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Reação do Mercado à Emissão de Instrumentos de Dívida Elegíveis a Capital pelos Bancos Brasileiros

RESUMO

Para cumprir os requerimentos mínimos de capital, os bancos podem se utilizar de instrumentos de dívida elegíveis a capital, desde que observados requisitos de subordinação disciplinados nos Acordos de Basileia. Considerando os potenciais efeitos desses instrumentos, sob a ótica dos investidores, o presente estudo teve por propósito identificar qual o impacto da emissão desses instrumentos no retorno das ações dos bancos emissores, no âmbito do mercado de capitais brasileiro. Este artigo norteou-se principalmente no trabalho de Ammann et al. (2017). Os resultados dos testes empíricos realizados por meio de estudos de eventos, contemplando 30 emissões realizadas entre 02/2008 e 09/2017, sugerem que as emissões ou anúncios desses instrumentos causam um impacto negativo no retorno das ações dos bancos emissores. Foram identificadas, ainda, evidências de que o mercado não antecipa os efeitos da emissão ou anúncio de um instrumento, antes de sua ocorrência. Este trabalho contribui com o desenvolvimento da literatura sobre regulação prudencial bancária e pode auxiliar os bancos nas suas decisões de capitalização.

Palavras-chave:
Instrumentos de Dívida Elegíveis a Capital; Acordos de Basileia; Capital; Bancos; Mercado

ABSTRACT

Banks are allowed to employ debt instruments in order to meet the minimum requirements of capital, as long as they comply with the subordination agreements as determined by the Basel Accords. This paper takes account of the effective powers of these instruments, viewed from the standpoint of the investors, and seeks to assess their impact on the return on investments in the shares of the issuing banks within Brazil’s capital markets. The article is, to a large extent, based on the research findings of Ammann et al (2017). The results of the empirical tests - which were conducted by means of event studies that involved issuing 30 instruments during the period 12/2008 - 09/2017 - suggest that the issuances or announcements of these instruments had an adverse effect on the stock market value of the issuing banks. In addition, evidence was obtained that the market is unable to forecast the effects of these instruments before they take place. This paper seeks to contribute to the current literature on prudential regulations for banking and it hopes to assist banks in making decisions about capitalization.

Keywords:
Capital Instrument; Basel Accords; Capital; Banks; Stock Market

1. INTRODUÇÃO

Por determinação regulamentar, os bancos precisam atender a requerimentos mínimos de capital para fazer frente aos riscos de suas operações, podendo, para tanto, emitir instrumentos de dívida de acordo com os requisitos de Basileia - são os chamados instrumentos de dívida elegíveis a capital (IDEC). São instrumentos de captação de recursos, subordinados às demais obrigações no caso de liquidação da instituição emissora, que devem atender a determinados requisitos, especificados nos Acordos de Basileia, que procuram garantir a efetividade das condições de subordinação desses instrumentos e que o banco emissor possua um nível de capital adequado.

Desde o primeiro Acordo de Basileia, em 1988, bancos começaram a emitir IDEC, com o objetivo de fortalecer seu capital regulatório e para evitar que governos utilizem recursos públicos para socorrê-los em casos de crises. Esses instrumentos funcionam como uma alternativa ao capital próprio, ao invés dos próprios acionistas aportarem mais capital no banco, é admitido que recursos de terceiros sejam considerados como tal, desde que satisfeitas algumas condições, notadamente de subordinação.

Este estudo tem por objetivo identificar qual a reação do mercado à emissão de IDEC - denominados internacionalmente de contingent convertible capital instruments (CoCos), dada a possibilidade de serem convertidos em ações ou, alternativamente, extintos, de acordo com as regras de Basileia III (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision (BCBS). (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems, Basel. Retrieved from http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
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) - por bancos brasileiros, considerando os custos e benefícios associados a esses instrumentos, sob a perspectiva dos acionistas.

Teoricamente, os IDEC aumentam a solidez dos bancos, por reforçarem o capital regulamentar e poderem absorver perdas, além de propiciarem a alavancagem dos bancos emissores, permitindo que realizem mais operações financeiras. Como esses instrumentos possuem cláusulas de subordinação - incluindo a possibilidade de extinção da dívida ou conversibilidade em ações, conforme previsão regulamentar - é natural que o custo de captação desses instrumentos seja maior do que outros meios de captação não subordinados, embora a capitalização com IDEC possa ser preferível à capitalização com capital próprio, que, teoricamente, é mais dispendiosa.

Essa perspectiva encontra amparo, inicialmente, na teoria do trade-off, a qual defende que a captação de recursos por meio de dívidas gera uma vantagem fiscal para a entidade, mediante a dedução das despesas com juros da base de cálculo dos tributos, tornando o custo do capital de terceiros menor que o custo do capital próprio (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. Journal of Finance, 39(3), 575-92.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate Financing and Investment Decisions When Firms Have Information Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, (13), 187-222.; Gallina, Ferreira, & Araújo, 2015Gallina, A. S., Ferreira, J. C., & Araújo, M. P. (2015). A influência das teorias da agência, trade-off e pecking order no estudo da estrutura de capitais: uma revisão teórica. [The influence of the trade-off and pecking order theories on the study of the capital market ] I CINGEN - Conferência Internacional em Gestão de Negócios [International Conference on Business Management], UNIOESTE, Cascavel. Retrieved from http://cac-php.unioeste.br/eventos/cingen/artigos_site/convertido/5_Contabilidade_Financeira_e_Financas/A_influencia_das_teorias_da_agencia_trade_off_e_pecking_order_no_estudo_da
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). Entretanto, essa vantagem da troca do capital próprio por dívidas seria benéfica até determinado ponto, pois a instituição mais endividada aumenta seus riscos, inclusive de falência, gerando um aumento no custo de captação de recursos.

No entanto, dadas as características das instituições financeiras, que operam em mercado com forte impacto regulatório e onde a percepção de risco por parte dos agentes de mercado tem uma importância singular para as próprias condições de funcionamento do sistema, é natural supor que a emissão de IDEC só ocorra quando a entidade não consegue gerar recursos internamente, configurando a prevalência da teoria do pecking order, caracterizada por uma ordem de preferência entre os recursos utilizados pelas instituições: primeiro, recursos gerados internamente, mediante a incorporação de reservas e lucros; segundo, emissão de novas dívidas; e, por último, lançamento de novas ações (Myers, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate Financing and Investment Decisions When Firms Have Information Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, (13), 187-222.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate Financing and Investment Decisions When Firms Have Information Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, (13), 187-222.).

Essa singularidade de exigência de capital regulatório, com o intuito de assegurar a perspectiva de solidez e estabilidade do sistema bancário, gera questionamentos de autores como Admati, Demarzo, Hellwig e Pfleiderer (2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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), ao defenderem que os IDEC não são bons substitutos para as ações, podendo, inclusive, ter um custo de captação superior à emissão de ações. Isso se justifica, segundo Admati et al. (2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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), pelo fato de que o tamanho das perdas que os IDEC podem absorver será muito pequena ou irá expor excessivamente os investidores desses instrumentos, que seriam muitas vezes investidores de renda fixa despreparados para perdas súbitas e grandes, como os detentores de ações estão acostumados.

Dada essa dualidade quanto aos efeitos da emissão dos IDEC - reforça o capital e permite a alavancagem dos negócios, sem a necessidade de aporte de capital próprio, mas aumenta os custos de captação e a percepção de risco em relação aos emissores -, alguns estudos realizados em âmbito internacional, como Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), Avdjiev, Bolton, Jiang, Kartasheva e Bogdanova (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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), Ammann, Blickle e Ehmann (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.) e Liao, Mehdian e Rezvanian (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), procuraram examinar qual o efeito dessas emissões no valor de mercado dos bancos emissores, com evidências empíricas não totalmente aderentes entre si, apontando tanto efeitos positivos, negativos ou neutros para os bancos emissores, o que é mais bem explorado na Seção 2.1.

No caso do Brasil, que ainda não possui um estudo nesse sentido, é esperado que a percepção de risco seja ainda mais acentuada, principalmente se for considerado o fato de que boa parte das emissões de IDEC por bancos brasileiros ocorre no mercado internacional, o que tem como consequência a agregação do risco-país ao risco da instituição, influenciando na precificação desses instrumentos.

A expectativa deste trabalho era que, considerando as previsões da teoria do pecking order, a emissão de IDEC fosse percebida pelos acionistas como maior percepção de risco em relação ao emissor e de comprometimento das margens de rentabilidade e dos fluxos de dividendos, tendo em vista o impacto no custo de captação dos capitais de terceiros, o que justificaria um impacto negativo no retorno das ações desses bancos. Para esse fim, por meio de estudo de eventos, foram examinados os efeitos de 30 emissões de instrumentos de dívida realizadas entre 02/2008 e 09/2017 no retorno das ações dos bancos emissores.

Os resultados dos testes empíricos confirmaram essa expectativa, evidenciando que a emissão de IDEC geralmente causa um impacto negativo no retorno das ações dos bancos emissores, no mercado brasileiro. As constatações da pesquisa sugerem que, de forma geral, o mercado entende que os benefícios gerados pela emissão de IDEC não superam seus custos e riscos, pelo menos na ótica do investidor.

Este estudo contribui para o desenvolvimento da literatura sobre o tema, principalmente se for considerado que os fundamentos teóricos ainda não estão consolidados e que as evidências empíricas ainda são incipientes - o que pode ser justificado, de certa forma, pelas recentes alterações nas regras do Acordo de Basileia em relação às características requeridas para que os IDEC seja considerados para atendimento às exigências do capital regulamentar - e apresentam resultados não totalmente aderentes entre si. Nesse sentido, os resultados obtidos no mercado brasileiro, onde esse tema ainda não tinha sido abordado, auxiliam no mapeamento mais amplo dos efeitos da emissão desses instrumentos de dívida, principalmente se consideradas algumas particularidades desse mercado, como a relevância da economia brasileira em âmbito regional, a prevalência de um ambiente com elevadas taxas de juros, a resiliência do sistema evidenciada na crise financeira global de 2008 e nas crises econômicas internas, a concentração de mercado, a participação relevante de bancos sob controle estatal, entre outras.

Além dessa parte introdutória, que contextualiza o tema e define seus objetivos, este estudo contempla: os fundamentos teóricos e revisão da literatura sobre os efeitos da emissão de IDEC no retorno das ações dos bancos emissores (Seção 2); a definição dos procedimentos para a realização dos testes empíricos (Seção 3); a apuração e análise dos resultados dos estudos de eventos (Seção 4); e as considerações finais do estudo, considerando o cotejamento entre as evidências empíricas obtidas e as referências teóricas (Seção 5).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Nos Acordos de Basileia I e II, os IDEC eram classificados, conforme suas características, em Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD) ou dívidas subordinadas. No Brasil, a possibilidade de utilização desses instrumentos para atendimento aos requerimentos de capital se deu a partir da Resolução nº 2.543, de 1998, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que recepcionou o Acordo de Basileia I. Desde então, as alterações das normas nacionais seguiram as deliberações de Basileia.

Os IHCD são IDEC que combinam características de capital e de dívida. De acordo com as regras de Basileia I, as características dos IHCD poderiam diferir entre países, mas deveriam satisfazer os seguintes requisitos: subordinação às demais dívidas do emissor; pagamento integral em espécie; ausência de garantias; impossibilidade de resgate por iniciativa do credor ou sem o prévio consentimento da autoridade supervisora; e possibilidade de deferimento das obrigações estabelecidas nos instrumentos pelo emissor (Basel Committee on Banking Supervision - BCBS, 1988Basel Committee on Banking Supervision (BCBS). (1988). International convergence of capital measurement and capital standards, Basileia. Retrieved from http://www.bis.org/publ/bcbs04a.htm
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).

Os instrumentos que possuíam a mesma natureza dos IHCD, mas não atendiam a todos os requisitos, eram denominados dívidas subordinadas - instrumentos não garantidos e com um prazo mínimo de cinco anos. Ao contrário dos IHCD, os recursos representados por esses instrumentos normalmente não estavam disponíveis para absorver perdas de um banco que continuava a operar, razão pela qual eram limitados a um máximo de 50% do Capital Nível 1 do banco emissor (BCBS, 1988Basel Committee on Banking Supervision (BCBS). (1988). International convergence of capital measurement and capital standards, Basileia. Retrieved from http://www.bis.org/publ/bcbs04a.htm
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).

A partir de Basileia III, os IDEC deixaram de ser denominados IHCD ou dívida subordinada, sendo empregado o termo “instrumento de dívida elegível a capital” para tratar os tipos de instrumentos emitidos por instituições financeiras que podem ser utilizados para compor seu Capital Nível 1 ou Nível 2.

Os IDEC aderentes aos requisitos de Basileia III possuem características que já eram previstas nos IHCD, como a subordinação aos demais passivos do emissor, e possuem novos requisitos, dos quais pode ser destacada a necessidade de previsão de extinção ou de conversão em ações do saldo da dívida representada pelo instrumento, na ocorrência de alguns dos gatilhos especificados nas normas prudenciais: o Capital Principal da instituição emitente ficar abaixo do nível adequado; aporte de recursos governamentais para socorrer a instituição emitente; decretação de regime de administração especial temporária ou de intervenção na instituição emitente; ou a autoridade supervisora determinar a conversão ou extinção dos IDEC (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision (BCBS). (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems, Basel. Retrieved from http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
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).

Dada essa característica de conversibilidade em ações ou extinção da dívida, os IDEC emitidos de acordo com as regras de Basileia III são geralmente denominados de contigent convertible capital instruments (CoCos). Nesse sentido, um CoCo corresponde a um IDEC emitido sob as condições impostas por Basileia III, em que a cláusula de conversibilidade/extinção é um dos requisitos - razão pela qual estudos que se restringem a IDECs emitidos sob as condições de Basileia III geralmente são tratados na literatura como CoCos. Um dos objetivos almejados pelo regulador é que esses instrumentos possam absorver perdas do emissor em situações inesperadas, evitando que sejam utilizados recursos públicos ou dos depositantes para socorrer instituições financeiras em dificuldades. Em síntese, os IDEC emitidos conforme Basileia III apresentam, necessariamente, cláusula de subordinação às demais dívidas da entidade e, dependendo das contingências, podem ser extintos ou conversíveis em ações.

No Brasil, dentre outras normas editadas para que o país ficasse em consonância com Basileia III, destacam-se as Resoluções nºs 4.192 e 4.193, ambas de 1º de marco de 2013, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que dispõem sobre a apuração do Patrimônio de Referência (PR) de instituições financeiras, composto pelos Níveis 1 e 2, sendo que o Nível 1 é divido em Capital Principal e Capital Complementar. Em termos regulamentares, a quantidade de capital que um banco deve possuir é definida em função dos seus ativos ponderados pelo risco (RWA). Assim, por exemplo, o PR de um banco deve ser maior quanto maiores forem a dimensão dos seus ativos e sua exposição a riscos de crédito, de mercado e operacional.

O Capital Principal de Nível 1 é formado primordialmente por ações (ordinárias e preferenciais, desde que não resgatáveis e sem cumulatividade de dividendos), reservas de capital e lucros acumulados, representando, portanto, a parcela de maior qualidade e mais apta a absorver perdas, sendo que sobre esse montante são feitas todas as deduções regulamentares, conforme dispõe a Resolução CMN nº 4.192/2013. O Capital Complementar de Nível 1 e o Capital de Nível 2 são compostos por IDEC (perpétuos, no primeiro caso, e com mais de 5 anos de vencimento, no segundo) e, para comporem o capital regulamentar, devem passar por processo de aprovação no Banco Central do Brasil (BCB).

2.1 Estudos sobre Reação do Mercado à Emissão de IDEC

As determinações dos Acordos de Basileia e os seus efeitos são geralmente objeto de atenção por parte de pesquisadores e agentes de mercado, tanto pela relevância de suas diretrizes para a condição de solidez e estabilidade dos mercados financeiros quanto pela sua abrangência - sendo adotadas por boa parte dos países, nos diversos continentes. Particularmente em relação aos efeitos da emissão de instrumentos de dívida para o atendimento dos requerimentos de capital, objeto do presente estudo, foram encontrados alguns estudos em âmbito internacionais, entre os quais podem-se destacar Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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), Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.) e Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.). Como todos esses estudos tiveram por base instrumentos com cláusula de conversibilidade, os IDEC são denominados de CoCos.

Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), por exemplo, analisaram os efeitos de uma emissão de CoCos realizada pelo Lloyds Banking em 2009, pioneira na Europa. Utilizando a metodologia de estudo de eventos, os autores documentaram uma redução no valor de mercado do banco após o anúncio da intenção de emitir CoCos e, simultaneamente, registraram que o spread do Credit Default Swaps (CDS) aumentou. Assim, Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.) concluíram que a emissão de CoCos pode ter um efeito negativo na credibilidade e no valor dos bancos.

Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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) também realizaram estudo empírico sobre o mercado de CoCos emitidos por bancos. Os autores observaram os impactos da emissão de CoCos no spread de CDS e nos preços das ações de bancos da Europa, Ásia, Austrália e América Latina. Os resultados revelaram impacto negativo e estatisticamente relevante no spread de CDS, de forma que a emissão de CoCos reduziria o risco de crédito dos bancos. Foi constatado que os custos do financiamento de bancos dependem de características dos contratos que amparam a emissão de CoCos e de características dos bancos, sendo que os instrumentos conversíveis em ações têm um impacto mais negativo no CDS. Também foi verificado, em linha com as previsões da teoria das finanças corporativas, que a reação do preço das ações às emissões de CoCos pode não ter uma direção clara, podendo ter efeitos negativos ou positivos, dependendo de características da própria emissão (prospectos), da assunção de riscos ou da alavancagem dos bancos. Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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) perceberam que investidores parecem não atentar aos riscos inerentes aos CoCos, preocupando-se mais com as remunerações desses instrumentos.

Os efeitos das emissões de CoCos na Europa também foram estudados por Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.), considerando um conjunto de 34 bancos, no período de janeiro de 2009 a junho de 2014. Por meio de estudo de eventos, os autores examinaram a existência de retornos anormais do preço das ações e as mudanças de spread do CDS antes e depois das datas de anúncio da emissão de IDEC. Constataram que o anúncio da emissão de IDEC correlaciona-se com retornos anormais positivos nas ações e diminuição no spread de CDS no período imediatamente pós-anúncio. Os autores explicaram esses achados por meio de um conjunto de teorias, incluindo a menor probabilidade de processos de falência dispendiosos, uma sinalização baseada na teoria da pecking order e nas vantagens de custo fiscais de IDEC sobre ações.

Outro estudo semelhante foi realizado por Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), que utilizando um estudo de eventos analisaram os efeitos de 68 anúncios de emissões de CoCos, de 46 bancos de 16 países - China, Austrália, Índia, Malásia e 12 países da Europa - no período de 2010 a 2014. Medindo retornos anormais cumulativos (Cumulative abnormal return - CAR) no período de 15 dias antes e 15 dias após os anúncios de emissão de CoCos, os autores verificaram que os bancos geralmente experimentam retornos anormais negativos durante o período pós-anúncio.

Na análise dos dados por país, Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.) verificaram, porém, que a reação dos investidores ao anúncio da emissão de CoCos não é homogênea. Em alguns mercados, como Austrália, Índia, Inglaterra e Suíça, os investidores reagem negativamente durante o período de 15 dias pós-anúncio de emissões, enquanto em outros países, como Alemanha e Espanha, eles respondem positivamente. Para Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), essas diferentes reações criam oportunidades para investidores e emissores utilizarem estratégias de diversificação e negociação globais.

Dessa forma, verifica-se que os resultados dos estudos que tratam dos efeitos da emissão de IDEC não são uniformes, sendo encontradas relações positivas (Ammann et al., 2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.), negativas (Schmidt & Azarmi, 2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.; Liao et al., 2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.) e neutras (Avdjiev et al., 2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
https://www.bis.org/publ/work678.pdf...
) entre a emissão de IDEC e o retorno das ações das instituições emissoras desses instrumentos. Em relação aos países onde foram realizadas tais emissões, os resultados demonstram que a emissão de IDEC por bancos de países como Inglaterra, Índia e Suíça proporcionaram efeitos negativos para as instituições emissoras, enquanto para outros países da Europa, como Alemanha e Espanha, foi observada reação positiva às emissões desses instrumentos. As razões para essas diferenças nos resultados em função da localização geográfica não estão suficientemente explicadas na literatura, embora chame a atenção de que apenas em países da zona do Euro foram identificadas reações positivas à emissão de IDEC.

As evidências empíricas revelam, portanto, um quadro de indefinição e ambiguidade dos resultados apresentados na literatura, o que aumenta a relevância do presente estudo, tanto por explorar tema sobre o qual ainda não há consenso na literatura internacional, quanto por incorporar evidências de um mercado ainda não explorado nessas pesquisas.

2.2 Aspectos Positivos ou Negativos da Emissão de IDEC, na Perspectiva dos Acionistas

Para compreender as possíveis reações do mercado aos IDEC é importante analisar eventuais aspectos positivos ou negativos, na perspectiva dos acionistas (investidores), das emissões desses instrumentos com o propósito de capitalização.

Um aspecto negativo associado à emissão de IDEC por bancos é, naturalmente, o maior custo de captação desses instrumentos comparado com outras formas de funding (por exemplo: CDBs, letras de crédito e poupança), uma vez que possuem cláusulas de subordinação, as quais determinam que os valores desses títulos somente possam ser pagos aos credores após o pagamento das demais dívidas e obrigações das instituições emissoras, em caso da dissolução/descontinuidade. Além disso, no caso dos IDEC emitidos de acordo com as regras de Basileia III, existe a possibilidade de a dívida representada por esses instrumentos ser extinta ou convertida em ações, fato que deve aumentar ainda mais o custo de captação desse tipo de título. Evidências nesse sentido foram obtidas por Securato et al. (2006Securato, J. R., Carrete, L. S., & Securato Junior, J. R. (2006). Precificação de títulos de dívida corporativa e seus componentes pelo modelo binomial [The pricing of corporate debt bonds and their components through the binomial model]. Revista de Administração - RAUSP, 41(1), 18-28.), que estudaram a precificação de títulos a partir da aplicação do modelo binomial na formação de preços de títulos de dívida e de seus componentes, e verificaram que a presença de cláusulas de subordinação reduz o valor nominal de títulos de dívida corporativa.

Em sentido inverso, Dutordoir et al. (2014Dutordoir, M., Lewis, C., Seward, J., & Veld, C. (2014). What we do and do not know about convertible bond financing. Journal of Corporate Finance, 24, 3-20. doi: 10.1016/j.jcorpfin.2013.10.009
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) destacam que o uso de instrumentos conversíveis pode ser entendido também como mecanismo de redução dos custos de seleção adversa, decorrentes da assimetria de informação entre insiders e outsiders. Por esse entendimento, quanto maior a incerteza do investidor em relação aos riscos do emissor, maior a taxa de retorno exigida, o que poderia inviabilizar a operação para o emissor. A emissão de títulos conversíveis mitigaria essa situação, dada a opção da conversão, contribuindo para a precificação justa do título. No caso específico dos IDEC, porém, é importante ressaltar que a conversão não é uma “opção” do investidor, mas uma condição imposta pelo regulador bancário, decorrente das cláusulas de subordinação às outras dívidas.

Por outro lado, é de se esperar que, ao menos teoricamente, conforme as teorias do trade-off e do pecking order (Myers, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate Financing and Investment Decisions When Firms Have Information Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, (13), 187-222.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate Financing and Investment Decisions When Firms Have Information Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, (13), 187-222.), o custo de captação por meio de IDEC seja menor do que o custo por meio da emissão de ações. Assim, para atender aos requisitos mínimos de capital, de forma menos onerosa, as instituições podem optar por emitir instrumentos de dívida ao invés de ações, embora Admati et al. (2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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) considerem que os IDEC possam ter um custo de emissão superior ao do capital próprio.

Além do custo de captação, outros fatores são levados em conta quando uma instituição financeira decide aumentar seu capital regulamentar por meio da emissão de novas ações ou de instrumentos. Ashcraft (2008Ashcraft, A. B. (2008). Does the market discipline banks? New evidence from regulatory capital mix. Journal of Financial Intermediation, 17(4), 543-561.), por exemplo, observou que, enquanto os requisitos de capital regulamentar permitem que um banco substitua ações por dívidas subordinadas, os credores e investidores consideram a dívida e o patrimônio líquido como substitutos imperfeitos. Para ele, a proporção de dívidas e ações afeta o papel do mercado em disciplinar o comportamento dos bancos, mas apenas quando os investidores podem impor restrições reais aos bancos. Adicionalmente, o autor constatou que: antes da implementação dos Acordos de Basileia, a maior proporção de dívidas em relação às ações reduzia a probabilidade de perdas e quebras de bancos, quando os investidores tinham direito de controle sobre o banco emissor e quando essas dívidas incluíam cláusulas restritivas; e, após os Acordos de Basileia, a substituição de ações por dívidas subordinadas apenas aumenta a probabilidade de perdas e quebra de bancos.

De Bandt, Camara, Maitre e Pessarossi (2017De Bandt, O., Camara, B., Maitre, A., & Pessarossi, P. (2017). Optimal capital, regulatory requirements and bank performance in times of crisis: Evidence from France. Journal of Financial Stability. In press. doi: 10.1016/j.jfs.2017.03.002
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) observaram que há uma visão dominante na literatura empírica a favor de um efeito positivo do capital sobre o desempenho dos bancos. Nesse contexto, utilizaram painéis de dados reunidos pelo supervisor francês e encontraram evidências desse efeito benéfico do capital, mas tentaram dar um passo adiante, distinguindo entre capital regulatório e capital voluntário em seu estudo. Assim, os autores demostraram que a existência de capital voluntário, o capital detido pelos bancos independentemente dos requisitos regulatórios, afeta o desempenho dos bancos de forma positiva. Em contrapartida, o efeito do capital regulatório para a rentabilidade dos bancos parece ser insignificante, indicando que o aumento dos requerimentos de capital não prejudicou a rentabilidade da indústria bancária na França.

Em linha com essa percepção, outros estudos também apontam que, dependendo do tipo de IDEC emitido, resultados diferentes podem ser identificados. É o caso, por exemplo, de Hilscher e Raviv (2014Hilscher, J., & Raviv, A. (2014). Bank stability and market discipline: The effect of contingent capital on risk taking and default probability. Journal of Corporate Finance, 29, 542-560.), que constataram que bancos emissores de IDEC conversíveis em ações possuem menor probabilidade de inadimplir suas obrigações, quando comparados com bancos que emitem IDEC não conversíveis.

Outro aspecto pesquisado, que pode ter efeitos positivos ou negativos, é o impacto da emissão de IDEC na assunção de riscos por instituições financeiras. Blum (2002Blum, J. M. (2002). Subordinated debt, market discipline, and banks’ risk-taking. Journal of Banking & Finance, 26(7), 1427-1441.) demonstrou em seu estudo que a emissão de dívidas subordinadas reduz o risco apenas se os bancos puderem se comprometer com um determinado nível de risco. No entanto, se os bancos não são capazes de se comprometer, a emissão de dívida subordinada leva a um aumento do risco, uma vez que, devido à responsabilidade limitada, têm um incentivo para aumentar seu risco depois que a taxa da operação é contratada, a fim reduzir os custos esperados da dívida. Os detentores racionais dessas dívidas antecipam esse comportamento e, portanto, exigem um prêmio de risco maior ex-ante. As taxas de juros mais altas, por sua vez, agravam ainda mais os incentivos excessivos de assunção de risco dos bancos.

Por outro lado, Nguyen (2013Nguyen, T. (2013). The disciplinary effect of subordinated debt on bank risk taking. Journal of Empirical Finance, 23, 117-141.) analisou o efeito disciplinar da emissão de dívidas subordinadas sobre a tomada de riscos indesejáveis pelos bancos, no período de 2002 a 2008. O autor obteve evidências de que a emissão de dívidas subordinadas tem um efeito atenuante sobre a tomada de risco pelos bancos, dados os efeitos da disciplina de mercado. Observou ainda que a regulamentação bancária e o desenvolvimento econômico do país também mitigam a tomada de risco pelos bancos.

Argumentos prós e contras a emissão de CoCos para a estabilização do sistema financeiro foram apontados por Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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). Segundo os autores, uma vantagem-chave ocorre quando um banco que emitiu CoCos está acumulando perdas e também perigosamente aumentando sua alavancagem, a conversão ou extinção de seus CoCos é um meio rápido e efetivo para diminuir a alavancagem e deixar o banco em uma situação financeira mais estável. Por outro lado, apontam que há quem entenda que CoCos são excessivamente complexos e um desvio da adequada capitalização dos bancos.

Admati et al. (2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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) argumentam que o mecanismo de bail out dos CoCos pode não ser muito eficiente, uma vez que o tamanho das perdas que tais instrumentos podem absorver será muito pequena ou irá expor excessivamente os investidores desses instrumentos, que serão principalmente investidores de renda fixa despreparados para perdas súbitas e grandes, tal como os detentores de ações estão acostumados.

Greene (2016Greene, R. W. (2016). Understanding CoCos: What operational concerns & global trends mean for US policymakers. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, M-RCBG Associate Working Paper, (62). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2907470
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) observa que estudos acadêmicos apontam que a emissão de IDEC pode resultar nos seguintes benefícios (alguns mutuamente excludentes): (i) melhorar a capacidade de um banco para absorver maiores perdas, assegurando níveis de capital mais altos em situações de estresse; (ii) incentivar os detentores de IDEC e/ou ações e os administradores dos bancos a se envolverem no monitoramento privado de riscos, por receio da conversão/extinção dos IDEC; (iii) aumentar a liquidez bancária em momentos de estresse; (iv) evitar a recuperação de bancos com recursos de contribuintes; (v) limitar a diluição do ROE em relação a emissões de ações com o mesmo volume. Além disso, Greene (2016Greene, R. W. (2016). Understanding CoCos: What operational concerns & global trends mean for US policymakers. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, M-RCBG Associate Working Paper, (62). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2907470
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) destaca que os custos da emissão de IDEC são, teoricamente, menos dispendiosos tanto para os bancos quanto para a economia em larga escala do que os custos de emissão de capital próprio.

Em contrapartida, outros estudos apontam que: (i) os IDEC são um substituto fraco para maiores requisitos de capital; (ii) a conversão/extinção de tais instrumentos em uma situação de crise provavelmente estimularia a conversão/extinção de outros IDEC, espalhando os efeitos de uma crise; e (iii) a conversão/extinção de IDEC não impede que bancos continuem perdendo com investimentos ruins, e novas emissões apenas atrasam o estresse financeiro (Greene, 2016Greene, R. W. (2016). Understanding CoCos: What operational concerns & global trends mean for US policymakers. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, M-RCBG Associate Working Paper, (62). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2907470
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).

Não obstante os argumentos que demonstram aspectos positivos e negativos da emissão de IDEC, bem como os resultados de estudos empíricos que identificaram resultados não uniformes em outros mercados sobre a reação do mercado à emissão de IDEC, conforme destacado na Seção 2.1, no presente estudo são consideradas as seguintes premissas:

  1. a emissão de IDEC pode sinalizar insuficiência na capacidade da instituição em gerar lucro em suas próprias operações em patamar suficiente para cumprir as exigências de capital regulamentar, o que aumenta a percepção de risco sobre a entidade, considerando as perspectivas da teoria pecking order (Schmidt & Azarmi, 2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.). Um banco que apresenta lucros significativos e constantes, teoricamente, não precisaria emitir IDEC para atingir o capital regulatório, pois a reserva de lucros ou sua incorporação seria contabilizada como Capital Principal.

  2. os IDEC, embora admitidos para fins de cumprimento de exigência de capital regulamentar, podem não ser um substituto ideal para o capital próprio, o que também se traduz no aumento da percepção de risco do mercado (Ashcraft, 2008Ashcraft, A. B. (2008). Does the market discipline banks? New evidence from regulatory capital mix. Journal of Financial Intermediation, 17(4), 543-561.; Admati et al., 2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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    ; Greene, 2016Greene, R. W. (2016). Understanding CoCos: What operational concerns & global trends mean for US policymakers. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, M-RCBG Associate Working Paper, (62). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2907470
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    ). Isso porque os IDEC podem ter vencimento e ser resgatados pelo banco emissor, de forma que não apresentam a mesma perenidade das ações.

  3. o aumento da percepção de risco, combinado com a existência de cláusulas de subordinação, tendem a resultar em aumento do custo de captação desses instrumentos (Securato et al., 2006Securato, J. R., Carrete, L. S., & Securato Junior, J. R. (2006). Precificação de títulos de dívida corporativa e seus componentes pelo modelo binomial [The pricing of corporate debt bonds and their components through the binomial model]. Revista de Administração - RAUSP, 41(1), 18-28.).

  4. o fato de os bancos brasileiros utilizarem o mercado internacional como principal ambiente de emissão dos IDEC tem como consequência a incorporação do próprio risco país na taxa de remuneração cobrada pelos investidores, configurando-se em mais um elemento de majoração do custo da operação. É natural que bancos brasileiros, ao captarem recursos no mercado internacional, tenham que pagar uma remuneração maior aos credores, quando comparados a bancos norte-americanos ou europeus, por exemplo, simplesmente pelo fato de o Brasil possuir pior rating de crédito.

  5. esse aumento do custo de captação pode comprometer as margens de rentabilidade da instituição, com consequente reflexo no fluxo de dividendos para os acionistas e na expectativa de benefício econômico futuro para os atuais proprietários.

  6. os bancos que atuam no mercado brasileiro geralmente apresentam grandes lucros, decorrentes principalmente do alto spread bancário. Assim, como já destacado nos itens anteriores, a emissão de IDEC pode sinalizar insuficiência na capacidade da instituição em gerar lucro em suas próprias operações, ao contrário do esperado pelo mercado.

Considerando essa combinação de efeitos, é formulada a seguinte hipótese, a ser testada empiricamente:

H1: no âmbito do mercado de capitais brasileiro, há uma relação negativa entre a emissão de IDEC e o retorno das ações dos bancos emissores.

De salientar que no desenvolvimento da hipótese de pesquisa são consideradas as perspectivas dos acionistas, tendo em vista os efeitos da emissão dos IDEC no retorno das ações, e não dos adquirentes desses instrumentos.

3. METODOLOGIA

Para testar os efeitos da emissão de IDEC no retorno das ações dos bancos brasileiros, testando a hipótese de pesquisa, foi utilizado o método de estudo de eventos, conforme proposto por Mackinlay (1997Mackinlay, A. C. (1997). Event studies in economics and finance. Journal of Economic Literature, 35(1), 13-39.), seguindo Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
https://www.bis.org/publ/work678.pdf...
), Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.) e Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.). Esse método mede o retorno anormal verificado no preço das ações em razão da ocorrência de um determinado evento, que, neste trabalho, será a emissão de IDEC.

Conforme observado por Brito et al. (2005Brito, G. A. S., Batistella, F. D., & Famá, R. (2005). Fusões e aquisições no setor bancário: avaliação empírica do efeito sobre o valor das ações [Mergers and acquisitions in the banking sector: an empirical assessment of the effect on the share values]. Revista de Administração - RAUSP, 40(4), 353-360.), o retorno anormal corresponde à parcela da alteração do retorno da ação gerada por fatores alheios às variações do mercado, sendo apurado pela diferença entre os retornos efetivamente verificado e esperado, caso o evento não tivesse ocorrido. Assim, o retorno anormal é calculado pela equação 1.

A R i , t = R i , t - E ( R i , t | X t ) (1)

em que: AR i,t é o retorno anormal do ativo i na data t; R i,t é o retorno efetivo do ativo i na data t, apurado conforme a equação 2; E (R it | X t ) é o retorno esperado do ativo i na data t, dado X t , mensurado conforme modelo (equação 3); X t é o retorno da carteira de mercado.

A apuração do retorno anormal depende de dois fatores: o retorno efetivo e o retorno esperado para o ativo em questão. O retorno efetivo dos ativos será calculado pelo método de capitalização contínua, que possibilita uma maior robustez em seus resultados, comparativamente ao método de capitalização discreta, conforme destacam Brooks (2002Brooks, Chris. (2002). Introductory Econometrics for Finance. Cambridge: Cambridge University Press.) e Soares, Rostagno e Soares (2002Soares, R. O., Rostagno, L. M., & Soares, K. T. C. (2002). Estudo de evento: o método e as formas de cálculo do retorno anormal [An event study: the method and means of calculating abnormal returns ]. In ANPAD, Anais do XXVI EnANPAD, Salvador. CD-ROM.), como exposto na equação 2.

R i , t = l n p i , t p i , t - 1 = l n p i , t - l n p i , t - 1 (2)

em que: R i,t é o retorno efetivo da ação i, no período t, p i,t é o preço da ação i, no período t; p i,t-1 é o preço da ação i, no período t-1.

Já o retorno esperado do ativo é calculado com base no modelo de mercado (equação 3), que relaciona o retorno dos ativos ao retorno da carteira do mercado como um todo.

R i , t = α i + β i R m , t + ε i t (3)

em que: R i,t é o retorno do ativo i na data t; R mt é o retorno da carteira de mercado, na data t; ε it é o termo de erro da regressão, assumindo a normalidade dos resíduos, ou seja, ~ N(0, σ2).

Neste estudo, assim como na pesquisa de Brito et al. (2005Brito, G. A. S., Batistella, F. D., & Famá, R. (2005). Fusões e aquisições no setor bancário: avaliação empírica do efeito sobre o valor das ações [Mergers and acquisitions in the banking sector: an empirical assessment of the effect on the share values]. Revista de Administração - RAUSP, 40(4), 353-360.), será utilizado o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) para representar a carteira de mercado.

3.1 Identificação da Data do Evento

Para o cálculo do retorno anormal, um elemento importante a se observar é a determinação da data do evento, que não é um critério simples nesse tipo de trabalho, uma vez que antes da emissão de IDEC pode haver comunicação ao mercado da pretensão de emitir esses instrumentos, o que já pode gerar algum efeito. Além disso, os instrumentos só podem ser considerados elegíveis a capital após autorização da autoridade reguladora de instituições financeiras.

A propósito, Avdjiev et al. (2015Avdjiev, S., Bolton, P., Jiang, W., Kartasheva, A., & Bogdanova, B. (2015). Coco bond issuance and bank funding costs.BIS and Columbia University Working Paper, (678). Retrieved from https://www.bis.org/publ/work678.pdf
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) consideraram a data da emissão do IDEC como a data do evento, embora observem que, no caso da emissão de CoCos, ao contrário do estudo de evento típico, quando todas as informações relevantes são simultaneamente anunciadas a todos os participantes do mercado em um ponto claramente definido, a “data do evento” não está bem definida e o tamanho ideal da janela do evento para identificar o impacto total da emissão de um CoCo também não é óbvia.

Considerando a dificuldade apontada de se determinar a data do evento, bem como as datas consideradas em outros estudos, este estudo realizará testes utilizando duas datas de evento: a data de emissão do instrumento de dívida, correspondente àquela em que foi concluída a negociação do IDEC; e a do anúncio da emissão, definida como o momento em que houve a divulgação ao mercado, pelo banco emissor, da futura emissão do instrumento, por meio da publicação de um “fato relevante” ou uma “comunicação ao mercado”.

Quando o anúncio da emissão ocorrer posteriormente à data de emissão do instrumento ou a emissão do instrumento não for divulgada por meio de um “fato relevante” ou uma “comunicação ao mercado”, a data do anúncio corresponderá à da emissão.

3.2 Definição da Janela do Evento

Outro aspecto relevante para a estimação do retorno anormal é a determinação da janela do evento, definida em função da data do evento e do acréscimo de um período posterior e anterior a essa data.

Neste estudo, tomando como parâmetros estudos internacionais sobre IDEC, em particular os de Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.) e Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), serão realizados testes com quatro janelas de evento, utilizando apenas dias úteis, tendo como referência a data do evento: vinte dias antes e vinte dias após (-20;+20), resultando em uma janela de 40 dias; quinze dias antes e quinze dias após (-15;+15), janela de 30 dias; dez dias antes e vinte dias após (-10;+20), janela de 30 dias; e cinco dias antes e quinze dias após (-5;+15) a data do evento, janela de 20 dias. A ideia é se explorar diferentes dimensões de janelas (mais longas e mais curtas), bem como amplitudes temporais simétricas e assimétricas em relação à data do evento.

Assim, considerando as formas distintas de identificação da data do evento (data de emissão ou data do anúncio da emissão) com as diferentes amplitudes das janelas de evento, são realizadas oito combinações de janelas.

3.3 Definição da Janela de Estimação

Definidas a data e a janela do evento, a etapa seguinte consiste em especificar a janela de estimação, que é o período de controle anterior ao período do evento. Os retornos verificados na janela de estimação são utilizados para calcular os parâmetros do retorno esperado do modelo (equação 3).

Neste trabalho, seguindo Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.), a janela de estimação será composta pelos 100 dias úteis anteriores às janelas do evento. Evita-se, assim, a sobreposição entre as janelas de estimação e do evento, conforme recomendado por Mackinlay (1997Mackinlay, A. C. (1997). Event studies in economics and finance. Journal of Economic Literature, 35(1), 13-39.).

3.4 Cálculo dos Retornos Anormais Acumulados

Para realizar uma análise global do efeito do evento no retorno das ações, os retornos anormais são acumulados entre o primeiro e o último dia da janela do evento, formando o Cumulative Abnormal Return (CAR), que é dado por:

C A R i T 1 , T 2 = T 2 T 1 A R i , T (4)

em que: CAR i é o retorno anormal acumulado do ativo i; T 1 é o primeiro dia da janela do evento; T 2 é o último dia da janela do evento.

Neste trabalho serão analisados, comparativamente, os CAR antes e os CAR após a data do evento, nos testes relativos às janelas que possuem os mesmos períodos antes e depois da data do evento, (-20;+20) e (-15;+15), conforme Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.). O argumento, nesse cenário, é que o mercado só identifica o evento na data da ocorrência (anúncio ou emissão, conforme o caso). Assim, são comparados os retornos anormais de períodos simétricos imediatamente anteriores e posteriores à data do evento.

Por sua vez, nos testes relativos às janelas que possuem períodos menores antes da data do evento, (-10;+20) e (-5;+15), serão analisados os CAR verificados na janela inteira, consoante Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.). Nesse cenário, a premissa é que antes da data do evento - anúncio ou emissão, conforme o caso - o mercado toma conhecimento do evento e antecipa seus efeitos. Dessa forma, é utilizada uma janela única, sendo identificado o retorno anormal em relação à janela de estimação.

Resumidamente, a combinação de data do evento, janela do evento e critérios de avaliação dos retornos anormais resulta em oito tipos de testes, conforme o Quadro 1.

Quadro 1
Testes de acordo com a janela do evento e a data do evento

O propósito é que essa combinação de testes assegure maior robustez aos resultados do estudo, ao testar se as evidências são consistentes, ao se considerarem diferentes abordagens de definição da data do evento, especificação da janela do evento e critério de avaliação dos retornos anormais.

Z = 1 n i = 1 N t = t 1 t 2 A R i t S i T

S i T = σ ^ i 2 T + T 2 N + T 2 R ´ m T - R ´ m 2 t = 1 N R m t - R ´ m 2 1 2

3.5 Seleção da Amostra e Fonte de Dados

Para a realização dos testes empíricos, a amostra é composta por eventos de emissão ou anúncio de emissão de IDEC, por parte de bancos brasileiros de capital aberto, entre março de 2008 - vigência da Resolução CMN no 3.444, de 28 de fevereiro 2008, que implementou as regras de Basileia II, posteriormente revogada pela Resolução CMN nº 4.192/2013, que instituiu os critérios de Basileia III - e setembro de 2017.

As informações sobre as emissões e anúncios de emissão de IDEC foram obtidas na central de sistemas da CVM, por meio da qual foram acessados fatos relevantes ou comunicações ao mercado dos bancos pesquisados. Como nem todas as emissões foram divulgadas ao público externo por meio de fato relevante ou comunicação ao mercado, também foram obtidas informações sobre as emissões de IDEC em notícias divulgadas na mídia especializada.

Para compor a amostra dos eventos, foram consideradas as emissões de IDEC ocorridas quando as ações do banco emissor tiveram negociações durante as janelas de estimação e do evento, em pelo menos 75% dos dias do período.

A amostra é composta por 30 eventos, que proporcionam 45 observações, pois alguns dos bancos pesquisados possuem mais de um tipo de ação negociada em bolsa, de forma que alguns eventos tiveram influência em mais de uma ação do banco emissor do instrumento.

Para a aplicação dos testes estatísticos, a data do anúncio corresponderá à data da emissão do instrumento em 17 das 45 observações, pois nesses casos o anúncio da emissão ocorreu posteriormente à data de emissão do instrumento ou a emissão do instrumento não foi divulgada por meio de “fato relevante” ou “comunicação ao mercado”.

Importante destacar que apenas um banco teve emissões de instrumentos de dívida que ocorreram no mesmo dia, de forma que a emissão de um contrato elegível ao Capital Nível 2 precisará ser analisada junto com a de um contrato elegível ao Capital Complementar de Nível 1, como se fosse apenas um evento.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Previamente à realização dos testes empíricos, é importante a caracterização das 30 emissões de IDEC consideradas no estudo. Na Tabela 1 é apresentada a caracterização por exercício de emissão (em quantidade e valor), além da distribuição por tipo de banco, em função do controle do capital, e das moedas de emissão. Os valores são apresentados em dólares americanos (USD), tendo em vista: o propósito de assegurar a comparabilidade ao longo do período; e o fato de a quase totalidade das emissões ter ocorrido na moeda americana.

Tabela 1
Emissões de IDEC por bancos brasileiros listados, de fev./2008 a set./2017 - Em USD milhões

Praticamente 50% dos cerca de USD 36 bilhões de emissões em IDEC durante os dez anos da pesquisa se concentram no exercício de 2012, momento posterior aos efeitos da crise financeira global de 2008 e anterior aos da crise econômica e política brasileira - que começa a emitir sinais em 2013 e que se acentuou em 2015, com as discussões que resultaram no impeachment da presidente da república. Isso demonstra que as emissões de IDEC estão diretamente associadas à necessidade dos bancos em reforçar a sua base de capital em momentos de maior crescimento das suas exposições - ativos ponderados pelo risco. Essa evolução é mais bem visualizada na Figura 1, com o histograma das emissões de IDEC no período estudado.

Figura 1
Histograma das emissões de IDEC por bancos brasileiros listados, de fev/2008 a set/2017

Em relação ao tipo de emissores, há certo equilíbrio entre emissões de IDEC por bancos públicos (55,3%) e privados (44,7%), revelando que o recurso a esse tipo de instrumento independe do tipo de controle do capital, e sim a necessidade de reforço do capital regulamentar.

Por fim, quanto à moeda de emissão há uma clara preponderância das emissões em USD que representam mais de 95% dos valores de IDEC emitidos no período. Essa concentração pode se justificar em função de: as características de longo prazo que esses instrumentos geralmente apresentam demandarem a vinculação à moeda com valor mais estável; o fato de títulos com as características requeridas para serem considerados IDEC serem mais comuns no mercado internacional - no mercado nacional, dadas as características históricas de volatilidade, tais instrumentos são pouco comuns.

Observamos ainda que, no mercado nacional, os bancos geralmente emitem Letras Financeiras com cláusula de subordinação (LFS) para fins de composição de capital. As LFS também são um tipo de IDEC, mas não foram utilizadas neste trabalho (exceto quanto a uma captação no valor total de R$5 bilhões) porque, normalmente, possuem um valor baixo (existem LFS com valor unitário de R$300.000,00) e sua emissão não é divulgada pelas instituições.

4.1 Testes dos CAR Antes e Após o Evento

Utilizando os procedimentos metodológicos definidos na Seção 3, a primeira etapa dos testes empíricos, seguindo Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), consiste em comparar os CAR, antes e após a data de emissão e de anúncio da emissão de IDEC, incluindo os testes de significância (cujos fundamentos estão destacados no Anexo I ANEXO I Teste de Significância dos Retornos Anormais Para testar a significância estatística foi utilizada a abordagem sugerida por Fields e Mais (1991), que testa a significância estatística com base em retornos anormais padronizados. O pressuposto é que os retornos anormais são multivariados de forma normal e independente. Assim, para testar a hipótese nula de que o retorno anormal médio é zero, foi calculada a estatística Z: Z = 1 n ∑ i = 1 N ∑ t = t 1 t 2 A R i t S i T onde: n é o tamanho da amostra; AR it são retornos anormais da instituição i para a data t; e S iT indica o desvio padrão da soma da série AR it durante o período da janela do evento, conforme calculado em Fields e Mais (1991), calculado de acordo com a equação (3.6). S i T = σ ^ i 2 T + T 2 N + T 2 R ´ m T - R ´ m 2 ∑ t = 1 N R m t - R ´ m 2 1 2 onde: é o erro médio ao quadrado (mean square error) da regressão do modelo de mercado para a firma j; é a média do indexador do mercado durante o período da estimação; N é o número de retornos no período da estimação; é a média do indexador de mercado durante o período T; o número de observações da amostra no período de t = T 1 até t = T 2 é definido como T, onde T é T 2 - T 1 + 1. Neste estudo, nos casos em que o critério de avaliação é a janela única, a estatística Z é suficiente para comparar a janela do evento com a janela de estimação. Nos casos em que são comparadas as janelas simétricas pré e pós data do evento, foi analisada a estatística Z relativa à diferença entre o Z calculado para os CAR pós e pré data do evento. Especificamente para os casos de comparação das janelas pós e pré data do evento, foi aplicado um teste adicional de significância estatística. Seguindo Gonçalves et al. (2015), foi realizado um teste paramétrico de médias, que, para a análise de variância, assume que a amostra possui uma distribuição normal e variância homogênea. Neste trabalho foi utilizado o Teste-t: duas amostras em par para médias, para verificar se a diferença entre as médias dos CAR pós e pré evento é estatisticamente significante. ), para as janelas (-20;+20) e (-15;+15), conforme sintetizado na Tabela 2.

Tabela 2
CAR dos períodos pré x pós data do evento - considerando as datas de emissão e de anúncio

Como destacado, os CAR são, em média, positivos antes das datas do evento e negativos após essa data para todas as janelas e considerando a emissão ou o anúncio como a data do evento. Isso indica que, geralmente, tanto o anúncio quanto a emissão de IDEC não foram bem recebidos pelo mercado, pois os CAR estavam positivos e passaram a ser negativos após as datas dos eventos.

Essa constatação pode ser reforçada ao se verificar a diferença entre as médias dos CAR pós e pré-data do evento. Considerando a data da emissão como o evento, essa diferença é de -0,0427, para a janela (-20;+20), e de -0,0346, para a janela (-15;+15), ou seja, em média, após a emissão de instrumentos de dívida, os retornos anormais das ações dos bancos emissores caíram 4,27% e 3,46%, quando comparados aos retornos anormais que estavam ocorrendo antes da emissão desses instrumentos. As diferenças entre as médias dos CAR pós e pré são semelhantes quando o evento corresponde à data do anúncio, sendo de -0,0475, para a janela (-20;+20), e -0,0360, para a janela (-15;+15).

Seguindo o descrito no Anexo I ANEXO I Teste de Significância dos Retornos Anormais Para testar a significância estatística foi utilizada a abordagem sugerida por Fields e Mais (1991), que testa a significância estatística com base em retornos anormais padronizados. O pressuposto é que os retornos anormais são multivariados de forma normal e independente. Assim, para testar a hipótese nula de que o retorno anormal médio é zero, foi calculada a estatística Z: Z = 1 n ∑ i = 1 N ∑ t = t 1 t 2 A R i t S i T onde: n é o tamanho da amostra; AR it são retornos anormais da instituição i para a data t; e S iT indica o desvio padrão da soma da série AR it durante o período da janela do evento, conforme calculado em Fields e Mais (1991), calculado de acordo com a equação (3.6). S i T = σ ^ i 2 T + T 2 N + T 2 R ´ m T - R ´ m 2 ∑ t = 1 N R m t - R ´ m 2 1 2 onde: é o erro médio ao quadrado (mean square error) da regressão do modelo de mercado para a firma j; é a média do indexador do mercado durante o período da estimação; N é o número de retornos no período da estimação; é a média do indexador de mercado durante o período T; o número de observações da amostra no período de t = T 1 até t = T 2 é definido como T, onde T é T 2 - T 1 + 1. Neste estudo, nos casos em que o critério de avaliação é a janela única, a estatística Z é suficiente para comparar a janela do evento com a janela de estimação. Nos casos em que são comparadas as janelas simétricas pré e pós data do evento, foi analisada a estatística Z relativa à diferença entre o Z calculado para os CAR pós e pré data do evento. Especificamente para os casos de comparação das janelas pós e pré data do evento, foi aplicado um teste adicional de significância estatística. Seguindo Gonçalves et al. (2015), foi realizado um teste paramétrico de médias, que, para a análise de variância, assume que a amostra possui uma distribuição normal e variância homogênea. Neste trabalho foi utilizado o Teste-t: duas amostras em par para médias, para verificar se a diferença entre as médias dos CAR pós e pré evento é estatisticamente significante. , para confirmar se os resultados desta pesquisa são relevantes estatisticamente, foi testada a significância estatística dos resultados conforme a abordagem sugerida por Fields e Mais (1991Fields, L. P., & Mais, E. L. (1991). The valuation effects of private placements of convertible debt. The Journal of Finance, 46(5), 1925-1932.), que gera uma estatística Z com base em retornos anormais padronizados. Adicionalmente, foi realizado um “Teste-t: duas amostras em par para médias”, comparando as médias dos CAR pós e pré-datas dos eventos.

Conforme destacado na Tabela 2, todos os resultados foram estatisticamente significantes, considerando a combinação de definição da data do evento e do tamanho das janelas, nos dois tipos de teste de significância. A diferença entre os Z calculados para os CAR pós e pré apresentou um nível de confiança de 99% para todas as janelas, considerando o anúncio ou a emissão como a data do evento. O Teste-T apresentou que a diferença entre as médias dos CAR pós e pré é estatisticamente significante, a um nível de confiança de 95% para a janela (-15;+15) considerando a emissão como a data do evento, e de 99% para as demais janelas testadas.

Esses resultados revelam, portanto, que a emissão ou o anúncio da emissão de IDEC causa um impacto negativo no retorno das ações dos bancos emissores, confirmando a hipótese H 1 deste estudo, segundo a qual, no âmbito do mercado de capitais brasileiro, há uma relação negativa entre a emissão de IDEC e o retorno das ações dos bancos emissores. Importante destacar que os resultados são consistentes nos quatro testes realizados - com as duas dimensões de janelas (-20;+20) e (-15;+15) e para as duas datas do evento (emissão ou do anúncio da emissão do instrumento).

4.2 Testes dos CAR em Janelas Únicas

A título de análise da persistência dos resultados em contextos distintos, testes adicionais foram realizados, seguindo Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.), comparando os CAR verificados nas ações dos bancos analisados durante as janelas únicas (-10;+20) e (-5;+15), partindo da premissa de que as informações da emissão - e por consequências os seus efeitos - se materializam antes da data efetiva do evento. Na Tabela 3 são apresentadas as estatísticas descritivas e os resultados dos testes de significância aplicados.

Tabela 3
CAR janelas únicas - considerando as datas de emissão e de anúncio

Considerando a data da emissão dos instrumentos como a do evento, pode ser observado que a média dos CAR continua negativa na janela do evento, embora apenas os resultados da janela (-5; +15) sejam estatisticamente significantes, a um nível de confiança de 95%. Nos casos em que a data do evento correspondeu àquela do anúncio da emissão dos instrumentos, as estatísticas Z revelam que os resultados não foram estatisticamente significantes para as duas janelas, (-10;+20) e (-5;+15), conquanto apresentem sinais negativos. Já a média dos CAR para ambas as janelas ficou próxima de zero.

Destaca-se que, para os quatro testes da Tabela 3, foram encontrados sinais negativos para a estatística Z, o que seria compatível com os resultados encontrados na comparação das janelas pré e pós-evento (Tabela 2), coerente com a hipótese H 1 . Entretanto, apenas no teste da janela (-5;+15), considerando a emissão como a data do evento, foi constatada significância estatística, a um nível de 5%.

4.3 Síntese dos Testes de Relevância dos CAR

Considerando o conjunto dos oito testes - combinação de duas datas de evento (emissão e anúncio), janelas únicas e pré x pós e diferentes dimensões dessas janelas - foram encontrados os resultados consolidados na tabela Quadro 2.

Quadro 2
Resumo dos resultados dos testes - considerando o conjunto dos eventos

Observa-se que nos oito testes foram encontrados sinais negativos para esses retornos anormais, e que cinco deles apresentaram relevância estatística. O conjunto desses resultados permite corroborar a hipótese H 1, sugerindo que no mercado de capitais brasileiro os investidores reagem negativamente à emissão de IDEC por parte dos bancos. Isso revela que os investidores avaliam que os benefícios gerados pela emissão desses instrumentos não superam seus custos, precificando negativamente as ações dos emissores.

Como possibilidades para justificar esse resultado, pode-se aventar que: o custo de captação desses instrumentos geralmente é superior ao de dívidas não subordinadas; a emissão desses instrumentos pode aumentar a percepção de risco sobre o banco emissor; e os credores e investidores podem considerar esses instrumentos de dívida e as ações como substitutos imperfeitos, como defendem Admati et al. (2013Admati, A. R., Demarzo, P. M., Hellwig, M. F., & Pfleiderer, P. C. (2013). Fallacies, irrelevant facts, and myths in the discussion of capital regulation: Why bank equity is not socially expensive. Stanford University Graduate School of Business Research Paper, 13(7). Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2349739
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). Nesse aspecto, vale lembrar que bancos não precisam emitir esses instrumentos para ficar aderentes aos requerimentos de capital, e podem melhorar seus níveis de capital regulamentar diminuindo os riscos e quantidade de suas operações ou aumentando seu capital social, por exemplo.

Ademais, o mercado pode entender que a emissão de IDEC estimularia os bancos a assumirem riscos além do aceitável. A propósito, Blum (2002Blum, J. M. (2002). Subordinated debt, market discipline, and banks’ risk-taking. Journal of Banking & Finance, 26(7), 1427-1441.) e Ashcraft (2008Ashcraft, A. B. (2008). Does the market discipline banks? New evidence from regulatory capital mix. Journal of Financial Intermediation, 17(4), 543-561.) demonstram que a emissão de instrumentos subordinados pode aumentar riscos assumidos pelos bancos, dependendo das características das emissões desses instrumentos.

O conjunto dos resultados dos testes estatisticamente significantes corroboram o estudo de Schmidt e Azarmi (2015Schmidt, C. E., & Azarmi, T. F. (2015). The impact of CoCo bonds on bank value and perceived default risk: insights and evidence from their pioneering use in Europe. Journal of Applied Business Research, 31(6), 2297-2306.), que verificaram que a emissão de CoCos pode ter um efeito negativo no valor de um banco, e de Liao et al. (2017Liao, Q., Mehdian, S., & Rezvanian, R. (2017). An examination of investors’ reaction to the announcement of CoCo bonds issuance: A global outlook. Finance Research Letters, 22, 58-65.), que medindo retornos anormais cumulativos CAR no período de 15 dias antes e 15 dias após os anúncios de emissão de CoCos, constataram que bancos geralmente experimentam retornos anormais negativos durante o período pós-anúncio.

Por outro lado, os resultados contrariam o observado por Ammann et al. (2017Ammann, M., Blickle, K., & Ehmann, C. (2017). Announcement effects of contingent convertible securities: Evidence from the global banking industry. European Financial Management, 23(1), 127-152.), que constataram que o anúncio da emissão de CoCos, no âmbito europeu, correlaciona-se com retornos de ações anormais positivos.

Vale registrar que nos testes com janelas únicas, (-10;+20) e (-5; +15), a hipótese H 1 foi confirmada apenas por um teste, janela (-5;+15) considerando a emissão como a data do evento, e rejeitada pelos demais três testes, pois os resultados não foram estatisticamente significantes a pelo menos 10%. Por outro lado, todos os testes com as janelas pré x pós, (-20;+20) e (-15;+15) corroboram a hipótese H 1 e foram estatisticamente significantes, de acordo com o Teste-t e a estatística Z.

Essa diferença da significância estatística dos resultados para os tipos de janelas indica que o mercado não antecipa os efeitos do evento antes de sua ocorrência, principalmente quando o anúncio da emissão corresponde à data do evento. Assim, o mercado tende a precificar os efeitos de um novo instrumento de dívida elegível a capital após sua emissão ou o anúncio dessa emissão.

4.4 Análise de Sensibilidade: Determinantes do Retorno Anormal nas Janelas de Evento

A apuração da relevância dos CAR baseada em testes de médias (Estatísticas t e Z) tem uma limitação implícita que é não propiciar o controle do comportamento desse retorno em função de características individuais dos bancos e dos títulos e das condições do ambiente macroeconômico no momento das emissões.

Nesse sentido, a título de análise de sensibilidade, foi estimado um modelo multivariado de determinantes dos CAR, procurando identificar se esse retorno anormal é influenciado pelas variáveis representativas: do valor da emissão do IDEC em relação ao patrimônio líquido do banco (Val); do nível de atividade econômica vigente no momento da emissão, representado pela variação do produto interno bruto (PIB); da moeda de referência dos instrumentos emitidos; da condição de o capital de controle do banco ser público ou privado; e da data de emissão do IDEC.

Na Tabela 4 são consolidados os resultados das estimações do modelo considerando como variável dependente os CAR acumulados nas janelas (-20;+20), (-15;+15), (-10;+20) e (-5; +15), considerando as datas de emissão ou de anúncio como a referência do evento.

Tabela 4
Estimação de modelo para identificção de determinantes do retorno anormal das janelas de evento

As estimações demonstram a associação negativa entre os CAR e a representatividade do valor da emissão do IDEC em relação ao patrimônio líquido (Val), evidenciando que quanto maior o valor do instrumento, maior o efeito negativo no retorno anormal. Tais dados reforçam as evidências destacadas nos tópicos anteriores, no sentido de que a emissão desses instrumentos tem um impacto negativo no valor das ações dos bancos, e que isso é tanto mais relevante quanto maior for o valor envolvido. Isso reforça, portanto, as evidências empíricas de confirmação da hipótese de pesquisa H 1 .

Para as demais variáveis utilizadas no modelo não foram identificadas significâncias estatísticas com os CAR das janelas estudadas. Não foram encontradas, por exemplo, evidências de que o retorno anormal das ações, nas janelas de emissão dos IDEC, seja influenciado pelo nível de atividade econômica (PIB) vigente no trimestre em que o evento ocorreu. No mesmo sentido, também não foi constatada significância estatística para as variáveis de controle Pre2012 e Pos2012 (o controle entre os períodos pré e pós 2012 se justifica em função da concentração dos eventos no ano de 2012, conforme destacado na parte inicial da Seção 4). A combinação dos resultados em relação às variáveis PIB, Pre2012 e Pos2012 sugere que o momento de emissão desses instrumentos de dívida, incluindo a situação macroeconômica vigente, não é fator determinante para explicar o retorno anormal. Sobre as características do instrumento, os resultados dos testes em relação à variável MEstr revelam que o fato de os IDEC serem emitidos em moeda estrangeira ou nacional não justificam diferenças no retorno anormal nas janelas de evento examinadas. Por fim, quanto às características individuais dos bancos, também não foram constatadas diferenças relevantes no retorno anormal, durante a janela dos eventos, entre os bancos públicos e privados (Priv).

É importante ressaltar que a restrição do número de observações (45) representa uma limitação dos resultados empíricos, dificultando a obtenção de resultados mais robustos. Nesse sentido, essas estimações devem ser entendidas como evidências preliminares a serem exploradas em contexto mais amplo, conforme a oportunidade do aumento no número de eventos. Entre outros fatores que podem ser explorados, pode-se destacar a consideração das características da política de capitalização de cada entidade - muitas vezes influenciadas por eventuais restrições de mercado, em função do nível de risco, por exemplo, como documentado por Denis e Mihov (2003Denis, D. J., & Mihov, V. (2003). The choice among bank debt, non-bank private debt, and public debt: evidence from new corporate borrowings. Journal of Financial Economics, 70(1), 3-28. ) em entidades não bancárias.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo identificar a reação do mercado à emissão de IDEC por bancos brasileiros, considerando os custos e benefícios associados a esses instrumentos, sob a perspectiva dos acionistas, destacada na literatura. A emissão desses instrumentos aumenta os níveis de capital regulamentar dos bancos, possibilitando a alavancagem das operações dessas instituições, mas tem como efeito colateral o aumento dos custos de captação - os adquirentes desses papéis exigem um maior prêmio de risco para adquirir esses instrumentos, tendo em vista as cláusulas de subordinação - e da percepção de risco dos investidores do mercado de capitais em relação às entidades emissoras.

Os resultados dos testes empíricos realizados por meio de estudos de eventos, considerando 30 emissões realizadas entre 02/2008 e 09/2017, evidenciam que, de forma geral, no mercado brasileiro, a emissão desses instrumentos causa um impacto negativo no retorno das ações dos bancos emissores. Isso sugere que o mercado, geralmente, entende que os benefícios gerados pela emissão de IDEC não superam seus custos e riscos, pelo menos na ótica do investidor. Foram identificadas, ainda, evidências de que o mercado não antecipa os efeitos da emissão ou anúncio de um instrumento, antes de sua ocorrência.

Os bancos não precisam emitir IDEC para ficar aderentes aos requerimentos de capital. Assim, considerando os resultados deste trabalho, instituições financeiras que pretendam melhorar seus níveis de capital regulamentar poderiam atingir esse objetivo, preferencialmente, por meio da redução de suas exposições e não por meio da emissão de instrumentos de dívida, caso pretendam maximizar o retorno de suas ações.

Como limitações desta pesquisa, podem ser destacadas: (i) a restrição do número de bancos de capital aberto no Brasil; (ii) o número limitado de eventos durante a vigência de Basileia II e Basileia III; (iii) a não divulgação de fatos relevantes ou comunicações ao mercado relativas a todos os IDEC analisados; e (iv) a ausência de um padrão para a divulgação da emissão desses instrumentos pelos bancos - alguns divulgam depois da emissão. Também há que se ressaltar as limitações do próprio método. Os estudos de eventos podem identificar impacto no retorno das ações simplesmente em função da incerteza gerada pelo evento em si, mas depois reverter à média, à medida que as informações vão sendo assimiladas ou mesmo novos dados são disponibilizados. A utilização de múltiplas janelas, como realizado no presente estudo, mitiga esse risco, mas não o elimina. A estimação do modelo de determinantes do retorno anormal também mitiga essas limitações, embora o número de observações restrinja a oportunidade de testar os efeitos de fatores mais específicos.

Não obstante essas limitações, este estudo contribui para o desenvolvimento da literatura sobre regulação prudencial bancária, ao tratar de um aspecto da emissão de IDEC não explorado em âmbito nacional, e colabora para os estudos internacionais sobre o assunto, tendo em vista que possibilita a incorporação das características do mercado brasileiro no contexto de reação do mercado à emissão de IDEC. Ademais, os resultados desta pesquisa podem auxiliar os bancos nas suas decisões de capitalização, na medida em que fornece evidências sobre como os agentes de mercado reagem à emissão de instrumentos de dívida elegíveis a capital.

REFERENCES

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  • ORIGEM DO ARTIGO

    Este estudo é parte da dissertação desenvolvida pelo primeiro autor, sob orientação do segundo, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB)

ANEXO I

Teste de Significância dos Retornos Anormais

Para testar a significância estatística foi utilizada a abordagem sugerida por Fields e Mais (1991), que testa a significância estatística com base em retornos anormais padronizados. O pressuposto é que os retornos anormais são multivariados de forma normal e independente. Assim, para testar a hipótese nula de que o retorno anormal médio é zero, foi calculada a estatística Z:

Z = 1 n i = 1 N t = t 1 t 2 A R i t S i T

onde: n é o tamanho da amostra; AR it são retornos anormais da instituição i para a data t; e S iT indica o desvio padrão da soma da série AR it durante o período da janela do evento, conforme calculado em Fields e Mais (1991), calculado de acordo com a equação (3.6).

S i T = σ ^ i 2 T + T 2 N + T 2 R ´ m T - R ´ m 2 t = 1 N R m t - R ´ m 2 1 2

onde: é o erro médio ao quadrado (mean square error) da regressão do modelo de mercado para a firma j; é a média do indexador do mercado durante o período da estimação; N é o número de retornos no período da estimação; é a média do indexador de mercado durante o período T; o número de observações da amostra no período de t = T 1 até t = T 2 é definido como T, onde T é T 2 - T 1 + 1.

Neste estudo, nos casos em que o critério de avaliação é a janela única, a estatística Z é suficiente para comparar a janela do evento com a janela de estimação. Nos casos em que são comparadas as janelas simétricas pré e pós data do evento, foi analisada a estatística Z relativa à diferença entre o Z calculado para os CAR pós e pré data do evento.

Especificamente para os casos de comparação das janelas pós e pré data do evento, foi aplicado um teste adicional de significância estatística. Seguindo Gonçalves et al. (2015Gonçalves, R. S., Barbosa, N. M., Barroso, C. R., & Medeiros, O. R. (2015). Social disclosure e retornos anormais: um estudo de eventos em empresas brasileiras abertas no período de [Social disclosure and abnormal returns a study of events in open Brazilian companies] 2005 a 2012.Revista de Contabilidade e Organizações, 9(24), 64-70.), foi realizado um teste paramétrico de médias, que, para a análise de variância, assume que a amostra possui uma distribuição normal e variância homogênea. Neste trabalho foi utilizado o Teste-t: duas amostras em par para médias, para verificar se a diferença entre as médias dos CAR pós e pré evento é estatisticamente significante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2018
  • Revisado
    11 Set 2018
  • Aceito
    21 Mar 2019
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