/@bellasavaget/video/7114051822305824006?q=descomplicar%20Isabella%20savaget@t=1679317109583, consultado em 05/06/2023.
    » https://www.tiktok.com/@bellasavaget/video/7114051822305824006?q=descomplicar%20Isabella%20savaget@t=1679317109583
  • SIBILIA, Paula. (2008), O show do eu: a intimidade como espetáculo Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
  • VINCENT-COOKE, Tegan. (2020), "I see you, can you see me?". TEDxBristol. Publicado em 05/02. https://www.youtube.com/watch?v=bRWJQouDbsw, consultado em 20/05/2023.
    » https://www.youtube.com/watch?v=bRWJQouDbsw
  • VOIROL, O. (2005), "Les luttes pour la visibilite´. Esquisse d'une proble´matique". Re´seaux, 129-130 (1): 89-121. https://www.cairn.info/revue-reseaux1-2005-1-page-89.htm, consultado em 20/05/2023.
    » https://www.cairn.info/revue-reseaux1-2005-1-page-89.htm
  • WETHE15. (2022), "Um movimento global de sensibilização para a deficiência cuja missão é transformar a vida de mil milhões de pessoas com deficiência em todo o mundo". https://www.google.com/search?client=safari&rls=en&q=WeThe15&ie=UTF-8&oe=UTF-8, consultado em 16/02/2023.
    » https://www.google.com/search?client=safari&rls=en&q=WeThe15&ie=UTF-8&oe=UTF-8
  • 1
    . Redigido pelas autoras, o artigo é fruto, entretanto, dos debates realizados com a professora Fátima Vidal e as pesquisadoras Mariana Barros, Evelyn Rodrigues, Clara Marinho e Sophia de Oliveira, equipe da pesquisa (In)visibilidades da pessoa com deficiência no regime contemporâneo de imagens, projeto de cooperação entre a Universidade de Brasília e a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes).
  • 2
    . Quarta maior rede social do mundo, criada na China em 2016, hoje com cerca 1,5 bilhão de usuários ativos. Para mais informações: https://infobase.com.br/infografico-tik-tok-rede-social-da-geracao.
  • 3
    . “Aquelas pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (Brasil, 2009BRASIL. (2009), “Decreto n. 6.949, de 25/08. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007”. Diário Oficial da União, Brasília, ano 146, n. 163, 26/08, pp. 3-9. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm, consultado em 05/03/2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 4
    . Propaganda do WETHE15 (2022)WETHE15. (2022), "Um movimento global de sensibilização para a deficiência cuja missão é transformar a vida de mil milhões de pessoas com deficiência em todo o mundo". https://www.google.com/search?client=safari&rls=en&q=WeThe15&ie=UTF-8&oe=UTF-8, consultado em 16/02/2023.
    https://www.google.com/search?client=saf...
    , “movimento global de direitos humanos que visa tornar visíveis as pessoas com deficiência, que representam 15% da população mundial”. Liderado pelo Comité Paralímpico Internacional e pela Aliança Internacional para a Deficiência, o WETHE15 reúne organizações internacionais do esporte, de direitos humanos, políticos, empresas, das artes e do entretenimento que trabalham pelas “mudanças a favor do maior grupo marginalizado do mundo”.
  • 5
    . Busca no Google, em 23 de junho de 2023, utilizando palavras-chave referentes a pessoa com deficiência, aponta, com os descritores “Instagram”, “perfil” e “PcD”, 583 mil resultados; com os descritores “Tiktok”, “perfil” e “PcD”, 131 mil resultados. Qualquer navegação pelas duas redes sociais evidencia o crescente número de perfis de pessoas com deficiência compartilhando seus cotidianos. Nesse primeiro momento da pesquisa nos interessou pensar se alguns desses perfis tratavam do tema da visibilidade explicitamente, que sentidos atribuíam ao ser invisível e ao ser visível, como acionavam a invisibilidade. Tratou-se, portanto, de etapa exploratória de análise dos enunciados publicados na rede.
  • 6
    . Professor de filosofia social na Universidade de Frankfurt, diretor do Instituto de Pesquisa Social desde maio de 2001. Considerado teórico da terceira geração da Escola de Frankfurt, desenvolve sua teoria do reconhecimento social a partir dos escritos de Hegel, para quem a reciprocidade seria condição essencial do reconhecimento social (cf. Honneth, 2003HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34., p. 121). Argumenta que os conflitos sociais atuais se baseiam em lutas pelo reconhecimento social, fundamentalmente vinculadas à própria ideia de autorreconhecimento (p. 273). Nessa e nas demais citações de textos em idiomas estrangeiros a tradução é nossa.
  • 7
    . Desde 2022 no âmbito do projeto de cooperação entre a UnB e a Fenapaes, sob coordenação de Cláudia Linhares Sanz e Fátima Vidal.
  • 8
    . Foucault usou termos referentes à visibilidade e ao olhar em muitos textos e cursos, para tratar de questões distintas, tanto em seu trabalho arqueológico quanto nas pesquisas mais genealógicas.
  • 9
    . Derivando do latim regimen, de regere, regime tem sentido de ação de dirigir, governar, reger (Houaiss). Na edição francesa do dicionário Larousse, há definições do termo aplicadas a campos diversos, por exemplo: “conjunto de instituições, procedimentos e práticas que caracterizam forma de organizar e exercer o poder”; “conjunto de disposições legais que regem a maneira pela qual alguém ou algo está sujeito a uma instituição”. Em meio às diferentes aplicações, encontramos duas ideias importantes: conjunto de elementos diferentes entre si, instalado em um certo campo, território ou período; tais elementos estão em relação. Regime, portanto, é uma “qualidade de relação” entre formas e forças que, articuladas, submetem e conduzem pessoas (ou objetos) a certo ritmo, padrão, limite, possibilidade, demarcação ou procedimento.
  • 10
    . Estima-se que o programa nazista Aktion T-4 exterminou cerca de um milhão de pessoas pelo fato de possuírem alguma deficiência (Enciclopédia do Holocausto).
  • 11
    . O vaticínio de Foucault (2019)FOUCAULT, Michel. (2019), Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes. de que a “visibilidade é a armadilha” foi realizado em Vigiar e punir, ao tratar do panóptico de vigilância como modelo generalizável para a sociedade disciplinar. O olhar está associado “a um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento do poder” (p. 181).
  • 12
    . Segundo Dardot e Laval (2016)DARDOT, Pierre & LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo., as sociedades neoliberais instauram uma rede de sanções, estímulos e comprometimentos que tem o efeito de produzir funcionamentos psíquicos de um novo tipo, um “devir-outro dos sujeitos”, para alcançar o objetivo de reorganizar completamente a sociedade, produzindo pessoas inteiramente imersas na competição mundial. “Sujeito empresarial”, “sujeito neoliberal”, “neossujeito” ou “empresário de si mesmo” denominam o indivíduo convocado a desejar o que se exige que ele cumpra e a nisso se engajar. A coerção econômica e financeira transforma-se, então, em autocoerção e autoculpabilização, já que somos os únicos responsáveis pelo que nos acontece, visto que as crises sociais são tomadas como crises existenciais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2023
  • Aceito
    04 Nov 2023
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