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Variação linguística e alemão como língua estrangeira: contribuições a partir da análise de dois livros didáticos

Linguistic Variation and German as a Foreign Language: Contributions from an Analysis of two Textbooks

Resumo

Muitas vezes, instituições escolares e políticas supervalorizam a norma padrão, raramente reconhecendo a legitimidade da variação linguística. Entretanto, a variação (histórica, geográfica, social ou estilística), sendo inerente a todas as línguas, não pode ser ignorada. Em sala de aula, tanto de língua materna quanto de língua estrangeira, é necessário abordar a variação, de modo que o aluno possa usar a língua em contextos diversificados e realísticos, sem criar uma versão estereotipada. Assim, o objetivo deste artigo é compreender se e em que contextos as diferentes variedades da língua alemã se concretizam em dois livros didáticos para o ensino como língua estrangeira, um para adolescentes e outro para adultos. O método da pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, estabelecendo uma visão panorâmica da variação e analisando o tratamento dado a ela em atividades selecionadas. Os resultados sugerem que os livros abordam apenas alguns aspectos da variação geográfica e estilística. Na discussão, são problematizados esses resultados, com o intuito de auxiliar professores na avaliação e no manejo de materiais didáticos com relação à variação linguística.

Palavras-chave:
Variação linguística; alemão como língua estrangeira; livros didáticos

Abstract

Many times, school and political institutions overestimate the standard norm and rarely recognize the legitimacy of linguistic variation. However, the (historical, geographical, social or stylistic) variation belongs to all languages and cannot be ignored. In the classroom, both of mother tongue and foreign language, it is necessary to approach the variation, in order that the student can use the language in diverse and realistic contexts, without creating a stereotyped vision of the language. Thus, our objective is to understand if and in what contexts different varieties of the German language materialize in two textbooks of German as a foreign language, one for adolescents and another for adults. The methodology is quantitative-qualitative, establishing a panoramic view of the variation and analyzing the treatment given to it in the selected activities. The results suggest that the books address only some aspects of geographic and stylistic variation. In the discussion, these results are problematized, to help teachers in the appreciation and management of didactic materials, in relation to linguistic variation.

Keywords:
Linguistic Variation; German as a foreign Language; textbooks

Zusammenfassung

Oftmals überschätzen schulische und politische Institutionen die Standardnorm und selten erkennen sie die Legitimität der linguistischen Variation. Jedoch darf die historische, geographische, soziale oder stilistische Variation, die zu allen Sprachen gehört, nicht ignoriert werden. Im muttersprachlichen und fremdsprachlichen Unterricht ist es notwendig, die Variation zu bearbeiten, sodass der Schüler die Sprache in unterschiedlichen und realistischen Kontexten anwenden kann, ohne eine stereotypische Version zu schaffen. Dieser Artikel soll verstehen, ob und in welchen Kontexten die verschiedenen Varietäten der deutschen Sprache sich in zwei DaF-Lehrwerken verwirklichen, eins für Jugendliche und das andere für Erwachsene. Die Methode der Forschung ist quantitativ und qualitativ, in der wir beabsichtigen, einerseits eine panoramische Sicht der Variation herzustellen und andererseits die Behandlung von den ausgewählten Aktivitäten zu analysieren. Die Ergebnisse deuten an, dass die Lehrwerke nur einige Aspekte der geographischen und stilistischen Variation ansprechen. In der Diskussion werden diese Ergebnisse problematisiert, um die Lehrer bei der Lehrwerkevaluation und bei dem Umgehen mit Lehrwerken, was die Sprachvariation angeht, zu unterstützen.

Stichwörter:
Linguistische Variation; Deutsch als Fremdsprache; Lehrwerke

1 Introdução

Não deveria haver razões para ignorar a variação linguística, pois ela é inerente a todas as línguas do mundo. Conforme Zilles (2008Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008. : 40), o uso variável da língua deve ser entendido como fenômeno social. No entanto, há, muitas vezes, na escola, a supervalorização da norma padrão em detrimento da diversidade linguística. Desse modo, não se reconhece a legitimidade da variação (Camacho 2005Camacho, Roberto Gomes. Sociolinguística - Parte II. In: Mussalim, Fernanda; BENTES, Anna Cristina (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 50-76.: 70).

A abordagem da variação em todos os seus âmbitos é crucial para que o aluno consiga usar a língua em contextos diversificados e não crie uma versão estereotipada e anedótica da língua e da própria variação. Ultimamente, o campo de pesquisa sobre variação no ensino de língua materna tem sido bem prolífero (Bortoni-Ricardo 2005Bortoni-Ricardo, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.; Guy; Zilles 2006Guy, Gregory; Zilles, Ana Maria S. O ensino da língua materna: uma perspectiva sociolingüística. Calidoscópio, v. 4, n. 1, 2006, p. 39-50.; Faraco 2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ; Faraco; Zilles 2015, entre outros). Em contrapartida, não são muitos os trabalhos no Brasil sobre variação relacionada à aula de língua estrangeira.

Especificamente, a aula de alemão como língua estrangeira (doravante Deutsch als Fremdsprache - DaF), segundo De Cillia (2004: 58), deve preparar o aluno para que ele consiga utilizar a língua em diversas situações e contextos geográficos e sociais. Isso é importante, porque o aprendiz de língua estrangeira não conhece as variedades ditas coloquiais, ao contrário do aprendiz de língua materna, quando ingressa na escola. Logo, o falante pode ter dificuldade de concretizar uma interação real em língua estrangeira, se for submetido somente a um enfoque tradicional, que ignora as variedades não padrão. O conceito de “norma padrão” está ligado, neste trabalho, à seleção, dentre essa grande riqueza de variedades linguísticas existentes, de uma como sendo o padrão (Guy; Zilles 2006Guy, Gregory; Zilles, Ana Maria S. O ensino da língua materna: uma perspectiva sociolingüística. Calidoscópio, v. 4, n. 1, 2006, p. 39-50.: 43).

Este trabalho se relaciona com as preocupações dos autores sobre a abordagem da variação na aula de DaF. Como consequência, tais reflexões podem ser pertinentes a outros profissionais que se envolvem com DaF, sejam eles professores, instrutores de línguas, coordenadores pedagógicos ou autores e editores de livros didáticos. É imprescindível analisar livros didáticos criticamente, de modo a ensinar e conceber a língua de acordo com o seu caráter social e combater preconceitos. Cabe ainda salientar que este trabalho é fruto da cooperação com a professora Ana Maria Stahl Zilles (Unisinos), que contribuiu muito para a discussão sobre variação linguística no Brasil. A professora Ana ofereceu, gentilmente, um espaço de pesquisa e aprendizagem por meio da nossa inserção no projeto Pedagogia da variação linguística: princípios norteadores, por ela coordenado1 1 A análise dos livros didáticos aqui apresentada iniciou por ocasião do 9º Congresso Brasileiro de Professores de Alemão. Nesse evento, foram apresentadas e discutidas algumas reflexões sobre variação linguística e alemão como língua estrangeira (Limberger; Zilles 2015). Agradecemos imensamente à professora Ana pelos ensinamentos e pela oportunidade de discutir este trabalho. .

Algumas análises de livros didáticos de DaF já foram conduzidas no Brasil (p. ex. Arantes 2011Arantes, Poliana Costi C. Abordagens de Gêneros Textuais veiculados em livros destinados a aprendizes de LE em Língua Alemã. In: VI Simpósio Internacional de Estudos dos Gêneros Textuais, Natal, 2011.; 2018; Limberger; Barbosa 2015Limberger, Bernardo; Zilles, Ana Maria Stahl. O tratamento dado à variação linguística em livros didáticos de alemão como língua estrangeira. In: 9° Congresso Brasileiro de Professores de Alemão, 2015, São Leopoldo. Caderno de resumos. São Leopoldo: Casa Leiria, 2015, p. 109-110. ; Monteiro; Melo 2008Monteiro, Maria; Melo, Sílvia. Análise e avaliação de material didático. Projekt. Revista dos Professores de Alemão no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Goethe/ABRAPA, n. 48, 2008, p. 16-20.; Ribeiro 2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014. Uphoff 2009Uphoff, Dörthe. O poder do livro didático e a posição do professor no ensino de alemão como língua estrangeira. Tese (Doutorado). IEL/Unicamp, Campinas, 2009.), predominando, entretanto, análises discursivas de textos dos livros didáticos. Neste trabalho, o escopo de análise passa a ser a variação da língua alemã. O livro didático é fundamental para as reflexões, porque é um dos principais materiais do professor e baseia, normalmente, a abordagem do seu ensino. O objetivo deste trabalho é compreender se e em que contextos variedades do alemão se concretizam em dois livros didáticos para o ensino de DaF. Para a análise, foram selecionados dois livros didáticos, o Berliner Platz 1 NEU (Lemcke; Rohrmann; Scherling 2009Lemcke, Christiane; Rohrmann, Lutz; Scherling, Theo. Berliner Platz NEU 1, Deutsch im Alltag - Lehr- und Arbeitsbuch. Berlin/München: Editora Langenscheidt, 2009.) e o Geni@l Klick A1 (Koenig et al. 2011Koenig et al. Geni@l Klick A1. Klett-Langenscheidt: München, 2011.), um para adultos, outro para adolescentes, respectivamente. Esses dois livros foram eleitos considerando o seu uso atual, a mesma editora, o nível de proficiência equiparado entre eles e diferentes públicos-alvo.

Este artigo está estruturado da seguinte forma: primeiramente, revisam-se estudos sobre a variação linguística e a sua relação com o ensino. Em seguida, apresenta-se o método aplicado a este trabalho, considerando a escolha dos materiais didáticos e as categorias de análise. Por fim, são apresentados os resultados qualitativos e quantitativos bem como a discussão, relacionando-os à Pedagogia da variação linguística (Faraco 2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ). Visamos contribuir para a discussão dessa pedagogia, cujo objetivo principal é sensibilizar os alunos para a variação. Neste trabalho, expandimos a discussão para a variação da língua alemã, aprendida como língua estrangeira. Essa tarefa é urgente, devido ao escasso número de trabalhos encontrados e, também, devido à aprendizagem da língua alemã em comunidades de antigas zonas de imigração, especialmente no Sul do Brasil, onde diferentes variedades da língua alemã entram em contato (Altenhofen 2010______. Dachsprachenwechsel und Varietätenabgrenzung im Kontakt zwischen Hunsrückisch und Portugiesisch in Brasilien. In: Festschrift für Harald Thun zum 60. Geburtstag. Kiel: Westensee-Verlag, 2010, p. 1-26.).

1 Referencial teórico: variação linguística, ensino e livros didáticos

A interface entre a Sociolinguística e o Ensino de línguas é essencial para que professores compreendam como lidar com o fenômeno da variação linguística em sala de aula. Dessa forma, há mais chances de ensinar uma língua mais autêntica e preparar melhor os alunos para o seu uso adequado nas mais diversas situações. Considerando essa premissa, a fim de fundamentar a discussão, são revisados aqui estudos sobre variação linguística per se (1.1), relacionada ao ensino (1.2) e aos livros didáticos (1.3).

1.1 Variação linguística per se

Por muito tempo, a variação linguística foi ignorada. O estruturalismo e o gerativismo, conforme exemplificam Cezario e Votre (2011Cezario, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: Martelotta, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2011, p. 141-156.), não incluíram nas suas análises a variação, porque ela estava fora do âmbito do objeto da Linguística. Naquela época, a variação era considerada o “caos” linguístico (Camacho 2005Camacho, Roberto Gomes. Sociolinguística - Parte II. In: Mussalim, Fernanda; BENTES, Anna Cristina (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 50-76.: 51), e, por isso, acreditava-se que ela não precisava ser examinada, justamente devido ao seu caráter caótico.

Entretanto, a variação e a diversidade consistem nos aspectos cruciais de interesse da Sociolinguística. O linguista William Labov, a partir da década de 1960, tem desenvolvido a Teoria da Variação, que considera que a língua é, por si só, um fenômeno heterogêneo. Todas as línguas do mundo possuem, no plano diacrônico, mudanças linguísticas que são resultantes de variação em longo prazo, e, no plano sincrônico, variação, cujas formas variantes coexistem nas línguas. Segundo Labov (2008: 275), a variável sociolinguística de análise é correlacionada com alguma variável não linguística do contexto social: o falante, o interlocutor, o público, o ambiente etc. Dessa forma, há uma íntima relação entre variantes linguísticas e variáveis sociais.

Labov (2008Labov, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972].: 276) postula ainda que a variação pode se manifestar por meio de indicadores ou marcadores. Indicadores são alguns traços linguísticos que demonstram uma distribuição regular pelos grupos sociolinguísticos, étnicos e etários, mas são usados por cada indivíduo mais ou menos do mesmo modo em qualquer contexto. No português, por exemplo, a monotongação do ditongo /ey/ na fala do português, em palavras como peixe/pexe, feijão/fejão, está isenta de valor social (Görski; Coelho 2009Görski, Edair M.; Coelho, Izete L. Variação linguística e ensino de gramática. Working Papers em Linguística, v. 10, n. 1, 2009, p. 73-91. ), porque é usada indiscriminadamente. Por outro lado, marcadores são variáveis linguísticas mais altamente desenvolvidas, que não somente exibem distribuição social, mas também diferenciação estilística. Por exemplo, a variação dos pronomes pessoais de segunda pessoa, ‘tu’ e ‘você’, e dos pronomes possessivos ‘teu’ e ‘seu’, usados em certas regiões do sul do Brasil (idem). Ambos os pronomes são diferentemente usados em determinados registros: tu (e teu) em registros mais informais e você (e seu) em registros mais formais. O uso desses pronomes não é estigmatizado, mas está correlacionado a variáveis estilísticas e sociais.

As línguas variam no tempo e no espaço, seja este geográfico ou social (Zilles 2008Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008. ). Desse modo, a variação geográfica está relacionada a diferenças linguísticas entre grupos de diferentes espaços físicos, e a variação social, relacionada a fatores como a identidade, a organização social, a idade, a classe social, a profissão, o grau de escolaridade e o gênero. Além disso, a variação estilística tem relação ao contexto de uso da língua; de um lado, um uso mais formal e monitorado e, de outro, um uso mais informal e menos monitorado.

No âmbito linguístico, como nos expõem Zilles (2008Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008. ) e Cezario e Votre (2011Cezario, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: Martelotta, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2011, p. 141-156.: 145), podemos flagrar variação em todos os níveis de análise linguística. Por exemplo, no nível lexical (aipim ~ mandioca ~ macaxera), no nível morfológico (levantar ~ alevantar), no nível fonético-fonológico (bicicleta ~ bicicreta). Também na língua alemã, é possível identificar variação no léxico (Brötchen ~ Semmel ~ Schrippe, entre outros)2 2 Conforme Elspaß e Möller (2018). Disponível em <http://www.atlas-alltagssprache.de/brotchen/>. Acesso em 16.10.18. , na morfossintaxe (pronome mir ~ mich, em sich schwertun)3 3 Conforme Elspaß e Möller (2018). Disponível em <http://www.atlas-alltagssprache.de/r8-f4j-k-2/>. Acesso em 16.10.18. e na fonética (Sirup, em que ‘s’ tem som /z/ ou /s/)4 4 Conforme Gallmann (2017/2018). Disponível em <http://www.personal.uni-jena.de/~x1gape/Ortho/V_Eszett_Skript.pdf>. Acesso em 16.10.18. . Para Zilles (2008), quando se fala de variação linguística no âmbito lexical, aborda-se a concepção de que um mesmo referencial no mundo pode ser representado por diferentes palavras. Tais exemplos podem servir de parâmetro de comparação para aprendizes brasileiros de DaF, ao se depararem com fenômenos variáveis da língua alemã. A avaliação social relacionada ao uso variável das línguas pode ser verificada nos diversos níveis das línguas, o que tem consequências e relações com o ensino, como vemos a seguir.

1.2 Variação linguística e ensino

Diante da complexa realidade de variação, nós, professores de língua materna e estrangeira, podemos refletir: como pode-se lidar com tamanha diversidade? As respostas mais expressivas a essa questão resultam, no Brasil, de pesquisas sobre ensino e aprendizagem de português como língua materna. Na escola é necessário, segundo Guy e Zilles (2006Guy, Gregory; Zilles, Ana Maria S. O ensino da língua materna: uma perspectiva sociolingüística. Calidoscópio, v. 4, n. 1, 2006, p. 39-50.), familiarizar a criança e o jovem com a diversidade linguística e permitir que eles se movimentem dentro dela. Além disso, ela deve

permitir que [eles] se movimentem efetivamente dentro dela. Por isso, trata-se de fazer com que a criança aprenda a dominar outros estilos e outras variedades sociais além daqueles que ela domina como parte da experiência diária. Neste sentido, tal abordagem talvez tenha mais em comum com o ensino de línguas estrangeiras: não procura identificar o único jeito melhor de falar e enfiar isso na cabeça da criança, apagando as versões prévias. Em vez disso, procura ampliar as capacidades linguísticas da criança, para que ela possa se comunicar efetivamente com outras pessoas e em outras situações, para que possa agir socialmente com e na linguagem. (Guy; Zilles 2006Guy, Gregory; Zilles, Ana Maria S. O ensino da língua materna: uma perspectiva sociolingüística. Calidoscópio, v. 4, n. 1, 2006, p. 39-50.: 50).

Essa discussão já tem tradição no Brasil, devido à diversidade linguística. Cagliari (1989Cagliari, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 1989.), um dos pioneiros a escrever sobre a relação entre a Sociolinguística e o ensino de língua materna, postula que a escola, como integrante da sociedade, incorpora os preconceitos linguísticos, pois nem sempre lida adequadamente com os valores de certo e errado atribuídos pelos falantes e pelos gramáticos normativos. O autor, portanto, já há quase 30 anos, defendia que a questão merecia uma discussão mais aprofundada, visando que a escola adotasse uma postura mais acolhedora de alunos cujas variedades linguísticas são estigmatizadas pela sociedade, não incorporando, dessa forma, preconceitos.

No que concerne à aula de língua estrangeira, Cezario e Votre (2011Cezario, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: Martelotta, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2011, p. 141-156.) afirmam que as pesquisas referentes à variação podem contribuir ao fornecer material para que as aulas sejam baseadas no modo como as pessoas realmente usam a língua-alvo, na preparação do material com diversos registros com as suas variações linguísticas típicas, na escolha da língua a ser ensinada. Dessa forma, pode ser possível promover uma imagem real da língua-alvo.

1.3 Variação linguística e livros didáticos

O material didático desempenha um papel essencial na concepção de variação na aula de língua estrangeira. Assim, conforme defende De Cillia (2006De Cillia, Rudolf. Varietätenreiches Deutsch. Deutsch als plurizentrische Sprache und DaF-Unterricht. In: Krumm, H.-J.; Protmann-Tselikas, P. (org.). Begegnungssprache Deutsch - Motivation, Herausforderung, Perspektiven. Innsbruck: Wien-Bozen, 2006, p. 51-65.58), os alunos podem ter uma visão realística da língua, que evita situações desagradáveis na estadia nos países em que se fala, especificamente, alemão. No caso de DaF, a abordagem não deve ser somente pluricêntrica (De Cillia 2006: 51), baseada nos centros principais nos quais se fala alemão, mas deve contemplar os aspectos sociais e estilísticos.

Apresentar um recorte realístico da língua estrangeira nem sempre é tarefa simples. Principalmente nos materiais para iniciantes, os textos são concebidos para fins didáticos, ou seja, são simulacros linguísticos, o que dificulta atingir essa legitimidade. Por esse motivo, Maijala (2007Maijala, Minna. Was ein Lehrwerk können muss - Thesen und Empfehlungen zu Potenzialen und Grenzen des Lehrwerks im Unterricht Deutsch als Fremdsprache. Info DaF, v. 34, n. 6, 2007, p. 543-561.: 549) argumenta que os textos podem parecer artificiais, o que, consequentemente, pode dificultar o processo de aprendizagem da língua-alvo, pois o aluno tem pouca ou praticamente nenhuma exposição a situações reais de uso da língua. Por isso, muitas vezes, o texto do livro didático é uma simulação de legitimidade, ou seja, da realidade da língua-alvo.

No âmbito da língua materna, Bekes e Neuland (2006Bekes, Peter; Neuland, Eva. Norm und Variation in Lehrwerken und im muttersprachlichen Unterricht. In: Neuland, Eva (org.). Variationen im heutigen Deutsch: Perspektiven für den Unterricht. Frankfurt a. M.: Peter Lang, 2006, p. 507-524. ), ao analisar livros didáticos de língua alemã para anos finais e ensino médio, perceberam que a temática da variação linguística vem sendo, historicamente, pouco discutida nesses materiais. Inicialmente, só se abordava a variedade padrão, explorando a gramática, a ortografia e a fala e a escrita ditas “corretas”. Posteriormente, a variedade não padrão passou a aparecer nos livros didáticos, mas foi transmitida como uma variedade muitas vezes inadequada e passível de provocar problemas de comunicação. Atualmente há, em muitos livros, um capítulo intitulado “Sprachreflexion” (reflexão acerca da língua), mas o mesmo apresenta os conhecimentos de forma pontual, descontextualizada e sem possibilidade de progressão.

Da mesma forma, Faraco (2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ) analisou os livros didáticos de português e constata que os fenômenos de variação são ainda marginais e maltratados, pois são abordados tendo a “cultura do erro” como pano de fundo. A variação geográfica é proeminente e repetidamente é exposta de maneira anedótica, com tiras do Chico Bento, por exemplo. Além disso, o autor conclui que a variação estilística é explorada de maneira superficial, pois os materiais didáticos:

dificilmente consideram que, em língua, o que ocorre são contínuos de variação e não recortes estanques. Os livros tendem a bater na tecla de que há uma relação um-a-um entre situação e variedade de língua (...). Raramente os livros didáticos tratam da variação social - isto é, dos contrastes, conflitos, aproximações e distanciamentos entre as variedades do português chamado de popular (a norma popular) e as variedades do português chamado culto (a norma culta). É nesse ponto que residem os estigmas linguísticos mais pesados de nossa sociedade (Faraco 2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. : 42).

Então, além de oferecer uma visão estereotipada da variação geográfica, eles fornecem ora a variação social a partir de um caráter anedótico, ora a sua ausência. Diante disso, Faraco (2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. : 42) propõe um grande desafio, isto é, construir uma pedagogia da variação linguística que sensibilize as crianças e os jovens para a variação. Como professores, temos de enfrentar o desafio de construir uma pedagogia que:

  • a) reconheça o Brasil como país multilíngue;

  • b) dê destaque crítico à variação social;

  • c) não dê um tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da variação;

  • d) localize adequadamente os fatos da norma culta no quadro amplo da variação e no contexto das práticas sociais que a pressupõem;

  • e) abandone criticamente o cultivo da norma-padrão;

  • f) estimule a percepção do potencial estilístico e retórico dos fenômenos da variação.

Dessa forma, é mais possível combater os estigmas linguísticos, a violência simbólica, as exclusões sociais e culturais fundadas na diferença linguística. Esses pressupostos podem ser importantes também para a aula de língua estrangeira, conforme propomos mais adiante neste trabalho. Essa tarefa de refletir também sobre a variação no ensino de língua estrangeira no Brasil é urgente, pois o número de trabalhos encontrados sobre a linguística em variação em livros didáticos de língua estrangeira é muito limitado (Carvalho 2002Carvalho, Orlene Lúcia de Saboia. Variação Lingüística e ensino: Uma análise dos livros didáticos de português como segunda língua. In: Bagno, Marcos (org.). Linguística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 267-289.; Ribeiro 2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014.; Schmitt 2012Schmitt, Tafarel. Para além do padrão? Variação linguística na coleção didática Links. 2012. 85f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2012.).

Quando se trata de variação, muito se evidencia na fala. Baseada nessa afirmação, Carvalho (2002Carvalho, Orlene Lúcia de Saboia. Variação Lingüística e ensino: Uma análise dos livros didáticos de português como segunda língua. In: Bagno, Marcos (org.). Linguística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 267-289.) analisou fenômenos gramaticais em manuais de português como segunda língua (L2), observando a ênfase dada ao português brasileiro (PB) falado. A autora percebeu, porém, que os livros analisados pouco apresentam a realidade da língua falada. De acordo com Carvalho (2002: 272), “impera na maioria dos livros uma atitude prescritivista ainda bastante dependente das gramáticas normativas”. Para que o aluno tenha competência comunicativa na L2 (cf. Hymes 1972Hymes, Dell. On Communicative Competence. In: Pride, J. B.; Holmes, J. (org.) Sociolinguistics. Selected Readings. Harmondsworth: Penguin, 1972, p. 269-293.), o que é basicamente a capacidade de usar regras da língua na comunidade de fala na qual está inserido, é importante que o aluno tenha “acesso aos usos reais da língua” (Carvalho 2002: 268).

Ribeiro (2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014.), ao analisar livros didáticos de alemão como L2 (Deutsch als Zweitsprache - DaZ), reconheceu que, nessas obras, há uma reflexão sobre a linguagem formal e informal, bem como a exploração de situações cotidianas (trabalho, escola, compras) e gêneros diversos (anúncio de emprego, bilhete, convite). Porém, o autor afirma que a temática da variação linguística não aparece de forma explícita nos textos e exercícios. Para o autor, baseado em Lajolo (1996), cabe ao professor, em situações como essa, adaptar ou criar exercícios baseados nesses textos com o objetivo de proporcionar aos alunos a reflexão sobre as diferentes formas de usar a língua de acordo com os diferentes contextos comunicativos (Ribeiro 2014).

Em um trabalho análogo, Schmitt (2012Schmitt, Tafarel. Para além do padrão? Variação linguística na coleção didática Links. 2012. 85f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2012.) analisou a variação linguística em livros didáticos de inglês como L2. Trata-se de livros didáticos avaliados pelo PNLD (coleção Links). O autor quantificou a presença da variação e constatou que o tratamento dado à variação linguística está presente nas atividades, mas de forma extremamente superficial, porque os alunos são expostos a duas variedades-padrão do inglês: a norte-americana e a britânica. Há predomínio da apresentação da variação nas atividades de áudio, ou seja, a variação fonético-fonológica é priorizada, em detrimento da variação nos níveis semântico e lexical. Porém, não há qualquer reflexão sobre as características dessas duas variedades, o que pode, segundo o autor, dificultar que o aluno compreenda a heterogeneidade da língua e que ele respeite suas diversas variedades.

Defendemos, baseados nos estudos acima reportados, a importância da análise crítica de livros didáticos tanto de língua materna quanto de segunda língua e de língua estrangeira. O professor precisa estar ciente de que um livro didático necessita apresentar um recorte real da língua-alvo. Por isso, conduzimos a presente pesquisa, cujo método é exposto a seguir.

2 Método

Selecionamos dois livros didáticos de DaF, um para adolescentes e outro para adultos, obedecendo aos critérios abaixo explicitados. A análise de ambos os livros é, de um lado, de cunho quantitativo, ou seja, quantificamos as ocorrências, a fim de estabelecer uma visão panorâmica da variação. De outro lado, por meio da análise mais qualitativa, analisamos o tratamento dado à variação nos livros selecionados. Nesta seção, caracterizamos os livros didáticos, explicamos a elaboração do corpus para análise e como esta foi conduzida.

2.1 Livros didáticos selecionados

Os livros Geni@l Klick A1 (Koenig et al. 2011Koenig et al. Geni@l Klick A1. Klett-Langenscheidt: München, 2011.) e Berliner Platz 1 NEU (Lemcke; Rohrmann; Scherling 2009Lemcke, Christiane; Rohrmann, Lutz; Scherling, Theo. Berliner Platz NEU 1, Deutsch im Alltag - Lehr- und Arbeitsbuch. Berlin/München: Editora Langenscheidt, 2009.) foram selecionados com base nos seguintes critérios:

  • a) Atualidade - procuramos por dois livros adotados em escolas de educação básica e cursos de línguas no Brasil (pelo menos à época da coleta de dados);

  • b) Nível de proficiência - procuramos por livros destinados a iniciantes, nível A1 (CONSELHO DA EUROPA 2005), para verificar se o uso variável da língua já está presente na aprendizagem inicial;

  • c) Público-alvo - procuramos por dois livros destinados a diferentes públicos, para fins de comparação (adolescentes e adultos);

  • d) Editora - para assegurar uma comparação somente entre as faixas etárias (não entre livros de editoras diferentes), procuramos por livros da mesma editora, no caso, a Langenscheidt. O nosso acesso aos livros justifica a opção por essa editora, de alcance mundial.

O livro Geni@l Klick A1 (Koenig et al. 2011Koenig et al. Geni@l Klick A1. Klett-Langenscheidt: München, 2011.) é destinado a adolescentes. Ele é a segunda edição do livro Geni@l, revista e atualizada. Os autores propõem doze capítulos com temas diversificados de oito páginas cada. Além disso, o pacote contempla um livro de exercícios, um Intensivtrainer, CDs e um DVD. O livro parece bastante atual e possui fotos e ilustrações, que visam mostrar o mundo dos adolescentes. Uma proposta do material é abordar temas atuais, bem como o multilinguismo nas aulas, neste caso, a comparação entre diversas línguas. No livro, há uma seção de atividades representada por três diferentes bandeiras, na qual os alunos têm a oportunidade de comparar línguas (Sprachen vergleichen). No fim do livro, há uma lista de todas as palavras que apareceram nos capítulos, inclusive os estrangeirismos.

O livro Berliner Platz 1 NEU (Lemcke; Rohrmann; Scherling 2009Lemcke, Christiane; Rohrmann, Lutz; Scherling, Theo. Berliner Platz NEU 1, Deutsch im Alltag - Lehr- und Arbeitsbuch. Berlin/München: Editora Langenscheidt, 2009.) é destinado a adultos e é uma versão revista e atualizada do livro Berliner Platz 1. O livro é composto por doze capítulos com dez páginas cada. O aspecto visual também é colorido e possui fotos e ilustrações. No pacote do material, além do livro-curso, há um livro de exercícios, um Intensivtrainer, CDs, um DVD e livros complementares (Im Alltag e Treffpunkt D-A-CH). Os autores visam fornecer uma preparação intensiva para o cotidiano nos países germanófonos, para adultos que estão situados dentro ou fora dos países germanófonos.

2.2 Análise

Cada um dos livros-curso foi analisado. Foi considerada como variação aquela variável linguística que é correlacionada com alguma variedade não linguística do contexto social (cf. Labov 2008Labov, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972].). Então, cada uma das atividades das doze lições de cada livro-curso foi analisada e procuramos pelas atividades que abordam a variação linguística em alguma dimensão. Em seguida, as ocorrências de uso não padrão da língua alemã foram divididas de acordo com a habilidade que está sendo focalizada naquela atividade (Hören, Lesen, Sprechen, Schreiben, Wortschatz e Grammatik5 5 Tradução: Escutar, ler, falar, escrever, vocabulário e gramática. ) e quantificadas, estabelecendo uma visão panorâmica das dimensões da variação. O nível linguístico correspondente ao uso variável (fonético-fonológico, morfossintático ou semântico-lexical) também foi categorizado, bem como em que dimensão ocorre a variação (social, geográfica ou estilística). Essa abordagem de análise está de acordo com o objetivo deste artigo, segundo o qual visa-se compreender em que contextos as variedades se concretizam.

As atividades que contêm uso variável da língua alemã foram incluídas no corpus do estudo e foram analisadas qualitativamente. Para este trabalho, devido às limitações de espaço, é apresentada a análise qualitativa de uma atividade do livro Geni@l Klick A1 e uma atividade do livro Berliner Platz NEU 1. Foram selecionadas duas atividades que abarcam uso não padrão da língua e analisadas quanto (1) aos seus objetivos (apresentados no manual do professor); (2) à ênfase à variação, isto é, se o livro chama atenção aos aspectos variáveis da língua (por exemplo, Grüß Gott se fala na Áustria e na Bavária; Guten Tag se fala nas outras regiões da Alemanha); (3) aos níveis linguísticos com uso variável da língua; (4) à habilidade focalizada; (5) ao tipo de variação incluído; (6) e a outras possibilidades de abordar o material.

3 Análise e discussão

A primeira fase da análise consistiu na quantificação das ocorrências do uso variável da língua alemã no livro didático. O livro-curso Geni@l Klick A1 (Koenig et al. 2011Koenig et al. Geni@l Klick A1. Klett-Langenscheidt: München, 2011.) é composto por 186 atividades, distribuídas nas doze lições. Entre essas atividades, foram encontradas em 45 delas ocorrências de variantes linguísticas correlacionadas com aspectos sociais, geográficos ou contextuais. Esse número totaliza 24,8% das atividades do livro com ocorrências de variação. Por outro lado, foram encontradas no livro Berliner Platz NEU 1 (Lemcke; Rohrmann; Scherling 2009Lemcke, Christiane; Rohrmann, Lutz; Scherling, Theo. Berliner Platz NEU 1, Deutsch im Alltag - Lehr- und Arbeitsbuch. Berlin/München: Editora Langenscheidt, 2009.) menos ocorrências: entre as 145 atividades das doze lições, 31 delas possuem uso variável da língua alemã, totalizando 21,4% das atividades com variação em alguma dimensão da língua. O livro para adultos, possui, portanto, uma porcentagem um pouco menor de ocorrências de variação linguística.

Dividiu-se o número de ocorrências de acordo com a habilidade que está sendo focalizada e por tipo de atividade: Hören (compreensão auditiva), Lesen (compreensão leitora), Schreiben (escrita), Sprechen (fala), Wortschatz (vocabulário). Não foi encontrada variação em atividades de gramática. Na tabela 1, apresentamos a relação entre a habilidade focalizada na atividade e o número de atividades com ocorrência de variação linguística.

Tabela 1
Número de atividades (e porcentagem) com ocorrência de variação em cada um dos livros e relação com a habilidade focalizada na atividade

Na tabela, pode-se notar a predominância da variação nas atividades de audição em ambos os livros, como também encontrado por Schmitt (2012Schmitt, Tafarel. Para além do padrão? Variação linguística na coleção didática Links. 2012. 85f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2012.) em livros de inglês. Dessa forma, identifica-se que a maior parte das ocorrências de variação nos dois livros se situa no nível fonético-fonológico, ou seja, os alunos podem ouvir variantes não padrão da língua alemã, com áudios falados por pessoas falantes de alguma variedade regional ou por jovens falantes de gírias.

Apesar disso, a tabela 2 (abaixo) evidencia que a predominância da variação no nível fonético-fonológico ocorre somente no livro para adultos. No livro para adolescentes, há mais ocorrências de textos escritos (30,4%) que contêm formas não padrão do que no livro para adultos. Quando o livro oferece outras formas de usar a língua, além da norma padrão, o aluno pode compreender que há variação em todos os aspectos da língua (Cezario; Votre 2011Cezario, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: Martelotta, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2011, p. 141-156.). No entanto, pode-se verificar que falta abordar a variação linguística nas outras habilidades (Schreiben e Sprechen), de modo que o uso variável da língua está quase restrito à compreensão, o que pode levar os alunos a não usarem essas formas não padrão. A seguir, na Tabela 2, apresentamos um panorama do nível linguístico no qual a variação está presente.

Tabela 2
Número de atividades (e porcentagem) com ocorrência de variação em cada um dos livros e nível da língua com a variação

Nessa tabela, visualiza-se a diferença entre os dois livros no que tange ao nível linguístico da variação. No livro para adolescentes, a maior parte da variação se situa no nível léxico-semântico. No livro Geni@l Klick A1, é possível encontrar muitos estrangeirismos, provindos do inglês, como, por exemplo, cool, sorry, bye, hi, baby-sitter, hey, entre outros, que se restringem a palavras. Além disso, o livro apresenta uma atividade (página 85) com palavras utilizadas em mensagens de SMS e na internet por jovens na Alemanha (4u → for you - für dich; bb → bis bald; M2me too - ich auch, entre outras). Por meio dessas ocorrências, o livro didático exibe marcadores (cf. Labov 2008Labov, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972].) correlacionados a uma identidade de jovem, globalizada e conectada com o mundo. Por isso, essas ocorrências podem ser caracterizadas como casos de variação social (cf. Zilles 2008Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008. ), com formas linguísticas correlacionadas à identidade de determinado grupo social ao qual o livro é destinado.

No livro para adultos, o nível linguístico no qual há mais ocorrências de variação é o fonético-fonológico. Entre essas ocorrências, 11 tratam de variação geográfica, o que tem relação com a abordagem pluricêntrica da língua alemã (De Cillia 2006De Cillia, Rudolf. Varietätenreiches Deutsch. Deutsch als plurizentrische Sprache und DaF-Unterricht. In: Krumm, H.-J.; Protmann-Tselikas, P. (org.). Begegnungssprache Deutsch - Motivation, Herausforderung, Perspektiven. Innsbruck: Wien-Bozen, 2006, p. 51-65.). É possível identificar a apresentação da variedade não padrão, principalmente na produção do /r/, que, segundo Wiese (2003Wiese, Richard. The Unity and Variation of (german) /r/. Zeitschrift für Dialektologie und Linguistik, v. 70, n. 1, 2003, p. 25-43. ), em posição pré-vocálica, pode ser uma fricativa uvular [] ou vibrante alveolar [r]. A uvular é produzida mais no norte da Alemanha e é considerada a forma padrão (cf. Wiese 2003), ao passo que a vibrante é produzida mais em Bayern e na Áustria. Pode-se ouvir nos textos também “sotaques” de grupos estrangeiros falando alemão, principalmente turcos, exemplos de variação social. A variação no nível morfossintático é baseada no Sie e no du, focalizada no livro para adultos, os quais, talvez, necessitam mais do uso dessa diferença em contextos de trabalho. Esse aspecto da variação linguística, relacionado ao uso do pronome pessoal formal e informal, também foi percebido por Ribeiro (2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014.) no livro para aprendizes de alemão em contexto de imersão.

Foram analisadas duas atividades que contêm ocorrências de uso não padrão da língua alemã, uma de cada livro didático, escolhidas por contemplarem também o uso de formas não padrão da língua alemã. A atividade do livro Geni@l Klick A1 (Koenig et al. 2011Koenig et al. Geni@l Klick A1. Klett-Langenscheidt: München, 2011.: 97) e atividade do livro Berliner Platz NEU 1 (Lemcke; Rohrmann; Scherling 2009Lemcke, Christiane; Rohrmann, Lutz; Scherling, Theo. Berliner Platz NEU 1, Deutsch im Alltag - Lehr- und Arbeitsbuch. Berlin/München: Editora Langenscheidt, 2009.: 104) estão situadas na segunda metade dos livros (lição 10 e lição 9, respectivamente) e são atividades nas quais predomina a leitura. As atividades foram analisadas de acordo com o seu objetivo, a autenticidade do material, os níveis linguísticos nos quais há uso não padrão da língua alemã, os tipos de variação, a ênfase à variação e as possibilidades de adaptação do material (isto é, o que poderia ser feito com relação à variação apresentada).

A atividade do livro Geni@l Klick A1 (Figura 1) é complementar a uma atividade anterior, na qual os alunos leem e escutam uma narrativa. No apêndice A, está inserida a tradução da atividade, a fim de fomentar a discussão sobre variação com profissionais de outras línguas. A tarefa dos alunos é relacionar as afirmações aos personagens da narrativa. O objetivo da atividade com todo o texto foi exercitar a compreensão de um texto narrativo, apresentando pela primeira vez no livro.

Figura 1:
Exemplo de atividade que contempla usos não padrão no livro Geni@l Klick A1

Depois de ler a proposta de atividade, logo temos a impressão de que o material foi concebido especialmente para o livro didático, porque contém frases com estruturas semelhantes entre si, todas simples (uso do tempo verbal presente, de frases curtas e de vocabulário trabalhado na lição). Por isso, o texto em análise não parece ser autêntico; segundo Maijala (2007Maijala, Minna. Was ein Lehrwerk können muss - Thesen und Empfehlungen zu Potenzialen und Grenzen des Lehrwerks im Unterricht Deutsch als Fremdsprache. Info DaF, v. 34, n. 6, 2007, p. 543-561.), o texto parece artificial, um simulacro linguístico. Assim, ele corre o risco de não mostrar aos aprendizes uma representação mais próxima de uma situação de comunicação real e comum, produzida por falantes dessa língua-alvo (cf. Cezario; Votre 2011Cezario, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: Martelotta, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2011, p. 141-156.).

Observando fatores internos à língua, a atividade contempla o uso não padrão de alemão no nível lexical. Quando um dos alunos lamenta o fato de ter passado o fim de semana com sua avó, ele usa uma expressão mais comum a adolescentes - So ein Mist! (afirmação 4). Em contrapartida, quando o professor se surpreende com as notas dos seus alunos, é utilizada uma expressão mais antiga - Donnerwetter! (afirmação 5). Na afirmação 3, a palavra Mann antecede uma sentença em que o personagem demonstra interesse por algo que lhe contaram. Esse termo é utilizado, neste caso, como ‘cara’ no português, tendo um uso bem informal. Ainda, traços de oralidade como Hm, Hey, super e ich hab’ confirmam o uso informal das afirmações. A propósito, o uso de ich hab’ com a elipse é uma das poucas ocorrências de variação no nível morfossintático encontradas no livro para adolescentes. Nessa atividade, proposta para um público-alvo infantojuvenil, a variação linguística não é tomada como elemento central da aula. Entretanto, as ocorrências nesse nível linguístico são mais diversificadas do que no livro para adultos, porque este se restringe quase que exclusivamente à diferença entre du e Sie.

Observando fatores externos à língua, as expressões supracitadas têm seu uso também relacionado à faixa etária dos falantes. O professor utiliza um vocabulário diferente dos alunos, por pertencerem a gerações distintas (Ribeiro 2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014.; Zilles 2008Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008. ). Além da variação etária, poderíamos mencionar que grande parte do vocabulário da atividade é mais comum na fala em comparação à escrita, sendo utilizado principalmente em contextos informais. Dessa forma, por meio da apresentação de uma variedade mais informal (variação estilística), parece-nos que a ideia dos autores do livro didático foi imitar a fala. Esse excerto do livro para adolescentes exemplifica a predominância da variação no nível léxico-semântico.

Apesar de ser um texto com estrutura mais informal, ele mantém um elemento cultural alemão que se faz presente na língua, que é o uso do pronome de tratamento Herr (Senhor) para homens adultos - neste caso, o professor. O uso desse termo demonstra distanciamento e respeito e é considerado muito importante e polido pelos falantes dessa língua-alvo. Como não se utiliza, em geral, com tanta frequência, esse pronome na língua portuguesa falada no Brasil, seria importante que o professor realizasse um adendo e enfatizasse esse aspecto com os alunos, propondo que os alunos experienciem o uso desse pronome de tratamento nas aulas de língua estrangeira. Assim, o professor estaria proporcionando aos alunos “um ensino de língua sensível às diferenças socioculturais” (Guy; Zilles 2006Guy, Gregory; Zilles, Ana Maria S. O ensino da língua materna: uma perspectiva sociolingüística. Calidoscópio, v. 4, n. 1, 2006, p. 39-50.: 42).

A habilidade que está sendo focalizada nessa atividade é a leitura. Ao ler as afirmações, o aluno deve relacioná-las aos personagens, lembrando do texto lido anteriormente. É interessante ainda salientar que a variação lexical é contemplada no texto das afirmativas, mas não é colocada em análise ou em discussão. As expressões aparecem como algo natural ao texto, sem serem grifadas. Seria interessante salientar o contexto de uso das expressões, talvez dentro de um contínuo de variação (cf. Bortoni-Ricardo 2005Bortoni-Ricardo, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.) de informal para formal, para que os alunos estejam cientes de quando usar as determinadas variantes. Poderia haver uma atividade posterior às afirmações que colocasse essas expressões em questão, para que os aprendizes de DaF, mesmo iniciantes, já pudessem refletir e perceber diferenças acerca do uso da linguagem na formalidade e na informalidade (variação estilística). Dessa forma, o professor pode proporcionar atividades de conscientização linguística, que, conforme García (2008García, Ofelia. Multilingual Language Awareness and Teacher Education. Encyclopedia of language and education. Knowledge about language, v. 6, p. 385-400, 2008. ), fornecem conhecimento explícito sobre línguas e a percepção consciente e sensível na aprendizagem e no uso das línguas.

No livro Berliner Platz NEU 1, a atividade selecionada (Figura 2, com tradução no apêndice B), tem como objetivo exercitar a compreensão leitora e introduzir vocabulário referente à viagem, porque depois desse texto seguem diálogos cujo contexto são situações na cidade de Viena. O objetivo da atividade é introduzir o Perfekt e exercitar a compreensão textual. O e-mail, assim como no livro para adolescentes, não parece ser autêntico.

Figura 2:
Exemplo de atividade que contempla usos não padrão no livro Berliner Platz NEU 1

A atividade contempla o uso variável da língua alemã principalmente no nível léxico-semântico. Há o uso repetido do super, tanto como prefixo para indicar intensidade, como em superbilliges (“hiperbarato”), quanto como adjetivo - Das ist super! O gênero e-mail pode permitir ainda expressões mais informais e que reproduzem traços fonético-fonológicos, como Schöööön! (“Boniiiito!”). O exemplo de variação no nível lexical é o uso da palavra Beisl, variante austríaca que significa “taverna”.

A habilidade focalizada nessa tarefa é a leitura. Contudo, os alunos devem escrever sobre o dia de Olga, de acordo com a descrição feita no e-mail. A variação contemplada no texto é a variação estilística, caracterizada pelo uso informal da língua alemã e, também, a geográfica, caracterizada pelo uso da variedade austríaca do alemão. Dessa forma, a abordagem pluricêntrica da língua alemã (cf. De Cillia 2006De Cillia, Rudolf. Varietätenreiches Deutsch. Deutsch als plurizentrische Sprache und DaF-Unterricht. In: Krumm, H.-J.; Protmann-Tselikas, P. (org.). Begegnungssprache Deutsch - Motivation, Herausforderung, Perspektiven. Innsbruck: Wien-Bozen, 2006, p. 51-65.) é mais presente no livro para adultos, em comparação com o livro para adolescentes.

Diferentemente do livro para adolescentes, aqui há uma pequena ênfase ao uso variável da língua alemã. A remetente do e-mail, Olga, que foi a Viena, conta para a sua amiga Kim como foi o dia na cidade. Surgindo uma palavra nova no contexto da Alemanha, Olga a explica, colocando-a entre aspas. Essa explicação dada pela remetente do e-mail é mais elucidativa do que uma explicação pelo professor, porque a palavra é contextualizada dentro do gênero textual.

Como adaptação, os autores do livro poderiam ter incluído o trabalho explícito com a variação na proposta de atividade (como também sugere Ribeiro, 2014Ribeiro, Igor Marques. A concepção de variação linguística em material didático para o ensino de alemão a imigrantes na Alemanha. 2014. 73f. Trabalho de conclusão (Graduação). Unidade Acadêmica de Graduação/Unisinos, São Leopoldo, 2014.). No texto, escrito por uma alemã que viajou para a Áustria, poderiam ser incluídas mais palavras na variedade austríaca. Poderiam ser explorados, por exemplo, os cumprimentos e despedidas, como, por exemplo Servus e Grüß Gott, utilizados na Áustria. Poderia seguir ao texto uma proposta de atividade com algumas palavras e expressões no alemão austríaco. Desse modo, com base em Lajolo (1996), compete ao professor conduzir a aula com as adaptações que julgar mais necessárias, tanto no sentido de desenvolver outras atividades a partir do mesmo texto, propor discussões, pesquisas ou utilizar vídeos autênticos para complementar essa reflexão.

Diante das discussões feitas com base nas análises dos livros didáticos, surgem reflexões relacionadas à pedagogia da variação linguística, proposta por Faraco (2007Faraco, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: Correia, Djane A. A relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ), que também possam ser adotadas nas aulas de DaF. Para tanto, sugere-se uma reflexão e análise do livro didático, para facilitar a sua escolha (Apêndice C). É importante que se busque enfrentar o desafio de construir uma pedagogia que, durante a trajetória de aprendizagem do aluno:

  • a) reconheça que a Alemanha é país multidialetal, em função dos dialetos regionais e dos contextos de contato linguístico nas fronteiras; e multilíngue, principalmente em função dos imigrantes, da reunificação, do uso do inglês;

  • b) relacione a variação social com a própria estrutura de classes sociais, levando em conta ainda acesso aos bens culturais;

  • c) não dê um tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da variação;

  • d) localize adequadamente os fatos do alemão-padrão no quadro amplo da variação e no contexto das práticas sociais que a pressupõem;

  • e) reconheça a língua alemã como pluricêntrica (vários países, comunidades em muitos lugares do mundo) e a presença de línguas minoritárias de origem alemã no Brasil, promovendo atitudes de respeito à diversidade que se produz por essas separações, pelas identidades que se produzem;

  • f) estimule a percepção do potencial estilístico e retórico dos fenômenos da variação.

A complexidade dessa tarefa é evidente, principalmente devido aos currículos engessados das escolas brasileiras, nos quais nem sempre há espaço para atividades que ultrapassam os limites do livro didático. Apesar disso, muitos desses itens podem ser atingidos por meio de ações de conscientização linguística, de modo que os alunos estejam cientes da abrangência e da dinamicidade da língua que estão aprendendo.

Outro desafio em se propor a abordagem da variação linguística nas aulas de línguas estrangeiras é que, muitas vezes, essa reflexão ainda não ocorre nas aulas de e em língua materna. Assim, cabe ao professor de língua estrangeira sensibilizar o aluno para esse aspecto e, quem sabe, desconstruir preconceitos (cf. Cagliari 1989Cagliari, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 1989.). No Brasil, há alguns anos, um livro didático para a Educação de Jovens e Adultos (Aguiar et al. 2011Aguiar, Carolina A et al. Por uma vida melhor. São Paulo: Editora Global, 2011. (Coleção Viver, Aprender, v. 2/Multidisciplinar). ) gerou grande polêmica, por expor, no seu capítulo inicial, um texto que apresentava a temática da variação linguística por meio de excertos diferentes do que propõe a norma padrão.

No contexto brasileiro, os materiais didáticos para DaF se afastam muito das variedades faladas nas comunidades, uma vez que a maioria deles é elaborada na Alemanha para aprendizes do mundo inteiro. Ademais, diante da diversidade linguística de origem alemã presente no Brasil (Altenhofen 2013Altenhofen, Cléo Vilson. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil. In: Nicolaides, Christine et al. (Eds.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes Editores, 2013, p. 93-116.), o que ocorre, em alguns casos, na prática de ensino de alemão é ignorar que comunidades brasileiras falam variedades como o hunsriqueano, o pomerano ou o westfaliano, o que pode acarretar um estranhamento do falante de língua minoritária quando este aprende a variedade padrão, mesmo que ambas são variedades de uma mesma língua. O professor que entende os fatos de variação pode ter uma postura mais adequada e respeitosa para com os dialetos e línguas minoritárias, aproveitando-os como um efeito de facilitação na aprendizagem da variedade padrão.

Recentemente, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (Brasil 2018), que institui como obrigatório o ensino de língua inglesa para os anos finais do ensino fundamental nas escolas brasileiras, a diversidade linguística vem sendo discutida e, em certa medida, ameaçada, já que se exige o ensino de uma língua específica, o que pode coibir o ensino de outras e a valorização do plurilinguismo. A língua alemã, assim como outras línguas, pode perder espaço em comunidades que buscam manter o ensino de uma língua de herança.

Apesar de propor o ensino de uma mesma língua estrangeira - abordada como língua franca - para todas as regiões brasileiras, o referido documento prevê a diversidade através da proposta do ensino que apresente a dimensão intercultural como um dos eixos organizadores do ensino da língua. Essa dimensão contempla aspectos culturais e identitários que a língua abrange. Ela prevê que se sensibilize o aluno a perceber as variedades da língua inglesa, reconhecendo os países que têm essa língua como materna ou oficial, mas também reconhecendo que essa língua faz parte do cotidiano do aluno. Assim, percebe-se uma proposta voltada para a variação linguística no ensino de língua inglesa, apesar de o documento não utilizar esses termos para definir o trabalho com a língua.

Portanto, já existem ações, previstas em documentos legais e disponíveis em materiais didáticos, que se direcionam para um ensino de línguas mais pluricêntrico e que busquem abordar e refletir sobre as variações de uma língua. Entretanto, sugere-se que esse aspecto seja abordado mais frequentemente nas aulas de línguas estrangeiras.

Conclusão

Em suma, este trabalho mostrou que os autores de ambos os livros de DaF apresentam aos alunos uma variedade realística da língua, embora ainda haja limitações quantitativas: em torno de somente um quarto das atividades em cada um dos livros contêm alguma ocorrência de variantes linguísticas correlacionadas com aspectos sociais, geográficos ou contextuais. Ambos os livros apresentam o maior número de ocorrências nas atividades cujo foco é a compreensão auditiva, mas o livro para adultos focaliza também os aspectos fonético-fonológicos, associados à variação geográfica, ao passo que o livro para adolescentes focaliza mais o uso variável no léxico, correlacionado à variação estilística.

Embora os textos e as atividades dos livros didáticos analisados contemplem alguns tipos de variações linguísticas, não se pode garantir que os autores se preocupem, de fato, em discutir a temática da variação. Ela não foi considerada um conteúdo para estudo e reflexão. Caberia ao professor estabelecer relações e orientar as reflexões necessárias para compreensão da variação na língua alemã. Por isso, afirma-se que é muito importante que o professor, em sua formação acadêmica, tenha a oportunidade de estudar essa temática e refletir criticamente sobre ela.

Temos a consciência de que o livro didático é um dos recursos para a aula de línguas e não o único. Porém, acreditamos que ele seja um recurso muito importante para a aprendizagem, podendo servir de auxílio no desenvolvimento de competências linguísticas (cf. Limberger; Barbosa 2015Limberger, Bernardo; Zilles, Ana Maria Stahl. O tratamento dado à variação linguística em livros didáticos de alemão como língua estrangeira. In: 9° Congresso Brasileiro de Professores de Alemão, 2015, São Leopoldo. Caderno de resumos. São Leopoldo: Casa Leiria, 2015, p. 109-110. ).

É importante destacar que os livros didáticos analisados neste artigo foram produzidos na Alemanha e, assim, priorizam a variedade alemã falada naquele país. Também precisa-se reconhecer que as obras analisadas têm um alcance muito abrangente a nível mundial, sendo/tendo sido utilizadas em aulas de DaF em diversos países. Esses fatores poderiam ter sido determinantes para a construção de um livro didático que fosse aplicável em diferentes realidades.

Apesar de algumas generalizações serem possíveis, este trabalho possui algumas limitações. O escopo do nosso estudo foram os livros-curso, porque eles fundamentam, normalmente, o ensino de DaF. Entretanto, os materiais complementares, em especial o livro de exercícios, também poderiam demonstrar usos variáveis da língua alemã. Trabalhos futuros poderão contemplar outros livros didáticos como, por exemplo Sage und Schreibe (Fandrych; Tallowitz 2015Fandrych, Christian; Tallowitz, Ulrike. Sage und Schreibe. Übungswortschatz Grundstufe A1-B1 mit Lösungen. Neubearbeitung mit Audio-CD. Stuttgart: Klett, 2015. ), Entdeckungsreise D-A-CH (Pilaski et al., 2011Pilaski, Anna et al. Entdeckungsreise D-A-CH. Stuttgart: Klett, 2011. ), livros para adultos, que parecem contemplar o uso variável da língua alemã, especialmente com relação à variação geográfica. Quanto mais estudos sobre essa temática, mais subsídios terão os professores para que eles possam analisar de forma crítica a língua que estão ensinando. É importante trabalhar criticamente com o livro didático, não somente no que tange à variação como também à autenticidade dos textos e das imagens discursivas (cf. Arantes 2011Arantes, Poliana Costi C. Abordagens de Gêneros Textuais veiculados em livros destinados a aprendizes de LE em Língua Alemã. In: VI Simpósio Internacional de Estudos dos Gêneros Textuais, Natal, 2011.; 2018; Limberger; Barbosa 2015Limberger, Bernardo; Zilles, Ana Maria Stahl. O tratamento dado à variação linguística em livros didáticos de alemão como língua estrangeira. In: 9° Congresso Brasileiro de Professores de Alemão, 2015, São Leopoldo. Caderno de resumos. São Leopoldo: Casa Leiria, 2015, p. 109-110. ) e ao papel do professor (Uphoff 2009Uphoff, Dörthe. O poder do livro didático e a posição do professor no ensino de alemão como língua estrangeira. Tese (Doutorado). IEL/Unicamp, Campinas, 2009.), para que o aluno consiga compreender a dinamicidade da língua alemã.

Referências bibliográficas

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  • Uphoff, Dörthe. O poder do livro didático e a posição do professor no ensino de alemão como língua estrangeira. Tese (Doutorado). IEL/Unicamp, Campinas, 2009.
  • Wiese, Richard. The Unity and Variation of (german) /r/. Zeitschrift für Dialektologie und Linguistik, v. 70, n. 1, 2003, p. 25-43.
  • Zilles, Ana Maria Stahl. Variação no português falado e escrito no Brasil: Premissas, processos e avaliação social. Salto para o futuro: Português: um nome, muitas línguas. Brasília, DF, ano XVIII, boletim 08, maio 2008.
  • 1
    A análise dos livros didáticos aqui apresentada iniciou por ocasião do 9º Congresso Brasileiro de Professores de Alemão. Nesse evento, foram apresentadas e discutidas algumas reflexões sobre variação linguística e alemão como língua estrangeira (Limberger; Zilles 2015). Agradecemos imensamente à professora Ana pelos ensinamentos e pela oportunidade de discutir este trabalho.
  • 2
    Conforme Elspaß e Möller (2018). Disponível em <http://www.atlas-alltagssprache.de/brotchen/>. Acesso em 16.10.18.
  • 3
    Conforme Elspaß e Möller (2018). Disponível em <http://www.atlas-alltagssprache.de/r8-f4j-k-2/>. Acesso em 16.10.18.
  • 4
    Conforme Gallmann (2017/2018). Disponível em <http://www.personal.uni-jena.de/~x1gape/Ortho/V_Eszett_Skript.pdf>. Acesso em 16.10.18.
  • 5
    Tradução: Escutar, ler, falar, escrever, vocabulário e gramática.

APÊNDICE A - Tradução da atividade selecionada do livro Geni@l Klick A1 (p. 97)

10 Oito afirmações para a história - O que combina com quem?

a) Senhor Schmidt / b) O diretor / c) Olli / d) Martin (o melhor em matemática) / e) Susy / f) Sabine (muito ruim em matemática) e seu pai

  • 1 Olá, Olli, eu estou pronto(a). Tu tens os endereços de e-mail da nossa turma?

  • 2 Hum, senhor Schmidt, isto é estranho... quase todos tiraram um 1 [melhor nota]? Somente um 5...

  • 3 Ei, o que é isso? Homem, isto é interessante! Eu tenho que ligar imediatamente para o Martin.

  • 4 Que porcaria! E eu estava na minha avó no fim de semana.

  • 5 Puxa! Minha turma 7a é ótima em matemática!

  • 6 Ok, Martin, 30 barras de chocolate e o novo CD de “Jan Delay”!

  • 7 Um 1 em matemática! Eu não consigo acreditar! Isso tu tens que mostrar para a mamãe!

  • 8 Olá, Martin, eu tenho aí uma folha de tarefas, matemática!

APÊNDICE B - Tradução da atividade selecionada do livro Berliner Platz NEU 1 (p. 104)

10 Histórias de Viena

a Leia o e-mail. O que Olga fez? Escreva a rotina do dia.

DE: o.minakova@dep.de

PARA: kimmiller@zdx.com

Querida Kim,

na sexta-feira eu fui para Viena. Na internet eu encontrei uma oferta muito barata:

“Wien-City-Tour”, viagem de ônibus e hotel por somente 120 euros!

Eu levantei muito cedo. O ônibus já partiu às 6 horas. E no ônibus eu estudei. Retomei vocabulário!

“O ônibus, os ônibus: O ônibus parte às 17 horas. Quantas estações são até o Prater, por favor? Desculpe, como eu chego na Catedral de São Estêvão?”

O ônibus foi até o centro. Eu desci no mercado Naschmarkt. Primeiro eu tomei café da manhã. Depois do café da manhã eu fui até o Prater. Eu andei com a roda gigante e comi quase um quilo de sorvete. Legaaaal!

À noite nós fomos em um “Beisl”. Isso são pequenos bares com venda de vinho. Depois de dois copos de vinho eu entendi muito bem todas as pessoas. Viena é demais! Uma cidade legal. Lá pode-se vivenciar muitas coisas... :-)

Para amanhã nós também já temos um programa: Catedral de São Estêvão, Hofgarten e por fim no café Sacher. Às 17 horas o ônibus parte. E eu tenho que voltar novamente, sozinha. Que pena...

Eu tenho que te contar muita coisa!!

Até logo e lembranças,

sua Olga

APÊNDICE C - Sugestão de roteiro de reflexão sobre livro didático quanto às variedades linguísticas

  • 1- Há referência à variação linguística, diversidade, dialetos etc. já no sumário?

  • 2- Os textos escritos apresentam variação em que âmbito? Cite exemplos de variantes não padrão que são apresentadas no livro.
    • a)variação geográfica (são mostradas variedades utilizadas na Alemanha, Áustria e Suíça);

    • b)variação social (são mostradas variedades referentes às seguintes variantes: classe social, idade, gênero e situação social);

    • c)variação estilística (são mostrados registros formais e informais de uma variedade);

    • d)variação étnica (são mostradas variedades de diferentes grupos étnicos).

  • 2- Em que atividades (LV, HV, Schr, Spr, Gram, W) essas variantes são mais apresentadas?

  • 3- O material salienta expressões que pertencem a alguma variedade não padrão ou a um registro específico? De que forma? Com que objetivo?

  • 4- Há orientações de uso de determinadas variedades linguísticas?

  • 5- Como a gíria e a linguagem poética são tratadas no material didático?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2018
  • Aceito
    05 Nov 2018
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