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Vivências de idosos com a dor oncológica: abordagem compreensiva existencial* * Extraído da dissertação "Compreensão fenomenológica existencial da dor oncológica vivenciada por idosos: perspectivas para os cuidados de enfermagem", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, 2014

Resumos

OBJETIVO

Compreender a vivência com a dor oncológica por idosos.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa alicerçada na fenomenologia heideggeriana. Foram entrevistados 12 idosos em um município do noroeste do Paraná, no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014.

RESULTADOS

Da análise realizada por meio da compreensão vaga e mediana e compreensão interpretativa, emergiram duas temáticas ontológicas: A dor oncológica: desvelando o aprisionamento e as imposições vivenciadas pelos idosos e Desvelando a angústia de conviver com a dor oncológica, que revelaram não apenas como os idosos vivenciam a dor em seu cotidiano, mas o quão difícil é conviver com suas peculiaridades.

CONCLUSÃO

A dor do câncer, para os idosos, tem repercussões biopsicossociais, gerando alterações em seu existir no mundo, exigindo um cuidado holístico e autêntico.

Idoso; Neoplasias; Dor; Enfermagem Oncológica


OBJECTIVE

Understanding the experiences of elderly with cancer pain.

METHOD

Qualitative research based on Heidegger's phenomenology. 12 elderly cancer patients from a city in northwest Paraná were interviewed from November 2013 to February 2014.

RESULTS

Analysis performed by vague, median and interpretive understanding which resulted in two ontological themes: Cancer pain: unveiling the imprisonment and impositions experienced by the elderly, and Unveiling the anguish of living with cancer pain; it revealed not only how the elderly experience pain in their daily lives, but also how hard it is to live with its particularities.

CONCLUSION

Cancer pain has biopsychosocial repercussions for the elderly, generating changes in their existence in the world, requiring holistic and authentic care.

Aged; Neoplasms; Pain; Oncology Nursing


OBJETIVO

Comprender la vivencia con dolor oncológico por ancianos.

MÉTODO

Investigación cualitativa cimentada en la fenomenología heideggeriana. Fueron entrevistados 12 ancianos en un municipio del noroeste de Paraná, en el período de noviembre de 2013 a febrero de 2014.

RESULTADOS

Del análisis llevado a cabo por medio de la comprensión vaga y mediana y comprensión interpretativa, surgieron dos temáticas ontológicas: El dolor oncológico: desvelando el aprisionamiento y las imposiciones vividas por los ancianos y Desvelando la angustia de convivir con el dolor oncológico, que revelaron no solo cómo los añosos viven el dolor en su cuotidiano, sino cuán difícil es convivir con sus peculiaridades.

CONCLUSIÓN

El dolor del cáncer, para los ancianos, tiene repercusiones biopsicosociales que causan cambios en su existir en el mundo y requieren un cuidado holístico y auténtico.

Anciano; Neoplasias; Dolor; Enfermería Oncológica


Introdução

O envelhecimento é um processo caracterizado por diversas transformações nos âmbitos biológico, psicológico e social do ser humano. Tais mudanças refletem diretamente na forma com que o idoso irá enfrentar, adaptar e suprir as suas novas necessidades decorrentes da idade(1Jiménez Díaz MC, Pulido Jiménez MC, Villanueva Lupión C, Villar Dávila R, Calero García MJ. El envejecimiento, la asignatura olvidada en la universidad española: ¿El iceberg de un tipo de negligencia? Gerokomos [Internet]. 2011 [citado 2014 ago. 5]; 22(1):8-12. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/geroko/v22n1/comunicacion1.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/geroko/v22n1...
).

Atualmente, o envelhecimento populacional, fenômeno mundial, é um dos grandes desafios da saúde pública(2Soares LC, Santana MG, Muniz RM. O fenômeno do câncer na vida de idosos. Ciênc Cuid Saúde. 2010;9(4):660-7.). Observa-se, com isso, uma mudança no perfil epidemiológico da população, caracterizado pela elevada incidência de condições crônicas, as quais afetam principalmente as pessoas idosas(2Soares LC, Santana MG, Muniz RM. O fenômeno do câncer na vida de idosos. Ciênc Cuid Saúde. 2010;9(4):660-7.-3Reyes Chiquete D, González Ortiz JC, Mohar Betancourt A, Meneses García A. Epidemiología del dolor por câncer. Rev Soc Esp Dolor [Internet]. 2011 [citado 2014 ago. 5];18(2):118-134. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/revision1.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/...
).

Dentre as doenças crônicas não transmissíveis, uma das mais temidas é o câncer, o qual apresenta incidência consideravelmente aumentada com a idade, devido ao acúmulo de fatores de riscos adquiridos com o passar dos anos(2Soares LC, Santana MG, Muniz RM. O fenômeno do câncer na vida de idosos. Ciênc Cuid Saúde. 2010;9(4):660-7.). Diante do diagnóstico de uma doença como esta, o doente experiencia inúmeras transformações e mudanças no seu cotidiano de vida, advindas de seu tratamento e estigma. Neste momento, o imaginário do doente volta-se às limitações físicas imposta pela doença, associando-a a dor, ao receio da dependência e da morte(4Drageset J, Corbett A, Selbaek G, Husebo BS. Cancer-related pain and symptoms among nursing home residents: a systematic review. J Pain Symptom Manage. 2014;48(4):699-710.), quando este doente é uma pessoa idosa.

A dor é um sintoma comum nos pacientes com câncer, podendo estar associada ao desenvolvimento da doença, a outras comorbidades, bem como por decorrência de procedimentos diagnósticos e terapêuticos(3Reyes Chiquete D, González Ortiz JC, Mohar Betancourt A, Meneses García A. Epidemiología del dolor por câncer. Rev Soc Esp Dolor [Internet]. 2011 [citado 2014 ago. 5];18(2):118-134. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/revision1.pdf
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,5Carulla J, Jara C, Sanz J, Martínez C, Ledesma F, Zubillaga E. Dolor como factor predictor de depresión en elpaciente oncológico: estudio de casos y controles. Estudio D-PRESS. Rev Soc Esp Dolor [Internet]. 2013 [citado 2014 ago. 5];20(3):113-21. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v20n3/03_original.pdf
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). A mesma pode ultrapassar o limiar da dimensão física e estender-se para outras, como a psicológica, financeira, econômica, emocional, social e espiritual, sendo assim caracterizada como dor total(6Waterkemper R, Reibnitz KS. Cuidados paliativos: a avaliação da dor na percepção de enfermeiras. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1): 84-91.). Portanto, a dor constitui-se como o sintoma mais temido entre os doentes com câncer por afetar seriamente as atividades de vida diária do indivíduo, trazendo desconforto e assolando sua motivação e expectativa de vida(7González-Escalada JR, Camba A, Casas A, Gascón P, Herruzo I, Núñez-Olarte JM, et al. Código de buena práctica para el control del dolor oncológico.. Rev Soc Esp Dolor [Internet] 2011 [citado 2014 ago. 5];18(2):98-117. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/especial.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/...
).

Quando a doença e a dor acometem o idoso, deve-se levar em consideração que o processo de envelhecimento suscita alterações fisiológicas no corpo humano, e este, quando exposto aos tratamentos oncológicos, pode ter maior sensibilidade a alguns analgésicos, com a possibilidade de manifestar maior potencialidade a efeitos adversos, toxicidade e problemas de metabolismo com a droga, exigindo doses de opiáceos cuidadosamente calculadas para se obter a analgesia adequada(8International Association for the Study of Pain. Global year against pain in cancer [Internet]. Seattle: IASP; 2009 [cited 2014 Aug 13]. Available from: http://www.iasp-pain.org/Advocacy/Content.aspx?ItemNumber=1309
http://www.iasp-pain.org/Advocacy/Conten...
). Consequentemente, pode haver uma intensificação da dor, que repercute no enfrentamento do tratamento da doença e na qualidade de vida deste idoso.

Todas as pessoas e profissionais de saúde próximos a um paciente idoso com câncer devem se envolver com a sua dor e saber contemplá-la em todos os seus aspectos(7González-Escalada JR, Camba A, Casas A, Gascón P, Herruzo I, Núñez-Olarte JM, et al. Código de buena práctica para el control del dolor oncológico.. Rev Soc Esp Dolor [Internet] 2011 [citado 2014 ago. 5];18(2):98-117. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v18n2/especial.pdf
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). Para tanto, é indispensável escutar o paciente idoso em situação de dor e buscar alternativas para amenizar seu sofrimento e proporcionar meios para que exista o direito de se viver com dignidade(9Silva CCS, Vasconcelos JMB, Nóbrega MML. Dor em pacientes críticos sob a ótica de enfermeiros intensivistas: avaliação e intervenções. Rev RENE. 2011;12(3):540-7.).

Diante dessas informações e ao vivenciar o cuidado a pacientes com câncer em um serviço municipal de atendimento domiciliar, uma das autoras se inquietou ao perceber que a maioria dos pacientes com câncer era idosa, e que eles apresentavam, entre outros sintomas, a dor, a qual interferia diretamente em sua qualidade de vida. Deste modo, nasceu a seguinte questão de pesquisa: Qual o significado de conviver com a dor do câncer na velhice?

A importância deste estudo se justifica, uma vez que não busca apenas conhecer a intensidade quantificável da dor ocasionada pelo câncer e sentida pelo ser humano na senilidade, mas visa promover uma assistência integral a estes seres ao abarcar as suas subjetividades ao conviver com a dor oncológica. A partir deste entendimento é possível contribuir com a prática holística da enfermagem, dando sustentação a profissionais que trabalham com oncologia geriátrica e dor. Assim, este estudo tem como objetivo compreender a vivência com a dor oncológica por idosos.

Método

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, embasada nos pressupostos da fenomenologia existencial heideggeriana, que procura desvelar o fenômeno em seus sentidos e significados, possibilitando alcançar a sua essência e aspectos da dimensão existencial(1010 Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 2012.). Para tanto, utiliza-se da linguagem do próprio ser, pois o discurso está mergulhado na existência humana como produção da sociedade e como ato da atividade na cotidianidade do ser(1111 Sales CA, Silva VA, Pilger C, Marcon SS. Music in human terminality: the family members' conceptions. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2014 Aug 5];45(1):138-45. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en_19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en...
).

A aproximação com os sujeitos da pesquisa ocorreu por meio de visitas a 15 Unidades Básicas de Saúde de um município da região noroeste do Paraná. Nelas, os profissionais da Estratégia Saúde da Família indicavam os idosos com câncer, adstritos em suas áreas de abrangência. Estes foram selecionados com base nos critérios de inclusão ao estudo: ter idade igual ou superior a 60 anos; ter consciência do seu diagnóstico de câncer; ter vivenciado dor com intensidade de moderada a intensa (avaliada pela escala visual analógica) após a descoberta do diagnóstico e condições cognitivas preservadas (avaliadas por meio do miniexame do estado mental). Foram adotados como critérios de exclusão a morte ou mudança de cidade durante a coleta dos dados e a incapacidade de comunicação verbal para responder aos questionamentos.

Posteriormente foi realizada uma visita domiciliar ao idoso indicado, juntamente com um Agente Comunitário de Saúde, observando-se o atendimento a todos os critérios de inclusão do estudo. Em caso positivo, ele foi convidado a participar da pesquisa e, com o aceite, foram agendadas novas visitas de acordo com sua disponibilidade. Foram realizadas visitas domiciliares a 31 idosos com câncer, no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014. Destes, 12 atenderam todos os critérios de inclusão e constituíram os sujeitos da pesquisa. Cada um recebeu de duas a três visitas prévias à realização da entrevista em seu lar, para que houvesse a criação de vínculo e empatia entre o participante e o pesquisador. As entrevistas foram guiadas por um questionário semiestruturado, contendo dados sociodemográficos, da doença, e pela questão norteadora: Como está sendo/foi para o(a) senhor(a) conviver com dor nesse momento de sua vida?

Cada entrevista foi gravada, com o auxílio de um gravador digital, durando em média 40 minutos, sendo, posteriormente, transcrita na íntegra pela pesquisadora. Procedeu-se com leituras atentas e exaustivas de cada depoimento para sua análise com base na proposta existencial heideggeriana. Esta determina dois momentos metódicos abrangentes: o primeiro trata-se da compreensão vaga e mediana, que busca destacar os significados, o existencial, o mais evidente na vida cotidiana, que mostram como o ser humano se expressa por meio da fala, do silêncio e do comportamento; o segundo momento é a compreensão interpretativa, que busca desvendar o sentido do fenômeno em si, por meio da compreensão dos seus significados(1010 Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 2012.,1212 Paula CC, Souza IEO, Cabral IE, Padoin SMM. Analytical movement - Heideggerian hermeneutics: methodological possibility for nursing research. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2014 Aug 5];25(6):984-989. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/en_v25n6a25.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/en_v2...
). Assim, no primeiro momento foram separados os trechos ou unidades de sentidos de cada depoimento, que se mostraram como estruturas fundamentais da existência, e que revelaram os significados de sentir a dor do câncer na velhice. Estas unidades de sentidos constituíram-se o fio condutor da compreensão interpretativa, momento em que foram analisadas e agrupadas a partir da seleção fenomenológica da linguagem de cada sujeito.

Da análise dos depoimentos emergiram duas temáticas ontológicas, que foram interpretadas à luz de algumas ideias heideggerianas, de autores que referenciam o filósofo, bem como de pesquisadores que discorrem sobre o tema abordado neste estudo.

Para assegurar o anonimato dos depoentes, eles foram denominados com base em características marcantes evidenciadas durantes os encontros, sendo que, após a consulta do significado de cada palavra, ficaram definidos os seguintes pseudônimos: Carisma, Determinação, Força, Esperança, Amor, Fé, Conformação, Coragem, Caridade, Melancolia, Sensibilidade e Carência.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, sob o Parecer nº 256.521/2013. Os aspectos éticos regulamentados pela Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridos em sua totalidade, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado em duas vias de igual teor por todos os participantes.

Resultados

Os 12 depoentes tinham idades que variavam de 65 a 77 anos, com uma média de 70 anos. Destes, dez eram mulheres. Quanto ao estado civil, nove eram casados, dois divorciados e um viúvo. Em relação aos anos de estudo, três não eram alfabetizados, cinco possuíam de um a quatro anos de estudo e quatro tinham dez anos de estudo ou mais. Em relação à ocupação, seis eram aposentados, cinco do lar e um era cabeleireiro. Nove idosos eram católicos e três evangélicos.

Os locais afetados pelo câncer foram variados entre os participantes, atingindo coluna, mama, intestino, bexiga, cúpula vaginal, linfonodos, rim e fígado.

A seguir, são apresentadas as temáticas ontológicas que emergiram da análise dos depoimentos.

A dor oncológica: desvelando o aprisionamento e as imposições vivenciadas pelos idosos

Nesta temática, os idosos revelaram que a dor, ao adentrar seu contexto de vida, os faz se sentirem limitados para a realização das suas atividades de vida diária, privando-os de sua rotina de vida social, profissional e pessoal, fazendo com que eles se vissem aprisionados pelo câncer e pela dor.

Eu senti muita dor, e sinto até hoje ainda, ainda dói. Dá aquelas pontadas assim, parece que tem uma faca cortando dentro. É forte e me atrapalha, porque não dá para fazer serviço, sair de casa. Eu não saio, não posso sair, porque vai chacoalhando, eu sinto que vai chacoalhando e dói (Fé).

Isso me dói muito, porque eu fiquei totalmente limitada, dói muito eu ficar parada, de eu não poder fazer nada, não posso fazer nada, e eu me sinto muito mal (Melancolia).

Ah, conviver com dor é difícil, não é? A dor dá aquela agonia, nossa! Dá aquele nervosismo, aí tem que tomar remédio, porque senão você não aguenta. Atrapalha bastante nas atividades do dia a dia, você não tem ânimo para fazer nada com dor, só quer ficar deitado. Mas é assim, devagar vai indo, mas é duro, é difícil, mas... Toma remédio, cada vez que dói eu tomo e vai aliviando, aí consegue fazer as coisas, um pouco deita, um pouco anda, volta a comer, passa a dor volta a comer um pouco, consegue dormir, sai. Com dor você não sai nem de casa (Determinação).

Era difícil de suportar a dor dia e noite, não tinha hora, não tinha... eu não tinha mais... é... assim, eu não tinha uma expectativa de vida, porque você diz até quando vai durar isso? Como que eu vou conviver com isso? Será que eu vou aguentar isso? A dor é dia e noite, ela não tem hora. Tem hora que dá uma amenizada, então você diz ah, será que eu vou melhorar? de repente começa tudo de novo, então você não pode ir a lugar nenhum, você não pode nem sair de casa (Esperança).

Ao penetrar no cotidiano dos idosos, constatou-se que a dor também fez com que eles vivenciassem situações específicas, que os tornavam reféns de suas facetas, alterando suas necessidades básicas, como a alimentação.

Com a medicação que eu tomava para a dor, eu não conseguia comer, não comia, não tinha vontade de comer, atrapalhava bastante. E eu perdi um peso danado, eu pesava 70 e tantos quilos, hoje eu peso 60 e poucos quilos. Fiquei magro, fiquei magro. Até hoje minha alimentação é bem pouca, eu como muito pouco, a quantidade diminuiu, até hoje ainda não é normal. Antes eu comia bastante, hoje eu como bem pouquinho (Esperança).

Fiquei bem ruim mesmo e mal, não comia, tudo quanto é comida para mim fedia, era uma coisa incrível mesmo, de 80 quilos eu fui para 55, não sei o que aconteceu, não comia. Com dor eu não podia sentir nem o cheiro da comida, só líquido, (...) mas comida mesmo demorou muito para eu por um prato de arroz com feijão para comer, demorou muito, elas (filhas) faziam sopa, eu tomava aquela sopinha, mas o estômago parece que não aceitava, jogava tudo fora (Força).

O incômodo da dor durante o sono, que repercutia em seu descanso e conforto, também foi referido pelos idosos.

A dor atrapalhava, eu quase não dormia, atrapalhava tudo. Na época que eu não conseguia dormir por causa da dor, eu ficava quietinha, tomava meus remédios para dor, Tramal, Dipirona, e tem o outro remédio também para dor, para poder dormir (Amor).

Para dormir atrapalhava porque doía muito, não podia mexer com o braço, tinha que ficar só numa posição, na posição com o braço erguido. Doeu muito, principalmente quando eu estava com o cateter. Nossa, aquilo doía demais, eu tinha só que dormir de costas, só de costas, e depois também, para dormir botava um travesseiro para erguer o braço, para apoiar o braço, foi muita dor, foi muito sofrimento (Melancolia).

Outra imposição da dor do câncer foi a dificuldade de interação com outras pessoas, fazendo com que as relações sociais e afetivas ficassem prejudicadas, deixando o idoso cada vez mais isolado.

É difícil não dormir direito, não se alimentar direito, não se relacionar direito com a família, muitas vezes, e com os outros também, muito difícil isso (Carisma).

Ai era demais, viu! Nossa! Como eu ficava triste, meu Deus do céu! Não conseguia fazer nada, era só sentada, não aguentava levantar, às vezes chegavam as visitas e lá mesmo onde eu estava sentada elas iam, porque eu não conseguia nem levantar (Força).

Nos dias que eu sinto dor, dá vontade de ficar deitada, uma vontade de ficar quietinha. Eu não gosto, assim, não gostaria que ninguém conversasse comigo (Sensibilidade).

Desvelando a angústia de conviver com a dor oncológica

Mesmo com a dor causando desânimo e levando o idoso a questionar o sentido de sua vida, a vontade de curar a sua doença era tão grande, que ele tentava superá-la ou se adaptar, não desistindo da busca por sobreviver ao câncer:

Ah, quando dói demais, nossa! Desanima a gente, nossa! Tem hora que eu falo para quê que eu estou viva, mas... olho para trás e penso nas coisas de trás. Tem que erguer a cabeça e ir para a frente, não é? (Determinação).

Por outro lado, existem momentos em que a dor alcança o limite entre o existir e a morte. Para alguns idosos, quando a dor ultrapassava o seu limiar de tolerância, tornava-se insuportável ao ponto de, por meio da fé, pedirem para Deus lhes tirar a própria vida, ou, em um prisma mais complexo, o desespero de conviver preso às dores do câncer levou o idoso a pensar em cometer atos extremos, como o suicídio.

Eu tinha uma leve impressão de que eu já tinha chegado no fim do túnel, não enxergava mais uma luz, não. Eu tinha medo e eu vendo a cada dia a situação ficando ruim, eu emagrecendo, eu sentia muita... Ah, você quer que eu fale a verdade para você? Na verdade mesmo, eu me achei tão frágil, tão ruim, que eu pedi para Deus, pedi muitas vezes, eu falei assim: Olha Senhor, se for da Tua vontade, pedir a morte eu não vou porque é pecado, mas se for da Tua vontade, e eu tiver que viver assim, desse jeito por muito tempo, se o Senhor quiser me tirar eu vou ficar muito contente. Eu pedi, se Deus quisesse que fosse da vontade Dele e Ele quisesse me tirar para aliviar, eu preferia. Eu acho que qualquer um prefere morrer do que ficar no sofrimento que eu estava (Carisma).

Começava aos pouquinhos, e eu falava para ela (filha) ah parece que a dor já está vindo de novo, aí foi vindo, vindo de pouquinho aí quando pensa que não, ela alterou mesmo, ela alterou como se fosse um fogo, e deu bem forte mesmo, foi na hora que eu não parava deitada, nem sentada, eu levantava, eu grudava nela (filha), não tinha lugar bom para mim. Eu pedi até para Deus Senhor se for a hora, me leva, porque eu não aguento mais (Força).

Olha, pensei em desistir do tratamento e até pensei alguma vez que se for para conviver com essas dores a vida inteira... Eu não vou aguentar! Eu vou ter que... vou ter que me acabar de uma vez. Pensei até em suicídio. As pessoas pensam em suicídio, não é? Porque a dor é muita! Não é pouca não! É muita dor! Cheguei a pensar nisso, e minha família contestou na hora. Mas que eu pensei, pensei (Esperança).

Discussão

Em seu existir-no-mundo, o ser humano encontra-se em um estado de abertura Offenheit e, neste estado, convive em um leque de possibilidades entre o estar saudável e o estar enfermo. Existencialmente, a doença deve ser analisada como uma forma de privação, mas sempre no sentido de privação da potencialidade de ser, do ser-no-mundo. Ela traz em si uma necessidade na qual o indivíduo se compreende como estando numa falta de alternativas de poder-ser, isto é, projetar-se para além de si e resgatar a liberdade perdida na enfermidade, tornando-se assim um prisioneiro de si(1313 Nogueira RP. Extensão fenomenológica dos conceitos de saúde e enfermidade em Heidegger. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):259-66.). Diante deste pensar, averiguou-se nas locuções dos participantes que eles vivenciavam o que antes permeava seu imaginário, sendo que, em decorrência da dor causada pelo câncer, além do sofrimento físico, sentiam-se limitados em suprir suas próprias necessidades, mas especialmente, por viver um cativeiro em suas próprias casas.

Atualmente, o conceito biopsicossocial da dor é amplamente aceito, pois de fato a dor pode envolver uma complexa combinação de disfunções físicas, crenças, estratégias de enfrentamento, evolução da doença e as interações sociais do doente. Seguindo este pensar, o tratamento da dor, muitas vezes, é multidisciplinar e visa maximizar seu alívio e aumentar a motilidade do paciente, sua independência e qualidade de vida(1414 Thakur D, Dickerson S, Bhutani MK, Junor R. Impact of prolonged-release oxycodone/naloxoneon outcomes affecting patients' daily functioningin comparison with extended-release tapentadol: a systematic review. Clin Ther. 2015;37(1): 212-24.). Contudo, apesar dos grandes avanços no tratamento do câncer nas últimas décadas, a atenção para todos os sintomas dessa doença, tanto físicos quanto psicológicos e de seu tratamento, tem menor prioridade em contextos clínicos(1515 Rodin G. Effective treatment for depression in patients with câncer. Lancet. 2014;384(9948):1076-8.).

Ter a dor agrilhoada ao seu conviver com o câncer leva o idoso a sofrer redução significativa da sua qualidade de vida, repercutindo em seu sono, na execução das suas atividades diárias, na diminuição da sua capacidade cognitiva e o predispõe a uma grande ansiedade(1616 Mencías Hurtado AB, Rodríguez Hernández JL. Trastornos del sueño en el paciente con dolor crónico.. Rev Soc Esp Dolor [Internet] 2012 [citado 2014 ago. 5];19(6):332-4. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v19n6/revision4.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v19n6/...
), pois ela os encarcera do seu convívio social. Ao analisar a linguagem dos idosos, apreendeu-se que as consequências da dor em seu dia a dia foram devastadoras. Demonstraram o quão difícil foi conviver sob o seu cativeiro, pois se sentiam presos e impossibilitados dentro de suas próprias casas, vivendo as incertezas em relação ao futuro, debilitados com o avanço da idade e com as limitações impostas pela dor oncológica.

A dor é uma preocupação importante em pacientes com câncer, em tratamento ativo ou não(1414 Thakur D, Dickerson S, Bhutani MK, Junor R. Impact of prolonged-release oxycodone/naloxoneon outcomes affecting patients' daily functioningin comparison with extended-release tapentadol: a systematic review. Clin Ther. 2015;37(1): 212-24.). É um dos aspectos mais temidos do câncer, e pode ter um importante impacto na vida do ser humano(1717 Goodwin PJ, Bruera E, Stockler M. Pain in patients with cancer. J Clin Oncol. 2014;32(16):1637-9.). Reforçando este fato, estudo realizado com seis enfermeiras que prestavam assistência a pacientes com câncer e dor em uma unidade de cuidados paliativos destaca que a dor associada ao adoecer com câncer torna essa experiência ainda mais complexa, visto que é um fenômeno que desencadeia sensação de limitação ao leito de uma cama, significando a perda da liberdade de agir sobre si e sua vida, e sobre os planos realizados(6Waterkemper R, Reibnitz KS. Cuidados paliativos: a avaliação da dor na percepção de enfermeiras. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1): 84-91.).

Neste existir, muitas alterações associadas à dor do câncer privam o idoso de sua saúde e liberdade, e podem, quando não detectadas, gerar complicações que o torna prisioneiro da dor e da doença. Nos depoimentos foi possível observar que a dor afetou os padrões de sono e alimentação, gerando desconforto e tristeza.

Na meditação heideggeriana, o ser humano é um ser-no-mundo que existe sempre em relação com algo ou alguém e, nesse estado, compreende as suas experiências, estabelece significado próprio aos objetos e seres em seu mundo, e dá sentido à sua existência(1010 Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 2012.). Neste prisma, apreendeu-se que a dor sentida pelos idosos também os fez fecharem-se em si, impedindo-os de manter relacionamentos com outros entes que iam ao seu encontro para estabelecer laços de companheirismo e solicitude.

Assim, é importante estar atento para o risco de depressão em pacientes com câncer, que se mostra de duas a três vezes maior nestes seres, do que na população em geral(1515 Rodin G. Effective treatment for depression in patients with câncer. Lancet. 2014;384(9948):1076-8.). Somando-se a isso, apesar da existência de diversas abordagens eficazes para a gestão da dor, muitas vezes este sintoma não é tratado adequadamente, e quando isso acontece, pode levar a pessoa que a experiência a uma angústia significativa(1717 Goodwin PJ, Bruera E, Stockler M. Pain in patients with cancer. J Clin Oncol. 2014;32(16):1637-9.). Fatores neurobiológicos individuais podem desempenhar um papel na relação entre o câncer e a depressão, mas muitas evidências sugerem que esta, nessa população, representa uma via final comum da angústia, resultante da interação de diversos fatores de risco e vulnerabilidade(1515 Rodin G. Effective treatment for depression in patients with câncer. Lancet. 2014;384(9948):1076-8.).

Por ser uma das comorbidades mais comuns em pacientes com câncer, a depressão decorrente da dor e suas consequências, e a submissão às imposições da mesma, leva a impactos negativos na sua qualidade de vida e tratamento da doença. Os seus sintomas incluem alterações no humor, distúrbios do sono, alterações do apetite e de peso, perda de energia, aumento ou diminuição da atividade psicomotora, diminuição da capacidade de concentração, sentimento de culpa, pensamentos suicidas e desvalorização(5Carulla J, Jara C, Sanz J, Martínez C, Ledesma F, Zubillaga E. Dolor como factor predictor de depresión en elpaciente oncológico: estudio de casos y controles. Estudio D-PRESS. Rev Soc Esp Dolor [Internet]. 2013 [citado 2014 ago. 5];20(3):113-21. Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v20n3/03_original.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/dolor/v20n3/...
).

A dor do câncer, então, deve ser encarada como um fenômeno multidimensional, que torna a experiência do doente angustiante e sofrida ao ultrapassar as dimensões físicas e estender-se para os campos psicológicos e sociais(6Waterkemper R, Reibnitz KS. Cuidados paliativos: a avaliação da dor na percepção de enfermeiras. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1): 84-91.), remetendo o paciente, emergido em sua própria prisão existencial, à dor total.

A existência autêntica do ser humano, no pensamento heideggeriano, caracteriza-se por vivermos de acordo com o próprio modo de ser, por ter consciência das próprias limitações e a assumir a condição de estar-lançado-no-mundo, transcendendo sua vicissitude e superando sua facticidade existencial. Assim, observou-se na linguagem de Determinação, que inicialmente, ao experienciar um quadro forte de dor, ela enreda-se em si, buscando um entendimento para sua situação. Todavia, foi possível distinguir em um segundo momento que ela procura em si forças para manter-se firme e suportar essa nova e indesejada condição de existir-no-mundo com câncer, convivendo com a dor.

Algumas pessoas diagnosticadas com câncer expressam uma aprendizagem pessoal que se inicia na luta pela sobrevivência e passa pela ansiedade de viver com um futuro incerto. Este aprendizado pessoal é experimentado por meio de uma vida transformada por si mesmos ao terem que se confrontar com as consequências da doença(1818 Karlsson M, Friberg F, Wallengren C, Öhlén J. Meanings of existential uncertainty and certainty for people diagnosed with cancer and receiving palliative treatment: a life-world phenomenological study. BMC Palliat Care [Internet]. 2014 [cited 2014 Aug5];13:28. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4059734/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

A dor traduz a singularidade do ser humano, que é característica inerente deste(2Soares LC, Santana MG, Muniz RM. O fenômeno do câncer na vida de idosos. Ciênc Cuid Saúde. 2010;9(4):660-7.). Cada idoso, então, se percebeu conforme o olhar que tinha acerca de sua doença e dor, e a maneira que a vivenciava, refletindo o modo como observamos o mundo ao nosso redor, nosso mundo-vida. Nesse sentido, sendo a dor algo que encoraja o idoso ao enfrentamento de sua doença e que, cada ser-aí é um ser único, que vivenciou experiências únicas, cada ser humano traz em si um conjunto de conhecimentos que deve ser sempre valorizado(1919 Guevara B, Zambrano de Guerrero A, Evies A. Cosmovisión en el cuidar de sí y cuidar del outro. Enferm Global [Internet]. 2011 [citado 2014 nov. 19];10 (21). Disponible en: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v10n21/reflexion2.pdf
http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v10n21/re...
), o que significa que os profissionais devem se atentar para as reais necessidades do idoso que refere buscar na morte o alívio para a sua dor.

No pensar heideggeriano, no ser-para-a-morte, ou seja, na possibilitação da morte, o ser-aí existe autenticamente, isto é, descobre em si sua condição de estar-lançado-no-mundo e à facticidade da sua existência(1010 Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 2012.). Todavia, essa antecipação da morte não significa uma premonição da hora de sua chegada, tampouco uma especulação de como será esse momento, mas a certeza de sua vinda em hora certa. Porém, percebeu-se nas falas dos idosos que a dor é tão insuportável que eles sentem necessidade de fugir, de abandonar essa existência marcada pelo sofrimento e, nesses momentos, clamam a Deus que antecipe a sua morte, eliminando sua angústia e consternação.

O sentimento de angústia eleva o homem ao seu estado ontológico, podendo ser entendido como um sentimento de redenção. O homem angustiado fica desprovido de sentido, pois a angústia se apresenta de forma totalizadora, abarcando todo o seu pensar e agir(2020 Costa PE. Inautenticidade e finitude em Heidegger. Saberes [Internet]. 2010 [citado 2014 Ago 5];3(n. esp):151-9. Disponível em: http://www.periodicos.ufrn.br/saberes/article/view/884/819
http://www.periodicos.ufrn.br/saberes/ar...
). Neste contexto, examinou-se na fala de Esperança que a dor oncológica tomava conta de sua vida, deixando-a na incerteza acerca de seu existir. Essa atitude pode representar um grito de inautenticidade, do não se assumir nas suas possibilidades de estar-aí com dor, é um modo de ser que não está fundado no seu sentido originário de possibilidade pura.

Diante do exposto, é importante que o enfermeiro, ao dispensar o cuidado ao doente de câncer idoso, saiba reconhecer a dor em todas as suas dimensões, contemplando a dor total, realizando o seu correto manejo, bem como distinguindo as alterações e peculiaridades que envolvem a terceira idade, para o planejamento das suas ações de cuidado. É importante um cuidado individualizado ao idoso com dor oncológica, que contemple o contexto do fenômeno experienciado por ele(6Waterkemper R, Reibnitz KS. Cuidados paliativos: a avaliação da dor na percepção de enfermeiras. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1): 84-91.). Destaca-se que há evidências de que a atenção direcionada ao doente crônico com dor ameniza a sua ansiedade e, consequentemente, alivia sua dor e leva à melhora de seu quadro depressivo. Enfermeiros e outros profissionais de saúde podem utilizar a atenção para complementar o tratamento de pacientes com dor crônica, especialmente aqueles com comorbidades psicológicas(2121 Song Y, Lu H, Chen H, Geng G, Wang J. Mindfulness intervention in the management of chronic pain and psychological comorbidity: a meta-analysis. Int J Nurs Sci. 2014;1(2):215-23.).

Os pacientes e suas famílias, porém, não estão recebendo as informações e cuidados necessários referentes ao tratamento do câncer. Ainda, apesar do crescente aumento de novos diagnósticos da doença e do número de pacientes idosos, há uma escassez de mão de obra qualificada para cuidar dessa população(2222 Nekhlyudov L, Levit L, Hurria A, Ganz PA. Patient-centered, evidence-based, and cost conscious cancer care across the continuum: translating the institute of medicine report into clinical practice. CA Cancer J Clin. 2014;64(6):408-21.), visto que muitos profissionais da saúde não possuem conhecimento e preparo adequados para lidar com todos os aspectos da dor, tendo como consequência a alteração na qualidade de vida e na capacidade de enfrentamento da doença(9Silva CCS, Vasconcelos JMB, Nóbrega MML. Dor em pacientes críticos sob a ótica de enfermeiros intensivistas: avaliação e intervenções. Rev RENE. 2011;12(3):540-7.,2323 Ripamonti CI, Bossi P, Santini D, Fallon M. Pain related to cancer treatments and diagnostic procedures: a no man's land? Ann Oncol. 2014;25(6):1097-106.).

O estudo contribui, portanto, para a prática integral e holística da enfermagem ao destacar a importância de se considerar as demandas subjetivas dos idosos acometidos pela dor oncológica. Ainda, revela-se a necessidade da formação adequada de profissionais da área da saúde que irão atuar no cuidado a estes indivíduos, para que sejam capazes de avaliar e compreender a dor do idoso com câncer em todos os seus aspectos, para que promovam a sua qualidade de vida a partir de uma assistência qualificada e humanizada. Contudo, ressalta-se a necessidade de mais estudos que explorem o tema, uma vez que, com a mudança no perfil demográfico e epidemiológico da população, tornam-se necessários para contribuir com a resolução das novas demandas.

Conclusão

A partir das locuções dos idosos foi possível apreender que a dor, ao penetrar no seu cotidiano de vida, os fez se sentirem aprisionados e à mercê das suas consequências e limitações. Eles se viram presos em seus próprios domicílios e sofreram com as imposições ocasionadas por ela em suas vidas. Observou-se nos depoimentos que a dor gerou restrições nas suas atividades de vida diária, como a alteração no padrão alimentar, no sono e no seu relacionamento com pessoas ao seu redor, bem como os fez conviverem com a incerteza do que estava por vir, suscitando a experiência de angústia, temor e súplica pela morte.

A partir dessas constatações, pode-se afirmar que a dor originada do câncer, para os idosos, é remetida à dor total, por ter repercussões de âmbito biopsicossocial e gerar alterações multidimensionais.

O enfrentamento dos idosos diante da dor do câncer é complexo. Alguns visualizaram a dor como um sintoma que os impulsionavam a continuar vivendo, buscando a cura da temida doença. Entretanto, a impossibilidade de melhora, somada ao sentimento de temor, fez com que outros idosos, em determinados momentos, desejassem não continuar vivendo, levando-os a pedir a própria morte, ou até mesmo a ter pensamentos suicidas, como um último meio para que pudessem ter seu sofrimento aliviado.

Este estudo apresentou algumas limitações caracterizadas pela especificidade da população estudada e por ser em uma realidade local. Contudo, as vivências dos idosos com dores oncológicas refletem a necessidade da realização de ações que amparem e acompanhem os idosos que são diagnosticados com câncer em seu dia a dia, buscando apoiá-los em suas necessidades de forma singular e holística.

Deste modo, infere-se que, mesmo com o desenvolvimento de estudos a respeito do tratamento da dor oncológica, é imprescindível uma atenção especial ao cuidado às subjetividades do idoso que vivencia esta situação. Compreender tal vivência possibilita o planejamento e desenvolvimento de ações humanizadas que contemplem as necessidades dos idosos, melhorando a sua qualidade de vida e o enfrentamento da doença, para que, assim, não busquem medidas de autocídio como mecanismo de alívio da dor e tenham um tratamento digno em seu envelhecer.

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    Extraído da dissertação "Compreensão fenomenológica existencial da dor oncológica vivenciada por idosos: perspectivas para os cuidados de enfermagem", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, 2014
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    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2014
  • Aceito
    01 Jan 2015
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