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A ISONOMIA NA TRIBUTAÇÃO EM PROJETOS DE REURB-S

Resumo

Se, nas cidades do Sul global, a regularização fundiária e urbanística é urgente, o mesmo pode ser dito sobre o tratamento tributário dispensado aos beneficiários dos projetos de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (Reurb-S). Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo principal propor um modelo de política tributária municipal sensível à condição daqueles historicamente “invisibilizados” das urbes brasileiras. A metodologia baseou-se em pesquisa qualitativa exploratória, necessária para expor as bases e as informações que viabilizem chegar ao resultado. A partir de uma revisão bibliográfica e documental, foi possível criar o alicerce à proposta de política fiscal sensível à subjetividade da população vulnerável que habita áreas de Reurb-S. Após o desenvolvimento da pesquisa, percebeu-se que, por meio de um arrojado esforço exegético, é viável interconectar o Direito Constitucional-Tributário com o plexo normativo do Direito Urbano-Ambiental, concluindo-se que, com base nos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e receptiva dos contribuintes dos tributos municipais e do mínimo existencial, existem fundamentos normativos e principiológicos que viabilizam a elaboração de regras de tributação capazes de promover justiça tributária e socioespacial sensível à população vulnerável que habita as parcelas da “cidade informal”.

Palavras-chave:
capacidade contributiva; isonomia tributária; justiça socioespacial; Reurb-S; tributação municipal

Abstract

If land and urban regularization is urgent in the cities of the global South, the same can be said about the tax treatment given to the beneficiaries of Urban Land Regularization of Social Interest (Reurb-S) projects. In this sense, the main goal of this research is to propose a model of municipal tax policy that is sensitive to the condition of those historically “invisible” in Brazilian cities. The methodology was based on exploratory qualitative research, which is necessary to lay the foundations and information that will allow us to arrive at the result. From a bibliographic and documentary review, it was possible to lay the foundations for a fiscal policy proposal that is sensitive to the subjectivity of the vulnerable population that lives in Reurb-S areas. After carrying out the research, we observed that, with a bold exegetical effort, it is feasible to interconnect constitutional tax law with the normative plexus of urban-environmental law, concluding that, based on the principles of tax isonomy, of contributory and receptive capacity of municipal tax payers and the existential minimum, there are normative and principled foundations that make it feasible to implement taxation rules that promote tax and socio-spatial justice that is sensitive to the vulnerable population that inhabit parts of the informal city.

Keywords:
contributive capacity; municipal taxation; Reurb-S; socio-spatial justice; tax equality

Resumen

Si, en las ciudades del Sur global, la regularización territorial y urbanística es urgente, lo mismo puede decirse del tratamiento fiscal dado a los beneficiarios de los proyectos de Regularización de Suelo Urbano de Interés Social (Reurb-S). En ese sentido, el objetivo principal de esta investigación es proponer un modelo de política tributaria municipal sensible a la condición de los históricamente “invisibilizados” en las ciudades brasileñas. La metodología se basó en una investigación cualitativa exploratoria, necesaria para establecer los pilares y la información que permitan llegar al resultado. A partir de una revisión bibliográfica y documental, fue posible sentar las bases para una propuesta de política fiscal sensible a la subjetividad de la población vulnerable que habita en las áreas Reurb-S. Tras la realización de la investigación, se constató que, a través de un audaz esfuerzo exegético, es factible interconectar el Derecho Constitucional Tributario con el plexo normativo del Derecho Urbano-Ambiental, concluyendo que, a partir de los principios de la isonomía tributaria la capacidad contributiva y receptiva de los contribuyentes municipales y el mínimo existencial, existen fundamentos normativos y principiológicos que posibilitan la elaboración de reglas tributarias capaces de promover una justicia tributaria y socio-espacial sensible a la población vulnerable que habita en áreas de la “ciudad informal”.

Palabras clave:
capacidad contributiva; isonomía tributaria; justicia socioespacial; Reurb-S; tributación municipal

Introdução

As manchas urbanas das cidades do Sul global, a exemplo das brasileiras, são marcadas pela presença evidente de camadas de desigualdades. Esse fenômeno é resultado de um paradigma de política urbana que, em detrimento dos interesses coletivos inerentes a uma cidade plural, sustentável e equitativa, privilegia os interesses econômicos de determinados agentes sociais que constroem o espaço urbano, tais como detentores dos meios de produção, movimentos sociais, agentes políticos, proprietários fundiários e promotores imobiliários.

Assim, na busca por uma concretização de um ideário de justiça socioespacial nas cidades brasileiras, torna-se relevante considerar a possível utilização de todas as ferramentas contidas no plexo jurídico e principiológico do Direito Urbano-Ambiental brasileiro, especialmente no que diz respeito aos instrumentos tributários.

Resta evidente que, no contexto dos programas de Regularização Fundiária1 1 Doravante, quando a expressão “regularização fundiária” ou a sigla Reurb-S constar do texto, estará subentendido que nela também está contida a regularização urbanística e ambiental, tal como dispõe o inc. XIV do art. 2º do Estatuto da Cidade. Urbana de Interesse Social (Reurb-S)2 2 De acordo com o inc. I do art. 13 da Lei n. 13.465/2017, a Reurb de Interesse Social (Reurb-S) é “aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal” (Brasil, 2017). , o traço comum e característico é a presença de uma população sujeita à vulnerabilidade social, a qual dispõe de poucos recursos financeiros para preservar sua dignidade. Assim, faz-se imperioso que seja discutido um tratamento fiscal diferenciado aos beneficiários desses programas, baseado no conceito de status negativus do mínimo existencial, com fulcro nos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva e receptiva.

Desse modo, para efeito de compreensão inicial, a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais voltadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano, a partir, sobretudo, da emissão de títulos que dão segurança à posse e à propriedade de seus ocupantes.

Infelizmente, grande parte das administrações tributárias municipais brasileiras desconsideram que os munícipes beneficiados com os programas de Reurb-S não dispõem de capacidade contributiva suficiente para suportar a exação dos tributos municipais (custos da cidade formal). Assim, a compulsoriedade do cumprimento da obrigação tributária pode comprometer diretamente a garantia do mínimo existencial desses contribuintes, em clara desatenção ao § 1º do art. 145 da Carta Magna.

Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo principal propor um modelo básico de programa de benefício tributário municipal específico aos beneficiários dos projetos de Reurb-S, amparado nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e receptiva, bem como no respeito ao status negativus do mínimo existencial necessário à subsistência desses beneficiários. A partir dessa proposição, busca-se conferir a esses sujeitos um tratamento tributário compatível com suas subjetividades, de forma que se fomentem a justiça fiscal e a efetiva integração e pertencimento à cidade onde vivem. Para tanto, questiona-se: de que modo pode ser elaborado um programa de benefício tributário municipal em projetos de Reurb-S que vise integrar os beneficiários no rol de contribuintes formais da cidade, em respeito à isonomia tributária, à capacidade contributiva e ao status negativus do mínimo existencial, sem afetar o equilíbrio da receita tributária?

Sendo assim, para que esse problema seja respondido, a partir do objetivo principal supramencionado, foram eleitos os seguintes objetivos secundários: (a) analisar como se opera a tributação municipal em núcleos urbanos informais3 3 Art. 11 da Lei n. 13.465/2007. (consolidados ou não) ocupados por população de baixa renda, considerando o aspecto fundiário do direito real relativo aos imóveis urbanos; e (b) sugerir um modelo de política de benefício fiscal municipal aplicável às áreas nas quais forem realizados programas de Reurb-S, à luz dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e receptiva, somados à concepção de um status negativus do mínimo existencial dos cidadãos beneficiários.

Para alcançar o objetivo principal proposto, utilizou-se como metodologia a pesquisa qualitativa exploratória, com forte traço de interdisciplinaridade, fundamental para expor as bases e as informações que viabilizem entender o que pensam a doutrina jurídica e as cortes superiores sobre o atual modelo de tributação municipal. Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, coletando e analisando o entendimento dos juristas e os conteúdos dos documentos e dos estudos sobre o objeto pesquisado. Essa investigação permitiu compreender de que modo e com base em quais pressupostos principiológicos é possível propor a aplicação de uma tributação diferenciada em relação aos tributos municipais a serem suportados pelos beneficiários dos programas de Reurb-S, sem que isso resulte no desequilíbrio da arrecadação municipal.

Desse modo, este artigo foi dividido em duas seções, além desta breve introdução e das conclusões. A primeira seção discutirá a tributação municipal sobre os beneficiários de programas de Reurb-S, núcleos urbanos informais ocupados por população de baixa renda, considerando o aspecto fundiário do direito real relativo aos imóveis urbanos. A segunda seção apresenta um protótipo de política tributária municipal sensível à subjetividade dos beneficiados pela Reurb-S.

A relevância desta pesquisa consiste na tentativa de fomentar o debate e a reflexão na academia e na sociedade e, quiçá, a propositura e a aprovação de leis municipais que concretizem os fundamentos alinhavados neste artigo. Dessa forma, entende-se ser viável e necessário que haja o reconhecimento da condição dos beneficiários de programas Reurb-S, dando-lhes um tratamento tributário compatível com suas subjetividades, a fim de gerar justiça fiscal no ambiente urbano para tornar esses sujeitos parte integrante de uma cidade na qual sua cidadania seja garantida. Para tanto, urge pensar em um programa de política fiscal municipal que seja útil à diminuição das desigualdades e que respeite os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva e receptiva.

1 A tributação municipal em núcleos urbanos informais no Brasil

Inicialmente, é fundamental dizer que o regime de repartição de tributos no Brasil é extremamente assimétrico, portanto, discriminatório e injusto, pois trata os entes que compõem a República Federativa do Brasil de modo desigual no que tange às fontes de recursos tributários.

Dito de outro modo, por mais que o próprio texto constitucional busque uma equalização quanto às receitas tributárias (a partir de transferências constitucionais compulsórias, como ICMS cota-parte, Fundeb etc.), tem-se um modelo de federalismo fiscal que, ainda assim, é claramente desequilibrado, sobretudo em relação aos municípios, vistos e tratados, na prática, como se fossem entes de terceira categoria.

O Estado Federado consiste na reunião de entes que gozam de autonomia política, administrativa e financeira, mas que não têm o direito de secessão4 4 No Brasil, nem mesmo uma Emenda Constitucional pode reconhecer o direito de secessão, pois o art. 60, § 4º dispõe expressamente que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado” (Brasil, 1988). . Como menciona Silva (2006SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros , 2006.), apesar de não existir uma hierarquia na organização federal, em termos de repartição da receita tributária, há um abismo entre aquilo que a ciência política ensina e a realidade do Estado Federal brasileiro, pois, sobretudo no que diz respeito à garantia da autonomia financeira dos entes municipais (uma das características do Estado Federado), a assimetria na repartição dos recursos tributários fragiliza, senão leva à falência da autonomia das municipalidades. Afinal, não é possível atender às demandas da sociedade e às competências constitucionais atribuídas às municipalidades com os escassos recursos a elas distribuídos por intermédio do atual paradigma de federalismo fiscal.

O texto constitucional, em seu art. 156, outorgou competência tributária às municipalidades para que instituam, por meio de lei própria, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o imposto sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, ou simplesmente Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Logo, de acordo com o art. 32 do Código Tributário Nacional (CTN), o IPTU tem como hipóteses de incidência: a propriedade, a posse e o domínio útil de imóvel urbano. Por sua vez, o art. 35 do CTN, já devidamente ressignificado pela atual Constituição Federal (CF) em seu art. 156, prevê que as hipóteses de incidência do ITBI são: a transmissão (a qualquer título) da propriedade, do domínio útil, de direitos reais sobre imóveis (exceto os direitos reais de garantia) de bens imóveis e a cessão de direitos relativos às transmissões.

Assim, se existe um modelo de divisão da receita tributária que é injusto, desequilibrado e assimétrico, ganham importância as receitas próprias municipais, dentre as quais está aquela obtida com o IPTU; constituindo-se, em tese, em uma das maiores e mais relevantes fontes de receita no âmbito das finanças das municipalidades5 5 Para Valentin (2023), os municípios paulistas menores apresentam menores arrecadações de IPTU. Uma das razões deve-se ao fato de os gestores manterem uma maior proximidade com os contribuintes eleitores e de serem alvo de forte pressão política, exercida por grupos de proprietários de imóveis, para que seja mantida a tributação imobiliária em níveis baixos. , assim como a receita obtida por meio do ITBI. Registre-se, oportunamente, que, segundo Carvalho Junior (2009CARVALHO JUNIOR, P. H. B. Aspectos distributivos do IPTU e do patrimônio imobiliário das famílias brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2009. (Texto para Discussão, n. 1417).), o imposto imobiliário tem sido uma importante fonte de recursos dos entes locais em todo o mundo, não apenas no Brasil.

Em relação ao IPTU, ressalta-se um aspecto central acerca das hipóteses de incidência do citado imposto, pois nunca é pouco registrar que a propriedade6 6 Cf. Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), art. 39: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação […] dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei” (Brasil, 2001). precisa necessariamente atender a uma função em favor da sociedade, seja ela qual for. No entanto, o que se enfatiza, por ora, é a função moradia, direito social consagrado na Carta Magna em seu art. 6º, uma vez que só existirá justiça social quando todos tiverem direito a uma moradia digna.

Ademais, o IPTU é considerado majoritariamente pela doutrina jurídica um imposto real (Furlan, 2004FURLAN, V. IPTU. São Paulo: Malheiros , 2004., p. 34), ou seja, um tributo que tem como referência precípua uma coisa (bem imóvel urbano), portanto desconsidera a subjetividade do sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Em outro sentido, por ser classificado como um imposto real, o IPTU não respeita as características pessoais do sujeito passivo, notadamente sua capacidade contributiva.

A classificação tributária do IPTU é confirmada por Harada (2004HARADA, K. Direito Tributário municipal: sistema tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004., p. 17), ao ensinar que se trata de “um imposto de natureza real, que grava a disponibilidade econômica do imóvel ou seu título aquisitivo”. Portanto, o imposto não dá atenção aos aspectos vinculados às condições e atributos do sujeito passivo, seja ele posseiro, proprietário ou detentor de domínio útil, pois, para o citado jurista, seriam elementos extrajurídicos.

Ainda sobre a classificação doutrinária acerca do IPTU, segundo Oliveira (2009OLIVEIRA, J. J. M. Impostos municipais: ISS, ITBI, IPTU: comentários, doutrina, jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009., p. 268, grifo nosso):

[…] o IPTU quadra-se como imposto direto (em regra, não há transferência de seu ônus para terceiro); é imposto real, por não cogitar de peculiaridades da pessoa do contribuinte, antes centra-se na matéria tributável; predomina sua característica de imposto fiscal, na medida em que visa à obtenção de recursos para as Prefeituras; é imposto proporcional, por aplicar alíquotas não variáveis segundo o montante da base de cálculo, podendo ser progressivo.

O mesmo pode ser dito em relação ao ITBI, tido pela doutrina jurídica como um imposto real (Mangieri; Melo, 2015MANGIERI, F. R.; MELO, O. A. L. ITBI: Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2015.), bem como pelo egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), que consolidou o entendimento sobre a matéria na Súmula 656: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel” (Brasil, 2003BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 656. É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, 2003. Disponível em: Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula656/false Acesso em: 30 jun. 2023.
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/...
).

Assim, se a Corte Constitucional entende que se realiza o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente apenas em relação ao preço da venda, também é possível considerar o ITBI um imposto real que não leva em consideração a pessoa do sujeito passivo, dando importância precipuamente ao bem e a seu valor de venda em detrimento da atenção com a subjetividade daquele que deve arcar com a obrigação tributária principal.

Portanto, constata-se que, tanto em relação ao IPTU quanto em relação ao ITBI, existe doutrina jurídica robusta e mansa segundo a qual os aspectos pessoais do contribuinte, notadamente a capacidade de suportar a exação tributária, devem ser ignorados, porque são impostos de natureza real.

Desse modo, durante a instituição e a cobrança desses tributos, a administração tributária municipal não leva em conta os atributos pessoais do contribuinte, sobretudo a capacidade de suportar a exação do IPTU (princípio constitucional tributário da capacidade contributiva). Contudo, tal compreensão relativa aos citados impostos poderá resultar no agravamento da patente injustiça social existente nas cidades brasileiras, tal como será exposto no decorrer deste artigo.

Com base na doutrina jurídica predominante, realizou-se o resgate das características gerais inerentes à tributação do IPTU e do ITBI, sendo necessário enfrentar as repercussões que esse modelo de tributação, por meio de impostos reais, gera na vida dos respectivos sujeitos passivos desses tributos, que habitam os quadrantes mais carentes das cidades brasileiras, nos assentamentos urbanos informais (favelas e comunidades urbanas) - conforme conceito estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)7 7 Cf. Notas metodológicas n. 01 Sobre a Mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas (IBGE, 2024). -; nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)8 8 A definição legal de ZEIS (inciso V do art. 47 da Lei n. 11.977/2009) foi revogada pela Lei n. 13.465/2017, apesar de conter o termo “ZEIS” em alguns de seus dispositivos. e nas áreas sujeitas ou que já foram objetos de processo de Reurb-S.

Para tanto, considerando a lógica de uso e ocupação do solo, do subsolo e do espaço urbano das cidades brasileiras, compreende-se que o paradigma de urbanização corporativa (Santos, 2007SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: Edusp, 2007.) predominante no Brasil é segregador e, como consequência, expulsa para a periferia aqueles que dispõem de pouca capacidade econômica, os hipossuficientes. Em um país tão desigual, esses sujeitos lutam para obter recursos necessários a custear as necessidades mais básicas a sua sobrevivência (mínimo existencial), razão pela qual têm muita dificuldade ou, mais grave ainda, não conseguem suportar as obrigações tributárias de competência municipal (IPTU, ITBI, Contribuição de Melhoria e taxas).

Visando ilustrar a situação supracitada, de acordo com a pesquisa de Nunes e Figueiredo Junior (2018NUNES, M. A. C.; FIGUEIREDO JUNIOR, C. M. A. Regularização fundiária urbana: estudo de caso do bairro nova Conquista, São Mateus-ES. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 887-916, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/rdc/article/view/31769 . Acesso em: 4 mar. 2024.
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) sobre a regularização fundiária urbana no bairro Nova Conquista, localizado no município de São Mateus/ES, foi constatado que naquele território reside uma população de baixa renda para a qual a prefeitura não ofereceu infraestrutura e equipamentos urbanos adequados. Assim, a Reurb-S aconteceu apenas por meio do fornecimento de documentos de propriedade, tornando os residentes daquela comunidade contribuintes/sujeitos passivos do IPTU, sem que houvesse de fato uma regularização urbanística.

Dessa maneira, mesmo sendo uma parcela do solo urbano dotada de baixíssima infraestrutura urbana9 9 A infraestrutura urbana é fundamental à garantia da qualidade de vida daqueles habitantes residentes em determinado bairro ou zona da cidade. e habitada por cidadãos de baixa capacidade contributiva, a municipalidade, com fundamento em seu ius imperii, está cobrando regularmente o IPTU dos sujeitos passivos que lá residem. Essa medida desconsidera o previsto no § 1º do art. 145 da CF, ignorando por completo o princípio da capacidade contributiva e adotando entendimento que se coaduna com a doutrina jurídica mansa, porém injusta, que vê o IPTU como um imposto real, tal como exposto.

Nesse sentido, merece destaque o entendimento de Maricato acerca da “cidade informal” (2009MARICATO, E. Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada (Posfácio). In: WANDERLEY, L. E.; RAICHELIS, R. (org.). A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública. São Paulo: EDUC, 2009. p. 269-293., p. 275):

Excluída da cidade formal, ou da cidade do mercado, a população pobre ocupa exatamente as áreas que não interessam ao mercado imobiliário. Entre elas estão as terras definidas como de preservação ambiental: beira de córregos, várzeas, bacias de mananciais, mangues e florestas. As áreas ambientalmente frágeis são muitas vezes as que sobram para a moradia de baixa renda.

Sendo assim, são esses cidadãos hipossuficientes, segregados para a cidade informal (Maricato, 2009MARICATO, E. Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada (Posfácio). In: WANDERLEY, L. E.; RAICHELIS, R. (org.). A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública. São Paulo: EDUC, 2009. p. 269-293.), que, com fulcro no princípio da capacidade receptiva (Oliveira, 2010OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2010.) requerem uma atenção estatal proporcional a sua condição. Afinal, tendo como corolário o princípio da igualdade (tributária), a capacidade receptiva dos cidadãos, resta evidente que os recursos públicos precisam ser distribuídos levando em consideração a menor capacidade contributiva dos indivíduos, ou seja, aqueles mais carentes devem ser priorizados pelo poder público com maior aplicação de recursos, objetivando viabilizar a garantia do mínimo necessário à efetivação de sua dignidade (art. 1º da Carta Magna), bem como alcançar os objetivos fundamentais expressos no art. 3º da CF (Oliveira, 2010OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2010.).

No entanto, entende-se que esse tratamento mais benéfico aos indivíduos mais necessitados também pode se materializar por meio da renúncia de receita (art. 150, § 6º da CF). Nesse caso, por meio da prestação negativa (renúncia fiscal), com base no status negativus do mínimo existencial, as municipalidades poderão avançar rumo à diminuição da desigualdade socioeconômica e socioespacial tão evidente na realidade das cidades brasileiras.

Acerca do exposto anteriormente, transcreve-se a dicção de Torres (2009TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e tributário. 16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009., p. 69):

O problema do mínimo existencial se confunde com a própria questão da pobreza. Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de incidência fiscal e que ainda exige prestações estatais positivas.[…] O mínimo existencial, que não tem dicção normativa específica, está compreendido em diversos princípios constitucionais.

Assim, além dessa lição doutrinária, que dá ênfase às prestações positivas destinadas aos hipossuficientes, a administração tributária municipal pode e deve abdicar (prestação negativa) de determinada parcela das receitas tributárias, originariamente suportadas pelos mais carentes (apesar de sua vulnerabilidade), objetivando que aqueles indivíduos possam gozar, ao menos, do mínimo existencial e, por conseguinte, desfrutem da dignidade da pessoa humana.

Caso contrário, se, mesmo com a hipossuficiência, ainda tiverem de suportar o ônus tributário (IPTU, ITBI, Contribuição de Melhoria e Taxas), será grande a chance de não conseguirem sobreviver com a dignidade que todos os seres humanos merecem; afinal, terão que realizar escolha dolorosa entre utilizar seus parcos recursos financeiros para a aquisição de alimentos e demais itens necessários a sua sobrevivência e de sua família ou para abastecer os cofres municipais.

Sendo assim, se a concepção acerca do IPTU e do ITBI, que os considera impostos reais, prevalecer e, por consequência, o princípio da capacidade contributiva não for aplicado, sem dúvida alguma, estar-se-á diante de uma agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana, na contramão do que almejou o legislador constituinte originário ao construir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, sobretudo o previsto no art. 3º, III: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
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).

A despeito do entendimento majoritário da doutrina acerca da classificação do IPTU e do ITBI, ecoam vozes de respeito que ousam discordar da compreensão adotada pela maioria, ou seja, defendem a tese que os mencionados impostos municipais devem atender a teleologia que reluz do princípio da capacidade contributiva (§ 1º do art. 145 da CF). Segundo ensina Derzi (1988DERZI, M. A. M. Direito Tributário, Direito Penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais , 1988.) e Coêlho (1982COÊLHO, S. C. N. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. São Paulo: RT, 1982.), citados por Furlan (2004FURLAN, V. IPTU. São Paulo: Malheiros , 2004.), o IPTU deve considerar a capacidade contributiva, devendo ser visto como imposto pessoal.

Ainda sobre as críticas em relação à corrente majoritária que considera o IPTU e o ITBI impostos reais, merece destaque a dicção de Becker (2013BECKER, A. A. Teoria geral do Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013., p. 361):

A relação jurídica tem dois polos: o positivo e o negativo. A pessoa (física ou jurídica) é o único polo admissível das relações jurídicas. Por isto, toda e qualquer relação jurídica (inclusive a que atribui direito real ao sujeito ativo) é sempre pessoal entre pessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa

Desse modo, ainda na ótica de Becker (2013BECKER, A. A. Teoria geral do Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013.), os dois impostos analisados, por mais que estejam relacionados com algum direito real, não podem ser considerados imposto real, porque tanto o sujeito passivo quanto a municipalidade ocupam os polos da relação jurídico-tributária. Sendo assim, considerando a tese divergente enunciada, se o conteúdo material das hipóteses de incidência do IPTU e do ITBI busca identificar a capacidade econômica de suportar o ônus tributário, isso pressupõe que se está diante de impostos de natureza pessoal. Portanto, ambos devem estar em consonância com o previsto no § 1º do art. 145 da CF.

Até o momento, deu-se pouca atenção aos demais tributos que podem e devem ser cobrados pela municipalidade quando da materialização das respectivas hipóteses de incidência, devido à grande importância que o IPTU e o ITBI ganham como instrumento auxiliar da política urbana das cidades brasileiras. Contudo, sem receio de enfrentar o debate acerca dos demais tributos, traçar-se-ão algumas considerações em seguida.

A respeito das taxas, é sempre bom lembrar que se trata de uma espécie tributária que tem natureza contraprestacional, seja pelo exercício do poder de polícia, seja por meio da prestação efetiva ou potencial de serviço público. Nesse caso, suportar o ônus tributário por parte do sujeito passivo implicará uma contraprestação estatal, levando em conta que, de acordo com o § 2º do art. 145 da CF, “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos” (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
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).

No entanto, o aspecto mais relevante nessa análise sobre os impactos e as consequências da tributação em núcleos urbanos informais no Brasil diz respeito ao fato de as taxas não deverem prestar reverência ao princípio da capacidade contributiva em razão de sua natureza, como leciona Moraes (2007MORAES, B. R. Doutrina e prática das taxas. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007., p. 222):

Nenhuma relação existe entre a capacidade tributária relativa à taxa e a capacidade econômica do contribuinte, uma vez que a taxa tem como causa jurídica uma atividade estatal, e não outra situação de fato, que leve em conta dados pessoais (econômicos) do contribuinte.

Contudo, sem deixar de respeitar a lição doutrinária supraexposta, é importante destacar que o mesmo jurista entende que as taxas podem ser utilizadas em uma perspectiva extrafiscal (Moraes, 2007MORAES, B. R. Doutrina e prática das taxas. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.), ou seja, podem ser manipuladas pelas municipalidades para que outros objetivos, além da mera arrecadação, sejam alcançados, entre os quais se destacam a justiça fiscal e socioespacial e a garantia do mínimo existencial dos habitantes-contribuintes. Logo, vislumbra-se que a exação das taxas também deva ser conduzida com vistas a diminuir as desigualdades, como a socioeconômica, socioespacial, ambiental e racial.

Por sua vez, a contribuição de melhoria é um tributo que tem como hipótese de incidência a valorização imobiliária decorrente da realização de obra pública, conforme prescrito no inc. III do art. 145 da CF. De acordo com o art. 81 do CTN, trata-se de um tributo cobrado por qualquer dos entes que compõem a República “para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado” (Brasil, 1966BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
).

Desse modo, a contribuição de melhoria visa recuperar a mais-valia urbana, ou seja, consiste em um “instrumento legal e constitucional de recuperação de ganhos com valorização imobiliária” (Pereira, 2012PEREIRA, G. Das fintas ao tributo: a trajetória da contribuição de melhoria no Brasil. Urbe: Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 207-213, jul./dez. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/urbe/a/wz6wF3pVCh46K8kVWwGRbrC/ . Acesso em: 4 mar. 2024.
https://www.scielo.br/j/urbe/a/wz6wF3pVC...
, p. 208). Portanto, pode ser utilizada como instrumento de política urbana para financiar o desenvolvimento urbano, especialmente em um cenário de assimetria na repartição das receitas tributárias no atual modelo de federalismo fiscal, visando gerar justiça socioespacial no quadrante urbano, que é, em regra, injusto e segregador.

Ademais, sobre a competência tributária para instituir a contribuição, é necessário informar que se trata de um tributo sui generis, pois é um tributo de competência não só municipal, mas, também, federal e estadual, tal como pode ser visto no art. 81 do CTN retromencionado.

Merece registro o que diz a doutrina sobre a relação do citado tributo e a capacidade contributiva do contribuinte. Ataliba (1964ATALIBA, G. Natureza jurídica da Contribuição de Melhoria. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964., p. 11) leciona que a “contribuição de melhoria é o tributo que onera os sôbre-valores imobiliários consequentes a obras públicas, sem considerar a capacidade contributiva”, sendo um tributo vinculado ao imóvel valorizado devido à realização de obra pública e não à pessoa do sujeito passivo. Logo, Ataliba (1964)ATALIBA, G. Natureza jurídica da Contribuição de Melhoria. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964. entende que esse tributo não está sujeito à força do princípio da capacidade contributiva.

Com o máximo respeito ao jurista supracolacionado, mas com base na tese construída por Becker (2013BECKER, A. A. Teoria geral do Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013.), entende-se que a consequência advinda da realização da hipótese de incidência tributária será sempre suportada por alguém, ou seja, a pessoa do sujeito passivo, visto que a relação jurídico-tributária tem em seus polos duas pessoas - o fisco e o contribuinte/responsável. Dessa feita, a contribuição de melhoria também deve respeito ao princípio da capacidade contributiva daqueles que residem em imóveis que foram valorizados em virtude da realização de obra pública, sobretudo em relação aos sujeitos passivos cujos imóveis estão em áreas que sempre tiveram baixa ou nenhuma infraestrutura, situados nas favelas e nas comunidades urbanas (IBGE, 2024INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Notas metodológicas n. 01: Sobre a mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas. Rio de Janeiro: IBGE, 2024. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102062.pdf . Acesso em: 29 fev. 2024.
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), nas ZEIS ou em áreas de Reurb-S.

Alinhando-se à tese de Becker (2013BECKER, A. A. Teoria geral do Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013.), Ribeiro (2010RIBEIRO, R. L. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 18, abr. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1371 . Acesso em: 4 mar. 2024.
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.p...
) entende que, apesar de a capacidade contributiva se referir, na Constituição Federal, somente aos impostos, esta também é aplicada aos tributos vinculados, tal como a taxa, de acordo com entendimento do STF e a contribuição de melhoria.

Assim, apesar de sua potência enquanto instrumento tributário10 10 Entende-se que a contribuição de melhoria é, predominantemente, um tributo de natureza extrafiscal, pois, em última análise, serve precipuamente para gerar justiça socioespacial, recuperando aquela parcela de enriquecimento privado obtida por alguns para reinvestimento em outra parcela do solo urbano. e de política urbana de recuperação de mais-valia urbana, que pode contribuir na construção de cidades mais justas e sustentáveis, quando tiver sua hipótese de incidência aplicada às pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, que residem em espaços de “invisibilidade urbana” ou, como ensina Maricato (2009MARICATO, E. Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada (Posfácio). In: WANDERLEY, L. E.; RAICHELIS, R. (org.). A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública. São Paulo: EDUC, 2009. p. 269-293.), na “cidade informal”, a contribuição de melhoria deve ser aplicada levando em consideração a subjetividade (capacidade contributiva e receptiva) daqueles seres humanos beneficiados pela obra pública, pois se trata de um caso de justiça fiscal e socioespacial.

Enfim, em relação ao IPTU, ao ITBI, às taxas e à contribuição de melhoria, com fulcro na capacidade contributiva dos sujeitos passivos e no princípio da igualdade - este último viga-mestre de todo ordenamento jurídico nacional - compreende-se que os hipossuficientes que habitam os quadrantes das cidades brasileiras com menor infraestrutura devem receber um tratamento tributário diferenciado que respeite suas subjetividades.

Sendo assim, as municipalidades, por serem o lócus privilegiado da execução da política urbana de moradia e de regularização fundiária, devem utilizar os tributos que estão em sua esfera de competência tributária como ferramentas de gestão social da valorização da terra (no viés extrafiscal), visando garantir o bem-estar e o acesso ao mínimo existencial a todos os seus habitantes.

2 Política tributária municipal sensível à subjetividade dos “invisíveis urbanos”: uma proposta

A interrelação entre o direito urbanístico e a Reurb-S tem assimilado as consequências do paradigma atual de tributação municipal, implicando entender que os tributos municipais podem ser obstáculos à garantia do mínimo existencial às famílias de baixa renda que residem em áreas onde estão sendo ou foram implementadas políticas de Reurb-S. Esses projetos acabam servindo de instrumentos de aprofundamento da segregação socioespacial11 11 A segregação socioespacial é um processo que desloca os habitantes das áreas urbanas centrais rumo às “bordas da cidade”, isto é, para as áreas mais periféricas, desprovidas ou com carência grave de infraestrutura. Esse processo é responsável por determinar que as classes sociais ocupem espaços distintos da cidade. , tal como informam Vieira e Vieira (2016VIEIRA, B. S.; VIEIRA, I. L. T. A segregação socioespacial nas cidades brasileiras maximizada através da tributação ortodoxa do IPTU. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, Brasília, DF, v. 2. n. 1. p. 217-234, jan./jun. 2016. Disponível em: Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/revistaDireitoUrbanistico/article/view/511 . Acesso em: 4 mar. 2024.
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, p. 227):

Dessa maneira, estamos convictos de que o IPTU (classificado por muitos como um típico imposto real), pode ser personalizado de modo a considerar as características do contribuinte, pois, caso contrário, estar-se-á desconsiderando os princípios da igualdade tributária e, por consequência, da capacidade contributiva, redundando na potencialização daquelas situações típicas da segregação socioespacial das urbes brasileiras.

Sendo assim, pretende-se construir uma proposta de política tributária municipal que respeite a condição financeira, ou seja, o perfil e a capacidade contributiva daqueles munícipes que habitam em áreas da cidade nas quais estão localizadas as ZEIS e onde ocorre a Reurb-S, contribuindo na incessante busca pela garantia de justiça social e bem-estar de todos os citadinos; afinal, a “renúncia de receita operada através de incentivos, como o não pagamento do IPTU etc., pode significar importante passo no desenvolvimento de determinada localidade” (Oliveira, 2010OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2010., p. 133).

Ademais, considera-se que a extrafiscalidade é um importante instrumento para a melhoria de diversos problemas, inclusive aqueles de ordem urbano-ambiental, pois, segundo Oliveira (2010OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2010., p. 303). “há situações em que é extremamente justa, por exemplo, a isenção no pagamento” do IPTU a proprietários ou possuidores de imóveis ocupados por pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Todavia, antes é necessário ratificar a justificativa para a citada proposta, uma vez que, como dito na primeira seção, o atual e ortodoxo modelo de tributação municipal desconsidera a subjetividade daqueles que devem suportar o ônus tributário, redundando em um desrespeito ao princípio da isonomia tributária, bem como ao princípio da capacidade contributiva. Ademais, o paradigma vigente de tributação municipal precisa estar em consonância com o capítulo da política urbana na Constituição Federal, que ambiciona promover o desenvolvimento urbano e garantir o bem-estar de todos os habitantes, sem qualquer exceção.

Assim, se for analisado o que prescrevem o Estatuto da Cidade e a Lei n. 13.465/2017 (que trata da regularização fundiária rural e urbana no Brasil), será possível agregar outros elementos justificadores, tais como as diretrizes da política urbana expressas nos incs. XIV e XV do art. 2º do Estatuto da Cidade, que tratam sobre a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e a simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias.

Na mesma esteira, o art. 290-A da Lei n. 6.015 (Brasil, 1973BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos. Brasília, DF: Presidência da República, 1973. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015compilada.htm . Acesso em: 29 fev. 2024.
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) e o § 1º do art. 13 da Lei n. 13.465 (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.465 de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre regularização fundiária urbana e rural. Brasília, DF: Presidência da República, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm . Acesso em: 29 fev. 2024.
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) consignam que os atos registrais relacionados à Reurb-S serão isentos de custas e emolumentos, independentemente de comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias, nos casos de primeiro registro da legitimação fundiária e de direito real constituído em favor de beneficiário de Reurb-S, de registro do título de legitimação de posse e de sua conversão.

Denota-se, mais uma vez, que o legislador deseja que os beneficiários de programas de regularização fundiária (aqueles que residem em núcleos urbanos informais e que possuem baixa renda) sejam contemplados com um tratamento menos gravoso, em respeito a sua condição socioeconômica, emitindo determinação aos oficiais de registro imobiliário para que não criem obstáculos à conclusão dos atos translativos de direitos reais. Isso ocorre porque é comum que as leis tributárias municipais determinem a tais oficiais que, antes de concluir seus atos, exijam a comprovação de pagamento de tributos municipais, sobretudo em relação ao IPTU e ao ITBI12 12 Vide art. 19 da Lei n. 11.154 (São Paulo, 1991) e art. 15 da Lei Ordinária n. 8.792 (Belém, 2010). .

Registre-se também que, em um país com enorme desigualdade entre as regiões, é urgente que as municipalidades localizadas nas regiões com menor renda executem uma política tributária capaz de combater esse problema e amparar minimamente as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica. A título de exemplo, o Gráfico 1 ratifica a disparidade social entre os estados da federação.

Gráfico 1
Proporção de pobres13 13 Registre-se que o estudo realizado pela FGV Social considera pobre aquela pessoa com renda domiciliar per capita até 497 reais mensais (U$ 5,50 dia). em 2021 por Unidade da Federação (%).

Assim, enquanto no estado de Santa Catarina apenas 10,16% de seus habitantes são considerados em situação de pobreza, no Estado do Maranhão quase 58% são pobres, de acordo com a classificação do IBGE (2022)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
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, utilizada pela FGV Social (2022). Isso evidencia um “abismo” de desigualdade socioeconômica entre as regiões, implicando deduzir que existem outras camadas de desigualdade, tal como a desigualdade socioespacial.

Nessa trilha, para analisar a temática da desigualdade, é salutar ter como parâmetro as informações relativas ao índice de Gini, pesquisadas e coletadas pelo IBGE (2022)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
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, a respeito do rendimento domiciliar per capita no Brasil, conforme mostra o Gráfico 2.

Gráfico 2
Índice de Gini da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil (2012-2021).

O Gráfico 2 evidencia a trajetória entre 2012 e 2021 do índice de Gini no Brasil, analisando a evolução da desigualdade de rendimento nesse período. Verifica-se que os anos em que o citado índice apresentou melhor desempenho foram em 2015, quando atingiu o menor valor da série, 0,524, e, posteriormente, em 2022, a partir da adoção de medidas governamentais de transferência de renda, por causa da pandemia de COVID-19. Nesse último período analisado, em função dos benefícios emergenciais, o índice voltou ao menor patamar da série (2015), ou seja, 0,524. O gráfico deixa claro que há muito a ser melhorado no Brasil em se tratando de desigualdade para que o índice se aproxime de zero, indicador de igualdade plena.

Do mesmo modo, interessa focar nos dados sobre as grandes regiões brasileiras, como demonstrado no Gráfico 3, que evidencia o nível da desigualdade monetária entre as regiões no período de 2012 a 2021 (IBGE, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
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).

Gráfico 3
Desigualdade monetária entre as Grandes Regiões (2012-2021).

Verifica-se que a Região Sul é aquela com menor desigualdade de rendimentos (0,462 em 2021), em contraste com a Região Nordeste, cujo índice de Gini foi de 0,556 em 2021. Entretanto, a Região Nordeste é aquela com maior parcela de sua população com baixíssima renda, implicando entender, preliminarmente, que seus municípios devem empreender mais esforços para a diminuição da desigualdade de renda, a partir da execução urgente de uma política tributária extrafiscal que reconheça essa desigualdade com fundamento nos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva.

Ademais, considerando que os municípios brasileiros estão sempre com carência de recursos financeiros, por causa do perfil da repartição tributária decorrente do modelo de federalismo fiscal vigente, qualquer proposta de ajuste na política tributária deve levar em consideração esse aspecto da realidade das municipalidades. Dito de outro modo, é necessário que a alteração na legislação tributária garanta a equalização fiscal, sob pena de haver um desequilíbrio nas finanças municipais (com redução da receita tributária), o que pode dificultar a execução de outras importantes políticas públicas.

Contudo, entende-se que a solução para essa problemática está novamente na aplicação dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, pois, se é necessária e justificável a concessão de benefícios tributários (renúncias fiscais) aos hipossuficientes que residem em áreas urbanas objeto de processo de regularização fiscal, tal como exposto anteriormente, também é viável a aplicação dos mesmos princípios para justificar a majoração dos tributos municipais, sobretudo o IPTU, para aqueles sujeitos passivos com maior capacidade contributiva.

Ante o exposto, propõe-se o modelo de política tributária municipal destinada a beneficiar os residentes em áreas nas quais está sendo ou foi realizado projeto de regularização fundiária. Para tanto, elegeu-se uma metodologia para distinguir os sujeitos passivos e suas respectivas capacidades econômicas.

No entanto, sobre a escolha de critérios em uma pesquisa, é importante trazer a reflexão de Oliveira (2010OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2010., p. 121) quando assevera que, em relação à classificação, o fundamental “é a escolha do critério de discriminação que será utilizado para apartar o objeto de estudo. Não haverá, nunca, a certeza da classificação. Para nós, o que vale é trazermos uma classificação que seja, ao mesmo tempo, útil e jurídica”. Salienta-se, ainda, a lição de Carrió (1973CARRIÓ, G. A. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1973., p. 72), ao dizer que as classificações

no son ni verdaderas, ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guía a quién las formula, y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente comprensible o más rica en consecuencias prácticas deseables14 14 Em tradução livre: “As classificações não são verdadeiras nem falsas, são úteis ou inúteis; suas vantagens ou desvantagens estão sujeitas ao interesse que orienta quem as formula e a sua fecundidade em apresentar um campo do conhecimento de forma mais facilmente compreensível ou mais rica em desejáveis consequências práticas”. .

Ademais, os critérios escolhidos pelos autores visam fomentar a reflexão e contribuir com futuras pesquisas sobre o mesmo objeto, qual seja, a instituição de uma política tributária municipal que, ao respeitar os princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva e receptiva e ao considerar a necessidade de garantia do status negativus do mínimo existencial, busque fazer justiça fiscal e socioespacial.

Logo, visando facilitar o entendimento das ideias alinhavadas neste artigo, elegeu-se o critério utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
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) como ponto de partida para a elaboração da proposta, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Classe de renda familiar

Sendo assim, a partir da citada classificação e das informações constantes do Gráfico 3, desenhou-se uma proposta de política tributária amparada na aplicação dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, bem como no plexo normativo existente no ordenamento jurídico brasileiro (Estatuto da Cidade e Lei n. 13.465, já mencionados), a qual, por meio de uma interpretação sistemática, busca estimular o pleno desenvolvimento urbano e garantir o bem-estar de todos os habitantes das cidades brasileiras (Quadro 1).

Quadro 1
Proposta de política tributária municipal por estratificação econômica

A partir da classificação utilizada pelo IBGE (2022)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
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, conforme Gráfico 3, elaborou-se o Quadro 1, visando demonstrar a viabilidade de instituição de uma política tributária municipal que considere as subjetividades dos sujeitos passivos. Desse modo, verifica-se que os integrantes da classe F são os beneficiários dos programas de transferência de renda, ou seja, os indivíduos ou as famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, que não dispõem de nenhuma capacidade contributiva para arcar com o pagamento de tributos, sob pena de, ao serem obrigados a fazê-lo, perderem toda capacidade de ter acesso ao mínimo existencial e à manutenção de sua dignidade e sua vida.

Se o protótipo de política tributária municipal que renuncia receitas tributárias (Quadro 1), por meio de uma estratificação econômica, separa as famílias e/ou indivíduos de acordo com a renda familiar, cabe entender que o enquadramento dos beneficiários de programa de transferência de renda na classe F é plenamente justificável, pois se trata de pessoas e famílias que estão em situação de grande vulnerabilidade social e econômica, em virtude da evidente incapacidade de contribuir com o Estado por meio de pagamento de tributos.

Assim, qualquer exação tributária à citada classe colocará em risco a garantia do mínimo existencial, ameaçando a dignidade daqueles que nela estão inseridos. Portanto, a não tributação, nesse caso, reveste-se em direito do cidadão de não ser tributado em decorrência de sua condição socioeconômica (status negativus), tal como leciona Torres (2009TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e tributário. 16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.).

Ademais, a não garantia do citado status do mínimo existencial servirá como fomento à segregação socioespacial, conforme entendem Vieira e Vieira (2016VIEIRA, B. S.; VIEIRA, I. L. T. A segregação socioespacial nas cidades brasileiras maximizada através da tributação ortodoxa do IPTU. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, Brasília, DF, v. 2. n. 1. p. 217-234, jan./jun. 2016. Disponível em: Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/revistaDireitoUrbanistico/article/view/511 . Acesso em: 4 mar. 2024.
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), na medida em que os cidadãos que estão na pobreza, ao serem cobrados pelo fisco municipal, serão levados a alienar seus imóveis (maximizando a especulação do solo urbano), obrigando-os a buscar, por consequência, áreas mais periféricas da mancha urbana (em grande medida, espaços da cidade nos quais a infraestrutura é precária ou inexistente).

Por sua vez, as classes D e E contemplam aquelas famílias que não conseguiram acessar os programas de transferência monetária e possuem renda entre ¼ até ½ salário-mínimo (R$ 331,00 a R$ 660,00)19 19 Conforme informações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2022), o valor do salário-mínimo necessário em janeiro de 2023 para atender às necessidades de uma família de quatro pessoas é de R$ 6.652,09. e renda entre ½ e 1 salário-mínimo (R$ 661,00 a R$ 1.320,00), respectivamente, segundo o Quadro 1. Desse modo, tais classes estarão protegidas da tributação do IPTU, do ITBI, da Contribuição de Melhoria e das taxas, pois, em termos socioeconômicos, estão em situação muito semelhante àqueles que ocupam a classe F, ou seja, também estão em situação vulnerável e terão sua segurança alimentar, sua dignidade e a própria vida em risco, caso sejam obrigadas a arcar com o dever de pagar os tributos de competência municipal.

Na sequência, considera-se que os sujeitos passivos (indivíduos e famílias) contidos na classe C podem suportar parcialmente a tributação municipal, sobretudo em relação ao IPTU e ao ITBI. Porém, quando se fala em tributação decorrente da valorização imobiliária (a partir da realização de obra pública), ou seja, tributação da contribuição de melhoria, por se entender que as famílias que dispõem de renda de um a dois salários-mínimos habitam em espaços que, em regra, foram continuamente esquecidos pelas intervenções urbanísticas estatais, ocupando territórios sem ou com baixíssima infraestrutura urbana, pode-se dizer que esses indivíduos estão na “cidade informal” (Maricato, 2009MARICATO, E. Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada (Posfácio). In: WANDERLEY, L. E.; RAICHELIS, R. (org.). A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública. São Paulo: EDUC, 2009. p. 269-293.). Assim, aqueles que ocupam a classe C não devem suportar a exação do citado tributo. Caso contrário, a cobrança da contribuição de melhoria em tais espaços sempre abandonados pelo Estado será considerada uma enorme injustiça socioespacial e, principalmente, tributária.

Fundamentando-se na teleologia do princípio da capacidade contributiva como corolário da isonomia tributária, propõe-se que os sujeitos passivos integrantes das classes B e A (renda superior de R$ 2.641,00) e que ocupam áreas de projetos de regularização fundiária devem suportar uma carga tributária normal, em total consonância com a maior renda que dispõem se comparadas com os recursos financeiros dos integrantes das demais classes (C, D, E e F). Afinal, segundo o § 1º do art. 145 da CF, aqueles que apresentam a mesma capacidade contributiva deverão20 20 O “sempre que possível” prescrito no § 1º do art. 145 da CF (Brasil, 1988), conforme já justificado, deve ser ressignificado, passando a ser compreendido como compulsório. suportar o mesmo ônus da tributação; noutra via, aqueles que possuírem rendas distintas deverão suportar uma tributação diferenciada na medida de suas diferentes capacidades econômicas.

Infelizmente, em relação ao ITBI, conforme Súmula 656 (Brasil, 2003BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 656. É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, 2003. Disponível em: Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula656/false Acesso em: 30 jun. 2023.
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/...
), é inconstitucional a tributação progressiva em razão do valor venal dos imóveis, razão pela qual a proposta aqui sugerida manteve a tributação ordinária do ITBI para aqueles contribuintes que estiverem nas classes A e B. No entanto, se o STF não tivesse esse posicionamento, seria natural propor que a tributação, para as classes A e B, relativa à transmissão onerosa de bens imóveis e direitos reais sobre imóveis também fosse proporcional à capacidade contributiva dos contribuintes.

Em relação à cobrança de taxas municipais, com exceção daqueles sujeitos passivos que estiverem inseridos ou próximo ao estado de pobreza extrema (classes D, E e F), todos os sujeitos passivos das demais classes (A, B e C), segundo a proposta apresentada, deverão cumprir com suas obrigações tributárias principais. Isso é justificável por serem tributos cujos valores não são elevados a ponto de pôr em risco a garantia do mínimo existencial daquelas famílias.

Questão importante, até mesmo fundamental ao desenvolvimento desta pesquisa, diz respeito à necessidade de manutenção do equilíbrio das receitas tributárias municipais. Desse modo, se, por um lado, os municípios devem renunciar parcela de sua receita tributária, em razão da condição socioeconômica (e consequente incapacidade contributiva) dos beneficiários dos programas de Reurb-S, por outro lado, é necessário que a municipalidade compense tal renúncia fiscal com a majoração dos tributos daqueles contribuintes que, em outras áreas do município, demonstrem possuir riqueza e, por conseguinte, capacidade contributiva suficiente para suportar uma maior carga tributária, aplicando concretamente o princípio da isonomia tributária, tantas vezes aqui mencionado enquanto um dos esteios da proposta ora apresentada.

Ainda, com fundamento nos princípios da capacidade contributiva e da isonomia fiscal, entende-se que os imóveis localizados em área de Reurb-S que estejam ocupados por pessoas jurídicas devem suportar carga tributária majorada, assim como os demais contribuintes com capacidade contributiva espalhados pela mancha urbana daquele determinado município. Essa majoração objetiva compensar a renúncia fiscal concedida aos mais vulneráveis que ocupam as favelas e as comunidades urbanas (IBGE, 2024INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Notas metodológicas n. 01: Sobre a mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas. Rio de Janeiro: IBGE, 2024. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102062.pdf . Acesso em: 29 fev. 2024.
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) nas quais os projetos de regularização estão sendo ou serão implantados.

Por fim, reitera-se que o exposto nesta seção é apenas uma proposta que visa estimular o debate sobre o tratamento tributário das municipalidades sobre os habitantes e famílias de baixa renda que habitam áreas sujeitas aos programas de regularização fundiária. Logo, os autores estão cientes de que outras proposições poderão ser elaboradas e que surgirão críticas a esse protótipo de política tributária municipal sensível à condição de vulnerabilidade daqueles que forem beneficiários dos projetos de Reurb-S. Porém, como dito anteriormente, fomentar a reflexão e o debate sobre essa questão é urgente e necessário.

Conclusão

As cidades brasileiras, assim como aquelas situadas nos países da periferia do capitalismo, apresentam inúmeras desigualdades: socioeconômica, socioespacial e ambiental. Sobre esse aspecto, ganham destaque os núcleos urbanos informais, lócus de habitação e de coexistência de uma grande parcela da população vulnerável brasileira.

Assim, após o desenvolvimento desta pesquisa, anuncia-se que todos os objetivos propostos inicialmente foram alcançados, ou seja, analisou-se a maneira como é realizada a tributação municipal em núcleos urbanos informais (consolidados ou não) ocupados por população de baixa renda, bem como foi elaborado um protótipo de política fiscal sensível àqueles que habitam em projetos de Reurb-S.

Ademais, registre-se que esta pesquisa também apresenta um objetivo transversal, notado durante sua realização, que é provocar os integrantes da academia, a população e os agentes políticos (vereadores, vereadoras e chefes do Poder Executivo) a analisar, questionar e criar outras concepções de política tributária municipal.

Como resposta ao problema de pesquisa apresentado na introdução, apesar de existirem posicionamentos importantes no pensamento jurídico que entendem que a tributação municipal deve ser implementada abstraindo-se as características dos habitantes de projetos de Reurb-S - posições jurídicas pautadas em uma exegese de natureza explicitamente positivista -, também existem notáveis vozes da ciência jurídica e, principalmente, da teleologia dos princípios jurídicos que autorizam um modelo de política fiscal municipal que vise gerar justiça socioespacial em espaço de execução de Reurb-S.

Sendo assim, a proposta aqui apresentada, a partir de uma interpretação sistemática da ordem jurídica em vigor, tem sua sustentação no princípio da igualdade tributária - estrutural de toda ordem jurídica brasileira -, no princípio da capacidade contributiva e no corolário princípio da capacidade receptiva, assim como na consideração que o mínimo existencial apresenta um status negativus, no qual o Estado deve abster-se de exigir a exação tributária quando esta põe em risco a dignidade e a vida do cidadão-contribuinte.

Desse modo, a partir de uma classificação baseada na renda das famílias brasileiras que demonstra a desigualdade monetária entre as regiões do país, foi elaborada a proposta de política fiscal municipal, contida na seção 2 deste artigo, que teve verdadeira e sistemática preocupação de, ao mesmo tempo: (a) promover a justiça fiscal e socioespacial por meio da utilização extrafiscal dos tributos municipais; e (b) manter o equilíbrio das finanças municipais, estabelecendo uma concepção de política fiscal.

Registre-se, ao final, que o protótipo de política tributária municipal sensível aos “invisíveis” que habitam em ambientes de projetos de Reurb-S e as preocupações supramencionadas estão ancoradas nos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e receptiva dos contribuintes dos tributos municipais e do mínimo existencial, representando um grande esforço exegético de conectar sistematicamente o Direito Constitucional-Tributário com o plexo normativo do Direito Urbano-Ambiental. Por fim, os autores põem-se à disposição para contribuições e críticas, pois, em última instância, faz-se a verdadeira ciência quando se tem a ousadia de propor teses, encorajando o debate, a reflexão e outras ideias correlatas.

Referências

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    » https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/redea/article/view/7647
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    » https://indexlaw.org/index.php/revistaDireitoUrbanistico/article/view/511
  • 1
    Doravante, quando a expressão “regularização fundiária” ou a sigla Reurb-S constar do texto, estará subentendido que nela também está contida a regularização urbanística e ambiental, tal como dispõe o inc. XIV do art. 2º do Estatuto da Cidade.
  • 2
    De acordo com o inc. I do art. 13 da Lei n. 13.465/2017, a Reurb de Interesse Social (Reurb-S) é “aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal” (Brasil, 2017BRASIL. Lei n. 13.465 de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre regularização fundiária urbana e rural. Brasília, DF: Presidência da República, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm . Acesso em: 29 fev. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
    ).
  • 3
    Art. 11 da Lei n. 13.465/2007.
  • 4
    No Brasil, nem mesmo uma Emenda Constitucional pode reconhecer o direito de secessão, pois o art. 60, § 4º dispõe expressamente que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado” (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ).
  • 5
    Para Valentin (2023)VALENTIN, J. A ineficiência arrecadatória do IPTU nos municípios paulistas. Revista Debates em Economia Aplicada, Brasília, DF, v. 3, n. 5, p. 1-36, 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/redea/article/view/7647 . Acesso em: 4 mar. 2024.
    https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.b...
    , os municípios paulistas menores apresentam menores arrecadações de IPTU. Uma das razões deve-se ao fato de os gestores manterem uma maior proximidade com os contribuintes eleitores e de serem alvo de forte pressão política, exercida por grupos de proprietários de imóveis, para que seja mantida a tributação imobiliária em níveis baixos.
  • 6
    Cf. Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), art. 39: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação […] dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei” (Brasil, 2001BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    ).
  • 7
    Cf. Notas metodológicas n. 01 Sobre a Mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas (IBGE, 2024INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Notas metodológicas n. 01: Sobre a mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas. Rio de Janeiro: IBGE, 2024. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102062.pdf . Acesso em: 29 fev. 2024.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ).
  • 8
    A definição legal de ZEIS (inciso V do art. 47 da Lei n. 11.977/2009) foi revogada pela Lei n. 13.465/2017, apesar de conter o termo “ZEIS” em alguns de seus dispositivos.
  • 9
    A infraestrutura urbana é fundamental à garantia da qualidade de vida daqueles habitantes residentes em determinado bairro ou zona da cidade.
  • 10
    Entende-se que a contribuição de melhoria é, predominantemente, um tributo de natureza extrafiscal, pois, em última análise, serve precipuamente para gerar justiça socioespacial, recuperando aquela parcela de enriquecimento privado obtida por alguns para reinvestimento em outra parcela do solo urbano.
  • 11
    A segregação socioespacial é um processo que desloca os habitantes das áreas urbanas centrais rumo às “bordas da cidade”, isto é, para as áreas mais periféricas, desprovidas ou com carência grave de infraestrutura. Esse processo é responsável por determinar que as classes sociais ocupem espaços distintos da cidade.
  • 12
    Vide art. 19 da Lei n. 11.154 (São Paulo, 1991SÃO PAULO (Cidade). Lei n. 11.154, de 30 de dezembro de 1991. Dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão “inter vivos”, a qualquer título por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição, e dá outras providências. São Paulo: Prefeitura Municipal, 1991. Disponível em: Disponível em: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-11154-de-30-de-dezembro-de-1991 . Acesso em: 29 fev. 2024.
    https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/...
    ) e art. 15 da Lei Ordinária n. 8.792 (Belém, 2010BELÉM. Lei Ordinária n. 8792, de 30 de dezembro de 2010. Disciplina o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis e Direitos Reais a eles relativos, mediante Ato Oneroso Inter Vivos (ITBI), e dá outras providências. Belém, PA: Prefeitura Municipal, 2010. Disponível em:Disponível em:http://www.belem.pa.gov.br/v4/app/cms/media/arquivos/SEFIN/30/33/Lei_8792_2010-ITBI.pdf . Acesso em: 29 fev. 2024.
    http://www.belem.pa.gov.br/v4/app/cms/me...
    ).
  • 13
    Registre-se que o estudo realizado pela FGV Social considera pobre aquela pessoa com renda domiciliar per capita até 497 reais mensais (U$ 5,50 dia).
  • 14
    Em tradução livre: “As classificações não são verdadeiras nem falsas, são úteis ou inúteis; suas vantagens ou desvantagens estão sujeitas ao interesse que orienta quem as formula e a sua fecundidade em apresentar um campo do conhecimento de forma mais facilmente compreensível ou mais rica em desejáveis consequências práticas”.
  • 15
    É necessário fazer a distinção entre “rendimento domiciliar” e “rendimento familiar”, pois um domicílio pode ter mais de uma família, portanto, mais de um rendimento familiar. Contudo, registre-se que a proposta construída neste artigo considera a renda familiar como parâmetro.
  • 16
    Programas federais, estaduais ou municipais.
  • 17
    As linhas de pobreza administrativas são aquelas criadas com o objetivo de identificação do público beneficiário de programas sociais. No caso brasileiro, os principais programas são o BPC e o Bolsa Família, mas o CadÚnico também tem grande relevância (IBGE, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022. Rio de Janeiro: IBGE , 2022. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101979 . Acesso em: 29 fev. 2024.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
    ).
  • 18
    Taxas cujos fatos geradores tenham relação com a posse ou a propriedade do imóvel localizada na área de regularização fundiária. Por exemplo, em Belém/PA são cobradas a taxa de resíduos sólidos e a taxa de urbanização, ambas vinculadas ao imóvel urbano.
  • 19
    Conforme informações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2022DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Brasília, DF: Dieese, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html . Acesso em: 29 fev. 2024.
    https://www.dieese.org.br/analisecestaba...
    ), o valor do salário-mínimo necessário em janeiro de 2023 para atender às necessidades de uma família de quatro pessoas é de R$ 6.652,09.
  • 20
    O “sempre que possível” prescrito no § 1º do art. 145 da CF (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ), conforme já justificado, deve ser ressignificado, passando a ser compreendido como compulsório.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Aceito
    11 Mar 2024
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