Acessibilidade / Reportar erro

O efeito da cafeína no potencial evocado miogênico vestibular cervical em indivíduos saudáveis Como citar este artigo: Sousa AMA, Suzuki FA. Effect of caffeine on cervical vestibular-evoked myogenic potential in healthy individuals. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:226-30.

Resumos

INTRODUÇÃO:

A cafeína é a droga psicoativa mais consumida no mundo e está contida, em diferentes concentrações, em diversos alimentos consumidos no dia a dia. Clinicamente, nota-se um envolvimento importante do seu consumo com as doenças do sistema vestibular. O VEMP cervical é um exame eletrofisiológico que avalia a via sáculo-cólica, determinando alterações no reflexo vestíbulo-cólico.

OBJETIVO:

O objetivo deste trabalho é avaliar a interferência do uso agudo de cafeína no reflexo vestíbulo-cólico através do cVEMP.

MÉTODO:

Foi realizado um estudo experimental prospectivo, no qual voluntários saudáveis se submeteram ao exame antes e depois do uso de 420 mg de cafeína, sendo comparados os seguintes parâmetros: latência de p13 e de n23 e interamplitude p13-n23.

RESULTADO:

Após a comparação dos dados não houve diferença estatisticamente significante entre os exames antes e após o uso da droga.

CONCLUSÃO:

Não foi observada influência da cafeína no reflexo vestíbulo-cólico.

Potenciais evocados miogênicos vestibulares; Cafeína; Vertigem; Tontura


INTRODUCTION:

Caffeine is the most common psychoactive drug in use around the world and is found at different concentrations in a variety of common food items. Clinically, a strong association between caffeine consumption and diseases of the vestibular system has been established. Cervical vestibular-evoked myogenic potential (cVEMP) is an electrophysiological test that is used to assess the sacculocollic pathway by measuring changes in the vestialibulocollic reflex.

AIM:

The present study aimed to evaluate the effect of an acute dose of caffeine on the vestibulocollic reflex by using cVEMP.

METHOD:

A prospective experimental study was performed in which healthy volunteers were submitted to the test before and after the intake of 420 mg of caffeine. The following parameters were compared: p13 and n23 latencies and p13-n23 amplitude.

RESULT:

No statistically significant difference was found in the test results before and after caffeine use.

CONCLUSION:

The vestibulocollic reflex is not altered by caffeine intake.

Vestibular evoked myogenic potentials; Caffeine; Vertigo; Dizziness


Introdução

A cafeína é a droga psicoativa mais consumida no mundo.11. Fisone G, Borgkvist A, Usiello A. Caffeine as a psychomotor stimulant: mechanism of action. Cell Mol Life Sci. 2004;61:857-72. , 22. Temple JL. Caffeine use in children: What we know, what we have left to learn, and why we should worry. Neurosci Biobehav Rev. 2009;33:793-806. Tal qual a teofilina e a teobromina, é um alcaloide classificado no grupo das metilxantinas, diferindo dessas substâncias pela presença de um terceiro grupo metilo, sendo identificado como 1,3,7-trimetilxantina.33. Daly JW. Caffeine analogs: biomedical impact. Cell Mol Life Sci. 2007; 64:2153-69. Em concentrações distintas, a cafeína está presente em inúmeras substâncias consumidas no cotidiano: café, chá verde, chocolate, refrigerantes de cola, guaraná, erva mate, entre outros (tabela 1).44. De Maria CAB, Moreira RFA. Cafeína: revisão sobre métodos de análise. Quim Nova. 2007;30:99-105. , 55. Persad LAB. Energy drinks and the neurophysiological impact of caffeine. Front Neurosci. 2011;5:1-8.

Tabela 1
Principais tipos de comidas e bebidas que contêm café

Após ingestão oral, a molécula é rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal, atingindo pico de concentração plasmática entre 15 a 60 minutos,66. Spindel ER, Wurtman RJ, McCall A, Carr DB, Conley L, Griffith L, et al. Neuroendocrine effects of caffeine in normal subjects. Clin Pharmacol Ther. 1984;36:402-7.

7. Holmgren P, Nordén-Pettersson L, Ahlner J. Caffeine fatalities-four case reports. Forensic Sci Int. 2004;139:71-3.
- 88. Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74. com tempo de meia-vida entre 2,5 a 10 horas.88. Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74. Em doses moderadas, a cafeína promove uma sensação de bem-estar, reduz a fadiga, melhora a capacidade motora e aumenta a vigilância e a atenção.99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6. No entanto, em doses elevadas, a droga pode causar ansiedade, ataques de pânico, alucinações e irritabilidade, além de atuar negativamente sobre o controle motor e qualidade do sono.55. Persad LAB. Energy drinks and the neurophysiological impact of caffeine. Front Neurosci. 2011;5:1-8. Consumo moderado (200-300 mg/dia), em indivíduos saudáveis, não está associado a efeitos adversos importantes.44. De Maria CAB, Moreira RFA. Cafeína: revisão sobre métodos de análise. Quim Nova. 2007;30:99-105. Doses acima de 600 mg/dia são consideradas abusivas, podendo ocorrer sintomas de abstinência com a retirada súbita, apesar desses sintomas terem sido relatados mesmo com o consumo de baixas doses (50 a 150 mg/dia).1010. Felipe L, Simões LC, Gonçalves DH, Mancini PC. Avaliação do efeito da cafeína no teste vestibular. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71:758-62. Após ingestão de uma xícara de café (aproximadamente 100 mg de cafeína) ocorre aumento de cafeína de 1-2 mg/g no sangue, enquanto o nível sanguíneo letal é de 80-100 mg/g, sendo necessária a ingestão de pelo menos cinco gramas de cafeína para isso acontecer, o que determina uma faixa terapêutica bastante ampla.77. Holmgren P, Nordén-Pettersson L, Ahlner J. Caffeine fatalities-four case reports. Forensic Sci Int. 2004;139:71-3.

Depois de ingerida, a cafeína se distribui de forma homogênea nos diversos sistemas, incluindo o Sistema Nervoso Central (SNC), onde atua no bloqueio dos receptores de adenosina, principalmente os do tipo A1 e A2a.99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6. A adenosina, por sua vez, é um neuromodulador que atua, dentre outras formas, na redução da velocidade de condução neural.88. Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74. Dessa forma, a cafeína, com seu efeito antagônico nos receptores de adenosina, aumentaria essa velocidade de condução. Entre outros mecanismos, é atribuída à cafeína a inibição da fosfodiesterase, a sensibilização dos receptores rianodínicos para liberação de cálcio e, por último, o antagonismo dos receptores GABA.33. Daly JW. Caffeine analogs: biomedical impact. Cell Mol Life Sci. 2007; 64:2153-69.

A substância tem metabolização hepática, com excreção renal e menos de 5% dela é excretada de forma inalterada na urina.88. Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74.

Por outro lado, o potencial evocado miogênico vestibular cervical (cVEMP - Cervical Vestibular Evoked Myogenic Potential) é um potencial eletrofisiológico inibitório de curta latência usado na avaliação do sistema vestibular através da eletromiografia do músculo esternocleidomastoideo evocada por estímulo sonoro, vibração óssea ou estímulo elétrico. Este exame vem sendo utilizado na prática para avaliação do reflexo vestíbulo-cólico e averiguação da integridade da via sáculo-cólica: sáculo, nervo vestibular inferior, núcleo vestibular, via vestíbulo espinal medial, núcleo e nervo acessórios e músculo esternocleidomastoideo.1111. Birdane L, Incesulu A, Gurbuz MK, Ozbabalik D. Sacculocolic reflex in patients with dementia: is it possible to use it for early diagnosis? Neurol Sci. 2012;33:17-21.

12. Rosengren SM, Welgampola MS, Colebatch JG. Vestibular evoked myogenic potentials: Past, present and future. Clin Neurophysiol. 2010;121:636-51.

13. Cal R, Bahmad Jr, F. Potencial evocado miogênico vestibular: uma visão geral. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75:456-62.
- 1414. Halmagyi GM, Yavor RA, Colebatch, JG. Tapping the head activates the vestibular system: A new use for the clinical reflex hammer. Neurology. 1995;45:1927-9.

No cVEMP é observada a impressão de uma onda bifásica, cujo primeiro pico, positivo, é denominado p13, e o segundo pico, negativo, n23. Assim, são avaliados três parâmetros principais: p13, n23 e amplitude p13-n23. Essa última deve ser avaliada não como um valor absoluto, mas como um valor relativo em relação ao lado contralateral ou ao lado ipsilateral em momentos distintos.1515. Murofushi T, Kaga K. Vestibular evoked myogenic potential: Its basics and clinical applications. 1st ed. Tokyo: Springer; 2009. Isso acontece porque a amplitude p13-n23 em valores absolutos é variável de acordo com o grau de contração muscular, com a condução e colocação dos eletrodos e com a intensidade e frequência de apresentação do estímulo.1111. Birdane L, Incesulu A, Gurbuz MK, Ozbabalik D. Sacculocolic reflex in patients with dementia: is it possible to use it for early diagnosis? Neurol Sci. 2012;33:17-21. , 1616. Oliveira AC, David R, Colafêmina JF. Potenciais miogênicos evocados vestibulares: metodologias de registro em homens e cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:770-5. , 1717. Lütkenhöner B, Rudack C, Basel T. The variance modulation associated with the vestibular evoked myogenic potential. Clin Neurophysiol. 2011;122:1448-56.

Na literatura é encontrado aumento da amplitude do cVEMP após a administração de determinadas substâncias, como a furosemida e o glicerol, em pacientes com hidropisia endolinfática.1818. Seo T, Node M, Miyamoto A, Yukamasa A, Terada T, Sakagami M. Three cases of cochleosaccular endolymphatic hydrops without vertigo revealed by furosemide-loading vestibular evoked myogenic potential test. Otol Neurotol. 2003;24:807-11.

19. Murofushi T, Matsuzaki M, Takegoshi H. Glycerol affects vestibular evoked myogenic potentials in Meniere's disease. Auris Nasus Larynx. 2001;28:205-8.
- 2020. Magliulo G, Cuiuli G, Gagliardi M, Ciniglio-Appiani G, D'Amico R. Vestibular evoked myogenic potentials and glycerol testing. Laryngoscope. 2004;114:338-43. Isso é determinado, objetivamente, pelo índice de mudança calculado.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a real interferência da cafeína na via sáculo-cólica, através do cVEMP medido em dois momentos distintos.

Materiais e métodos

Seleção da amostra

Foram selecionados 25 indivíduos adultos jovens e saudáveis, em uma amostra de conveniência. Os voluntários foram submetidos à anamnese e exame físico geral e específico detalhados. Os mesmos deveriam estar em abstinência de cafeína há, no mínimo, 24 horas.

A amostra foi categorizada de acordo com a idade e o gênero e consumo diário de cafeína.

Os critérios de exclusão aplicados foram: cocleopatias; uso de medicações que interferissem no sistema vestibular; migrânea em crise; hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, endocrinopatias, incluindo diabetes mellitus; alteração hepática, gástrica ou renal; e distúrbios do sono.

Administração da droga

A cafeína foi utilizada em forma de cápsula, cujo pico de ação é atingido de forma mais rápida e controlada, quando comparado ao café e aos derivados de cola na mesma concentração, isto é, o pico de ação da droga ocorre em aproximadamente 60 minutos.2121. Liguori A, Hughes JR, Grass JA. Absorption and subjective effects of caffeine from coffee, cola and capsules. Pharmacol Biochem Behav. 1997;58:721-6. Foram administradas duas cápsulas de 210 mg de cafeína pura, totalizando a dose de 420 mg a cada indivíduo submetido ao estudo clínico. Com essa dose, é possível obter concentração plasmática suficiente para haver o bloqueio dos receptores de adenosina, o que promove os efeitos estimulantes esperados, mas ainda sem ocasionar efeitos colaterais significativos.99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6.

Exame

O cVEMP foi realizado utilizando-se aparelho de potencial evocado da marca Nihon-Kohden modelo Neuropack MEB-5504K, instalado em ambiente com isolamento elétrico e acústico. Os exames foram feitos através da colocação de fone auricular de inserção em cada orelha e de três eletrodos de superfície, eletricamente isolados, fixados com pasta de condução hidroeletrolítica em transição de terço superior e médio do músculo esternocleidomastoideo direito e esquerdo (eletrodos invertidos - negativos) e outro um centímetro abaixo da fúrcula, sobre o manúbrio do osso esterno (eletrodo não invertido - positivo). A impedância máxima admitida para a aferição foi de 5 Kohms.

Cada voluntário foi colocado em decúbito dorsal em cadeira reclinável a 180°, sendo solicitada a flexão da cabeça em aproximadamente 30° durante a apresentação do estímulo sonoro, de forma que o músculo esternocleidomastoideo ficasse contraído no momento do registro.

O estímulo sonoro rarefeito, tipo toneburst, foi dado em uma intensidade de 100 decibéis em nível de pressão sonora e frequência de 1000 Hertz. A taxa de apresentação foi de 5 Hertz. Foram realizadas duas aferições binaurais, com intervalo de 2 minutos entre elas para descanso do paciente e foram promediados 200 estímulos em cada uma dessas aferições.

A eletromiografia do músculo esternocleidomastoideo foi obtida utilizando-se um filtro passa-baixa de 1000 Hertz e passa alta de 10 Hertz, com rejeição de artefatos, representados em uma janela de 50 milissegundos. Assim foi obtida a impressão de um complexo bifásico, cuja primeira deflexão positiva foi denominada p13, e a primeira deflexão negativa foi denominada de n23.

Foram obtidas três variáveis principais, em valores absolutos: latência para a onda p13, latência para a onda n23 (ambas em milissegundos) e amplitude p13-n23 (em microvolt). Após análise dos exames foram comparadas as latências de p13 e de n23 antes e após a ingestão da droga. Já para comparação da amplitude p13-n23 antes e após a ingestão de cafeína, foi utilizada a fórmula demonstrada na figura 1, que é amplamente utilizada em trabalhos que comparam o cVEMP antes e após a ingestão de outras drogas, como furosemida e glicerol,1515. Murofushi T, Kaga K. Vestibular evoked myogenic potential: Its basics and clinical applications. 1st ed. Tokyo: Springer; 2009. , 1919. Murofushi T, Matsuzaki M, Takegoshi H. Glycerol affects vestibular evoked myogenic potentials in Meniere's disease. Auris Nasus Larynx. 2001;28:205-8. , 2020. Magliulo G, Cuiuli G, Gagliardi M, Ciniglio-Appiani G, D'Amico R. Vestibular evoked myogenic potentials and glycerol testing. Laryngoscope. 2004;114:338-43. uma vez que ocorre uma variação individual significativa no valor absoluto da amplitude p13-n23. Porém, foi necessário determinar o valor de normalidade desse índice. Para isso, presumindo-se que as orelhas dos lados direito e esquerdo de cada indivíduo eram simétricas, utilizou-se a fórmula da figura 2 para o cálculo do índice de assimetria (IA) nos exames controles, determinando como valor máximo admitido como assimetria a média somada a dois desvios-padrão.1515. Murofushi T, Kaga K. Vestibular evoked myogenic potential: Its basics and clinical applications. 1st ed. Tokyo: Springer; 2009. , 1919. Murofushi T, Matsuzaki M, Takegoshi H. Glycerol affects vestibular evoked myogenic potentials in Meniere's disease. Auris Nasus Larynx. 2001;28:205-8. , 20 20. Magliulo G, Cuiuli G, Gagliardi M, Ciniglio-Appiani G, D'Amico R. Vestibular evoked myogenic potentials and glycerol testing. Laryngoscope. 2004;114:338-43.Os valores foram descritos em módulo.

Figura 1
Índice de mudança.

Figura 2
Índice de assimetria.

Desenho do estudo

Trata-se de coorte histórica com corte transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, com o número 0127/11. A todos os 25 participantes foram dadas todas as explicações acerca dos procedimentos a serem realizados e os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No dia do exame, os voluntários foram orientados a estar sem o uso de cafeína há pelo menos 24 horas.

Foram realizados dois exames em cada um dos voluntários, com intervalo médio de 60 minutos. Após o primeiro exame eram dadas duas cápsulas de cafeína pura (210 mg/cápsula) com 100 mL de água filtrada, para auxiliar a deglutição.

Obtidos os valores de normalidade de p13, n23, amplitude p13-n23 e IA de acordo com os exames prévios à ingestão da droga, esses valores foram comparados àqueles obtidos nos exames após a ingestão da cafeína para efeitos de avaliação na influência da droga na captação da resposta eletrofisiológica.

Para análise dos exames, não foi permitido ao avaliador saber se determinado exame tinha sido realizado antes ou depois da utilização da droga, a fim de evitar viés de análise.

Análise estatística

Foi realizada análise dos dados descritivos, além da comparação não paramétrica entre os grupos antes e depois da administração da droga.

Os dados numéricos foram apresentados em média e desvio-padrão (DP) e os dados categóricos em porcentagem. Na comparação entre grupos antes e após o uso da cafeína, foi utilizado o teste de Wilcoxon. O nível de significância considerado foi p < 0,05.

Resultados

A amostra foi formada de 68% de indivíduos do gênero feminino e de 32% do gênero masculino. A média de idade dos voluntários foi de 29 anos, variando de 25 a 37 anos. O consumo médio diário de cafeína foi de 148 mg, variando de 0 a 500 mg.

A análise comparativa dos dados da orelha do lado direito e do lado esquerdo nos exames antes da administração da cafeína, que incluiu as latências de p13 e de n23 e a amplitude p13-n23, não mostrou diferença estatística entre os lados. Assim, assume-se que não há diferença entre os lados, sendo possível juntar os grupos e analisar um grupo de 50 orelhas. Apenas para a determinação do valor limite da interamplitude foi considerado um n de 25, uma vez que o IA só é viável entre os lados. Os valores considerados normais estão expostos na tabela 2.

Tabela 2
Valores de normalidade

Aplicando-se o teste de Wilcoxon para amostras pareadas, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os exames antes e depois da utilização de cafeína, no que se refere às latências de p13 e de n23, bem como à amplitude p13-n23 (tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre os exames

Verificou-se que o IA considerado normal para as condições em que o exame foi realizado foi de 28% (média + 2DP). Assim, quando se comparou o índice de mudança (IM), foi verificado que nenhuma orelha apresentou esse índice maior do que o padrão de normalidade adotado de 28%.

Discussão

A cafeína é um neuromodulador amplamente utilizado pela população mundial. Ela tem sido implicada em uma série de efeitos que envolvem principalmente o SNC, por meio da inibição dos receptores de adenosina.

Os dados difundidos na literatura e a experiência clínica otoneurológica mostram efeitos clínicos negativos em relação à cafeína, sendo observada melhora sintomática importante dos pacientes quando há redução gradual do consumo, uma vez que a parada súbita do uso poderia levar a sintomas de abstinência.55. Persad LAB. Energy drinks and the neurophysiological impact of caffeine. Front Neurosci. 2011;5:1-8. , 1010. Felipe L, Simões LC, Gonçalves DH, Mancini PC. Avaliação do efeito da cafeína no teste vestibular. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71:758-62. Relacionando o uso de cafeína e o diagnóstico de migrânea vestibular, por exemplo, foi sugerido que a interrupção do uso de cafeína foi essencial para a melhora clínica dos pacientes.2222. Mikulec AA, Faraji F, Kinsella LJ, Evaluation of the efficacy of caffeine cessation, nortriptyline, and topiramate therapy in vestibular migraine and complex dizziness of unknown etiology. Am J Otolaryngol. 2012;33:121-7.

Em vista desses dados, esperaríamos encontrar algum tipo de alteração nos exames dos pacientes após a ingestão da cafeína, uma vez que esta causa sintomas vestibulares. No entanto, nos dados obtidos ao compararmos as 50 orelhas antes e depois da utilização da droga, não houve diferença nas latências ou nas amplitudes das ondas de forma estatisticamente significante, permanecendo o IM dentro dos limites de normalidade (< 28%).

Após ingestão de 300 mg de cafeína há um aumento de 30 micromoles da droga no plasma sanguíneo,99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6. assim, a ingestão de 420 mg da substância levaria um aumento do nível plasmático próximo a esse valor. Nesses níveis plasmáticos, a cafeína atua principalmente nos receptores de adenosina,2323. Shi D, Daly JW. Chronic effects of xanthines on levels of central receptors in mice. Cell Mol Neurobiol. 1999;19:719-32. tendo pouca ou nenhuma influência sobre o cálcio, fosfodiesterase e GABA.99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6. , 2424. Bryant GM, Barron, SE, Norris CH, Guth PS. Adenosine is a modulator of hair cell-afferent neurotransmission. Hear Res. 1987;30:231-8. Assim, na dose utilizada, deveríamos esperar alguma ação significativa nos receptores adenosínicos. Para obtermos algum efeito sobre os demais mecanismos fisiológicos, precisaríamos de um aumento muito maior nos níveis plasmáticos da droga, o que ultrapassaria a dosagem tóxica da cafeína; por isso, esses últimos efeitos foram desconsiderados para fins de estudo neste trabalho, centralizando o estudo nos receptores de adenosina unicamente.

A distribuição dos receptores de adenosina varia de acordo com o tipo. Os receptores do tipo A1 estão localizados em todo o encéfalo, mas se concentram principalmente no hipocampo, córtex cerebral, núcleo hipotalâmico e cerebelo. Já os receptores A2a estão concentrados no estriato, tendo sua atuação principal atribuída à modulação de dopamina.88. Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74. , 2525. Johansson B, Georgiev V, Lindström K, Fredholm BB. A1 and A2A adenosine receptors and A1 mRNA in mouse brain: effect of long-term caffeine treatment. Brain Res. 1997;762:153-64. , 2626. Dias RB, Rombo DM, Ribeiro JA, Henley JM, Sebastião AM. Adenosine: setting the stage for plasticity. Trends Neurosci. 2013;36:248-57. Já o cVEMP é um potencial de curta latência que avalia a integridade da via sáculo-cólica, que inclui sáculo, nervo vestibular inferior, núcleo vestibular, trato vestibuloespinal, núcleo e nervo acessório e músculo esternocleidomastoideo, sendo um reflexo estritamente ipsilateral ao estímulo.1212. Rosengren SM, Welgampola MS, Colebatch JG. Vestibular evoked myogenic potentials: Past, present and future. Clin Neurophysiol. 2010;121:636-51. Assim, não é vista uma intercessão na localização dos receptores de adenosina com a via sáculo-cólica estudada.

O potencial evocado auditivo de tronco encefálico em humanos após a ingestão de 3 mg/kg de cafeína demonstrou redução estatisticamente significante nas latências das ondas IV e V e uma tendência a redução nas ondas I, II e III, mas sem significância estatística. Aplicando-se potenciais auditivos de média latência, foram encontrados resultados ainda mais significantes.99. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6. Isso demonstra que os receptores de adenosina têm uma influência maior a nível central do que periférico.

Os núcleos vestibulares tanto recebem como emitem impulsos nervosos para os órgãos centrais e periféricos. Assim, os núcleos vestibulares se conectam com os núcleos oculomotores, fascículo longitudinal medial, trato vestibuloespinal medial e lateral, córtex cerebral, pedúnculo cerebelar e sistema comissural vestibular, sistema autônomo e tálamo.2727. Newlands SD, Wall III C. Anatomia e função vestibulares. In: Bailey BJ, Johnson JT, editores. Otorrinolaringologia Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revinter. 2010. p.785-96. Conforme descrito anteriormente, há a documentação de receptores de adenosina nessas vias vestibulares centrais. Assim, acreditamos que essas inúmeras conexões dos núcleos vestibulares com as demais vias centrais poderiam ocasionar os efeitos deletérios da cafeína nas várias vias vestibulares periféricas, mesmo que essas últimas não tivessem receptores de adenosina.

Apesar de ter sido administrada uma dose de cafeína suficiente para atuação nos receptores de adenosina, não houve alteração em nenhum dos parâmetros do exame no modelo estudado, o que nos leva a inferir que esses receptores estão ausentes ou em uma quantidade reduzida na via sáculo-cólica. Isso nos leva a pensar que há uma influência insignificante de receptores de adenosina na via sáculo-cólica, sendo necessários mais estudos para esclarecimento da distribuição desses receptores nas vias vestibulares periféricas. Além disso, os pacientes estudados não apresentavam qualquer tipo de disfunção vestibular diagnosticada, o que não afasta a possível ocorrência de influência da cafeína em vias vestibulares doentes.

No entanto, isso não invalida a influência da cafeína no sistema vestibular, que é composto de inúmeras outras estruturas periféricas e centrais, conforme descrito.

Conclusão

Assim, podemos concluir que não houve diferença estatisticamente significante no cVEMP em indivíduos adultos jovens após a ingestão de 420 mg de cafeína no modelo estudado, o que mostra a pouca interferência da cafeína para a realização do exame.

References

  • 1
    Fisone G, Borgkvist A, Usiello A. Caffeine as a psychomotor stimulant: mechanism of action. Cell Mol Life Sci. 2004;61:857-72.
  • 2
    Temple JL. Caffeine use in children: What we know, what we have left to learn, and why we should worry. Neurosci Biobehav Rev. 2009;33:793-806.
  • 3
    Daly JW. Caffeine analogs: biomedical impact. Cell Mol Life Sci. 2007; 64:2153-69.
  • 4
    De Maria CAB, Moreira RFA. Cafeína: revisão sobre métodos de análise. Quim Nova. 2007;30:99-105.
  • 5
    Persad LAB. Energy drinks and the neurophysiological impact of caffeine. Front Neurosci. 2011;5:1-8.
  • 6
    Spindel ER, Wurtman RJ, McCall A, Carr DB, Conley L, Griffith L, et al. Neuroendocrine effects of caffeine in normal subjects. Clin Pharmacol Ther. 1984;36:402-7.
  • 7
    Holmgren P, Nordén-Pettersson L, Ahlner J. Caffeine fatalities-four case reports. Forensic Sci Int. 2004;139:71-3.
  • 8
    Einöther SJL, Giesbrecht T. Caffeine as an attention enhancer: reviewing existing assumptions. Psychopharmacology. 2013;225:251-74.
  • 9
    Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: An evoked potential study. Hear Res. 2006;220:61-6.
  • 10
    Felipe L, Simões LC, Gonçalves DH, Mancini PC. Avaliação do efeito da cafeína no teste vestibular. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71:758-62.
  • 11
    Birdane L, Incesulu A, Gurbuz MK, Ozbabalik D. Sacculocolic reflex in patients with dementia: is it possible to use it for early diagnosis? Neurol Sci. 2012;33:17-21.
  • 12
    Rosengren SM, Welgampola MS, Colebatch JG. Vestibular evoked myogenic potentials: Past, present and future. Clin Neurophysiol. 2010;121:636-51.
  • 13
    Cal R, Bahmad Jr, F. Potencial evocado miogênico vestibular: uma visão geral. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75:456-62.
  • 14
    Halmagyi GM, Yavor RA, Colebatch, JG. Tapping the head activates the vestibular system: A new use for the clinical reflex hammer. Neurology. 1995;45:1927-9.
  • 15
    Murofushi T, Kaga K. Vestibular evoked myogenic potential: Its basics and clinical applications. 1st ed. Tokyo: Springer; 2009.
  • 16
    Oliveira AC, David R, Colafêmina JF. Potenciais miogênicos evocados vestibulares: metodologias de registro em homens e cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:770-5.
  • 17
    Lütkenhöner B, Rudack C, Basel T. The variance modulation associated with the vestibular evoked myogenic potential. Clin Neurophysiol. 2011;122:1448-56.
  • 18
    Seo T, Node M, Miyamoto A, Yukamasa A, Terada T, Sakagami M. Three cases of cochleosaccular endolymphatic hydrops without vertigo revealed by furosemide-loading vestibular evoked myogenic potential test. Otol Neurotol. 2003;24:807-11.
  • 19
    Murofushi T, Matsuzaki M, Takegoshi H. Glycerol affects vestibular evoked myogenic potentials in Meniere's disease. Auris Nasus Larynx. 2001;28:205-8.
  • 20
    Magliulo G, Cuiuli G, Gagliardi M, Ciniglio-Appiani G, D'Amico R. Vestibular evoked myogenic potentials and glycerol testing. Laryngoscope. 2004;114:338-43.
  • 21
    Liguori A, Hughes JR, Grass JA. Absorption and subjective effects of caffeine from coffee, cola and capsules. Pharmacol Biochem Behav. 1997;58:721-6.
  • 22
    Mikulec AA, Faraji F, Kinsella LJ, Evaluation of the efficacy of caffeine cessation, nortriptyline, and topiramate therapy in vestibular migraine and complex dizziness of unknown etiology. Am J Otolaryngol. 2012;33:121-7.
  • 23
    Shi D, Daly JW. Chronic effects of xanthines on levels of central receptors in mice. Cell Mol Neurobiol. 1999;19:719-32.
  • 24
    Bryant GM, Barron, SE, Norris CH, Guth PS. Adenosine is a modulator of hair cell-afferent neurotransmission. Hear Res. 1987;30:231-8.
  • 25
    Johansson B, Georgiev V, Lindström K, Fredholm BB. A1 and A2A adenosine receptors and A1 mRNA in mouse brain: effect of long-term caffeine treatment. Brain Res. 1997;762:153-64.
  • 26
    Dias RB, Rombo DM, Ribeiro JA, Henley JM, Sebastião AM. Adenosine: setting the stage for plasticity. Trends Neurosci. 2013;36:248-57.
  • 27
    Newlands SD, Wall III C. Anatomia e função vestibulares. In: Bailey BJ, Johnson JT, editores. Otorrinolaringologia Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revinter. 2010. p.785-96.
  • Como citar este artigo: Sousa AMA, Suzuki FA. Effect of caffeine on cervical vestibular-evoked myogenic potential in healthy individuals. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:226-30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2013
  • Aceito
    01 Fev 2014
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br