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Supervisão em Enfermagem: Estudar o “Caso” do fenómeno de articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital* * Este trabalho foi extraído da dissertação de doutoramento intitulada Supervisão de Estágios em Enfermagem na Articulação Interorganizacional Escola e Hospital, realizada no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

Resumos

A história desta investigação encontrou um ethos propício não só pelo percurso da investigadora, mas também pelas atuais políticas públicas de modernização e de reforma capazes de regular e transformar os sistemas educativos e de saúde, bem como os seus grupos profissionais. A reflexão entretanto desenvolvida suscitara uma perceção vincada dos processos organizacionais de mudança pelos quais estes interferiam na articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital, onde a supervisão de estágios seria a grande protagonista, sustentada pelos significados que os atores intervenientes lhes têm atribuído. A pesquisa explícita de opções epistemológicas e metodológicas levou a olhar para o problema de uma forma mais atenta, apurando-o, tendo em conta as dimensões organizacionais. A opção por um estudo de caso prendeu-se com o facto de o método permitir responder ao propósito de conhecer e compreender o fenómeno da articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital, concretamente através da supervisão de estágios.

Supervisão de Enfermagem; Organizações; Escolas de Enfermagem; Hospitais de Ensino; Estudo de Caso


The history of this research found a suitable ethos not only by the route of the researcher, but also by the current public policies of modernization and reform that are capable of regulating and transforming the educational and health systems, as well as their professional groups. The reflection meantime developed had raised a clear perception of the organizational change processes by which they interfered with the interorganizational coordination between School of Nursing and Hospital, where internship supervision would be the main protagonist, supported by the meanings that intervening actors have assigned to them. In this context, the search for explicit epistemological and methodological choices leads to look more attentively at the problem, ascertaining it, taking into account the organizational dimensions. In this regard, the choice of a case study was related to the fact that the method allowed to answer the purpose of knowing and understanding the interorganizational coordination phenomenon between School of Nursing and Hospital, namely through the supervision of internships.

Clinical Supervision in nursing; Organizations; nursing schools; Teaching Hospitals; Case Study


La historia de esta investigación encontró un ethos propicio no solamente por la ruta de la investigadora, pero también por las actuales políticas públicas de modernización y de reformas capaces de regular y transformar los sistemas educativos y de salud, y sus grupos profesionales. La reflexión mientras desarrollada ha suscitado una percepción incrementada, aunque algo difusa, sobre los procesos de cambio organizacionales, pelos cuales se interfería en la articulación interorganizacional Escuela de Enfermería y Hospital, y como tal, la supervisión de prácticas seria la gran protagonista sustentada pelos significados que los actores intervinientes les tienen atribuido. En este alcance, al procurarse explicitar las opciones epistemológicas y metodológicas se mira el problema de una forma más atenta, apurándolo, teniendo en cuenta las dimensiones organizacionales. En este sentido, la opción por un estudio de caso se ha prendido con el hecho de que el método permite responder al propósito de conocer y comprender el fenómeno de la articulación interorganizacional Escuela de Enfermería y Hospital, concretamente a través de la supervisión de prácticas.

Supervisión de Enfermería; Organizaciones; Escuelas de Enfermería; La enseñanza de Hospitales; Estudio de caso


Introdução

Situámos este estudo na confluência histórica do ensino da Enfermagem e da emergência da supervisão de estágios, com relevo nas dimensões organizacionais da articulação Escola de Enfermagem e Hospital. A metodologia de suporte ao estudo da articulação Escola de Enfermagem e Hospital em contexto de supervisão de estágio, enquanto objeto de investigação empírica, aproxima-se da investigação tipo etnográfico ou, para sermos mais sistemáticos, de um paradigma de investigação naturalista, cujo método é um estudo de caso.

A procura do fio condutor do trabalho e dos critérios a adotar para desempenhar o melhor possível a função que dele se esperava foi sendo construída ao longo de toda a investigação. Com destaque para a obra “Estudo de Caso”, de Robert Yin(11. Yin R., Estudo de Caso: Planejamento e Métodos, Porto Alegre: Bookman, 2005, [ p.31]): “Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenómeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenómeno e o contexto não estão claramente definidos”. Um outro aspeto importante mencionado pelo autor diz respeito à abrangência do método, compreendendo a lógica do planeamento, das técnicas de colheita de dados e das abordagens específicas à análise dos mesmos.

As características fundamentais do estudo de caso parecem sobrepor-se às características gerais de pesquisa qualitativa: i) Os estudos de caso visam a descoberta; ii) Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”; iii) Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda; iv) Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação; v) Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas; vi) Os estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflituantes pontos de vista, presentes numa situação social; vii) Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa.(22. Lüdke, M.; André, M. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas, São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986. [Cf. Lüdke & André, p. 18-20, 1986].)

Assim, o nosso ponto de partida da escolha do “paradigma metodológico” pautou-se por demonstrar as características do estudo – qualitativo e descritivo, na medida em que pretendíamos enfatizar sobretudo a lógica da compreensão e da descoberta(33. Lessard-Hébert, M.; Goyette, G.; Boutin, G. Investigação qualitativa: fundamentos e práticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1994 [Cf. Lessard-Hébert et al., p. 95-106, 1994].), mais do que a da justificação e testagem da teoria, tal atributo conduziu-nos a ter mais presente, como formas de validação, a atenção à representatividade dos elementos recolhidos, a triangulação, o contrastar e comparar, o destacar do significado dos casos raros ou excecionais, a ponderação das explicações contraditórias.

O confronto entre as duas organizações teve como objetivos: Caracterizar a articulação entre a organização Escola de Enfermagem e a Organização Hospital; Compreender as lógicas de supervisão de estágios de Enfermagem, implícitas e explícitas entre as duas organizações; Contribuir para esclarecer alguns aspetos relativos ao contexto de trabalho hospitalar como local de formação e educação dos alunos estagiários de Enfermagem; Contribuir para o desenvolvimento do ensino da Enfermagem em Portugal, reconhecendo a importância do estágio na preparação de futuros profissionais de Enfermagem.

Assim procurámos encontrar explicações para os factos relacionados com as formas de articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital, olhando a “partir do seu interior”(44. Friedberg, E. O Poder e a Regra. Dinâmicas da Acção Organizada. Lisboa: Instituto Piaget, 1995 [p. 301, p.300, 1995].), tendo como preocupação essencial captar as perspetivas e representações dos atores em contexto – os seus valores, as suas crenças, os seus rituais, os seus símbolos, as suas representações.

Neste sentido esta abordagem parte da vivência dos atores para reconstruir não a estrutura social geral, mas a lógica e as propriedades particulares de uma ordem local, “(...) a prioridade é aqui concedida à descoberta do terreno e da sua estruturação sempre particular e contingente, e ao desenvolvimento de modelos descritivos e interpretativos que se ajustam ao terreno, às suas particularidades e às suas contingências”(44. Friedberg, E. O Poder e a Regra. Dinâmicas da Acção Organizada. Lisboa: Instituto Piaget, 1995 [p. 301, p.300, 1995].). Era importante conhecer as perceções dos atores acerca da articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital por referência, implícita ou explícita, a conceções ou representações da supervisão de estágios em contexto de trabalho hospitalar. A forma mais subtil que encontrámos para estudar a articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital foi através da análise da supervisão de estágios em contexto hospitalar, a partir de algumas dimensões de análise que fomos identificando como sendo essenciais ao seu estudo, entre elas salientámos: a organização hospitalar (os objetivos e preferências e a tecnologia/processos)(55. Ellström, P. “Four faces of educational organizations”, Higher Education, nº 12: 231-241, 1983.), a função e meio de controlo, curriculum e métodos, a supervisão de estágios (cenários de supervisão) e as estratégias de supervisão.

O estudo de caso, enquanto estratégia metodológica, englobando um conjunto de métodos de pesquisa, tem como finalidade última obter uma ampla compreensão do fenómeno na sua totalidade(66. Almeida, J.;. Pinto, J. A investigação em ciências sociais, Lisboa: Presença, 1990 [p. 87].). Esta ideia traduziu-se no conjunto das nossas preocupações - compreender tanto quanto possível a dinâmica e os processos organizacionais das duas organizações do estudo. Assim foi nossa intenção iniciar o estudo empírico por uma construção sócio-histórica de algumas características e especificidades que englobaram o nosso objeto de estudo, triangulando os dados dos discursos e das práticas de supervisão de estágios, muito próxima dos atores, e os dados originados de fontes documentais, quer da Escola de Enfermagem, quer do Hospital. Para depois passar a uma outra etapa do estudo empírico, ou seja, acedermos verdadeiramente ao estudo de caso, “um exemplar em acção”(77. Dockrell, W.; Hamilton, D. Nuevas Reflexiones sobre la Investigación Educativa, Madrid: Narcea, 1983 [p. 45, 1983]), através do estudo de alguns incidentes e factos específicos, com recolha seletiva de informação, permitindo-nos captar e refletir os elementos significativos.

A realização deste estudo de caso abrangeu uma sequência de fases, iniciada pela delimitação do campo de análise (a problemática, as questões iniciais e algumas suposições explicativas de partida), ao que se seguiram as de identificação das características do contexto a ser investigado, de construção dos instrumentos de recolha de dados (inquéritos por questionário e por entrevista, guião de observação, grelha de análise de documentos oficiosos e atas), de pesquisa de campo envolvendo o contacto direto da investigadora com a realidade e os atores organizacionais (gestores, docentes, enfermeiros, alunos estagiários e outros informantes privilegiados), a análise e interpretação dos dados. Quanto ao quadro teórico-conceptual, que foi sendo construído, não resultou exclusivamente de um processo de dedução teórica (decorrentes dos modelos organizacionais e de supervisão que concetualmente a suportam), mas também de uma interação entre a conceptualização teórica e os dados da investigação empírica. Significa que assumimos desde logo as ciências sociais como tratamento teórico e prático da realidade social. Não há sentido só na teoria, nem só na prática, mas sim na dialética entre ambas, embora fazendo a sua distinção. Este procedimento vai de encontro ao “processo de contínua regulação das práticas de pesquisa de terreno e de contínua regulação da análise da informação”(88. Costa, A. A pesquisa de terreno em sociologia. In A. S. Silva & J. M. Pinto (orgs.) Metodologia das Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, p. 129-148, 2003 [p. 135; 138; 2003]), essencial para o investigador construir a sua identidade e estabelecer um conjunto de papéis sociais.

Método

A componente do trabalho de campo consistiu, assim, numa reflexão tematizada do material “recolhido”, quer numa quer noutra organização, quer nas duas simultaneamente, aquando da supervisão de estágios. Como toda a bibliografia especializada salienta, o acesso ao trabalho de campo é fundamental, pois pode determinar o futuro sucesso ou insucesso do trabalho de investigação(99. Bogdan, R.; Biklen, S. Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teoria e aos Métodos. Porto: Porto Editora, 1994 [p. 115-121].). Um dos aspectos que procurámos não negligenciar foi o peso relativo do impacte na unidade social em estudo. Nós estávamos fortemente familiarizados por socialização ou aproximação prévias(88. Costa, A. A pesquisa de terreno em sociologia. In A. S. Silva & J. M. Pinto (orgs.) Metodologia das Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, p. 129-148, 2003 [p. 135; 138; 2003]). Este facto tornou-se evidente durante todo o processo de investigação. Embora a nossa forma de trabalhar no campo fosse aberta e publicamente assumida, tentando, ao mesmo tempo, manter uma atitude discreta, os nossos papéis eram facilmente confundidos pelos atores, porque era habitual a nossa presença naquele contexto social. Se em alguns momentos os atores nos reconheciam como investigadores desse contexto, até porque lhes pedíamos a autorização prévia para realizar as entrevistas, ou para obter outras informações, noutros momentos simplesmente éramos esquecidos como tal e tínhamos um outro estatuto - de supervisora, de colega de trabalho, ou de professora. Ora neste sentido houve pouco impacto, a multiplicidade de papéis motivou uma permanência mais constante e alargada nas organizações Escola de Enfermagem e Hospital, habituando os atores a verem-nos assiduamente, sem saberem exactamente ao que íamos – se como investigadores, se como supervisores, se como professores.

A presença “cristalizada” do investigador no campo, que ocorre após um período inicial de integração, é um “pau de dois bicos”. Na nossa investigação estivemos atentos a este facto, se é verdade que é condição importantíssima da eficácia da observação, também é verdade que traz consigo, inevitavelmente, uma definição social local do que, no comportamento do investigador, se confunde na rotina normal do quotidiano e do que desperta atenção, instalando-se as barreiras a uma focalização do campo da observação(88. Costa, A. A pesquisa de terreno em sociologia. In A. S. Silva & J. M. Pinto (orgs.) Metodologia das Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, p. 129-148, 2003 [p. 135; 138; 2003]). Conscientes de que tínhamos em mãos um exercício constante de não perder de vista o nosso objeto de estudo, que nos obrigava a alguns rompimentos parciais, geradores de algum conflito, o balanço final parece ter sido positivo, a nossa identidade pessoal e profissional motivou muitas conversas e serviu, por vezes, de estratégia de aproximação.

As perguntas orientadoras do estudo eram as seguintes: i) -Será que a articulação entre Escola de Enfermagem e Hospital ao ser reveladora das semelhanças/diferenças entre as duas organizações favorece a supervisão de estágios? ii) -Será que a articulação entre Escola de Enfermagem e Hospital favorece a integração dos alunos estagiários de Enfermagem no contexto de trabalho hospitalar?

Afigura-se-nos, neste momento, essencial, clarificar alguns aspetos relacionados com os principais métodos de recolha direta da informação no terreno e a natureza específica dos procedimentos, de acordo com o quadro de referências teóricas e as características do objeto de estudo.

Inquérito por questionário

Numa fase preliminar da investigação necessitámos de recorrer a esta técnica de recolha de informação. Os questionários foram aplicados aos alunos do 2º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem em estágio (três turmas), correspondendo a 135 alunos estagiários. Este critério foi escolhido por nossa conveniência, dada a facilidade de acesso aos campos de estágio de Medicina. Este estudo inicial, de âmbito exploratório, teve dois momentos delimitados no tempo e com objetivos diferentes que corresponderam à aplicação de dois questionários. Numa primeira fase interessou-nos conhecer as representações dos alunos estagiários relativamente ao Hospital como organização e como local de formação, assim como as aprendizagens que eles valorizam e o que efetivamente aprendem, essencialmente com as primeiras experiências que vão tendo num contexto de trabalho hospitalar. Esta abordagem exploratória teve como objetivo tentar perceber se as aprendizagens dos alunos estagiários estavam de acordo com os objetivos delineados para o Ensino de Enfermagem, identificando os modelos de formação privilegiados, ou se, pelo contrário, as aprendizagens efetuadas por estes poderiam ser remetidas para outros modelos de formação, diferentes daqueles que se esperariam para a formação dos futuros enfermeiros(1010. Macedo, A. Supervisão em Enfermagem: Construir as Interfaces entre a Escola e o Hospital. Santo Tirso: De facto Editores, 2012). Este estudo preliminar permitiu-nos sistematizar e aprofundar alguns aspetos, relacionados com os estágios dos alunos da Licenciatura em Enfermagem, acrescentando elementos à investigação.

Inquérito por entrevista

Numa 1ª Fase do estudo, no conjunto dos dois contextos, realizámos vinte e três entrevistas aos atores convenientes à amostra (enfermeiros do Hospital em estudo e professores, na sua maioria ex-alunos da escola em estudo), a partir de um guião com perguntas semi-estruturadas. Neste estudo as entrevistas apresentaram possibilidades metodológicas que não identificámos noutras metodologias, precisamente pelo recurso às narrativas, que em alguns momentos transformaram-se em biografias, na medida em que as informações dos sujeitos assumiam sentido e significado real, pela dimensão temporal que era integrada na problemática e tornada explícita, permitindo-nos a compreensão do fenómeno ao longo do tempo(1111. Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997 [p. 59-60; p. 103; p. 87; p.88, 1997]).

A riqueza dos dados fornecidos pelos atores só foi possível pela utilização do método auto-biográfico. Pela natureza das questões colocadas, os entrevistados necessitaram de recorrer às lembranças mais remotas, às vivências anteriores relativas aos estágios, porque, por um lado, a sua condição profissional atual afastava-se do passado dentro das organizações em estudo e por outro lado, porque os atores precisavam de recordar o seu passado como alunos ou até como profissionais, incitados também pelas nossas questões. Quando as questões se reportavam a um passado mais ou menos remoto e o desvio se afigurava provável pela escassa memória, denunciado por relatos pouco claros, mais uma vez confirmávamos a necessidade de recorrermos a outras técnicas. Em algumas situações era-nos fácil contornar o enfraquecimento progressivo dos atores entrevistados, pela possibilidade de efetuarmos um corte diacrónico, recolhendo a informação desejada, a partir de assuntos diferentes, do guião da entrevista. Os professores e enfermeiros entrevistados tinham uma característica comum, quase todos tinham sido alunos naquela Escola. Este nosso critério de conveniência permitiu-nos recorrer às vivências do passado sem muitos constrangimentos. Uma das estratégias também utilizadas por nós foi questionar um(a) supervisor(a) de estágio, que acompanhava um grupo de alunos estagiários sobre uma questão que não fazia parte do nosso guião, mas que tinha como propósito avaliar um comportamento preciso e pontual, por exemplo: “Como professor(a), de que modo concretizou a supervisão de estágio hoje?”.

Todas as entrevistas tiveram lugar fora da organização Hospitalar e tiveram sempre em conta a aceitação e disponibilidade dos entrevistados. A proximidade estabelecida com os entrevistados e a natureza compreensiva das entrevistas levou-nos a optar pela sua gravação para posteriormente serem transcritas na íntegra. Com garantia de anonimato, a maioria dos entrevistados aceitou sem qualquer hesitação a utilização do gravador, com a exceção de três casos. Não pretendemos com isto dizer que excluímos a influência dos fatores contextuais. Uma situação de entrevista, como qualquer relação face a face, é sempre uma situação de interacção social particular, sujeita a diversas leituras e avaliações de parte a parte, susceptíveis de introduzir enviesamentos na recolha dos dados(1212. Ghiglione, R.; Matalon, B. O Inquérito: Teoria e Prática. Oeiras: Celta Editora, 1992 [p. 2, 1992]).

Numa etapa seguinte (fase do estudo de caso ou de “um exemplar em acção”(11. Yin R., Estudo de Caso: Planejamento e Métodos, Porto Alegre: Bookman, 2005, [ p.31]), como estratégia metodológica de conveniência foram também entrevistados oito alunos estagiários, do Curso de Licenciatura em Enfermagem, do 2º ano, cinco enfermeiros e a supervisora, privilegiando duas modalidades de entrevista – a entrevista semidiretiva e a entrevista diretiva.

A entrevista semidirectiva baseou-se na utilização de um guião, permitindo aos entrevistados exprimirem-se, seguindo o curso do seu pensamento. Isto é, situámo-nos no entremeio, ao respondermos a duas imposições que podiam parecer opostas. Por um lado, procurávamos que o próprio entrevistado estruturasse o seu pensamento em torno do objecto perspectivado, (atitude parcialmente “não directiva”). Por outro lado, pretendíamos que o entrevistado não fosse naturalmente desviado para outras considerações desligadas do objecto de estudo, facilitando assim o aprofundamento de aspectos que ele próprio não teria explicitado(1111. Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997 [p. 59-60; p. 103; p. 87; p.88, 1997]). Desta forma, registava-se a postura parcialmente “directiva” nas intervenções do entrevistador. Este tipo de entrevista pode também ser classificado num continuum: “[...] num dos pólos, o entrevistador favorece a expressão mais livre do seu interlocutor, intervindo o menos possível; no outro, é o entrevistador quem estrutura a entrevista a partir de um objecto de estudo estritamente definido”(1111. Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997 [p. 59-60; p. 103; p. 87; p.88, 1997]).

Relativamente ao estatuto dos dados recolhidos há ainda a referir que a possibilidade de se obterem informações é grande, no entanto, elas têm os seus próprios limites: “O que as pessoas afirmam sobre as suas práticas não é suficiente para revelar as lógicas que as subentendem”(1111. Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997 [p. 59-60; p. 103; p. 87; p.88, 1997]). Por outras palavras, embora as entrevistas permitam uma aproximação às representações dos sujeitos (quer se trate de opiniões, de aspirações ou de percepções), só de forma imperfeita fornecem informações sobre as práticas.

A entrevista directiva ou estruturada, também utilizada, distinguiu-se da anterior. Foi realizada com base num questionário, cujas questões eram padronizadas e respetiva ordem preestabelecida. Consoante as situações, os inquiridos foram convidados a selecionar a resposta mais adequada; seleccionar um número determinado de respostas do leque contemplado e ordená-las por ordem de prioridades; responder com uma certa brevidade e escolher cenários com um número limitado de opções. Para cada questão com um número amplo de alternativas de resposta inserimos a opção “outra(s)”, deixando espaço no questionário para que fossem discriminadas. No final do questionário inserimos uma questão aberta, cujo espaço destinado à resposta raramente foi aproveitado para elucidar o investigador e nos casos em que se verificou uma resposta, esta apresentava-se sucinta. Neste tipo de inquérito, as questões incluídas eram iguais para cada uma das populações, no entanto, para alguns atores foram acrescentadas algumas questões adequadas ao seu estatuto ou ao lugar que ocupavam dentro da organização Escola de Enfermagem/Hospital.

Análise do corpus documental

No quadro em que se inserem, os documentos constituem-se em "vestígios"(1212. Ghiglione, R.; Matalon, B. O Inquérito: Teoria e Prática. Oeiras: Celta Editora, 1992 [p. 2, 1992]) que configuram a natureza histórico-educativa da investigação subjacente ao estudo. A análise de documentos mostrou-se assim adequada nesta investigação por se tratar de um estudo em que era pertinente analisar algumas características organizacionais, quer da Escola de Enfermagem, quer do Hospital, como entidades sociais em desenvolvimento num determinado contexto. Neste sentido justifica-se este método de pesquisa, por ser necessário explicar as razões e as bases legais e éticas que têm motivado e delineado as políticas e as práticas ao longo de um período significativo.

A riqueza e a pertinência da informação recolhida nos dois contextos do estudo, na Escola, - deduzida a partir dos Planos de Estudo e Regulamentos de Curso, da consulta de Dossiers Pedagógicos de estágios, dos livros de Atas das reuniões, dos Relatórios Anuais de Avaliação, dos Jornais da Escola, dos documentos produzidos pela Escola, dos dados sobre a população escolar e a gestão quotidiana da escola; documentos políticos/estratégicos (normativas europeias) -, e no Hospital, - deduzida a partir dos Boletins Informativos do Conselho de Administração, das Ordens de Serviço, dos Relatórios de Atividade, dos Planos de “Formação em Serviço” e dos Planos de Formação do Departamento de Formação e Investigação, dos Documentos no âmbito do Processo de Acreditação, das Normas de Atuação Profissional e Critérios de Avaliação do Desempenho, do Manual de Conteúdo Funcional das Carreiras Profissionais e do Manual Internacional Normas 1-55 (documentos no âmbito do Processo de Acreditação iniciado em 2001; pelo King´s Fund Healt Quality Service) -, convenceram-nos da sua possibilidade quando complementada com os “informantes privilegiados” que fizeram parte dos dois contextos em épocas distintas.

Observação participante

Esta opção para a vertente da pesquisa de terreno parte do nosso processo de familiarização com o contexto social que pretendíamos estudar. Dadas as características do estudo, que implica a presença prolongada do investigador no terreno, a multiplicidade de dimensões do social que aí se observa, o confronto sistemático entre, por um lado, a visão do mundo e da sociedade dos atores sociais locais, obtida através de vários tipos de depoimentos verbais e, por outro, os dados obtidos por observação direta e participante – são procedimentos que permitem descodificar o significado duma variedade de objetos e de símbolos, de acontecimentos e situações, de arranjos espaciais e de ritmos, de comportamentos e de estratégias, de declarações e de silêncios, de estilos de agir e de maneiras de pensar – no quadro de uma conceção metodológica identificado como sendo um trabalho em profundidade, mas limitado a uma situação e a um tempo de recolha de dados(1313. Estrela, A. Teoria e Prática de Observação de Classes. Uma Estratégia de Formação de Professores. Porto: Porto Editora, 1994 [p. 35, 1994]).

Durante o estágio clínico recorremos a este método, utilizando uma grelha de observação para registo de acontecimentos significativos ao tipo de estudo. A grelha de observação era constituída por dois tópicos – i) Relação com a Organização/Unidade de Cuidados; ii) Interação com o contexto de trabalho (espaços, tempos, profissionais, alunos estagiários). Este guião continha espaços para as nossas notas de campo e o seu registo era feito após as nossas deslocações à unidade de cuidados – quase sempre numa sala de reuniões situada numa outra unidade de cuidados, onde acompanhávamos um outro grupo de alunos estagiários.

Neste sentido tomamos como critério principal a situação ou atitude como observador, o processo de observação e o campo de observação. Podemos dizer que no nosso caso, a observação foi participante, sistemática (quanto ao “processo”) e verbal (quanto ao “campo”). Esta observação participante correspondeu a uma observação em que o observador pode participar, de algum modo, na atividade do observado, mas sem deixar de representar o seu papel de observador e, consequentemente, sem perder o respetivo estatuto. No presente estudo podemos dizer que houve uma polarização identificável, a suficiente para procurarmos estar constantemente alerta para o perigo de não passar para um dos lados – de going over to the other side(1414. Thomas, J. (1993). Doing critical Ethnography. Londre. Sage Publications. [p. 48, 1993]). A “auscultação” dos nossos sentimentos e emoções durante a nossa deambulação no campo da investigação tornou-se de particular ajuda. Convirá, ainda acrescentar que neste tipo de observação se orientou para os fenómenos, tarefas ou situações específicas, nas quais o observado se encontrou centrado.

Embora a nossa presença como observadora naquele contexto (de estágio) fosse relativamente prolongada, o contacto direto (e pessoal) com os observados e o registo sistemático e selectivo durou duas semanas, por períodos de uma hora. Os dados recolhidos desta observação permitiram-nos o cruzamento e a compreensão da informação, a partir dos inquéritos por questionário e por entrevista. A utilização desta técnica evitou isolar, previamente, variáveis, não procedendo ao seu controlo ou à sua eliminação, pois utiliza a técnica de redução do campo de observação de acordo com as perspectivas que vão emergindo ao longo do processo de investigação. Começou por ser descritiva, donde as categorias que emprega são decorrentes da experiência e não de ordem apriorística. Assim, pretende evitar os perigos do reducionismo e do enviesamento. O principal inconveniente apontado reside na falta de generalização. No entanto, esta dificuldade poderá ser, em parte, ultrapassada pela análise do que há de comum entre as diversas situações analisadas(1313. Estrela, A. Teoria e Prática de Observação de Classes. Uma Estratégia de Formação de Professores. Porto: Porto Editora, 1994 [p. 35, 1994]).

Este método de pesquisa ocorreu numa Unidade de Medicina de um Hospital Central situado na Zona Norte de Portugal. Convirá explicitar ainda neste ponto que, a identificação da unidade de cuidados, assim como a dos atores intervenientes no estudo não foi revelada, por nossa opção, porque considerámos que os atores estariam mais dispostos a revelarem os seus pensamentos e menos constrangidos a descreverem os episódios que eventualmente dariam uma imagem desfavorável de si. Queremos com isto dizer que respeitámos as normas no âmbito da ética relativa à investigação com sujeitos humanos – “(...) o consentimento informado e a protecção dos sujeitos contra qualquer espécie de danos”(99. Bogdan, R.; Biklen, S. Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teoria e aos Métodos. Porto: Porto Editora, 1994 [p. 115-121].).

Caracterização das populações inquiridas

De acordo com o desenho teórico-metodológico desta investigação, construída por fases, também os atores que fizeram parte do estudo foram sucessivamente sendo introduzidos ao logo do percurso investigativo. Neste sentido, a escolha da amostra foi determinada pela sua adequação face aos objetivos da investigação em cada uma das fases, tomando como princípio a diversificação das pessoas que participaram e garantindo que nenhuma dimensão importante para a investigação fosse esquecida. Assim, na 1ª fase e 2ª fase distribuímos um questionário a um grupo de alunos estagiários do 2º ano. Nestas duas fases a nossa preocupação centrou-se em identificar importantes pontos de reflexão sobre os constrangimentos situacionais relacionados com a supervisão e a articulação interorganizacional Escola de Enfermagem Escola de Enfermagem e Hospital. A questão da amostra e da sua representatividade leva-nos ao confronto de dois pontos de vista não necessariamente opostos – os da técnica estatística e os da interpretação sociológica(1515. Bogdan, R.; Biklen, S. Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teoria e aos Métodos, Porto: Porto Editora, 1994 [p. 75; Cf., p. 205, 1994].). Enquanto na primeira técnica exige-se relações nas distribuições dos inquiridos por categorias, na segunda exige-se que se descubra novas categorias teoricamente pertinentes. Portanto, correlações estatisticamente fracas podem ser relevantes teoricamente. A relevância estatística e a teórica podem não ser coincidentes. Na 3ª fase deste estudo selecionámos os atores convenientes à amostra, 11 professores (na sua maioria ex-alunos da Escola em estudo), 12 enfermeiros do Hospital em estudo (antigos enfermeiros diretores, enfermeiros supervisores, enfermeiros chefes, enfermeiros que integraram a Comissão Científico pedagógica do Departamento de Formação e Investigação, Enfermeira adjunta do Enfermeiro Diretor, Enfermeiro Coordenador da Qualidade, Enfermeira Especialista e Enfermeira de Referência do Serviço de Medicina, Enfermeiros Auxiliares de ensino) e os atores intervenientes no estudo de caso (oito alunos do Curso de Licenciatura em Enfermagem, a supervisora, também professora da Escola de Enfermagem, e cinco enfermeiros).

Na altura da realização do estudo empírico, o que determinou a escolha da amostra “amostra de oportunidade”(1616. Wragg, E. “Consulting and analysing interviews”, In J. Bell, et al. (eds), Conducting Small-scale Investigations in Educational Management. London: Harper & Row, 1984), foi a sua adequação face aos objetivos da investigação, tomando como princípio a diversificação das pessoas interrogadas e garantindo que nenhuma dimensão importante para a investigação fosse esquecida. Nesta linha de pensamento, “(...) os indivíduos não foram escolhidos em função da importância numérica da categoria que representavam, mas antes devido ao seu carácter exemplar”(1111. Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P. Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997 [p. 59-60; p. 103; p. 87; p.88, 1997]). No nosso caso, o carácter exemplar, pressupunha assegurar os atores convenientes à amostra, que pelo seu estatuto profissional tivessem responsabilidades no âmbito da organização e supervisão de estágios ou estivessem implicados no próprio processo de supervisão.

Resultados

Para o alcance dos resultados na investigação houve necessidade de analisar os dados, uma das mais importantes e complexas tarefas da pesquisa empírica, que consiste na sistematização e organização dos materiais recolhidos com o objetivo de aumentar a sua compreensão(1515. Bogdan, R.; Biklen, S. Investigação Qualitativa em Educação. Uma Introdução à Teoria e aos Métodos, Porto: Porto Editora, 1994 [p. 75; Cf., p. 205, 1994].). A leitura dos dados recolhidos (através de inquérito por questionário e entrevista, da análise do corpus documental, de grelhas de observação e notas de campo), num serviço de Medicina obedeceu a fases distintas. A 1ª e 2ª fases corresponderam ainda à fase exploratória, cujos dados permitiram a confirmação de uma problemática. A análise lato sensu ao corpus documental e aos dados obtidos por o inquérito pelo questionário permitiu identificar núcleos de sentido emergentes e significativos. As operações conducentes a uma categorização interna dos dados a posteriori(1717. Vala, J. “A análise de conteúdo”, In A. S. Silva & J. M. Pinto (orgs.), Metodologia das Ciências Sociais. Porto: Afrontamento, p. 101-128, 2003 [Cf., p. 113, 2003].) pretenderam identificar categorias, através de um processo indutivo, para a construção de duas grelhas de análise com vista à leitura da realidade observada. Simultaneamente foram aperfeiçoados, aferidos e validados outros inquéritos por entrevista, assim como as grelhas de observação para serem aplicados na 3ª fase do projeto de investigação.

A 3ª fase concretizou-se no contexto de supervisão de estágio – no Hospital. A leitura dos dados desta última fase foi realizada a partir de duas grelhas de análise que emergiram do quadro teórico-concetual do estudo, arquitetadas para os dados serem lidos em dois momentos singulares. Um momento, para a leitura transversal dos dados que contextualizaram toda a problemática da supervisão de estágios, compreendendo assim, os fenómenos de articulação interorganizacional entre uma Escola de Enfermagem e um Hospital, a partir dos modelos de supervisão de estágios em Enfermagem e, um outro momento, para a leitura dos discursos e das práticas de supervisão em contexto de estágio, a partir de um arquétipo de “Configurações da articulação Escola de Enfermagem e Hospital” construído. A leitura transversal e analítica dos dados, obtidos por entrevista (“semi-diretiva e diretiva”), integrou, em grande medida, procedimentos que envolveram a organização, a codificação e a categorização das informações recolhidas e a sua posterior análise de conteúdo. Um dos primeiros procedimentos que tivemos em conta foi a identificação com o mesmo código de um dado conteúdo em cada tipo de entrevista. Depois da análise de conteúdo efetuada a cada “entrevista semi-diretiva” cruzamos essa informação com a análise de conteúdo do questionário diretivo, cujo tratamento também envolvia o recurso a cálculos simples que visavam quantificar determinadas dimensões do objeto de análise. Este cruzamento de informações obtidas por diferentes vias foi uma démarche importante que ajudou a construir o sentido global das representações da supervisão de estágios e da articulação interorganizacional Escola e Hospital, pois o tratamento, a análise e a interpretação exigiam um encadeamento de informações, especialmente a compreensão dos contextos subjacentes à perceção expressa pelos atores. A partir desse momento lançámos à prova o arquétipo de “Configurações de Articulação Escola de Enfermagem e Hospital em contexto de supervisão de Estágio”(1010. Macedo, A. Supervisão em Enfermagem: Construir as Interfaces entre a Escola e o Hospital. Santo Tirso: De facto Editores, 2012) donde emergiram outras configurações que não resultaram exclusivamente de um processo de dedução teórica, mas sim fruto de uma articulação que se foi desenvolvendo entre a conceptualização teórica e os dados da investigação empírica, os quais foram esclarecendo, completando e legitimando os pressupostos teóricos que conduziram a nossa presença no contexto hospitalar. Isto significa que durante este processo foi possível explorar outros aspetos que eventualmente nem aparecerão explícitos neste trabalho, mas que contribuíram para consolidar mais as nossas convicções e o nosso posicionamento teórico e metodológico.

No que respeita concretamente à questão da validade interna, ela foi solucionada de certo modo através de diferentes estratégias, mobilizadas durante as diversas fases de investigação, recorrendo nomeadamente a triangulações ao nível das fontes múltiplas dos dados e dos métodos, à participação de diferentes atores na interpretação dos dados e à revelação dos pressupostos do investigador. Tratou-se de um processo claramente evolutivo, aberto, exploratório, pois pôde-se enriquecer progressivamente em função dos progressos da compreensão das particularidades do campo.

Conclusão

A triangulação de dados sobre os discursos e as práticas de supervisão de estágios, ao longo de um período considerável, muito próxima dos atores, permitiu-nos obter uma imagem da realidade social, política e cultural da articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital. Para uma melhor sistematização do percurso das organizações em estudo encetámos a análise das suas evoluções, destacando rubricas essenciais à sua compreensão.

Finalmente, não podemos deixar de mencionar que este percurso teórico-metodológico delineado implicou o recurso a perspetivas teóricas cuja mobilização foi posteriormente ensaiada e onde nos foi possível reconstituir parte do processo de investigação a partir dos dados recolhidos. Iniciámos um exercício hermenêutico, com dados muito atuais, permitindo-nos uma compreensão e uma interpretação dos factos teoricamente mais sustentados, tendo em conta, designadamente, a clarificação, por um lado, da supervisão de estágios em enfermagem e a articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e Hospital, e por outro lado, o respetivo Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital, em função de algumas dimensões organizacionais representadas em duas grelhas de análise para o efeito construídas.

Este percurso triangulado aqui explicado apresenta, certamente, algumas insuficiências e omissões que resultam, quer da dificuldade da tarefa, fruto do confronto entre o discurso com a prática dos atores, quer das habilidades da investigadora em querer caminhar para além das evidências, do espontâneo, do imediato, do familiar, fazendo ruturas necessárias com o senso comum(1818. Silva, A. A ruptura com o senso comum nas ciências sociais. In A. Silva and J. Pinto (orgs.), Metodologia das Ciências Sociais. Porto Afrontamento, p. 29-53, 2003.).

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  • *
    Este trabalho foi extraído da dissertação de doutoramento intitulada Supervisão de Estágios em Enfermagem na Articulação Interorganizacional Escola e Hospital, realizada no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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