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Interdisciplinaridade: Novos Desafios em Tempos Complexos

Iniciamos 2024 com o volume 27 da Revista Ambiente e Sociedade apresentando temáticas que destacam a multiplicidade de questões que estão a desafiar uma sociedade confrontada pelos cenários de emergência climática. Estamos vivendo tempos muito incertos, mas ao mesmo tempo um panorama dramático de desastres em diversas partes do planeta ano após ano.

A sociedade global tem acesso a uma multiplicidade de dados, de projeções e de fatos confirmados pela ciência que demonstram uma crescente perda do equilíbrio climático. Relatórios de diversas organizações como a Organização Meteorológica Mundial (OMM) nos colocam fatos que têm se transformado em ameaças existenciais. Além disso, os documentos publicados desde 2009 por um conjunto de renomados cientistas do Stockholm Resilience Centre (SRC) (Rockstrom et al., 2009ROCKSTRÖM, J., STEFFEN, W., NOONE, K. et al. A safe operating space for humanity. Nature 461, 472–475 (2009).), mostram como nove fronteiras planetárias representam uma realidade de transgressão que sinalizam cada vez mais os riscos de irreversibilidade dos danos causados ao Planeta desde a Revolução Industrial.

Estes indicadores têm sido amplamente disseminados e criado uma grande repercussão nos campos da ciência, das políticas e das práticas, numa perspectiva interdisciplinar e intersetorial. Isto nos confronta com o fato de que a ciência tem avançado no sentido de demonstrar a existência de limiares críticos e de riscos crescentes para as pessoas e os ecossistemas (Jacobi et al., 2015JACOBI, P. R., GIATTI, L. L. e AMBRIZZI, T. Interdisciplinaridade e mudanças climáticas: caminhos para sustentabilidade. Práticas da interdisciplinaridade no ensino e pesquisa. Barueri: Manole, 2015).

A Revista Ambiente & Sociedade, desde 1997, não só tem compartilhado com suas leitoras e seus leitores a importância da hibridização de conhecimentos e de cortes transversais na compreensão e explicação destes processos, como também tem apontado a emergência de novas abordagens que confrontam as incertezas e ampliam os espaços de reflexão, voltados a incentivar um conhecimento em permanente mutação para responder às complexidades e à hibridização do mundo real.

Com vistas a fomentar mais um conjunto de discussões e debates no campo das questões ambientais e sociais numa perspectiva interdisciplinar, abrimos a primeira edição de 2024 da Revista Ambiente & Sociedade, com o Volume 27.

No artigo “Imagens poéticas do fim do mundo: arte, eco-comunicação e percepção ambiental”, a autora Ana Silvia Andreu da Fonseca analisa quais imagens acerca do colapso climático são percebidas pelo público jovem latino-americano de cinema ambiental. Como resultados, a autora, a partir da coleta e análise dos dados através de uma abordagem qualitativa, utilizando-se das noções de ressonância discursiva e de macrotendências da educação ambiental como conceitos principais, observa que tais imagens remetem a um campo discursivo e poético de forma simultânea, influenciando a percepção ambiental do grupo de jovens latino-americanos considerados pela pesquisa.

Os autores Patrícia Marques Santos, Claudio Belmonte de Athayde Bohrer e Marcelo Trindade Nascimento, em seu artigo “Impactos das mudanças de uso e cobertura da terra em fitofisionomias da Mata Atlântica”, avaliam a paisagem das regiões Norte e Noroeste, determinando as mudanças na cobertura florestal por fitofisionomia, utilizando a coleção 6 do MapBiomas (1985-2020), empregando, para isso, os softwares R e QGIS. Os resultados e discussões do estudo identificaram que, entre 1985 e 2020, houve redução nas perdas de cobertura florestal, sendo resultado do balanço dos ganhos de vegetação secundária que mascaram as perdas de vegetação madura, com prejuízos para a biodiversidade. Os autores destacam que a agropecuária foi o principal fator causador dessa perda de vegetação no Norte e Noroeste fluminense.

Com o artigo intitulado “Panorama das publicações científicas sobre Pagamentos por Serviços Ambientais no Brasil”, os autores Bartira Rodrigues Guerra, Stella Verdasca, Maria Rita Raimundo e Almeida e Victor Eduardo Lima Ranieri analisam e sistematizam informações sobre a evolução de publicações científicas sobre o tema do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no contexto do Brasil. A partir de uma revisão bibliográfica sistemática, os resultados do artigo apontam para i. a predominância de pesquisas que desenvolveram estudos de casos, com limites geográficos que seguem os recortes administrativos e bacias hidrográficas; e, quanto à análise temática, uma maior frequência de estudos (18) sobre a viabilidade do PSA.

No artigo “Conflitos e Injustiças socioambientais na Reserva Extrativista Acaú-Goiana”, de autoria de Aline de Souza Souto, Virgínia Carmem da Rocha Bezerra, Glaciene Mary da Silva Gonçalves, Mariana Olívia Santana dos Santos e Aline do Monte Gurgel, são analisados os conflitos e as injustiças socioambientais resultantes da cana-de-açúcar na Reserva Extrativista Acaú-Goiana, no estado de Pernambuco (PE), no Nordeste do Brasil. Ao desenvolver um estudo de caso com trabalhadores rurais a partir da cartografia social e análise documental, analisados seguindo as categorias do Atlas Global de Justiça Ambiental (EJAtlas), as autoras observaram o surgimento de novos conflitos com a instalação de empreendimentos que pressionam o território, somando-se a problemas seculares como o cultivo de cana-de-açúcar.

O artigo “Política Ambiental Brasileira: responsabilidade compartilhada e desmantelamento”, de Cristiana Losekann e Raquel Lucena Paiva, faz uma revisão da política ambiental brasileira, analisando seus mecanismos centrais, a partir de pesquisa bibliográfica e análise de dados empíricos documentais. Como resultados, as autoras, com base em três correntes teóricas do campo da Teoria Política que discutem sobre coordenação da ação coletiva, deliberação e justiça ambiental, concluíram que o caráter compartilhado da responsabilidade na política ambiental brasileira é o foco central das mudanças que vêm ocorrendo, colocando em risco uma importante dimensão democrática.

De autoria de John Marr Ditty e Maria Eugênia Totti, o artigo intitulado “Water governance: the complexity of interactive dynamics among stakeholder groups” traz a gestão da água como tema central, visando analisar a dinâmica interativa de 10 grupos de stakeholders preocupados com a gestão de um sistema lagunar costeiro de água doce no Brasil. Com base na aplicação de entrevistas e análise de redes sociais de modo a revelar e mapear a dinâmica de interação entre esses grupos com participação na gestão de recursos hídricos desse sistema, os resultados, em termos gerais, apontam que a interação dos grupos de stakeholders se dividiu em dois clusters distintos. Um deles foi aquele que se correlacionou com o poder político de forma positiva e, o outro, consiste naquele mais dependente dos recursos, caracterizando-se por influência na tomada de decisões e baixa interação com outros grupos.

Também com foco na gestão de recursos hídricos, no artigo “Gestión Integrada del Recurso Hídrico en Colombia, una Perspectiva Histórica”, os autores César Cardona-Almeida e Andrés Suárez objetivam investigar a abordagem de “integração” em arranjos regulatórios na Colômbia, analisando a partir de uma perspectiva histórica, de maneira a compreender como a percepção e a gestão do meio ambiente por parte da sociedade evoluíram nesse país. Os resultados deste estudo apontam que a noção do meio ambiente complexo e integrado não é exclusiva das políticas públicas atuais, estando presente há séculos.

Para finalizar esta edição de artigos, Naetê Barbosa Lima Reis, Tatiana Walter e Geraldo Márcio Timóteo, em seu texto “Gestão pesqueira e Colonialismo: desterritorialização e r-existências na comunidade pesqueira artesanal da Praia do Siqueira/RJ-Brasil”, analisam a imposição do período de defeso na Lagoa de Araruama, no Rio de Janeiro (RJ), no Brasil, a partir das narrativas da comunidade pesqueira artesanal da Praia do Siqueira, localizada às suas margens. Primando-se por metodologias não-extrativistas/participativas, os autores concluíram, de modo geral, que o calendário de pesca imposto intensifica processos de desterritorialização da comunidade em questão; porém, apesar da violência, os espaços são percolados por práticas de r-existência.

Desejamos uma ótima leitura a todos e todas, na qual possam se debruçar sobre problemáticas socioambientais sensíveis, complexas e desafiantes.

References

  • ROCKSTRÖM, J., STEFFEN, W., NOONE, K. et al. A safe operating space for humanity. Nature 461, 472–475 (2009).
  • JACOBI, P. R., GIATTI, L. L. e AMBRIZZI, T. Interdisciplinaridade e mudanças climáticas: caminhos para sustentabilidade. Práticas da interdisciplinaridade no ensino e pesquisa. Barueri: Manole, 2015

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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