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Retratos da desigualdade socioeconômica em zonas especiais de interesse social

Portraits of socioeconomic inequality in special zones of social interest

Resumo

Este estudo objetiva analisar os retratos da desigualdade socioeconômica de três Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nos anos de 2010 e 2019. Para tal, foram coletados dados primários, qualitativos e quantitativos, e secundários de três ZEIS da cidade de Fortaleza-CE. Reconhecendo a necessidade de ampliação da análise da desigualdade para além dos rendimentos individuais, foram investigadas as infraestruturas de ativos físicos, humanos, sociais e ambientais presentes nas ZEIS. Os resultados revelam que a ausência de serviços públicos e a pobreza crônica presentes nas ZEIS alimentam um processo de manutenção de desigualdades. Ao longo da última década, observou-se um desarranjo na estrutura de oportunidades sociais, fruto da oferta deficitária de serviços essenciais, de empregos formais e do enfraquecimento dos vínculos sociais. Em conjunto, esses fatores ressaltam a manutenção de um estado de vulnerabilidade social dos moradores das ZEIS, especialmente para mulheres e pessoas com menor escolaridade. Políticas públicas voltadas às ZEIS devem integrar diferentes âmbitos e elementos sociais às demandas mais urgentes suscitadas pelas próprias comunidades para promover mudanças sociais significativas.

Palavras-chave:
Desigualdade; Acesso a serviços essenciais; Pobreza; Vínculos sociais; ZEIS

Abstract

This study aims to analyze the portraits of socio-economic inequality in three Special Zones of Social Interest (ZEIS) in the years 2010 and 2019. Data, both primary (qualitative and quantitative) and secondary, were collected from three ZEIS located in Fortaleza-CE. To provide a comprehensive analysis of inequality, the study also investigated the physical, human, social, and environmental aspects within these ZEIS. The findings indicated that the absence of public services and the persistent poverty within study ZEIS contribute to the perpetuation of inequalities. Over the past decade, there has been a deterioration in social opportunities due to inadequate access to essential services, limited formal employment opportunities, and weakening social connections. Consequently, the vulnerability of ZEIS residents has been perpetuated, with women and individuals with lower levels of education being particularly affected. To bring about meaningful social changes, public policies targeting ZEIS must encompass various aspects and prioritize the pressing needs identified by the communities themselves. This integration of different spheres and social elements is crucial for promoting significant improvements in these areas

Keywords:
Inequality; Access to essential services; Poverty; Social Connections; ZEIS

Introdução

Após longa e ampla luta popular, em 2009 foram instituídas as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em Fortaleza-CE (Fortaleza, 2023aFortaleza. Prefeitura Municipal. (2023a). Zonas especiais. Fortaleza: Prefeitura Municipal. Recuperado em 10 de junho de 2019, de https://zonasespeciais.fortaleza.ce.gov.br/sobre
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). De acordo com a Prefeitura de Fortaleza (2009, pFortaleza. Prefeitura Municipal. (2009). Lei Complementar nº 062, de 02 de fevereiro de 2009. Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza. Fortaleza: Diário Oficial do Município. Recuperado em 20 de dezembro de 2023, de https://urbanismoemeioambiente.fortaleza.ce.gov.br/images/urbanismo-e-meio-ambiente/infocidade/lei_complementar_n_062_2019_plano_diretor_participativo_do_municipio_de_fortaleza.pdf
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. 53), as ZEIS se caracterizam como “porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes”. Dentre outros objetivos, a iniciativa demarca geopoliticamente as áreas de maior vulnerabilidade da cidade, convocando ações públicas voltadas à redução da desigualdade de renda, ao acesso a serviços públicos essenciais e à inclusão socioeconômica.

As dificuldades associadas ao enfrentamento das desigualdades que assolam as ZEIS de Fortaleza se recrudescem ao se levar em consideração o contexto no qual a cidade está inserida. A região Nordeste tem sido historicamente negligenciada pelas políticas públicas federais de acesso a serviços essenciais, como educação, saúde, água encanada, saneamento básico e coleta de lixo (Arretche, 2019Arretche, M. (2019). The Geography of Access to Basic Services in Brazil. In M. Arretche (Ed.), Paths of inequality in Brazil: a half-century of changes (pp. 137-161). São Paulo: Springer.. http://doi.org/10.1007/978-3-319-78184-6_7.
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; Marques, 2019Marques, E. (2019). Housing and Urban Conditions in Brazil. In M. Arretche (Ed.), Paths of inequality in Brazil: a half-century of changes (pp. 163-181). São Paulo: Springer. http://doi.org/10.1007/978-3-319-78184-6_8.
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). Apesar da ampliação dos serviços públicos a partir dos anos 2000 na região, esta ainda necessita de uma expansão de infraestrutura vigorosa, capaz de proporcionar a universalização da cobertura e o acesso a serviços básicos (Arretche, 2019Arretche, M. (2019). The Geography of Access to Basic Services in Brazil. In M. Arretche (Ed.), Paths of inequality in Brazil: a half-century of changes (pp. 137-161). São Paulo: Springer.. http://doi.org/10.1007/978-3-319-78184-6_7.
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).

Não obstante ser considerada um aspecto importante, a literatura tem frequentemente recorrido à pobreza monetária para tratar de desigualdades (Souza, 2018Souza, M. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator (Fortaleza), 17, 1-19, http://doi.org/10.4215/rm2018.e17020.). Esse é o caso, por exemplo, das participações percentuais no total da renda (Scheidel, 2020Scheidel, W. (2020). Violência e história da desigualdade: da idade da pedra ao século XXI. Rio de Janeiro: Zahar.), no índice de Gini (Barbosa, 2019Barbosa, R. (2019). Estagnação desigual: desemprego, desalento, informalidade e a distribuição da renda do trabalho no período recente (2012-2019). Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Boletim do IPEA, 25(67), 59-70. Recuperado em 10 de janeiro de 2024, de http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9949/1/bmt_67_nt_estagnacao_desigual_de semprego.pdf
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) e na razão de pobreza (Souza, 2018Souza, M. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator (Fortaleza), 17, 1-19, http://doi.org/10.4215/rm2018.e17020.). Essa acepção está ainda mais presente na literatura em políticas públicas (Arretche, 2019Arretche, M. (2019). The Geography of Access to Basic Services in Brazil. In M. Arretche (Ed.), Paths of inequality in Brazil: a half-century of changes (pp. 137-161). São Paulo: Springer.. http://doi.org/10.1007/978-3-319-78184-6_7.
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). É importante destacar a necessidade de se considerarem conjuntamente tanto as limitações materiais quanto a ausência de serviços públicos básicos no escrutínio do tema. Ademais, a pobreza associada à ausência de infraestrutura e ao acesso a serviços públicos compõem os elementos centrais que constituem o conceito de desigualdade socioeconômica territorial1 1 Ausência de acesso da população a serviços-chave, como água potável, energia elétrica, cobertura de esgoto e coleta seletiva. O conceito releva aspectos que evidenciam a desigualdade da provisão pública de serviços básicos a grupos ou comunidades. (Arretche, 2019Arretche, M. (2019). The Geography of Access to Basic Services in Brazil. In M. Arretche (Ed.), Paths of inequality in Brazil: a half-century of changes (pp. 137-161). São Paulo: Springer.. http://doi.org/10.1007/978-3-319-78184-6_7.
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).

Inspirado na literatura de desenvolvimento humano (Narayan et al., 2000Narayan, D., Patel, R., Schafft, K., Rademacher, A., & Koch-Schulte, S. (2000). Voices of the poor: can anyone hear us? New York: Oxford University Press. http://doi.org/10.1596/0-1952-1601-6.
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; Sen, 2010Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.), Kaztman (1999)Kaztman, R. (1999). Activos y Estrutura de Oportunidades. Estudios sobre las raíces de la vulnerabilidad social en el Uruguay. Montevideo: PNUD. propôs um paradigma alternativo para se analisarem as desigualdades sociais em sociedades demarcadas por significativos vazios institucionais, como as cidades latino-americanas (ou Sul Global2 2 A abordagem teórica do Sul Global busca desafiar estruturas de poder, desigualdades e discursos hegemônicos que historicamente marginalizaram as regiões do sul, incluindo América Latina, África e Ásia. O Sul Global reivindica, portanto, uma posição epistêmica própria, dadas as suas relações espaciais e sociais próprias (Santos, 2010). ). O paradigma AVEO (Ativos, Vulnerabilidade e Estrutura de Oportunidades) permite compreender as disparidades e as iniquidades existentes considerando dois elementos interligados: i) os ativos disponíveis - recursos físicos, humanos, sociais e ambientais presentes na comunidade, e ii) a estrutura de oportunidades - instituições, políticas e condições que influenciam o acesso aos serviços básicos, ao emprego, à educação e aos demais elementos que promovem o desenvolvimento e a igualdade (Narayan & Petesch, 2007Narayan, D., & Petesch, P. (2007). Agency, opportunity structure and poverty escapes. In D. Narayan, & P. Petesch, (Eds.), Moving out of poverty (pp. 1-44). Washington: World Bank.). Sob o prisma do paradigma AVEO, é possível ter uma visão mais ampla das dinâmicas territoriais e buscar estratégias para melhorar as condições de vida das ZEIS.

Em sintonia com o paradigma AVEO, o Relatório do UN Habitat (2016)UN Habitat. (2016). World Cities Report 2016. Nairobi: UN Habitat. Recuperado em 11 de janeiro de 2024, de http://wcr. unhabitat.org/main-report/
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reafirmou a agenda urbana adotada em 1996, em que as cidades são centrais no alcance de um desenvolvimento sustentável e na construção de espaços seguros e inclusivos para resolução da pobreza urbana. Esse compromisso foi estabelecido conjuntamente com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em nível territorial, cujo intuito é fornecer contribuições diretas para o desenvolvimento de políticas públicas e, consequentemente, para o sucesso da própria Agenda 2030 (United Nations, 2019United Nations. (2019). The sustainable development goals report 2019. Recuperado em 10 de julho de 2019, de https://unstats.un.org/sdgs/report/2019/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2019.pdf
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). Tais objetivos são essenciais para o alcance de condições sociais, econômicas e ambientais dignas para a população, caracterizando-se como um conjunto objetivo e válido de metas capazes de nortear a elaboração de políticas públicas com foco no combate às desigualdades socioeconômica e territorial.

Considerando-se as perspectivas apresentadas, este estudo objetiva analisar os retratos da desigualdade socioeconômica de três Zonas Especiais de Interesse Social nos anos de 2010 e 2019. Guiando-se por esse objetivo, a pesquisa contribui ao realizar análises transversais nos cenários socioeconômicos das comunidades em 2010 e 2019, ao levantar o acesso a serviços públicos e as medidas emergenciais relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UN Habitat, 2016UN Habitat. (2016). World Cities Report 2016. Nairobi: UN Habitat. Recuperado em 11 de janeiro de 2024, de http://wcr. unhabitat.org/main-report/
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), além de analisar a atitude dos moradores ante empreendimentos coletivos e averiguar as distinções e desigualdades entre grupos populacionais distintos.

Referencial teórico

A vulnerabilidade social, enquanto aparato conceitual, tem sido debatida nos últimos anos com o intuito de se compreenderem os processos emergentes de desigualdades sociais (Souza, 2018Souza, M. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator (Fortaleza), 17, 1-19, http://doi.org/10.4215/rm2018.e17020.). Realçando que comunidades vulneráveis vivenciam uma imanente situação de risco, a noção de vulnerabilidade adquiriu um lugar de destaque no pensamento acadêmico recente ao abranger não apenas o fenômeno da pobreza, mas, igualmente, a exclusão e as desigualdades sociais. Associando a categoria de “risco” à reprodução das problemáticas da vida urbana, os estudos da CEPAL3 3 A CEPAL, uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas, foi fundada para contribuir para o desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo (CEPAL, 2023). sobre a vulnerabilidade social convergem em salientar a reprodução de desvantagens sociais pelo cerceamento de oportunidades ofertadas por diversos atores institucionais (Hogan & Marandola, 2006Hogan, D., & Marandola, E. (2006). Para uma concepção interdisciplinar da vulnerabilidade. In: J. Cunha (Org.), Novas Metrópoles Brasileiras (pp. 23-50). Campinas: Núcleo de Estudos de População.).

O Paradigma AVEO (Ativos, Vulnerabilidade e Estrutura de Oportunidades) desenvolvido por Kaztman (1999)Kaztman, R. (1999). Activos y Estrutura de Oportunidades. Estudios sobre las raíces de la vulnerabilidad social en el Uruguay. Montevideo: PNUD. se constitui como referência conceitual fundamental para uma melhor compreensão da vulnerabilidade associada às desvantagens sociais. Para o autor, a vulnerabilidade manifesta-se como um desarranjo entre os ativos pessoais e a estrutura de oportunidades sociais fomentadas por atores institucionais da sociedade. O quadro teórico-conceitual proposto pelo autor alia, por um lado, o grau de ajustes de ativos que podem ser mobilizados pelas famílias e, por outro, os requisitos de acesso às fontes de renovação e acumulação dos ativos necessários para as pessoas integrarem-se à sociedade (Kaztman & Filgueira, 2006Kaztman, R., & Filgueira, F. (2006). As normas como bem público e privado: reflexões nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades” (AVEO). In J. Cunha (Org.), Novas metrópoles brasileiras (pp. 67-94). Campinas: Núcleo de Estudos de População.). Nessa perspectiva, um desarranjo entre estrutura de oportunidades e os ativos pessoais ocasiona uma vulnerabilidade que prejudica o bem-estar de pessoas e comunidades.

No plano macrossocial, a estrutura de oportunidades de uma sociedade consiste no conjunto de fontes de ativos (acesso a bens e serviços) que incidem sobre o bem-estar dos domicílios. Conforme Kaztman (1999), aKaztman, R. (1999). Activos y Estrutura de Oportunidades. Estudios sobre las raíces de la vulnerabilidad social en el Uruguay. Montevideo: PNUD. (re)produção e a distribuição destes ativos entre os membros de uma sociedade surgem a partir do funcionamento de três atores fundamentais: i) o Estado, atuando como elemento estruturador, provedor (direto ou indireto) ou regulador das fontes de ativos; ii) o mercado, enquanto fluxo de produtos e bens, possibilitando o exercício das atividades de consumo, trabalho, rendimentos, entre outras, e iii) comunidades e sociedade civil, cujo papel consiste na formação de pontes e vínculos capazes de gerar capital social4 4 A abordagem prática de capital social, elaborada por Coleman (1988), privilegia as formas de obrigações, expectativas, informação e influência que facilitam a cooperação e a ação coletiva. Diferente da abordagem de Bourdieu, que explora como o capital social contribui para a reprodução social e as formas de distinção em várias esferas da vida, a abordagem de Coleman concentra-se em como as relações em si são capazes de gerar recursos adicionais aos atores sociais. . Cada um tem seu papel na formulação de ordens e valores institucionais que oferecem, em um determinado contexto sócio-histórico, oportunidades de acesso a recursos, facilidades econômicas e proteção social, sem as quais um indivíduo não pode participar de maneira ativa na vida social (Souza, 2018Souza, M. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator (Fortaleza), 17, 1-19, http://doi.org/10.4215/rm2018.e17020.). Sob essa ótica, tais estruturas não são capazes de serem modificadas pela ação isolada de indivíduos. Ao contrário, elas constituem-se enquanto fontes de acesso ou oportunidades para os indivíduos alcançarem o seu conjunto de ativos, dadas as suas preferências e capacidades (Narayan & Petesch, 2007Narayan, D., & Petesch, P. (2007). Agency, opportunity structure and poverty escapes. In D. Narayan, & P. Petesch, (Eds.), Moving out of poverty (pp. 1-44). Washington: World Bank.).

Em instâncias microssociais, o manejo dos ativos fica a cargo das famílias e dos indivíduos, os quais mobilizam e articulam seus recursos, de origem material e imaterial, para melhorarem seu bem-estar e tornarem-se menos vulneráveis. A par da dotação desses ativos, as pessoas buscam acessar uma ampla gama de bens e serviços, convertendo suas dotações por meio de trocas realizadas em sociedade (Sen, 2010Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.). Uma forma de visualizar esses ativos é exposta por Narayan et al. (2000)Narayan, D., Patel, R., Schafft, K., Rademacher, A., & Koch-Schulte, S. (2000). Voices of the poor: can anyone hear us? New York: Oxford University Press. http://doi.org/10.1596/0-1952-1601-6.
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, os quais apontam que vulnerabilidade e exposição ao risco de um indivíduo se devem à falta de ativos físicos, humanos, sociais e ambientais. Os ativos físicos referem-se aos recursos materiais tangíveis que podem ser utilizados para melhoria da qualidade de vida, como moradia adequada, infraestrutura básica e acesso à terra, aos meios de transporte e aos equipamentos de trabalho. Ativos humanos dizem respeito às habilidades, capacidades e conhecimentos individuais, que incluem educação, treinamento profissional e experiência de trabalho. Ativos sociais referem-se às redes e relações interpessoais capazes de gerar formas de capital social às famílias, o que inclui parentes, amizades, grupos comunitários, organizações não governamentais e associações. Por último, os ativos ambientais dizem respeito aos recursos naturais e ao ambiente em que as pessoas vivem, o que denota a inter-relação dos indivíduos com a natureza, a biodiversidade e outros recursos naturais.

Na esteira desse enfoque, é possível perceber que, primeiro, a mobilização dos ativos não pode ser realizada sem uma análise macrossocial das estruturas de oportunidade e, segundo, que a possibilidade de converter esses ativos em recursos econômicos está fortemente condicionada pela estrutura socioeconômica local (Kaztman & Filgueira, 2006Kaztman, R., & Filgueira, F. (2006). As normas como bem público e privado: reflexões nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades” (AVEO). In J. Cunha (Org.), Novas metrópoles brasileiras (pp. 67-94). Campinas: Núcleo de Estudos de População.). Nessa visão, os atores sociais possuem uma limitação em sua capacidade de agência de lidar com ambientes que passam por mudanças sociotécnicas, político-econômicas e ambientais (Holloway, Holt & Mills, 2019Holloway, S., Holt, L., & Mills, S. (2019). Questions of agency: capacity, subjectivity, spatiality and temporality. Progress in Human Geography, 43(3), 458-477. http://doi.org/10.1177/0309132518757654.
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). Nesse processo, a agência assume uma forma mais “limitada”, pois suas ações são mais uma questão de ajuste contínuo a uma situação em mudança do que de controle total sobre suas vidas (Langevang & Gough, 2009Langevang, T., & Gough, K. (2009). Surviving through movement: the mobility of urban youth in Ghana. Social & Cultural Geography, 10(7), 741-756. http://doi.org/10.1080/14649360903205116.
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). Dessa maneira, a escassa oferta de oportunidades sociais reduz ainda mais a capacidade dos indivíduos ou das famílias resolverem situações adversas ou de risco (Narayan & Petesch, 2007Narayan, D., & Petesch, P. (2007). Agency, opportunity structure and poverty escapes. In D. Narayan, & P. Petesch, (Eds.), Moving out of poverty (pp. 1-44). Washington: World Bank.).

Por conseguinte, as estruturas de oportunidades e a capacidade de agência dos indivíduos encontram-se em um contínuo processo de interação (Figura 1). Esse processo é bem delineado por Sen (2010)Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras. ao discernir sobre as rotas do bem-estar, as quais não estão sedimentadas apenas sobre o acúmulo de ativos, mas também na capacidade de os indivíduos acessarem e utilizarem estes ativos quando quiserem. Dentro da abordagem das capacidades, o bem-estar consiste na capacidade de conquistar ativos considerados valorativos, e não apenas em seus resultados pecuniários. Por exemplo, a capacidade de gerar rendimento, e não apenas o retorno financeiro desta atividade, confere ao indivíduo o direito de exercer de maneira plena seus funcionamentos dentro da sociedade, integrando-o aos circuitos econômicos e maximizando a probabilidade de alcançar uma realização pessoal ou uma vida mais digna. Nesse caso, os indivíduos atuam de modo a utilizar sua dotação de ativos pessoais em constante interação com as estruturas de oportunidades ofertadas na sociedade, pois a geração de novos ativos − como, por exemplo, expansão das instituições educacionais, ampliação de programas habitacionais, melhoria da infraestrutura urbana ou da rede de transportes − não é capaz de promover resultados transformativos per se (Sen, 2010Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.).

Figura 1
- Inter-relação das vulnerabilidades sociais associadas às desvantagens sociais. Fonte: Adaptado de Narayan & Petesch (2007)Narayan, D., & Petesch, P. (2007). Agency, opportunity structure and poverty escapes. In D. Narayan, & P. Petesch, (Eds.), Moving out of poverty (pp. 1-44). Washington: World Bank. e Kaztman & Filgueira (2006)Kaztman, R., & Filgueira, F. (2006). As normas como bem público e privado: reflexões nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades” (AVEO). In J. Cunha (Org.), Novas metrópoles brasileiras (pp. 67-94). Campinas: Núcleo de Estudos de População..

Essa interdependência é crucial para se compreender a vulnerabilidade social. O desajuste entre ativos e estruturas de oportunidades tem impacto direto no desenvolvimento da vida cotidiana das cidades, elevando as dificuldades dos indivíduos para se integrarem aos circuitos econômicos nas sociedades em que vivem. Davis (2015)Davis, M. (2015). Planeta favela. São Paulo: Boitempo Editorial., ao analisar a ecologia das favelas, identifica que esse processo de desajuste se agravou com a implantação de políticas de reestruturação neoliberal, ocorrida nas economias de “Terceiro Mundo”, a qual trouxe um novo padrão de relacionamento entre o cidadão e o Estado. Esse padrão se embasa em uma visão individualizante dos problemas sociais, pautando o modelo de desenvolvimento das cidades em defesa do mercado e da iniciativa privada. A queda do fornecimento de serviços públicos, o baixo crescimento do emprego formal e a demanda pelo empreendedorismo individual, dentre outros problemas, tornaram-se norma no cotidiano dos centros urbanos.

Investigações sobre a relação entre estruturas de oportunidades e a agência dos habitantes das cidades urbanas no Brasil são realizadas por Andrade & Mendonça (2010)Andrade, L., & Mendonça, J. (2010). Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais. Cadernos Metrópole, 12(23), 169-188. e Treuke (2020)Treuke, S. (2020). Structures of opportunity and constraints on socioeconomic integration in three segregated favelas of Salvador, Brazil. Latin American Research Review, 55(2), 227-241. http://doi.org/10.25222/larr.626.
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. Os autores observam que a ausência de oportunidades locais nos bairros impossibilita aos indivíduos alcançarem um processo de alavancagem do desenvolvimento individual e coletivo. A dificuldade dos habitantes de favelas em Salvador e em Belo Horizonte em conectarem seus ativos, aliada à escassa rede de infraestrutura e oportunidades de emprego, impossibilita que se vençam os entraves do contexto e promova-se um bem-estar social. Para Treuke (2020), aTreuke, S. (2020). Structures of opportunity and constraints on socioeconomic integration in three segregated favelas of Salvador, Brazil. Latin American Research Review, 55(2), 227-241. http://doi.org/10.25222/larr.626.
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escassez de oportunidades sociais pode ser atenuada com a proximidade a bairros de classe mais alta; todavia, este fato refreou apenas algumas das repercussões mais graves da pobreza, como a falta de emprego.

O impacto do desarranjo estrutura-ativos afeta, também, a maneira como as pessoas são capazes de enfrentar situações adversas. Por exemplo, Câmara et al. (2021)Câmara, S., Carvalho, H., Gerhard, F., Roberto, F., & De Paula, T. (2021). Vulnerabilidade socioeconômica da cidade de Fortaleza ao Covid-19: o epicentro da pandemia na Região Nordeste do Brasil. Caminhos de Geografia, 22(80), 133-152. http://doi.org/10.14393/RCG228054714.
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discorrem sobre como bairros da cidade de Fortaleza sofreram diferentes impactos sociais decorrentes do desarranjo de ativos e oportunidades sociais diante de instabilidades sociais e eventos situacionais, como a pandemia de Covid-19. Assim, enquanto os bairros ricos sofreram um alto choque econômico, ligado à queda da produção, as zonas mais pobres da cidade apresentaram destacado nível de vulnerabilidade social em decorrência do déficit no atendimento das necessidades básicas e da insuficiência dos programas de auxílio governamentais para socorro das famílias, intensificando ainda mais os impactos da pandemia.

Metodologia

O presente estudo foi originário da pesquisa realizada pela Universidade Estadual do Ceará para o Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF), conduzido pela prefeitura de Fortaleza entre os anos de 2019 e 2020. A pesquisa de campo ocorreu em três ZEIS da cidade de Fortaleza: i) Moura Brasil; ii) Lagamar, e iii) Pirambu. A coleta de dados ocorreu por meio de duas etapas. Na primeira etapa, foram levantados dados secundários com o objetivo de se elaborar um panorama dos contextos socioeconômicos da pesquisa nos anos de 2010 e 2019. Na segunda etapa, foram coletados dados primários no ano de 2019 por meio de duas abordagens: i) caminhada etnográfica; ii) survey. A coleta de dados primários teve como objetivo elaborar um retrato atualizado dos contextos de pesquisa, utilizando-se tanto informações de caráter qualitativo quanto dados quantitativos (Figura 2).

Figura 2
- Desenho metodológico. Fonte: elaborado pelos autores.

Contextos de pesquisa

As três ZEIS pesquisadas apresentam características sociais, econômicas e geográficas distintas. O que as aproxima, no entanto, é a presença de uma marcada vulnerabilidade socioeconômica, evidenciada pela presença de uma população empobrecida e de assentamentos precários. De acordo com os dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social, elaborado pela Prefeitura de Fortaleza (2023aFortaleza. Prefeitura Municipal. (2023a). Zonas especiais. Fortaleza: Prefeitura Municipal. Recuperado em 10 de junho de 2019, de https://zonasespeciais.fortaleza.ce.gov.br/sobre
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, 2023bFortaleza. Prefeitura Municipal. (2023b). População consolidada por bairro segundo a faixa etária. Fortaleza: Prefeitura Municipal. Recuperado em 10 de junho de 2019, de https://simda.sms.fortaleza.ce.gov.br/simda/populacao/faixa
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) em 2012, a área da poligonal da ZEIS Moura Brasil é de 131.167,02 m2, possui 4.152 habitantes e acolhe um assentamento precário. A área da poligonal da ZEIS Lagamar é de 483.941,29 m2, soma uma população estimada de 11.747 habitantes, está inserida em dois bairros e acolhe dois assentamentos precários. A poligonal da ZEIS Pirambu possui 2.824.381,78 m2, está inserida em três bairros da cidade de Fortaleza, possui uma população estimada de 80.857 habitantes e acolhe 29 assentamentos precários (Figura 3).

Figura 3
- Zonas Especiais de Interesse Social. Legenda: 1. ZEIS Pirambu; 2. ZEIS Moura Brasil; 3. ZEIS Lagamar. Em vermelho, as demais ZEIS de Fortaleza. Fonte: Plano Diretor de Fortaleza (Fortaleza, 2009Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2009). Lei Complementar nº 062, de 02 de fevereiro de 2009. Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza. Fortaleza: Diário Oficial do Município. Recuperado em 20 de dezembro de 2023, de https://urbanismoemeioambiente.fortaleza.ce.gov.br/images/urbanismo-e-meio-ambiente/infocidade/lei_complementar_n_062_2019_plano_diretor_participativo_do_municipio_de_fortaleza.pdf
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).

Em quase um século, entre os anos de 1887 e 1973, as condições de habitação precária em Fortaleza diminuíram de cerca de 30% para 20% (Pequeno & Freitas, 2012Pequeno, R., & Freitas, C. (2012). Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza. Cadernos Metrópole, 14(28), 485-505.). Na contramão desse processo, as áreas que correspondem à ZEIS Pirambu, considerada a maior favela de Fortaleza, à ZEIS Moura Brasil e à ZEIS Lagamar apresentaram um movimento inverso. Os três territórios tiveram um alto crescimento demográfico após as secas dos anos de 1877, 1915 e 1932 ocorridas no estado. Como consequência, milhares de retirantes buscaram uma nova chance de sobrevivência na capital. Nas primeiras grandes secas, as autoridades passaram a construir abarracamentos na periferia de Fortaleza para se receberem os flagelados (Farias, 2018Farias, A. (2018). História do Ceará (7. ed.). Fortaleza: Armazém Cultura.). A péssima estrutura desses locais acabou por gerar epidemias, especialmente de varíola, levando milhares de pessoas à morte. Décadas mais tarde, as autoridades passaram a prender e confinar os sertanejos em zonas de concentração, os chamados “currais”, sendo o mais famoso deles no território da atual ZEIS Moura Brasil (Ferreira, 2009Ferreira, L. (2009). Enxadas e compassos: seca, ciência e trabalho no sertão cearense (1915-1919) (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador.).

Coleta e análise de dados secundários

A fase de análise de dados secundários foi composta pela coleta de informações de plataformas e bases de dados provenientes de instituições governamentais de âmbitos municipal e federal. Os dados levantados serviram para construção de um retrato dos anos de 2010 e 2019 de cada um dos contextos econômicos apresentados pelas ZEIS. O levantamento e o exame das bases de dados de cada uma das dimensões socioeconômicas analisadas ocorreram durante os meses de agosto a novembro de 2019.

As principais bases de dados utilizadas foram: i) Censo do IBGE (Sistema IBGE De Recuperação Automática – SIDRA), realizado em 2010; ii) Dados da Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE) e do Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR), referentes ao ano de 2015. Como técnicas de análise de dados, foram utilizados módulos de estatística descritiva, teste t e Análise de Variância (ANOVA) (Hair et al., 2006Hair, J., Black, W., Babin, B., Anderson, R., & Tatham, R. (2006). Multivariate data analysis. Upper Saddle River: Pearson Prentice Hall.).

Coleta e Análise de Dados Primários

Contando com o suporte da comunidade local para o acesso ao campo, os pesquisadores realizaram visitas guiadas com os moradores da ZEIS para conhecer suas vivências e impressões cotidianas. Para tal, a caminhada etnográfica foi proposta como metodologia de pesquisa. A caminhada etnográfica supera a simples noção de passagem para alcançar a categoria de discurso (Certeau, 1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano: as artes do fazer. Petrópolis: Vozes.). Como tal, a caminhada organiza, em um traçado irregular, as práticas espaciais e históricas vividas no contexto dos territórios. Seguindo esses preceitos, a pesquisa buscou incorporar os múltiplos discursos presentes nas ZEIS para produzir um relato compartilhado do seu cotidiano. Nesse percurso, as pessoas e suas relações com a ZEIS foram ouvidas e seguidas, uma vez que foram elas as responsáveis por guiar os pesquisadores. O corpus de pesquisa compreendeu 25 páginas de registros obtidos por meio da observação sistemática, elaboração de notas de campo e entrevistas informais. As entradas em campo, bem como a compilação das informações levantadas, foram realizadas durante os meses de setembro a dezembro de 2019.

As informações coletadas nas caminhadas ajudaram a elaborar o instrumento de pesquisa quantitativo (Material Suplementar) e os seus protocolos de aplicação. Entre outubro e dezembro de 2019, um survey foi aplicado com os habitantes domiciliados em cada uma das ZEIS. Foram coletados 110 questionários na ZEIS Moura Brasil, 184 na ZEIS Lagamar e 201 na ZEIS Pirambu, totalizando 495 questionários aplicados. A amostra de pesquisa buscou contemplar os perfis das comunidades estudadas, levantados por meio da análise dos dados secundários. Para a obtenção da amostra da pesquisa, utilizou-se a técnica de amostragem não probabilística por conveniência (Hair et al., 2006Hair, J., Black, W., Babin, B., Anderson, R., & Tatham, R. (2006). Multivariate data analysis. Upper Saddle River: Pearson Prentice Hall.).

O instrumento de pesquisa foi constituído por seis seções, quais sejam: i) perfil socioeconômico; ii) ativos humanos – educação, experiências de trabalho e renda, relação com o contexto econômico da comunidade etc.; iii) escala ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa; iv) ativos produzidos e distribuídos pelo Estado – escala de avaliação dos equipamentos públicos; v) ativos sociais – escala de interesse em participar de negócios e empreendimentos coletivos; vi) ativos ambientas – escala de sustentabilidade baseada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (United Nations, 2019United Nations. (2019). The sustainable development goals report 2019. Recuperado em 10 de julho de 2019, de https://unstats.un.org/sdgs/report/2019/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2019.pdf
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). O instrumento foi previamente submetido a três experts da área. Para a finalização do questionário, foi realizado um pré-teste, aplicado a 20 respondentes. Foram realizadas melhorias de ordem e de linguagem para a versão final do questionário. Do mesmo modo, observou-se que quatro ODS (7, 9, 12 e 17) não foram bem compreendidos pelos participantes. Os quatro itens foram retirados da versão final. Devido às alterações implementadas, tais casos foram descartados.

Para a coleta de dados in loco, foram elaborados questionários on-line por meio do aplicativo Google Forms, cuja aplicação fora administrada pelos próprios pesquisadores por meio de celulares. Os pesquisadores foram acompanhados por lideranças locais durante a aplicação. Uma análise de missing values e outliers foi realizada, mas não foram identificados valores omissos ou anômalos. Foram utilizados módulos de estatística descritiva, teste t e ANOVA para análise dos dados coletados. As técnicas de análise estatística foram realizadas por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 26.0.

Análise dos resultados

Ativos físicos: infraestrutura, moradia e aparelhos públicos

A análise da infraestrutura das Zonas Especiais está associada à dimensão de ativos físicos proposta por Narayan et al. (2000)Narayan, D., Patel, R., Schafft, K., Rademacher, A., & Koch-Schulte, S. (2000). Voices of the poor: can anyone hear us? New York: Oxford University Press. http://doi.org/10.1596/0-1952-1601-6.
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. Os três territórios apresentam distinções e paralelismos relevantes em termos geomorfológicos, sociais, econômicos e de acesso a serviços públicos. Enquanto as ZEIS Moura Brasil e Pirambu são formadas por assentamentos que não estão em área de risco, a ZEIS do Lagamar é formada por assentamentos presentes em áreas passíveis de alagamento em virtude do canal que a transpassa. Quanto à infraestrutura local, nas ZEIS Moura Brasil e Lagamar, a cobertura da rede de abastecimento de água é total, enquanto na ZEIS Pirambu essa cobertura é parcial (Secretaria do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza – SDE, 2015Secretaria do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza – SDE. (2015). Recuperado em 20 de maio de 2019, de https://public.tableau.com/profile/secretaria.de.desenvolvimento.economico.sde#!/
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). Ao longo das caminhadas em regiões mais inacessíveis e com base nos diálogos com os moradores, os pesquisadores observaram, entretanto, que nas três ZEIS a rede de água não cobre todas as moradias.

A cobertura de esgoto também foi analisada. Especificamente em relação à ZEIS Moura Brasil, a prefeitura indica uma cobertura de saneamento total; no entanto, como foi constatado in loco, há áreas em que a população não conta com esse serviço básico. Situação similar foi reportada quanto à drenagem urbana. Os pesquisadores observaram que a cobertura indicada como parcial pelos órgãos governamentais é imprecisa, eclipsando graves problemas de cobertura de água e esgoto.

A carência na cobertura de esgoto acarreta a criação de muitas redes de esgotamento improvisadas, as quais desembocam diretamente no canal do Lagamar ou, no caso das demais ZEIS, nas ruas e vielas, sem nenhum tratamento. Isso se dá, de acordo com os moradores, por causa do alto custo do esgotamento cobrado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), o que impossibilita a adesão ao serviço por grande parte dos moradores. Quanto à coleta de lixo, ela é parcial nas três ZEIS e é realizada por meio de três modais de coleta: i) Porta a Porta; ii) Ponto de Entrega Voluntária de Resíduos Recicláveis (Ecopontos); iii) Coleta Especial Urbana (CEU).

De acordo com os dados da SDE (2015), aSecretaria do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza – SDE. (2015). Recuperado em 20 de maio de 2019, de https://public.tableau.com/profile/secretaria.de.desenvolvimento.economico.sde#!/
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cobertura elétrica, residencial e iluminação pública, é considerada total nas ZEIS Moura Brasil e Lagamar, ao passo que é classificada como parcial na ZEIS Pirambu. Mais uma vez, dados coletados diretamente do campo questionam as informações oficiais. Vielas presentes nas três ZEIS não possuem iluminação pública e o único acesso à energia é proveniente de ligações informais (‘gatos’), o que representa riscos constantes aos moradores devido à ausência de equipamentos adequados de instalação e à proximidade dos moradores com a fiação, numa convivência de risco iminente.

O aparelhamento público na ZEIS Moura Brasil corresponde a: duas escolas públicas, uma Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS), uma estação de tratamento de esgoto, um hidrante e quatro praças públicas. No bairro vizinho (Centro), a cerca de 100 metros do acesso ocidental da ZEIS, encontram-se duas estações de metrô (Metrô Oeste e Metro Sul), um terminal de ônibus, uma Santa Casa de Misericórdia e um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Quanto ao aparelhamento público presente nos bairros nos quais se encontra a ZEIS Lagamar, contabilizam-se: sete escolas públicas, duas creches, uma UAPS, um CRAS e uma casa de abrigo. Especificamente na poligonal, a ZEIS Lagamar conta com uma praça pública e com um conjunto de empreendimentos sociais desenvolvidas por uma ONG. Quanto ao aparelhamento público da ZEIS Pirambu e do seu entorno, existem, ao todo, 18 escolas públicas, dentre as quais dois Centros Educacionais Infantis (CEI) e outras duas Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP), cinco UAPS e dois CRAS, além de serem próximos de outros equipamentos públicos, como Casas de Abrigo, Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca) e praças públicas. Do mesmo modo, a ZEIS conta com um conjunto de programas e empreendimentos sociais, como a Academia na Comunidade, Atleta Cidadão, Pirambu Digital dentre outros.

Após os primeiros meses de caminhadas e diálogos, a percepção dos pesquisadores era de que, apesar dos contornos de pobreza refletidos nos dados oficiais, uma camada significante da população vivia em situação ainda mais degradante do que o esperado. Ao longo das vielas apertadas da ZEIS Moura Brasil, que mais serviam de córregos a céu aberto do que via de passagem, camadas significativas de moradores vulneráveis viviam na pele uma realidade pungente, difícil de se conjecturar por meio dos registros estatísticos. Essa percepção se acentuou especialmente na ZEIS Moura Brasil, ao observarmos uma dinâmica intensa de pessoas sem residência que se acomodam em instalações improvisadas na rua de acesso à ZEIS. “Quando conseguimos algum trocado durante o dia no Centro [referindo-se ao centro comercial da cidade], alugamos uma cama por R$ 10,00 a noite [...] Quando não dá, dormimos na rua” (Notas de Campo, Morador da ZEIS Moura Brasil, 02/11/2019, p. 15). Ao nos relatar um pouco da sua história, revelando que veio de uma cidade do interior do estado buscar emprego, o morador nos sinalizou que sua situação era melhor do que a de muitas pessoas, apontando para um grande contingente de pessoas em condição de rua. A via de acesso à ZEIS Moura Brasil era chamada entre os moradores de “Cracolândia”.

A situação de moradia é agravada por outro fator cuja influência pode ser verificada nas três ZEIS. Ao nos reunirmos com os moradores e lideranças locais, nos foi relatado que muitos habitantes das ZEIS não seriam beneficiados pela proposta de regularização fundiária (objetivo central do projeto PIRF), uma vez que eles moravam ali de aluguel. Os proprietários geralmente não residiam nas ZEIS. A dificuldade para algumas famílias realizar os pagamentos dos aluguéis e as condições de insalubridade das residências os conduzem a uma situação de extrema insegurança de moradia. “Temos que agradecer por ter um teto para morar, porque muitos nem têm. Mas se for pra dar o papel pra alguém tem que ser pra família que mora, não pro proprietário da casa” (Notas de Campo, Morador da ZEIS Pirambu, 09/11/2019, p. 23). Entraves à regulamentação fundiária das ZEIS, associados à propriedade privada da terra, também são apontados por Brasil (2021)Brasil, A. (2021). Os conflitos pelo Direito à Cidade em Fortaleza: disputas entre a visão estratégica da cidade e a regulamentação das ZEIS. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 13, e20200341. http://doi.org/10.1590/2175-3369.013.e20200341.
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.

Ao se analisar a infraestrutura local, os relatos dos moradores mais uma vez contrastam com as informações presentes nas bases de dados públicas. Diversamente do que os relatórios oficiais indicam como uma infraestrutura parcial ou total, os moradores revelam deficiências no saneamento, na pavimentação e nos demais serviços públicos. A Tabela 1 apresenta a avaliação da estrutura pública em cada uma das ZEIS pelos respondentes da pesquisa, auferida a partir de uma escala de três pontos (baixo, médio e alto).

Tabela 1
- Estrutura dos serviços e equipamentos públicos (2019)

Com relação aos ativos físicos em nível familiar, adicionalmente, foram formuladas questões sobre acesso à informação e à quantidade de bens domésticos (Tabela 2). Os bens pessoais ou domésticos são ativos importantes que não apenas sinalizam a concretização da melhoria de renda, mas também por se constituírem como a única fonte tangível de poupança de famílias menos abastadas (Narayan et al., 2000, pNarayan, D., Patel, R., Schafft, K., Rademacher, A., & Koch-Schulte, S. (2000). Voices of the poor: can anyone hear us? New York: Oxford University Press. http://doi.org/10.1596/0-1952-1601-6.
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. 51).

Tabela 2
- Acesso à informação e bens domésticos (2019)

Como revela a tabela, a grande maioria dos respondentes indicou possuir acesso à internet em casa, via wi-fi (84,4%), ou fora de casa, 3G ou 4G (62,8%). Quanto à quantidade de bens no domicílio, a maioria indicou possuir celular (92,7%) e computadores (58,4%). Por outro lado, a maioria indicou não possuir automóveis (63,4%). Ao se analisar a influência das variáveis sociodemográficas sobre a posse desses bens, apenas a diferença de escolaridade apresentou uma relação positiva e significante com a posse de computadores nas três ZEIS (p<0,01).

Ativos humanos: educação, emprego e renda

A avaliação dos ativos humanos das ZEIS tem como limitação a ausência de dados do Censo de 2010 específicos das três poligonais. A avaliação da educação, do emprego e da renda, portanto, foi realizada utilizando-se um recorte transversal, com base nos dados do survey realizado em 2019 (Tabela 3).

Tabela 3
- Escolaridade (2019)

A escolaridade revela uma situação preocupante nas três ZEIS. Cerca de 44% dos respondentes revelaram não ter finalizado o Ensino Médio. A importância da formação educacional da população se encontra, dentre outros fatores, na sua comprovada relação com o alcance dos potenciais individuais e o incremento de renda (Sen, 2010Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.). A escolaridade é comumente destacada como um pilar indispensável ao processo de consolidação da liberdade individual, a qual está associada à redução das privações econômicas e ao desenvolvimento local. Essa relação também foi verificada na amostra. Indivíduos com acesso a níveis mais elevados de escolaridade apresentaram maiores níveis de renda nas três ZEIS (p<0,05).

Especificamente em relação à renda dos moradores das ZEIS, os dados da pesquisa (Tabela 4) relevam diferenças de renda entre a ZEIS Moura Brasil e as demais (p<0,05). No entanto, a média do rendimento per capita mensal nas três ZEIS apresentam valores que revelam a situação de vulnerabilidade econômica de seus moradores (Moura Brasil: 0,47 SM; Lagamar: 0,58 SM; Pirambu: 0,60 SM).

Tabela 4
- Rendimento domiciliar e per capita mensal (2019)

Ao se analisar a média salarial per capita do bairro Moura Brasil, observa-se uma redução da renda dos moradores. De acordo com o Censo de 2010, a renda corrigida para 2019 seria de R$ 754,41, superior à renda de R$ 470,50 identificada no survey. Similarmente, no bairro Pirambu, a renda per capita corrigida para 2019 seria de R$ 652,70, ao passo que o survey revelou uma renda de R$ 598,00. Esses resultados indicam que não houve um crescimento em termos reais da renda per capita dos moradores da ZEIS, revelando, ao contrário, uma perda de poder de compra generalizado da população. Esse fenômeno pode ser justificado como reflexo da crise econômica brasileira de 2015, a qual ocasionou uma queda na renda média de 21,4% da população mais pobre entre os anos de 2015 e 2019 (Barbosa, 2019Barbosa, R. (2019). Estagnação desigual: desemprego, desalento, informalidade e a distribuição da renda do trabalho no período recente (2012-2019). Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Boletim do IPEA, 25(67), 59-70. Recuperado em 10 de janeiro de 2024, de http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9949/1/bmt_67_nt_estagnacao_desigual_de semprego.pdf
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; Neri, 2022Neri, M. (2022). Mapa da nova pobreza. Rio de Janeiro: FGV Social.). Ao se analisar a dinâmica da renda no território de Fortaleza, observa-se um distanciamento dos indicadores da renda per capita entre as ZEIS e o município, pois este último registrou um crescimento acumulado de 20,4% da renda per capita entre os anos de 2015 e 2019, alcançando o valor de R$ 1.617,00 no último ano (IPECE, 2021Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE. (2021). Indicadores Sociais do Ceará 2019. Fortaleza: IPECE. Recuperado em 10 de janeiro de 2024, de https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2022/04/Indicadores_Sociais_2019_.pdf
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).

Pessoas em situação de vulnerabilidade econômica são as mais afetadas por choques de oferta no preço dos bens de consumo básico, uma vez que a alimentação possui maior relevância no orçamento familiar. A condição de vida dos moradores das ZEIS certamente foi prejudicada em decorrência da queda da renda real disponível para o consumo de itens básicos. Portanto, os resultados encontrados podem ser atribuídos à redução no valor da renda per capita dos últimos anos no Brasil, em especial nos estados nordestinos. Essa redução afeta fortemente os lares mais pobres, os quais sofrem com a falta de empregos formais e dependem de auxílios governamentais para lidar com as depressões econômicas.

Os dados também demonstraram disparidades de rendimento entre os gêneros. Homens possuem rendimento significativamente superior ao das mulheres nas ZEIS Moura Brasil e Pirambu (p<0,05). No caso da ZEIS Moura Brasil, a renda das mulheres é de cerca de 52% inferior (homens: R$ 594,2; mulheres: R$ 391,1). No caso da ZEIS Pirambu, essa diferença é de cerca de 22%. Como já demonstravam os dados do censo do IBGE em 2010 (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de maio de 2023, de http://censo2010.ibge.gov.br
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), os homens continuam a ganhar mais que as mulheres. O agravante no caso atual é a diminuição generalizada do poder de compra dos moradores locais, o qual tem um efeito potencial superior sobre os grupos economicamente mais vulneráveis.

Os indícios de empobrecimento generalizado das ZEIS são reforçados pelos dados referentes ao perfil de emprego de seus moradores. O espectro da informalidade está presente em boa parte do cotidiano de trabalho destes moradores, como revela a Tabela 5. Enquanto 48% dos respondentes informaram realizar trabalhos informais na ZEIS Moura Brasil, 43% dos moradores da ZEIS Lagamar desempenham algum trabalho informal. Esse valor cai para 28% na ZEIS Pirambu. A título de comparação, o percentual de trabalhadores informais no município de Fortaleza, em 2019, fora de 24,5% da população ocupada (IPECE, 2021Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE. (2021). Indicadores Sociais do Ceará 2019. Fortaleza: IPECE. Recuperado em 10 de janeiro de 2024, de https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2022/04/Indicadores_Sociais_2019_.pdf
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).

Tabela 5
- Perfil dos vínculos empregatícios (2019)

Ao se observar a interação dos moradores das ZEIS com o mercado de trabalho, nota-se que a produção de empregos formais se encontra, em grande medida, em espaços dominados pelos circuitos superiores da economia urbana, sediados em bairros de alta renda da cidade. Essa constatação coaduna com a perspectiva de Santos (1978)Santos, M. (1978). O Espaço Dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves. sobre as relações de produção da economia urbana. Nessa perspectiva, as ZEIS caracterizam-se por fornecer mão de obra para o abastecimento de atividades do circuito superior, especialmente o comércio. Esses achados assemelham-se aos resultados de Treuke (2020Treuke, S. (2020). Structures of opportunity and constraints on socioeconomic integration in three segregated favelas of Salvador, Brazil. Latin American Research Review, 55(2), 227-241. http://doi.org/10.25222/larr.626.
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), o qual observa que a escassa estrutura de oportunidade no mercado de trabalho dentro do próprio território das comunidades afeta a capacidade de mobilidade social dos seus moradores.

A organização informal da economia local é reforçada pela falta de inclusão dos moradores nos principais empreendimentos dos bairros adjacentes mais abastados. Essa dificuldade de integração no mercado os empurra em direção a empreendimentos de sobrevivência no próprio local (Davis, 2015Davis, M. (2015). Planeta favela. São Paulo: Boitempo Editorial.). Do mesmo modo, a baixa escolaridade dos moradores e a elevada quantidade de pessoas sem trabalho e estudo reforçam a alternativa do mercado informal como meio de vida. Os empreendimentos dos moradores são, em geral, orientados à subsistência ou guiados pela ocupação da “economia das brechas”, voltada à satisfação das demandas da própria comunidade não atendidas pelo mercado formal.

Comparando-se a renda de trabalhadores em circuitos formais e informais, observa-se que pessoas em condição de trabalho formalizada apresentam níveis salariais mais elevados (p<0,05). Em grande medida, as atividades desempenhadas pelos respondentes que trabalham de modo informal abrangem áreas que exigem baixa qualificação, em especial vendedor ambulante, flanelinha e catador de lixo. No entanto, outras profissões que exigem nível mais elevado de capacitação foram apontadas pelos moradores, como confecção, comércio, marcenaria e mecânica, porém com rendimentos ainda aquém dos auferidos pelos trabalhos formais.

Ativos sociais: cooperação e solidariedade

Concernente às relações sociais fomentadas nas ZEIS, foram levantadas informações sobre a orientação dos respondentes a negócios coletivos e a solidariedade nas comunidades. Nos três contextos de pesquisa, os moradores apresentaram baixo interesse no engajamento em atividades comunitárias. Analisando a orientação dos respondentes a negócios coletivos, eles indicaram preferir ajudar as pessoas da comunidade informalmente (item 1) do que participar de negócios coletivos (itens 1 e 3) (p<0,001). Devido ao histórico de lutas sociais, esperava-se que as ZEIS se manifestassem como uma base territorial fértil para articulação dos interesses coletivos dos residentes. No entanto, o que se observa é uma maior dificuldade das comunidades operarem como fontes de capital social aos seus moradores.

Os discursos dos moradores em conversas informais revelaram uma potencial solidariedade. Falas, como: ‘Ajudo como posso’, ‘Se um vizinho meu me pedir algo é claro que vou ajudar’, ‘A gente aqui se ajuda como pode’, estão sempre presentes nos diálogos com os moradores” (Notas de Campo, 05/11/2019, p. 19). Porém, essa solidariedade não se articula de forma coletiva, uma vez que se expressa apenas de maneira individualizada e pontual, não se organizando em redes de auxílio e solidariedade mútua de maneira perene. É possível concluir que os respondentes preferem ajudar vizinhos e colegas informalmente do que ter negócios coletivos entre si. As conversas informais também revelaram que a principal razão comentada para essa atitude foi a desconfiança, especialmente relacionada a questões financeiras. Esse esfacelamento da confiança interpessoal tem sido observado pela literatura (Kaztman & Filgueira, 2006Kaztman, R., & Filgueira, F. (2006). As normas como bem público e privado: reflexões nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades” (AVEO). In J. Cunha (Org.), Novas metrópoles brasileiras (pp. 67-94). Campinas: Núcleo de Estudos de População.; Davis, 2015Davis, M. (2015). Planeta favela. São Paulo: Boitempo Editorial.).

Os resultados dos testes estatísticos revelaram não haver relação significante entre a orientação a negócios coletivos e as variáveis socioeconômicas nas três ZEIS conjuntamente (i.e., sexo, idade, escolaridade e renda). Todavia, essa orientação ainda pode ser verificada em grupos específicos. Pessoas com maior nível de escolaridade nas ZEIS Pirambu declararam possuir maior interesse em participar de negócios coletivos (p<0,05), ao passo que indivíduos mais jovens (até 30 anos) apresentaram uma atitude a negócios coletivos superior às demais faixas etárias (p<0,05).

Ativos ambientais: objetivos de desenvolvimento sustentável

De acordo a UN Habitat (2016)UN Habitat. (2016). World Cities Report 2016. Nairobi: UN Habitat. Recuperado em 11 de janeiro de 2024, de http://wcr. unhabitat.org/main-report/
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, as cidades são centrais no alcance de um desenvolvimento sustentável que possibilite a construção de espaços inclusivos e seguros para a resolução da pobreza e das desigualdades sociais. A ideia do fomento a uma cidade mais inclusiva é um motivador para políticas que levem em consideração as necessidades contemporâneas de desenvolvimento sustentável, contribuindo, igualmente, para a qualidade de vida dos cidadãos.

Para análise dos ativos ecológicos das três ZEIS, foram incluídos no instrumento de pesquisa os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis mais adequados às realidades locais (Tabela 6). Com efeito, os 13 ODS remanescentes após o pré-teste foram dispostos na forma de medidas de sustentabilidade para análise de urgência de acordo com a opinião dos próprios moradores das ZEIS (1 - Urgente; 2 - Muito urgente; 3 - Extremamente urgente).

Tabela 6
- Medidas de Sustentabilidade (2019)

Analisadas conjuntamente, as medidas apontadas como mais urgentes para os moradores das ZEIS foram: i) Ter Acesso a Saúde de Qualidade; ii) Ter Trabalho Digno e Crescimento Econômico; iii) Erradicar a Pobreza; iv) Ter Educação de Qualidade; v) Erradicar a Fome. De fato, as dimensões que demandam mais urgência para os moradores se caracterizam como requisitos básicos para uma condição de vida adequada. São condições fundamentais de alívio da pobreza, sem as quais se prejudica qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico e social. A cobertura das dimensões retratadas não prescinde de uma atuação pública efetiva.

A priorização de objetivos de sustentabilidade ligados à própria subsistência ressalta a existência de um contexto de oportunidades socioeconômicas escassas percebidas pelos próprios moradores. Do mesmo modo, coadunam com os resultados apresentados nos demais ativos, especialmente os físicos e humanos. Os dados revelam, portanto, a necessidade de ações públicas que contemplem os campos considerados prioritários. Na direção contrária do que os resultados demonstram, constata-se uma clara disfunção institucional, a qual prejudica, inclusive, o desenvolvimento socioeconômico local.

Conclusões

Ao se considerar conjuntamente a histórica ausência de serviços públicos e a pobreza crônica presente nas ZEIS, presencia-se um contexto que desfavorece a mobilidade social de seus habitantes, promovendo o isolamento dessas comunidades do restante da cidade. A consequência inevitável dessa ausência foi a manutenção de um estado de pobreza generalizada da população das três ZEIS em 2019.

Apesar de se tratar de contextos socioeconômicos distintos e com características históricas particulares, as três ZEIS compartilham elementos em comum. Primeiramente, os dados primários coletados in loco reforçam a situação de vulnerabilidade previamente retratada nos dados oficiais. Adicionalmente, os dados primários coletados na pesquisa, qualitativos e quantitativos, levantam nuances complementares às análises de dados secundários. Em segundo lugar, parece haver um desarranjo na estrutura de oportunidades sociais e de ativos acessados pelos moradores dessas comunidades. A baixa oferta de serviços essenciais pelo Estado, a baixa oferta de emprego pelo mercado de trabalho e o esfacelamento dos vínculos sociais com a comunidade atuam como barreiras para os indivíduos construírem, conjuntamente, seus ativos físicos, humanos, sociais e ambientais. O resultado é a elevação de vulnerabilidades sociais das famílias. Além disso, evidencia-se uma dissonância das políticas públicas nesses contextos, para os quais as demandas mais urgentes da população não são relevadas. Por fim, foi possível constatar que a desigualdade afeta grupos sociais de formas distintas, sendo mais grave para mulheres e indivíduos com escolaridade mais baixa.

Como limitações de pesquisa, ressalta-se a ausência de análises ligadas aos Indicadores de Desenvolvimento Humano (educação, longevidade e renda). Do mesmo modo, análises do índice GINI poderiam trazer contribuições adicionais sobre a desigualdade. Ressalta-se, no entanto, que o próprio índice GINI apresenta limitações na captação de nuances presentes em territórios marcados pela vulnerabilidade. Nesses contextos, a coleta sistemática de dados primários, qualitativos e quantitativos, se caracteriza como uma estratégia de pesquisa profícua para um entendimento mais profundo da vulnerabilidade e seus efeitos. Por fim, pesquisas futuras podem trazer novas reflexões acerca da vulnerabilidade social ao se deterem em análises aprofundadas sobre as distinções entre gêneros e raças, averiguando como essas questões podem estar associadas à produção de novos desarranjos entre as oportunidades sociais e a capacidade de agência dos indivíduos.

Declaração de disponibilidade de dados

O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.QI1VCI

  • 1
    Ausência de acesso da população a serviços-chave, como água potável, energia elétrica, cobertura de esgoto e coleta seletiva. O conceito releva aspectos que evidenciam a desigualdade da provisão pública de serviços básicos a grupos ou comunidades.
  • 2
    A abordagem teórica do Sul Global busca desafiar estruturas de poder, desigualdades e discursos hegemônicos que historicamente marginalizaram as regiões do sul, incluindo América Latina, África e Ásia. O Sul Global reivindica, portanto, uma posição epistêmica própria, dadas as suas relações espaciais e sociais próprias (Santos, 2010).
  • 3
    A CEPAL, uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas, foi fundada para contribuir para o desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo (CEPAL, 2023Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL. (2023). Sobre. Santiago de Chile: CEPAL. Recuperado em 20 de dezembro de 2023, de https://www.cepal.org/pt-br/sobre
    https://www.cepal.org/pt-br/sobre...
    ).
  • 4
    A abordagem prática de capital social, elaborada por Coleman (1988)Coleman, J. (1988). Social capital in the creation of human capital. American Journal of Sociology, 94, 95-120. http://doi.org/10.1086/228943.
    http://doi.org/10.1086/228943...
    , privilegia as formas de obrigações, expectativas, informação e influência que facilitam a cooperação e a ação coletiva. Diferente da abordagem de Bourdieu, que explora como o capital social contribui para a reprodução social e as formas de distinção em várias esferas da vida, a abordagem de Coleman concentra-se em como as relações em si são capazes de gerar recursos adicionais aos atores sociais.
  • Como citar: Gerhard, F., De Paula, T. M., Carvalho, H. J. B., Câmara, S. F., & Souza, L. L. F. (2024). Retratos da desigualdade socioeconômica em zonas especiais de interesse social. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v.16, e20230248. https://doi.org/10.1590/2175-3369.016.e20230248

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Seção Especial: Desigualdades Urbanas e Segregação (Editoras convidadas: Joana Barros, Agnes Silva de Araujo, Flavia F Feitosa)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2023
  • Aceito
    20 Maio 2024
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