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Supervisão dos Agentes Comunitários de Saúde na Estratégia Saúde da Família: a ótica dos enfermeiros* * Extraído da dissertação “O processo de trabalho do enfermeiro na supervisão ao Agente Comunitário de Saúde em equipes de saúde da família”, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2014

Resumos

Objetivo

Analisar as concepções de supervisão de enfermeiros na Estratégia Saúde da Família (ESF) em relação aos Agentes Comunitários de Saúde, tendo por referencial o processo de trabalho e as relações de poder.

Método

Estudo qualitativo, no qual foram realizadas 18 entrevistas com enfermeiros da ESF do interior do estado de Goiás. Após a transcrição, os dados foram submetidos a análise de conteúdo temática, sendo identificadas as seguintes categorias: Supervisão de olho em tudo e Supervisão é participar e trabalhar juntos.

Resultados

Dentre os achados, é evidente o caráter de controle e fiscalização realizados, principalmente, por meio de instrumentos impressos e visitas domiciliares, constituindo relações verticalizadas e impositivas e sofrendo a influência da gestão de saúde local. Outro achado é a realização da supervisão como um fazer junto e com a perspectiva educativa.

Conclusão

A supervisão realizada não proporciona as mudanças pretendidas pela ESF.




Supervisão de Enfermagem; Estratégia Saúde da Família; Agentes Comunitários de Saúde; Atenção Primária à Saúde


Objective

Analyzing the conceptions of supervision of nurses in the Family Health Strategy (ESF - Estratégia Saúde da Família) in relation to community health workers (ACS – Agente Comunitário de Saúde), taking for reference the work process and the power relations.

Method

A qualitative study, in which 18 interviews were carried out with nurses from the ESF in the countryside of the state of Goiás. Following transcription, the data were subjected to thematic content analysis and the following categories were identified: Supervision with that sees it all and Supervision is participating and working together.

Results

Among the findings, it is clear the character of control and monitoring that is carried out primarily through printed instruments and home visits, which constitute vertical and impositive relations, and suffer influence of the local health management. Another finding is the supervision as acting together and with the educational perspective.

Conclusion

The supervision carried out does not provide the changes intended by the ESF.

Nursing Supervisory; Family Health Strategy; Community Health Workers; Primary Health Care


Objetivo

Analizar las concepciones de supervisión de enfermeros en la Estrategia Salud de la Familia (ESF) con relación a los Agentes Comunitarios de Salud, teniendo como referencia el proceso laboral y las relaciones de poder.

Método

Estudio cualitativo, en el que se llevaron a cabo 18 entrevistas con enfermeros de la ESF del interior del Estado de Goiás. Luego de la transcripción, los datos fueron sometidos a un análisis de contenido temático, siendo identificadas las seguientes categorías: Supervisión no quitar el ojo y Supervisión es participar y trabajar juntos.

Resultados

Entre los hallazgos, es evidente el carácter de control y fiscali-zación realizados, especialmente mediante instrumentos impresos y visitas domiciliarias, constituyéndose relaciones verticalizadas e impositivas y sufriendo la influencia de la gestión de salud local. Otro hallazgo es la puesta en marcha de la supervisión como un acto conjunto y con perspectiva educativa.

Conclusión

La supervisión llevada a cabo no proporciona los cambios pretendidos por la ESF.

Supervisión de Enfermeira; Estrategia de Salud Familiar; Agentes Comunitarios de Salud; Atención Primaria de Salud


Introdução

A supervisão no setor de saúde apresenta diversas concepções, tais como: processo de avaliação, ensino, disciplinamento e identificação de problemas(101 Coelho MMF, Miranda KCL, Bezerra STF, Cabral STF, Leite R. Supervisão como tecnologia para a melhoria da atenção básica à saúde. Rev RENE. 2012;13(3):704-11), caráter educativo, de controle e articulação política(101 Coelho MMF, Miranda KCL, Bezerra STF, Cabral STF, Leite R. Supervisão como tecnologia para a melhoria da atenção básica à saúde. Rev RENE. 2012;13(3):704-11

02 Matumoto S, Fortuna CM, Mishima SM, Pereira MJB, Domingos NAM. Supervisão de equipes no Programa de Saúde da Família: reflexões acerca do desafio da produção de cuidados. Interface Comun Saúde Educ. 2005;9(16):9-24
-303 Oliveira VC, Gallardo PS, Gomes TS, Passos LMR, Pinto IC. Supervisão de enfermagem em sala de vacina: a percepção do enfermeiro. Texto Contexto Enferm. 2013;22(4):1015-21) e de apoio, autoanálise, autogestão(202 Matumoto S, Fortuna CM, Mishima SM, Pereira MJB, Domingos NAM. Supervisão de equipes no Programa de Saúde da Família: reflexões acerca do desafio da produção de cuidados. Interface Comun Saúde Educ. 2005;9(16):9-24).

No âmbito da enfermagem, a supervisão pode servir para a reprodução do controle do trabalho das demais categorias, tendo em vista a divisão técnica e social do trabalho. Por outro lado, pode ser um instrumento para se repensar o trabalho e favorecer a atuação gerencial e assistencial, relacionada ao desenvolvimento de habilidades e competências da equipe de saúde(404 Carvalho JFS, Chaves LDP. Supervisão de enfermagem no contexto hospitalar: uma revisão integrativa. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2011 [citado 2014 fev. 12];13(3):546-53. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3/pdf/v13n3a21.pdf
http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3...

05 Ayres JA, Berti AW, Spiri WC. Opinião e conhecimento do enfermeiro supervisor sobre sua atividade. REME Rev Min Enferm. 2007;11(4):407-13
-606 Gorry C. Primary care forward: raising the profile of Cuba’s nursing profession. MEDICC Rev. 2013;15(2):5-9).

Neste estudo consideramos a enfermagem como prática social(707 Rocha SMM, Almeida MCP. O processo de trabalho da enfermagem em saúde coleti-va e a interdisciplinaridade. Rev Latino Am Enfermagem. 2000;8(6):96-101),uma vez que é constituída historicamente nas relações sociais e vinculada ao modo de produção da sociedade. Articula-se a outras práticas sociais, como saúde e educação, e pode ser compreendida a partir de referenciais teóricos da antropologia e da sociologia, dentre outros.

O trabalho do enfermeiro pode ser desenvolvido em diferentes ambientes, como hospitais, empresas, domicílios, unidades básicas de saúde, unidades de saúde da família, entre outros.

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é um dos espaços de atuação do enfermeiro e se caracteriza por ser a forma adotada para reorganização dos serviços de atenção básica à saúde no Brasil, constituída por uma equipe multiprofissional, responsável pela população residente em território adscrito e que tem as famílias como foco do cuidado, sendo considerada uma proposta inovadora na atenção à saúde.

No espaço da Atenção Básica, especialmente da ESF, o enfermeiro vem realizando a supervisão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), sendo aquele o trabalhador mais próximo do cotidiano desses. Em tese, a supervisão poderia ser realizada por outros profissionais da ESF e pela legislação vigente(808 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Pro-grama de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) [Internet]. Brasília; 2011 [citado 2014 fev. 12]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
) não incube explicitamente ao enfermeiro essa atribuição.

Para os fins deste trabalho, a supervisão será tomada como instrumento do processo de trabalho na sua dimensão relacional, que compreende aprendizagem e apoio aos trabalhadores(808 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Pro-grama de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) [Internet]. Brasília; 2011 [citado 2014 fev. 12]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
), estando a serviço da atenção de qualidade, integral e integrada; uma atividade pautada no acompanhamento de ações(909 Araújo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(2):455-64) e em atividades de educação permanente em saúde.

Considera-se que na supervisão estão presentes relações de poder, já que estas se encontram presentes em nossa sociedade perpassando as relações de trabalho e outras relações sociais. O poder será considerado aqui sob a ótica das microrrelações e não somente em sua face negativa, de repressão, já que também gera a produção de saber(1010 Foucault M. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal; 2012).

Destacamos que diante de tal tema é necessário rever o processo de subordinação e as relações de saber-poder que se estabelecem no cotidiano do trabalho e que muitas vezes são naturalizadas, pois o revisitar dessas relações pode levar a questionamentos de como a supervisão tem sido realizada e a novas possibilidades de atuação.

Identificamos na literatura publicações que definem o enfermeiro tanto como instrutor quanto supervisor dos ACS(101 Coelho MMF, Miranda KCL, Bezerra STF, Cabral STF, Leite R. Supervisão como tecnologia para a melhoria da atenção básica à saúde. Rev RENE. 2012;13(3):704-11,505 Ayres JA, Berti AW, Spiri WC. Opinião e conhecimento do enfermeiro supervisor sobre sua atividade. REME Rev Min Enferm. 2007;11(4):407-13,1111 Kawata LS, Mishima SM, Chiarelli MQ, Pereira MJB, Matumoto S, Fortuna CM. At-tributes mobilized by nurses in family health: reaching performances when developing managerial competence. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):349-55-1212 Souza MG, Mandu ENT, Elias AN. Percepções de enfermeiros sobre seu trabalho na Estratégia Saúde da Família. Texto Contexto Enferm. 2013;22(3):772-9) e que reforçam a potencialidade da supervisão para qualificação do trabalho, bem como das relações entre esses dois atores(1111 Kawata LS, Mishima SM, Chiarelli MQ, Pereira MJB, Matumoto S, Fortuna CM. At-tributes mobilized by nurses in family health: reaching performances when developing managerial competence. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):349-55,1313 Lanzoni GMM, Meireles BHS. Liderança do enfermeiro: elemento interveniente na rede de relações dos Agentes Comunitários de Saúde. Rev Bras Enferm. 2013;66(4):557-63-1414 Costa SM, Araújo FF, Martins LV, Nobre LLR, Araújo FM, Rodrigues CAQ. Agente Comunitário de Saúde: elemento nuclear das ações em saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(7):2147-56).

Esses estudos tratam da supervisão geral exercida pelo enfermeiro; no entanto, nenhum deles trata especificamente da supervisão do ACS pelo enfermeiro.

Considerando que a supervisão tem sido historicamente desenvolvida pelo enfermeiro no cotidiano do trabalho na atenção básica e ainda – como dito anteriormente – que as relações de poder-saber no processo de supervisão de enfermagem tendem a se naturalizar, acredita-se que o tema a supervisão do enfermeiro em relação ao ACS na ESF deve ser especialmente explorado e que essa atividade não deve ser analisada como mais uma dentre as atividades de supervisão realizadas pelo enfermeiro no âmbito da atenção básica.

Assim, o presente estudo foi conduzido no sentido de responder à questão: no trabalho do enfermeiro, quais concepções estão guiando as suas atividades de supervisão ao ACS, com vistas à proposta de mudança de modelo assistencial através da ESF? O objetivo foi analisar as concepções de enfermeiros da ESF sobre a supervisão aos ACS.

Método

Pesquisa de abordagem qualitativa(1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006-1616 Triviños ANS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação: o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: Atlas; 2007) cuja perspectiva não é a busca de regularidades e padrões que se repetem, mas, sim, a produção de conhecimentos acerca do significado da supervisão para os envolvidos, considerando o caráter dinâmico e processual da realidade.

O estudo foi realizado em 14 municípios pertencentes a uma regional de saúde do estado de Goiás (Brasil), que é formada por 18 municípios, compreendendo cerca de 270 mil usuários. A escolha da região se deu pelo prévio conhecimento da área e pela importante presença da ESF como forma de organização do atendimento à atenção básica.

Os municípios apresentavam diversidade quanto à organização dos serviços de saúde da atenção básica, havendo equipes de saúde da família trabalhando em imóveis adaptados, em locais mais adequados e construídos especificamente para esse fim, equipes com área de abrangência urbana e rural, além de outras com atuação somente urbana, entre outros aspectos.

Os critérios de inclusão dos sujeitos no estudo foram: ser enfermeiro de ESF atuante em um dos municípios pesquisados e estar desenvolvendo a supervisão aos ACS. Foram excluídos os enfermeiros que exerciam função de gerente geral da ESF e não eram supervisores dos ACS. Desse modo, foram incluídos 18 sujeitos no estudo.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas realizadas no período de junho a setembro de 2013, tendo como cenário as unidades de saúde de atuação do enfermeiro ou em serviço pertencente à rede de saúde local.

A técnica de pesquisa utilizada para o alcance do objetivo proposto foi a entrevista e um roteiro semiestruturado serviu como instrumento de coleta de dados. Esse roteiro compreendeu questões para a identificação dos entrevistados: idade, estado civil, local de graduação, atuação profissional e formação complementar, junto com questões voltadas à supervisão.

As entrevistas, cuja duração variou de 34 minutos a 1 hora e 20 minutos, foram áudio-gravadas e transcritas na íntegra. Para garantir o anonimato dos participantes, as entrevistas foram identificadas pela letra E, seguida de número arábico. A classificação numérica aconteceu de forma aleatória, de 1 a 18.

Para ordenar os dados foram utilizados os princípios da análise de conteúdo, modalidade categoria temática(1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006), procedendo-se a leitura exaustiva e identificação dos núcleos de sentidos e categorias.

Para análise, utilizaram-se os referenciais teóricos do processo de trabalho em saúde(1717 Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR; 1992) e poder(1010 Foucault M. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal; 2012) e a partir desses conceitos buscou-se entender os resultados obtidos a partir dos objetivos propostos.

Após a leitura e a análise dos dados, foram identificadas duas categorias temáticas: Supervisão de olho em tudo e Supervisão é participar e trabalhar junto. Tais categorias emergiram das definições e falas dos participantes do estudo e revelam o sentido diverso que o tema supervisão assume na vivência de cada indivíduo.

Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, foram atendidos os aspectos éticos descritos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Protocolo CAAE nº 13888613.0.0000.5393.

Resultados

Os entrevistados são todos do sexo feminino, com três meses a oito anos de atuação na saúde da família e idade entre 24 e 55 anos. Em relação ao vínculo de trabalho evidenciou-se que 10 dos 18 entrevistados são concursados e os demais têm contrato de trabalho temporário. Grande parte dos enfermeiros é graduada por instituições de ensino privadas e realizou pós-graduação latu sensu em diferentes áreas, não somente em saúde da família.

Supervisão de olho em tudo

A concepção de supervisão se revelou como exercício de controle com caráter fiscalizador, realizada por meio de instrumentos impressos e encontros periódicos com os ACS. A postura fiscalizadora do enfermeiro é contingenciada pela gestão municipal e essa característica se expressa tanto na prática quanto nos depoimentos que revelam a concepção de supervisão.

Percebeu-se que a supervisão realizada pelo enfermeiro tem como foco as situações de problemas identificadas pelo ACS nas visitas domiciliares, bem como o controle da realização dessas visitas por meio da assinatura dos usuários, controle do registro de ponto, entre outros, o que pode ser evidenciado pelas falas dos sujeitos:

Eles trazem os problemas para a gente durante o decorrer do dia, chegam e conversam comigo, não tem assim uma [pausa]. Eu até tentei cobrar horário, tudo, passar na unidade de manhã e de tarde, mas é muito complicado, eles não aderem muito. Então, pra não ficar uma relação muito complicada que acaba gerando indisposição muito grande, então, assim, eles chegam e me passam assim os problemas (...) na medida do possível a gente resolve, né?, ou tenta ajudar (E15).

(...) e também o controle do ponto. Eles batem o ponto quatro vezes ao dia, às 7h, às 11h, às 13h e às 17h. Então, na maior parte das vezes é..., são nesses horários que os problemas são levantados e são trazidos até mim, e são na maior parte das vezes resolvidos. Né? (E1).

Em algumas falas observou-se que o ACS tem dificuldades na execução das orientações e atividades propostas pelo enfermeiro, situação esperada em uma relação de fiscalização como a que se percebe haver.

E também porque pode criar uma indisposição com eles. Porque, até de passar, que eu pedi pra passar certos horários. É difícil. Até de carimbar as fichas todos os dias, as de relatório, foi terrível (Risos) (E15).

Eu peço, eu sempre peço pra eles trazerem no final da tarde. Mas nem todas me entregam. A da microárea 2, ela sempre me entrega mais no final da semana. E é a que menos me dá produção. (...) ah eu coordeno elas, eu coordeno a equipe toda, mas eu não tenho autonomia pra adverti-las, entendeu? Eles não me dão esse espaço (E10).

Durante as entrevistas solicitamos aos enfermeiros que definissem supervisão. Entre as respostas obtivemos: ações de controle dos trabalhadores e realização de ações em equipe dando suporte e acompanhando o trabalho. No entanto, ao longo das conversas sobre a descrição de como era realizada a supervisão, evidencia-se o entendimento dessa atividade muito mais como fiscalização que o aspecto cooperativo. Percebeu-se dificuldade na definição do termo e por vezes os entrevistados se valiam de exemplos de sua rotina para chegarem a uma resposta; houve ainda um entrevistado que referiu desconhecer como deve ser feita a supervisão.

Supervisão? É você estar sabendo o que o agente de saúde faz, se ele está indo nas casas, como está sendo a visita, se é uma visita ou se só vai lá pegar uma assinatura, se é uma visita que ele está entrando na casa pra saber como é que está, se está precisando de alguma coisa, como que está orientando e se está fazendo a parte de prevenção (E12).

Não. Na verdade eu não sei como fazer. (risos) (...) E também porque pode criar uma indisposição com eles (...) eu acho que é um acompanhamento. Assim, mais de perto, né? Um acompanhamento às vezes assim com registros, também, deste acompanhamento (E15).

Nas entrevistas, identificamos relatos de realização da supervisão ao ACS em suas visitas domiciliares esporádicas ou programadas acompanhadas. Em um dos relatos, o enfermeiro refere observar como o ACS é recebido pela família e quando há reclamações dos usuários residentes da área de abrangência na unidade de saúde. Em outro relato, a visita domiciliar semanal programada pelo enfermeiro com as ACS é entendida como a única ação de supervisão realizada.

Eu acompanho em muitas visitas; então, assim, uma vez ao mês eu estou indo na área. Então dá pra gente saber se está fazendo o serviço, se está fazendo visita. Ah, tem muito tempo que... Ah, você sumiu! Tem muito tempo que você não vem aqui. Dá pra gente perceber se está indo ou não. E pelas reclamações no posto. Porque elas falam assim: Oh, tem agente de saúde na rua tal?. Dá pra gente saber se está passando ou não (E12).

É assim: eu coloquei toda sexta eu fazer uma visita acompanhando as agentes, e isso sou só eu que faço também (E13).

Na maioria das entrevistas, há relatos de reclamações sobre o trabalho do ACS por parte da população, sendo esta uma forma de alertar o enfermeiro quanto à necessidade de realização de supervisão, enquanto fiscalização, nas microáreas, chamada por elas como supervisão in loco ou auditoria.

E a gente faz esse acompanhamento de um por um. E desde que eu estou aqui, faz dois anos que eu estou aqui, nesses dois anos consegui fazer três supervisões in locu de cada microárea (...) acho que foram só, só três (...) é uma maneira que eu uso pra supervisioná-los (E16).

Mas eu fiz como se fosse uma entrevista. Eu nem sei se eu fiz certo; por exemplo, de um a dez, pra quando ele te dá informação, as orientações estão legais, então eu pedia pra pessoa pontuar, de um a dez. Ah... sete, cinco. Porque aí, no final, eu fiz uma tabelinha de quantos pontos seria bom, quantos pontos seria regular ou ruim (E5).

No decorrer das entrevistas, os enfermeiros apresentaram impressos elaborados por eles mesmos, com a finalidade de avaliar com informações obtidas da comunidade como o ACS realiza seu trabalho. Nesses impressos estão inseridas questões sobre: orientações repassadas pelo ACS, tempo estimado de duração da visita domiciliar, questionamento aos usuários sobre os serviços ofertados nas ESF e em outros serviços de saúde presentes nos municípios.

Percebe-se que as ações de supervisão desenvolvidas recebem influência por parte da gestão de saúde local, o que possivelmente resulta em certa disputa entre o poder técnico e o poder político dos gestores.

É mais especificamente aos profissionais que são vinculados à unidade, né? Então, assim, de forma meio que indireta, mas com uma certa cobrança por parte da gestora, então nós fazemos esse tipo de supervisão e essa avaliação é a partir de alguns problemas levantados, e é levada para a gestora, e cabe a ela tomar as decisões que julgar necessárias (E1).

Eu venho observando nestes cinco anos, eu não sei nem se eticamente, eu venho, porque a supervisão [pausa] a gestão passada, eu tive um problema sério, aqui na gestão passada, porque era parente, e acobertava um pouco. Posso falar assim? (E5).

Supervisão é participar e trabalhar junto

A segunda categoria de análise das entrevistas é referente às ações de supervisão como parte do trabalho do enfermeiro e é baseada no acompanhamento das ações desenvolvidas pelos ACS e demais trabalhadores da equipe de saúde da família. Os entrevistados compreendem a importância das ações de supervisão como sua atribuição e ressaltam que o enfermeiro, por seu papel na equipe de saúde da família, é o trabalhador mais acessível para os ACS e apto a desenvolver tais ações.

É [pausa] supervisão direta relacionada aos agentes e à unidade, mesmo porque a função dos enfermeiros, a minha função e da outra enfermeira, é supervisão e coordenação (E1).

Eu acredito que supervisionar significa participar e trabalhar junto, porque eu acho que é impossível você realizar supervisão sem participar e sem ter um feedback do que está sendo desenvolvido. (...) Eu acredito que o enfermeiro está numa posição técnica de ajudar o ACS (E16).

Parte dos entrevistados acredita que a supervisão é ação de suporte e também de formação e acompanhamento, reafirmando o caráter cooperativo encontrado na segunda categoria de análise.

Geralmente a gente trabalha determinado assunto de acordo com os indicadores; um exemplo, a gente teve indicadores altos, altos índices de leishmaniose. Nós achamos que seria importante fazer as atividades de educação permanente nesse tema. (...) Geralmente nós fazemos reuniões, rodas de conversa, é esse tipo de trabalho. (...) Na reunião pra discutir problemas das microáreas eu não deixo de estar porque eu penso que isso também é supervisão, também é educação permanente (E16).

Outra abordagem conferida à supervisão do trabalho do ACS pelo enfermeiro foi pautada no acompanhamento das famílias por seguimento conforme relatórios e indicadores, além da organização do trabalho, tanto do ACS como do enfermeiro e demais integrantes da equipe vinculados às ações programáticas de saúde.

No início do mês ele pega o cronograma de trabalho e tem os dias das reuniões que ele tem que convidar a população. Tem o dia que ele vai participar da reunião, o nome dele vai estar escrito na reunião que ele tem que participar, e depois no final do mês tem um dia específico já no cronograma, que ele tem o fechamento, que a gente chama. E aí ele vai trazer a ficha B de acompanhamento do hipertenso, diabético, gestante, a gente tem um caderno que o agente anota a visita, quem ele visitou, a hora que ele visitou, o dia e o que ele fez e a pessoa assina. No final do caderno ele tem um controle de crianças menores de um ano, de dois a três anos, cinco anos, hipertensos e diabéticos, remédio que toma, é (...) (E9).

Mas assim, as minhas visitas com os agentes comunitários eu faço por dia. De segunda-feira eu pego o agente 1, terça-feira eu pego o agente 2 e quinta-feira eu pego o agente 3. Como eu tenho 11 agentes, eu fico um mês rodando. Pra eu rodar eles. Aí eu pego o agente 1 e falo assim: Vamos nas gestantes, vamos nos hipertensos que estão descontrolados, vamos nos diabéticos, vamos nas puérperas. Então, assim, eles que sabem aonde vão me levar (...) (E12).

Discussão

Na primeira categoria, Supervisão de olho em tudo, vemos que, mesmo na ESF, que deveria imprimir outra lógica no processo de trabalho visando à mudança do modelo assistencial, a supervisão é exercida pelos enfermeiros principalmente para fiscalização e controle do trabalho(101 Coelho MMF, Miranda KCL, Bezerra STF, Cabral STF, Leite R. Supervisão como tecnologia para a melhoria da atenção básica à saúde. Rev RENE. 2012;13(3):704-11,404 Carvalho JFS, Chaves LDP. Supervisão de enfermagem no contexto hospitalar: uma revisão integrativa. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2011 [citado 2014 fev. 12];13(3):546-53. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3/pdf/v13n3a21.pdf
http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3...
-505 Ayres JA, Berti AW, Spiri WC. Opinião e conhecimento do enfermeiro supervisor sobre sua atividade. REME Rev Min Enferm. 2007;11(4):407-13).

A finalidade da supervisão anunciada é a qualificação da assistência prestada ao usuário. Essa qualificação está norteada pela lógica das ações programáticas voltadas para grupos específicos e prevenção de agravos por meio da passagem de informações.

No entanto, a ESF e a própria inserção dos agentes comunitários como elo da equipe e da população se fizeram pressupondo a atenção integral com enfoque nas relações familiares(1818 Pinto RM, Silva SB, Soriano R. Community health workers in Brazil´s Unified Health System: a framework of their praxis and contributions to patient health behaviors. Soc Sci Med. 2012;74(6):940-7) e ciclo da vida, e não em grupos guiados por agravos (hipertensão, diabetes, planejamento familiar, entre outros). A concepção de saúde e doença que orienta o recorte do objeto de trabalho e a escolha dos instrumentos do processo de trabalho deveria considerar os determinantes e condicionantes do processo saúde e doença(1919 Sant’Anna CF, Cézar-Vaz MR, Cardoso LS, Erdmann AL, Soares JFS. Determinantes sociais de saúde: características da comunidade e trabalho das enfermeiras na saúde da família. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1):92-9).

A supervisão aos ACS permanece guiada por uma lógica da realização ou não de visitas domiciliares, com a transmissão ou não de informações preventivas ou questões referentes aos agravos já instalados para oferta de procedimentos e consultas médicas, como coleta de exames preventivos, vacinas, entre outras. Tais achados corroboram outras investigações sobre o trabalho do enfermeiro na ESF(101 Coelho MMF, Miranda KCL, Bezerra STF, Cabral STF, Leite R. Supervisão como tecnologia para a melhoria da atenção básica à saúde. Rev RENE. 2012;13(3):704-11,404 Carvalho JFS, Chaves LDP. Supervisão de enfermagem no contexto hospitalar: uma revisão integrativa. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2011 [citado 2014 fev. 12];13(3):546-53. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3/pdf/v13n3a21.pdf
http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3...
,606 Gorry C. Primary care forward: raising the profile of Cuba’s nursing profession. MEDICC Rev. 2013;15(2):5-9,1111 Kawata LS, Mishima SM, Chiarelli MQ, Pereira MJB, Matumoto S, Fortuna CM. At-tributes mobilized by nurses in family health: reaching performances when developing managerial competence. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):349-55).

Pode-se inferir que o processo de trabalho do enfermeiro no que diz respeito à supervisão dos ACS é guiado pela finalidade de que ele realize o número de visitas preconizadas e orientações preventivas junto a cada indivíduo que compõe as famílias.

Outro ponto a ser destacado é a associação da supervisão dos ACS quando há problemas, o que pode indicar uma correlação entre o modo de fazer e o modo de gestão do trabalho. No modelo biomédico, as intervenções de saúde são postas em ação na presença de agravos(202 Matumoto S, Fortuna CM, Mishima SM, Pereira MJB, Domingos NAM. Supervisão de equipes no Programa de Saúde da Família: reflexões acerca do desafio da produção de cuidados. Interface Comun Saúde Educ. 2005;9(16):9-24), da mesma forma que a supervisão se relaciona a momentos de disfunção, constituindo uma espécie de ato correcional.

Dito de outra forma, as entrevistas apontam que não houve uma reinvenção da supervisão realizada pelos enfermeiros na ESF. Mudou-se o cenário de prática, inseriu-se um novo agente a ser supervisionado pelo enfermeiro, mas prevalece a lógica tradicional do controle do trabalho.

Considerando o poder como algo que não se adquire, não se trata de uma estrutura, mas vinculado a uma situação estratégica(1010 Foucault M. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal; 2012), os dados mostram que há um exercício de poder ao se supervisionarem os ACS; porém, há uma resistência por parte desses quando não realizam as atividades propostas e podem se aliar a outros agentes que detêm poder de forma explícita.

Ainda na primeira categoria, ao exercer a supervisão como um olho sobre e realizá-la para a cobrança da produção no fim do mês, verificamos que há também uma limitação a essa supervisão exercida pelo gestor municipal, em geral secretários municipais de Saúde ou chefes de departamentos municipais de Saúde. Tais questões não foram abordadas explicitamente pelos participantes da pesquisa, tendo em vista as implicações e relações de poder-subordinação no processo de trabalho.

Esse aspecto não foi identificado na revisão de literatura sobre a supervisão dos enfermeiros aos ACS e parece incluir uma dimensão importante dessa prática, pois, nos municípios brasileiros, o secretário municipal de Saúde é um cargo de confiança do prefeito. Os trabalhadores das equipes de saúde ligados diretamente às municipalidades, em especial os ACS, pelo seu trabalho estratégico junto às famílias, são muitas vezes considerados aliados políticos partidários ou não aliados.

Uma pesquisa(2020 Medeiros CRG, Junqueira AGW, Schwingel G, Carreno I, Jungles LAP, Saldanha OMFL. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Supl. 1:1521-31) demonstra que a interferência político-partidária e a ingerência política em nível municipal estão constantemente presentes no cotidiano da equipe de saúde da família. Essas questões são consideradas dificultadoras para o processo de trabalho e para as relações entre gestor e trabalhadores. Outro ponto importante abordado na pesquisa diz respeito ao vínculo empregatício precário utilizado como instrumento de controle político sobre a ESF.

No processo de implantação das equipes de saúde da família no Brasil, muitos trabalhadores, especialmente ACS, foram recrutados e contratados através de indicação e processo seletivo, sendo recente a exigência de concurso público, ainda que tal exigência estivesse presente desde a Constituição Federal. Tal processo deixa margens para o uso político eleitoral da saúde e de seus trabalhadores, o que sem dúvida interfere nos processos de supervisão do trabalho.

Esse aspecto contingencia o trabalho de supervisão do enfermeiro o qual cria estratégias nem sempre explícitas para lidar com isso. Uma dessas estratégias é conversar e convencer o gestor municipal sobre a como o trabalho do ACS deve ser realizado, outra forma é a de não criar indisposições no trabalho, pois não se sabe que grupo político estará na gestão no próximo mandato eleitoral. Assim, o enfermeiro desempenha a supervisão majoritariamente visando ao controle do trabalho do ACS, mas com limites de poder para tal. Questiona-se: caso o enfermeiro se depare com o trabalho exercido de modo inadequado por um ACS que tem relações de parentesco e seja vinculado política-partidariamente ao gestor municipal, como ele a realiza? Tal dúvida pode ser evidenciada no fragmento: a gestão passada, eu tive um problema sério, aqui na gestão passada, porque era parente, e acobertava um pouco(E5).

Os dados sobre a forma de contrato de trabalho das enfermeiras também indicam que aproximadamente 50% das entrevistadas têm contrato de trabalho temporário, o que pode influenciar na maneira com que se inserem no trabalho(2121 Silveira DS, Facchini LA, Siqueira FV, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, et al. Gestão do trabalho, da educação, da informação e comunicação na atenção básica à saúde de municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(9):1714-26-2222 Nogueira RP. Estabilidade e flexibilidade: tensão de base nas novas políticas de recursoshumanos em saúde. Divulg Saúde Debate. 1999;(14):18-22) e fazem a supervisão aos ACS.

Na literatura há um estudo(2222 Nogueira RP. Estabilidade e flexibilidade: tensão de base nas novas políticas de recursoshumanos em saúde. Divulg Saúde Debate. 1999;(14):18-22) que apontou, em 2004, a existência de 15 formas de contratos de trabalho no Sistema Único de Saúde com vínculos empregatícios precários. Ser contratado a partir de indicação ou de concurso público certamente interfere na gestão, na supervisão e pode interferir até no cuidado prestado.

Ainda na primeira categoria, está presente a verbalização de visitas domiciliares pelas enfermeiras junto às famílias, como ferramenta de supervisão do ACS. As enfermeiras referem utilizar as informações das famílias sobre haver ou não as visitas do ACS para realizar uma avaliação do trabalho desses através de uma nota. Não houve relato de reuniões de equipe ou de discussões com as famílias sobre a finalidade das visitas e sobre as características do trabalho do ACS.

Parece que as enfermeiras partem da premissa de que as famílias devem avaliar o trabalho do ACS considerando suas próprias concepções, que se resumem a: fazer ou não a visita domiciliar, passar ou não informações. Essa relação com a população vai ensinando e reafirmado uma redução do que poderia constituir-se o trabalho do ACS e do enfermeiro: um visita e informa, o outro controla.

Nesse sentido, a supervisão do enfermeiro ao ACS poderia produzir uma espécie de efeito cascata: o enfermeiro realiza controle do trabalho do ACS e este reproduz a fiscalização nas casas e nas famílias.

Podemos afirmar que nesse exercício de poder há uma produção de realidade; o poder não é algo negativo, mas faz produções: produz lógicas e verdades(1010 Foucault M. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal; 2012) que são naturalizadas como sendo parte do trabalho da saúde e parte do trabalho do enfermeiro e dos ACS, sem uma articulação com a finalidade precípua do processo de trabalho.

Para realizar a supervisão, os enfermeiros criam instrumentos a serem preenchidos pelos ACS; alguns com a assinatura de membro da família visitada, outros usando da estratégia de registro do ponto diversas vezes ao dia. Esses instrumentos por si só não garantem a realização do trabalho e podem reafirmar a produtividade em si como finalidade deste e instigar a invenção de outras formas de se afastar do trabalho: o significado, seus limites, suas dificuldades e sua importância deixam de ser a pauta das rodas de conversa da equipe.

Na segunda categoria foram agrupados fragmentos que articulam a supervisão a uma dimensão mais educativa com acompanhamento do trabalho e feedback entre os atores. Podemos dizer que tais perspectivas se aproximam de dimensões contemporâneas da gestão do trabalho em geral denominadas neotayloristas(2323 Campos GWS. Um método de análise e cogestão de coletivos. 3ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007).

Ainda que apresentem diferenças com relação ao simples exercício de controle do trabalho para aumento da produtividade, os atores se interessam em produzir ambientes mais harmônicos, relações mais horizontais, mas com a mesma finalidade: controlar a produtividade e autonomia dos trabalhadores.

Assim, permanece não respondida a questão colocada por autores clássicos da saúde coletiva brasileira: como combinar liberdade com controle ou trabalho autônomo com responsabilidade(2424 Campos GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: Merhy EE, Onocko R, editores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 229-66)?

O supervisionar fazendo junto pode ser um primeiro passo na direção de outras formas de supervisão, mas requer reflexões por parte dos enfermeiros e da equipe de saúde quanto à articulação coesa deste instrumento – supervisão – com a finalidade do trabalho, a concepção de saúde-doença adotada, assim como de gestão e cuidado.

Os dados apontam que os enfermeiros tomam para si o trabalho de supervisionar o ACS, considerando a supervisão como parte de suas atribuições. Certamente essa atividade, ainda que difícil, confere poderes. Um dos entrevistados questiona se essa seria uma atribuição do enfermeiro ou de toda a equipe. A supervisão aos ACS por toda a equipe poderia ser proposta simplesmente para partilhar a dificuldade de controlar o trabalho com outros trabalhadores ou vincular o trabalho na ESF na direção do trabalho em equipe. Nesse sentido, poder-se-ia pensar coletivamente o trabalho. Assim, a gestão do trabalho é tarefa de todos, uma vez que todos governam(2525 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, editores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 71-112).

Nota-se que a discussão e vivência de práticas de cogestão(2323 Campos GWS. Um método de análise e cogestão de coletivos. 3ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007,2626 Marin MJS, Storniolo LV, Moravcik MY. Humanization of care from the perspective of the Family Health Strategy teams in a city in the Interior of São Paulo, Brazil. Rev Latino Am Enfermagem. 2010;18(4):763-9), embora preconizadas na Política Nacional de Humanização, ainda estão distantes dos serviços de saúde.

Algumas entrevistas interligam a supervisão e as ações de educação permanente e continuada. Trata-se de uma minoria dos entrevistados que relacionaram tais ações com a supervisão, mostrando que o caráter educativo da supervisão para a qualificação da atenção à saúde ainda não é a perspectiva predominante para esses trabalhadores.

Conclusão

Neste artigo, buscamos identificar as concepções que guiam o trabalho de supervisão do ACS realizado pelo enfermeiro das ESF, bem como verificar se a atividade está coerente com as prerrogativas de mudanças do modelo assistencial proposto nas legislações em vigor. Evidencia-se a necessidade de ações de supervisão pautadas nas relações horizontalizadas, de apoio, de aprendizagem, alinhadas às diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica com vistas ao desenvolvimento do pensamento crítico dos trabalhadores.

Verificamos que essa última concepção de supervisão ainda não é observada no cotidiano das ESF, em que se percebe manutenção da lógica tradicional com ênfase no controle do trabalho e impactada por influências político-partidárias. O trabalho do enfermeiro encontra-se fortemente guiado pelas ações programáticas, lógica essa que deveria ser ultrapassada pela ESF. Entendem a supervisão como controle da produção, fiscalização e disciplinamento. Nas entrevistas foi possível observar enfermeiros que percebem a supervisão próxima à ótica relacional, a qual inclui ações de aprendizagem e acompanhamento, mas não se evidenciou de forma dominante.

As ações de supervisão dos ACS desenvolvidas pelos enfermeiros das ESF precisam ser revistas para estar em consonância com a proposta de mudanças no modelo de atenção, buscando a ampliação dos olhares e saberes do ACS e da população atendida, podendo vir a fortalecer as relações e o trabalho em equipe e a desnaturalização das relações de poder no trabalho.

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    Extraído da dissertação “O processo de trabalho do enfermeiro na supervisão ao Agente Comunitário de Saúde em equipes de saúde da família”, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2014
  • Apoio Financeiro

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Processo nº 130197/2012-2 e Processo nº 311219/2013-6

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2014
  • Aceito
    20 Jul 2014
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