Acessibilidade / Reportar erro

Plano de texto de “mensagens de natal” na cena política luso-brasileira

Textual organization in Christmas interventions on the Portuguese-Brazilian political scene

RESUMO

Na cena política, as Mensagens de Natal assumiram um estatuto de tradição, mas será o seu plano textual fixo ou ocasional, como postula Adam (2002)? No sentido de identificar a estrutura organizativa destes textos, procedeu-se a uma análise diacrónica de textos de Portugal e do Brasil (produzidos de 2008 a 2020), com foco nos processos de distribuição e segmentação do texto (Silva, 2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
). Assim, a análise focou-se na composição gráfica, na distribuição temática e, sobretudo, nos mecanismos articulatórios que asseguram a coesão textual (organizadores, marcadores/conectores, cadeias de referência). Os resultados apontam para uma estrutura em quatro blocos - exórdio, performance governativa, compromissos de futuro, peroração, alterada conforme as necessidades comunicativas. Os blocos inicial e final têm um pendor emotivo, relacionado com a época natalícia e seus valores, e os blocos centrais são de cariz objetivo, apresentando provas do desempenho e intenções governativas. Em virtude da flexibilidade que demonstram, considera-se que o plano de texto destas intervenções políticas é ocasional, não obstante existirem alguns segmentos frequentes.

Palavras-chave:
plano textual; marcadores discursivos; género político; textos luso-brasileiros

ABSTRACT

On the political scene, Christmas Messages have assumed a statute of tradition, but will their textual plan be fixed or occasional, as Adam (2002) postulates? In order to identify the organizational structure of these texts, a diachronic and contrasting analysis Portugal-Brazil was carried out, focusing on the text’s distribution and segmentation processes (Silva, 2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
). Thus, the analysis focused on graphic composition, thematic distribution and, above all, the articulatory mechanisms that ensure textual cohesion (organizers, markers/connectors, chains of reference). The results point to a structure in four blocks - exordium, governmental performance, future commitments, peroration, which is altered according to communicative needs. The initial and final blocks have an emotional tendency, related to Christmas emotions, and the central blocks are of an objective nature, presenting evidence of performance and governmental intentions. Due to the flexibility showed, it is considered that the text plan for these political interventions is occasional, although there are some common segments.

Keywords:
textual organization; discursive markers; political genre; Portuguese-Brazilian texts

1. Introdução

Na cena política, a comunicação entre os diversos intervenientes realiza-se sob a forma de textos. Não obstante a divergência relativa à definição do termo (Koch, 2002Koch, I. (2002). Desvendando os Segredos do Texto. Cortez.), o texto constitui uma unidade linguística superior à frase, dotado de coerência, para a qual é manifestamente influente o plano de texto, isto é, a organização e a articulação dos conteúdos (Adam, 2002). O texto deve ser também entendido como o resultado do ato humano de interagir com o outro, o que revela e implica a sua relação com o contexto social, cultural e histórico em que é produzido (Bronckart, 1999Bronckart, J.-P. (1999). Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado. EDUC. (Activité langagière, textes et discours: Pour un interactionisme socio-discursif, 1996)).

O objetivo deste artigo consiste em refletir sobre o plano de texto das “Mensagens de Natal” proferidas por estadistas brasileiros e portugueses, procurando confirmar ou infirmar a existência de uma estrutura padronizada. Numa primeira fase, esclarecer-se-ão as noções de género, texto e plano de texto, de acordo com a perspetiva de vários autores (Bronckart, 1999Bronckart, J.-P. (1999). Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado. EDUC. (Activité langagière, textes et discours: Pour un interactionisme socio-discursif, 1996); Adam, 2002; Silva, 2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
). Esta abordagem descendente mostra que a área social da qual emerge o texto, bem como a sua finalidade, condiciona a organização textual. Com base nisto, procurar-se-á esclarecer se as “Mensagens de Natal” apresentam um plano de texto convencional ou flexível, como se estruturam e quais as semelhanças/diferenças entre os textos produzidos em contexto português ou brasileiro. Para alcançar este objetivo, selecionaram-se diversas mensagens, produzidas ao longo dos anos por diferentes intervenientes políticos, as quais foram analisadas, em particular, no que diz respeito aos mecanismos de segmentação gráfica e pontuação, temas abordados e mecanismos de textualização usados.

2. Definindo os conceitos de género e texto

Os termos género e texto adquirem diferentes aceções, dependendo da linha de investigação seguida, pelo que se torna essencial clarificar qual o ponto de vista aqui adotado. Neste artigo, parte-se do princípio de que os humanos interagem por meio de textos (orais e escritos), os quais devem ser enquadrados num dado ambiente social, tal como postula o Interacionismo Sociodiscursivo. Assim, para analisar a materialidade linguística, é fundamental contextualizá-la desde o nível superior: meio social > género > texto.

O conceito de género foi reintroduzido por Bakhtin (1984Bakhtin, M. (1984). Esthétique de la création verbale. Gallimard.) para fazer referência às formas estabilizadas de enunciados produzidas para certas situações comunicativas, que evoluíam paralelamente à sociedade em que estavam inseridas. Considerando que a esfera de atividade delimita as características e a própria finalidade que subjaz a esses enunciados, os géneros podem ser bastante heterogéneos, integrando categorias como o diálogo quotidiano, a carta, os artigos científicos e tantos outros. Muitos outros autores se debruçaram sobre esta questão, alguns dos quais adotando a etiqueta géneros de discurso, como Maingueneau e Adam. Outros optaram por uma nomenclatura diferente, como Bronckart, que falava em géneros de texto.

Para Maingueneau, os géneros de discurso correspondem “a dispositivos de comunicação socio-historicamente definidos” (1998, p. 73). Em virtude da sua indexação social e histórica, os géneros são atividades sociais que decorrem da utilização da língua, evoluindo paralelamente à sociedade. No entender do autor, há géneros conversacionais (mais espontâneos pois incorporam as adaptações e negociações decorrentes da interação) e instituídos (mais estruturados). Os géneros podem adquirir etiquetas como “editorial”, “relatório”, entre outras, mediante as suas características, nomeadamente finalidade, lugar e momento de produção, estatuto dos intervenientes e organização textual (1998, pp. 65-68).

Adam (1997) importa de Bakhtin a ideia da diversidade e mutabilidade dos géneros em decurso da sua indexação a práticas sociais e discursivas. Ele afirma que os géneros são, por um lado, norteados por um sistema de regras que enfatiza a sua reprodução e repetição e, por outro, regulados por uma vontade de inovar que permite a sua variação.

De acordo com Bronckart, os géneros de textos vão mudando social e historicamente, em função do desenvolvimento das formações sociolinguísticas, e podem ser utilizados para expressar outra finalidade que não aquela para a qual foram inicialmente concebidos. Estes aspetos justificam o facto de não se poder associar um género textual a determinado agir de linguagem e de não existir uma “classificação estável e definitiva dos géneros” (Bronckart, 2006Bronckart, J.-P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In A. R. Machado, & M. L. Matencio (Eds.). Mercado de Letras. , p. 144). Os géneros textuais, disponíveis no intertexto, vão sendo selecionados de acordo com a sua adequação à situação comunicativa e adaptados em função do seu estilo pessoal. Quanto maior for o conhecimento dos géneros existentes no intertexto, maior será a capacidade de um indivíduo produzir um texto adequado.

Nesta linha, os textos constituem os correspondentes empíricos e linguísticos das atividades de linguagem de um grupo, totalmente dependentes do uso; tal significa que constituem unidades comunicativas, cujas características composicionais se adequam a dada situação e à evolução dos tempos (Bronckart, 2004Bronckart, J.-P. (2004). Les genres de textes et leur contribution au développement psychologique. Langages, 153, 98-108. https://doi.org/10.3917/lang.153.0098.
https://doi.org/10.3917/lang.153.0098...
). Os textos são compostos por vários elementos identificados numa arquitetura textual composta por três níveis em constante interação: a infraestrutura, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Como se observará na secção seguinte, o objeto de análise deste trabalho integra o primeiro nível.

O plano de texto

A comunicação humana ocorre por meio de trocas de enunciados, escritos ou orais, inseridas e adequadas a dada situação comunicativo-social. Os textos, enquanto produtos materiais dessas interações, são por elas condicionados, a nível do conteúdo temático, do estilo e do plano de texto (Bakhtin, 1984Bakhtin, M. (1984). Esthétique de la création verbale. Gallimard.).

Bronckart (2006Bronckart, J.-P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In A. R. Machado, & M. L. Matencio (Eds.). Mercado de Letras. ) também entende os textos como unidades comunicativas, uma vez que servem um propósito comunicativo e incluem informações linguísticas, sociais, culturais e históricas. Para este investigador, os textos estruturam-se internamente em três níveis interligados: a infraestrutura do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos de prise en charge enunciativa (1996). No primeiro nível, inclui-se o plano de texto que, por sua vez, integra os tipos de discurso e as sequências. Embora noutro nível, os mecanismos de textualização, que asseguram a coesão do texto, são cruciais para a estrutura textual.

Para Maingueneau (1998Maingueneau, D. (1998). Termos-chave da Análise do Discurso. Editora UFMG. ), na linha da Análise de Discurso Francesa, os textos regem-se por uma certa organização textual, quer ao nível da frase, quer ao nível da articulação entre parágrafos, de modo a atingir os objetivos comunicativos de dada situação. Adam (2002) menciona também a questão de os textos serem constituídos por uma sequência ordenada de enunciados, à qual denomina de plano de texto. Este autor ressalva que existem alguns planos convencionados pelo género, mas que se trata de um componente flexível, na medida em que pode ser ajustado à situação comunicativa. Portanto, paralelamente aos planos de texto fixos (nos quais se incluem os cinco atos da tragédia clássica, os três atos da comédia, o soneto italiano, o soneto inglês, a dissertação, a entrada de dicionário e a receita de culinária), que orientam o leitor na leitura e interpretação do conteúdo, também surgem planos ocasionais. A este propósito, leia-se o seguinte trecho de Passeggi et al.:

“... (os planos ocasionais) são mais abertos e flexíveis. [...] abrangem o editorial, a canção, as peças publicitárias, o discurso político, o romance. Esses planos, com frequência, fogem à estruturação clara de um gênero ou subgênero de discurso. As partes ou segmentos do texto são marcados por uma variedade de recursos, textuais e peritextuais” (Passeggi et al., 2010Passeggi, L. A. S., Rodrigues, M. G., Neto, J. G. S., Sousa, M. M. F., & Soares, M. E. (2010). A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual de sentido. In M. Q. Leite, & A. C. Bentes (Eds.). Linguística de texto e análise de conversação: panorama das pesquisas no Brasil (pp. 162-312). Cortez., p. 297).

Para o plano de texto, participam fatores como “a área de atividade profissional em que o texto emerge, assim como o papel socioprofissional que o autor assume, os objetivos que se pretende atingir e os temas abordados” (Silva, 2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
, p. 189), fatores esses que serão determinantes para a maior ou menor flexibilidade. Urge, então, questionar: será que os discursos políticos têm um plano de texto ocasional? Será que existem alguns subgéneros2 2 Em artigo de 2001, Charaudeau fala de subgéneros para aludir às variantes de um género global. Para exemplificar, recorre precisamente ao género político, que pode ser composto por meetings, declarações, entrevistas ou debates. Considera-se, então, que a Mensagem de Natal constituiu um subgénero, seguindo o posicionamento do autor. mais convencionais? Qual é o plano de texto no género “Mensagem de Natal”? Apresenta maior ou menor grau de flexibilidade?

Silva considera que existem dois processos inerentes à produção de um texto: a distribuição dos conteúdos e a segmentação dos mesmos em partes. Inicialmente, selecionam-se e ordenam-se os conteúdos cronologicamente, por temática, por oposição, etc., de acordo “com o que é expectável ocorrer na situação de enunciação em que o texto é produzido” (Silva, 2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
, p. 193). O encadeamento será consubstanciado pelas sequências mobilizadas e pelos mecanismos que asseguram a coesão textual, como conectores e marcadores discursivos, referenciação, etc. Em concomitância, procede-se à divisão dos conteúdos em blocos que garantam a coerência e a lógica discursiva. Entre os mecanismos de segmentação, Silva inclui “períodos e parágrafos, título e intertítulos, secções e capítulos, artigos e entradas lexicais, versos, estrofes e cantos” e “aspetos relacionados com a materialidade gráfica dos textos escritos (como o tipo e o corpo de letra, o uso de maiúsculas e/ou minúsculas, de caracteres não verbais, a formatação em negrito ou em itálico, etc.”, dependendo do género (2016, p. 194).

3. Mensagens de Natal: um género textual dentro da cena política

As “Mensagens de Natal” proferidas por representantes políticos portugueses adquiriram o estatuto de tradição a partir da década de 80, sendo difundidas pela imprensa escrita e pela Rádio Televisão Portuguesa (RTP) na véspera de Natal. No contexto brasileiro, o “Pronunciamento à nação do Presidente da República”, que ocorre antes do final do ano civil, remonta a 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência durante o período ditatorial conhecido como Estado Novo ou Terceira República Brasileira.

Trata-se de um documento público, divulgado em momento próprio e através dos meios de comunicação nacional e dos sítios oficiais, com a finalidade de endereçar felicitações aos cidadãos e expor a atuação governativa ou a defesa de uma tese. Assim, considera-se que se trata de um texto, no qual se pretende expor e convencer o público de forma a garantir/conservar a adesão do auditório ao programa do governo, através da apresentação dos resultados alcançados e das medidas implementadas (Osakabe, 1999Osakabe, H. (1999). Argumentação e discurso político. Martins Fontes.).

Para afirmar estes textos como um género, procedeu-se à aplicação dos componentes postulados por Maingueneau (1998Maingueneau, D. (1998). Termos-chave da Análise do Discurso. Editora UFMG. ) e Adam (2004Adam, J.-M. (2004). Des genres à la généricité. L’exemple des contes (Perrault et les Grimm). Langages, 153, 62-72. https://doi.org/10.3406/lgge.2004.934.
https://doi.org/10.3406/lgge.2004.934...
). Para o primeiro autor, os géneros são atividades sociais dependentes de condições de êxito, como a finalidade, o estatuto dos parceiros, o lugar e momento da realização, o suporte material e a organização textual (plano do texto). Por seu turno, Adam (2001Adam, J.-M. (2001). En finir avec les types de textes. In M. Ballabriga (Ed.), Analyse des discours types et genres: communications et interpretations (pp. 25-43). Editions Universitaires du Sud.) estabelece oito componentes genéricos, que correspondem a três fases (produção, receção/interpretação e edição), nomeadamente:

  • Semântico (tema e configuração de motivos);

  • Enunciativo (estatuto dos (co)enunciadores);

  • Pragmático;

  • Argumentativo;

  • Estilístico e fraseológico;

  • Composicional, no qual se insere o plano do texto, a organização das sequências e a relação entre texto e imagem;

  • Material (do dispositivo);

  • Peritextual;

  • Metatextual.

Neste trabalho, combinaram-se as duas classificações, analisando-se os componentes externos e os internos. Nos primeiros incluem-se o discursivo (contexto sociohistórico), situacional e material; nos segundos, os componentes semântico, estilístico, enunciativo e organizacional, que serão analisados a partir de uma abordagem descendente.

O componente discursivo diz respeito ao conjunto de práticas sociais e históricas que marcam o texto, ou seja, à contextualização histórica e às circunstâncias sociais, económicas e culturais que permeiam os textos. O componente situacional engloba, entre outros, os objetivos que norteiam o produto textual. As Mensagens de Natal parecem ter como objetivo inicial endereçar os votos de Boas Festas aos cidadãos e, secundariamente, manter a adesão do público ao governo e ao seu programa, apresentando um relatório mais ou menos detalhado do seu desempenho ao longo do ano civil.

Embora apareça aqui em posição secundária, acredita-se que a finalidade destas mensagens é assegurar uma relação positiva entre instância cidadã e instância política. Relativamente ao espaço de produção, as mensagens são pronunciadas a partir da residência oficial dos Chefes de Governo, tratando-se em Portugal do Palácio de São Bento e no Brasil, do Palácio do Planalto. Por norma, ocorrem numa sala preparada para o efeito, com decorações alusivas à época, e com um registo formal, observável tanto na disposição dos elementos cénicos, como na aparência do próprio estadista. Quanto ao momento de produção e de realização, verifica-se a existência de um certo desfasamento entre ambos, dado que os textos são redigidos antes de serem lidos perante as câmaras de televisão. Trata-se, portanto, de uma intervenção encenada. Posteriormente à emissão, estas mensagens são partilhadas, sob forma escrita, nos meios de comunicação e nos sítios oficiais. Embora sejam concebidas para serem ouvidas/lidas integralmente no momento da sua realização, o facto de serem posteriormente disponibilizadas permite que seja efetuada uma leitura fragmentada, o que pode condicionar o plano do texto. A sua validade está circunscrita a um período temporal muito específico.

Relativamente ao componente material, os suportes usados são o audiovisual e o escrito, o que implica a atenção a elementos verbais, paraverbais e não-verbais. Por fim, estes textos apresentam as etiquetas peritextuais “Mensagem de Natal”, “Mensagem de Boas festas”, ou “Pronunciamento”.

No que respeita aos componentes internos, verifica-se que as Mensagens de Natal desenvolvem-se em torno dos assuntos mais prementes no contexto político-social. A escolha dos temas abordados tem implicações tanto de cariz estilístico, como semântico.

Do ponto de vista enunciativo, entende-se que existem dois parceiros, pois o destinatário ausente é considerado no momento da produção do texto, embora os textos assumam um cariz monologal. Os enunciadores possuem toda a legitimidade para falar das temáticas, a qual foi concedida pela instância cidadã no momento das eleições; por outro lado, os co-enunciadores ausentes têm legitimidade para avaliar o desempenho do sujeito político. Portanto, os papéis e as responsabilidades de ambos estão delineados nos momentos de produção-emissão-receção do texto.

Estilisticamente, observa-se que as Mensagens de Natal são revestidas de mais formalidade do que outras intervenções políticas, apresentando um vocabulário mais rico e uma estrutura frásica mais cuidada. No entanto, importa ressalvar que os textos se destinam a todos os cidadãos, pelo que a escolha vocabular é claramente ponderada, evitando termos que possam ser desconhecidos.

4. Estudo empírico

Constituição do corpus e elementos de análise

O corpus deste trabalho é composto por mensagens portuguesas (PT) e brasileiras (BR), proferidas entre 2008 a 2020. Em virtude das diferenças ao nível do sistema político, no caso português uma república democrática semipresidencialista e no brasileiro, uma república federal presidencialista, recolheram-se textos do Primeiro-Ministro de Portugal e do Presidente da República do Brasil. A maioria das mensagens que compõem o corpus são disponibilizadas nas versões oral (televisionada) e escrita, nos sítios oficiais dos respetivos governos (http://www.portugal.gov.pt/ e http://www2.planalto.gov.br).

Para analisar o plano textual, é fundamental observar, primeiramente, a distribuição dos períodos, sequências e parágrafos a nível mesotextual, e os processos de segmentação e ligação das unidades ocorridos a nível microtextual, ou seja, entre palavras, proposições e frases, para se poder transitar para um análise macrotextual, que corresponde às partes do texto (Adam, 2013Adam, J.-M. (2013). Problèmes du texte: La linguistique textuelle et la traduction. Université d’Aarhus. http://cc.au.dk/fileadmin/dac/Arrangementsfoto/Prepub_no_200_-_nov_2013.pdf (accessed 14 April, 2022)
http://cc.au.dk/fileadmin/dac/Arrangemen...
). Relativamente às sequências prototípicas de Adam, convém referir que são “unidades textuais complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as macroproposições” (2008, p.204). A sua articulação tem em vista a consecução de dado objetivo, que permite a sua catalogação em sequências narrativas, descritivas, argumentativas, explicativas e dialogais. Embora estas tenham um papel de destaque nos textos, o presente trabalho focar-se-á sobretudo nos mecanismos de segmentação gráfica e de textualização, ponto em que se destacam os organizadores textuais (Schneuwly et al., 1989Schneuwly, B., Rosat, M.-C., & Dolz, J. (1989). Les organisateurs textuels dans quatre types de textes écrits (élèves de 10, 12 et 14 ans). Langue Française, 81, 40-58. https://doi.org/10.3406/lfr.1989.4768.
https://doi.org/10.3406/lfr.1989.4768...
) e os conectores, que “...jouent un rôle essentiel à la fois au niveau de la cohésion-cohérence globale du texte (de la progression et des enchaînements des propositions) et au niveau de la cohérence pragmatique-énonciative” (Adam, 1984Adam, J.-M. (1984). Des mots au discours: l’exemple des principaux connecteurs. Pratiques, 43: Le sens des mots, 107-122. https://doi.org/10.3406/prati.1984.1325.
https://doi.org/10.3406/prati.1984.1325...
, p. 107)3 3 Tradução do trecho: “...têm um papel essencial tanto ao nível da coesão-coerência global do texto (da progressão e do encadeamento das proposições), quanto ao nível da coerência pragmático-enunciativa”. .

Adam (1999Adam, J.-M. (1999). Linguistique Textuelle. Des genres de discours aux textes. Nathan.) integra os organizadores textuais na categoria dos conectores, não obstante reconhecer a sua diferença funcional: os primeiros atuam ao nível da organização do texto e os segundos, ao nível da orientação argumentativa. No entanto, ambos permitem segmentar e ligar as partes do texto, como ilustra a Figura 1.

Figura 1
Organizadores e conectores

Dentro dos organizadores, Adam distingue entre os que contextualizam temporal e espacialmente e os que “estruturam, essencialmente, a progressão do texto e a indicação de suas diferentes partes” (1999, p. 181). Portanto, serão considerados os organizadores textuais temporais (então, antes, em seguida...), enumerativos aditivos (e, ou, também, assim como, ainda, igualmente, além disso...), marcadores de integração linear (de um lado, inicialmente, primeiramente, em primeiro lugar, …/ em seguida, depois, em segundo lugar, …/ por outro lado, em último lugar, em conclusão...), marcadores de mudança e de topicalização (quanto a, no que concerne a,…), marcadores de ilustração (por exemplo, em particular, como, entre outros, assim,…), bem como conectores/marcadores como “mas”, “porém”, “como”, “porque”, “pois”, “uma vez que”, “por outras palavras”, “ou seja”, entre outros. Além destes elementos, analisar-se-ão as cadeias de referência e a repetição vocabular.

Análise textual

A análise textual realizada seguiu uma abordagem descendente, próxima à de Silva (2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
), incidindo primeiramente sobre a distribuição dos conteúdos, ou seja, a seleção e ordenação dos conteúdos por temática, objetivo, entre outros; depois sobre a segmentação do texto em blocos, atendendo a aspetos gráficos e aos mecanismos de coesão textual que potenciam essa (des)continuidade. Ao analisar a segmentação dos textos graficamente, verificou-se que apresentam uma extensão variável, podendo conter 7 parágrafos (BR2018)4 4 Adotou-se o seguinte código para catalogação dos textos: indicação do país por meio de abreviatura (PT - Portugal; BR - Brasil) e ano de produção. ou 44 parágrafos (BR2012). Os textos brasileiros são tendencialmente mais longos do que os portugueses, como se demonstra no Quadro 1.

Quadro 1
Número de parágrafos por texto

A partir da leitura crítica dos textos verificou-se que estes se dividem em momentos subjetivos, apelando à emoção do ouvinte/leitor através da menção a valores, sentimentos, experiências, e momentos objetivos, onde se destacam ações implementadas ou a implementar. Os blocos subjetivos constituem o início e o final dos textos, construídos com adjetivos expressivos/emotivos e nomes abstratos/concretos, verbos de sentimento e volitivos, 1.ª pessoa do singular das formas verbais e pronominais, vocativo, etc. Os blocos objetivos são marcados linguisticamente pelo uso da 1.ª pessoa do plural (“nós institucional”) ou da 3.ª pessoa do singular (“governo”), por verbos de ação no passado ou no futuro, por nomes concretos e adjetivos qualificativos, entre outros. Para um melhor entendimento desta divisão, tome-se como exemplo o texto português de 2016:

Boa noite,

O Natal é um momento muito especial e por isso, este ano, gostaria de assinalar esta quadra a partir de um local também muito especial, a sala de um jardim-de-infância.

Quero assim sublinhar que - tal como no Natal - as crianças têm de estar todos os dias no centro das nossas preocupações e que a sua educação tem de ser a primeira das nossas prioridades, enquanto famílias e enquanto sociedade.

A democratização do conhecimento é essencial para reduzir as desigualdades e garantir a todas iguais oportunidades de realização pessoal.

Sabemos que as crianças que frequentam o ensino pré-escolar têm maior sucesso escolar.

Que os Jovens que estão no ensino profissional têm mais oportunidades de obter um trabalho mais qualificado, e os que acedem ao ensino superior tem mais oportunidades de ter um emprego melhor.

Que os adultos que frequentam ações de formação melhoram as perspetivas de progredir na sua carreira ou de reencontrarem trabalho se estiverem desempregados. (PT2016)

Este bloco inicial, que foi denominado de exórdio, inicia-se com a fórmula de abertura e apresenta uma contextualização espacial (“sala de um jardim-de-infância”), temporal (“O Natal”) e a introdução do assunto de maior relevo. Neste texto, parte-se de um conhecimento tácito (“sabemos que”) para abordar a questão da educação, desenvolvida nos próximos parágrafos. Observe-se a estrutura encadeada dos últimos parágrafos, a partir de orações completivas dependentes do verbo “saber”. Nesta mensagem, por meio de uma relação de causalidade-efeito, transita-se para um novo bloco, no qual se apresentam medidas implementadas e respetivos resultados (vejam-se os verbos de ação “fixámos” e “lançámos” no Pretérito Perfeito Simples do Indicativo):

É por acreditarmos profundamente que o conhecimento é a chave para o nosso futuro, que fixámos como objetivo fundamental generalizar o ensino préescolar a todas as crianças a partir dos 3 anos de idade e que lançámos o programa Qualifica, dirigido especialmente à educação e formação dos adultos. (PT2016)

Depois de diversos parágrafos discorrendo sobre os resultados alcançados por Portugal e pelo governo, inicia-se um novo bloco, com intenções governativas, concretizadas pelo uso do gerúndio em verbos de ação (“continuando”, “melhorando”, “aumentando”) e do futuro imperfeito (“teremos”).

É este o caminho que temos de prosseguir.

Continuando a formar as diversas gerações e melhorando os mecanismos de transferência do conhecimento para as empresas. E a melhor forma de o fazer é aumentando os empregos de qualidade que ofereçam confiança no futuro à geração mais qualificada que Portugal já formou e que nunca mais queremos que seja forçada a emigrar.

Queremos e precisamos destes jovens. A pobreza e a precariedade laboral são as maiores inimigas de uma melhor economia. Teremos melhor economia com melhores empresas e melhores empresas com melhores empregos. (PT2016)

Findo este bloco, inicia-se novo momento emotivo, denominado peroração, que retoma o tema do Natal numa lógica circular.

Neste Natal, quando as famílias se reúnem, lembremo-nos que a melhor prenda que podemos dar aos nossos filhos, sobrinhos ou netos é o futuro de uma sociedade digna em que todos possam aceder ao melhor conhecimento. (...)

... desejo um Feliz Natal e um bom Ano Novo. (PT2016)

Na maioria das mensagens, observou-se a seguinte tendência na distribuição dos conteúdos:

  1. Fórmula de abertura, seguida por um exórdio no qual se contextualiza a ação;

  2. Performance do governo;

  3. Propostas, compromissos e intenções do governo;

  4. Peroração (com retoma do tema natalício) e encerramento (votos de boas festas).

Todavia, não se trata de uma estrutura rígida, pelo que, em alguns casos, não existe a secção das propostas ou da performance governativa. Do mesmo modo, os temas abordados podem ser variados, com maior ou menor grau de pormenorização, dependendo da intencionalidade comunicativa do produtor do texto.

Relativamente aos blocos inicial e final, importa destacar uma diferença observada entre os textos portugueses e brasileiros. Identificou-se, exclusivamente nos primeiros, a referência aos concidadãos que se encontram fora do território nacional, que vai oscilando entre o exórdio e a peroração, como se demonstra no Quadro 2.5 5 Em 2011, a Mensagem de Natal não incluía esta referência.

Quadro 2
Comparação exórdio-peroração em textos portugueses

Partindo destes dados, é lícito afirmar que se trata de uma parte convencional nos textos portugueses, ainda que exista flexibilidade relativamente à sua posição. Procedendo à análise dos blocos centrais, que podem eventualmente ser subdivididos por área de atuação, identificou-se um primeiro relativo à performance do governo (em diante, PERFGov), detalhando-se as medidas implementadas e os resultados alcançados, e um segundo com compromissos / intenções governativas (COMPGov), como referido anteriormente.

A apresentação do desempenho governativo como finalidade destes textos é reconhecida pelos próprios intervenientes, como comprovam os próximos excertos, justificando a existência de uma certa convenção relativamente à sua estrutura.

Antes de tudo, quero agradecer a oportunidade de termos esta rápida conversa e fazermos juntos um pequeno balanço do que vivemos este ano. 2017 foi um ano de grandes desafios para todos nós. Mas também foi um ano de conquistas importantes (...) Não adotamos modelos populistas, nem escondemos a realidade. (...) Mais que um programa de governo, por exemplo, era nossa obrigação recuperar a Petrobras(...). Em curto espaço de tempo colocamos a economia em ordem (...) (BR2017)

No próximo exemplo, o estadista opta por alterar a estrutura aparentemente demarcada destes textos, como declarado na frase introduzida pelo marcador adversativo “mas”.

Dentro de alguns dias encerro o meu mandato como Presidente do Brasil. MAS hoje não estou aqui para falar do que foi feito no meu Governo e de como foi feito. (BR2018)

A análise global do corpus, no que a estes blocos diz respeito, indica a prevalência de parágrafos destinados à exposição da performance do governo. Neste ponto, atente-se nas seguintes observações6 6 Recomenda-se a leitura do Quadro 1. :

  • Número de parágrafos nos textos brasileiros superior ao dos textos portugueses;

  • Número de parágrafos com tendência crescente ao longo do mandato (exemplo: novo governo em Portugal toma posse em 2015 (16§) e conclui a 2019);

  • Incremento do número de parágrafos no período intermédio do mandato;

  • Dimensão do texto dependente do produtor (exemplo - textos de 2017, 2018 e 2019 pertencem ao mesmo governante).

Parece, assim, existir uma crença de que estes textos podem ser um veículo primordial para a divulgação do trabalho do executivo e dos seus resultados, o que justificaria o aumento da extensão dos textos em alguns períodos da vida política, com vista a mitigar a eventual imagem negativa junto da instância cidadã. Nesse sentido, o texto é usado como um instrumento de manutenção ou captação da adesão do cidadão ao executivo, o que por si pode influenciar a composição textual. Uma vez referida a estrutura geral dos textos, atente-se aos mecanismos articulatórios que contribuíram para esta organização, referindo inicialmente os que justificam a integração de dado excerto no mesmo bloco textual7 7 Considerando a importância dos blocos centrais, apresentar-se-ão apenas excertos daí extraídos, muito embora também sejam observados estes mecanismos nos blocos denominados por exórdio e peroração. Além disso, todos os elementos linguísticos em análise serão demarcados por letras maiúsculas. .

Paralelismos sintáticos

De acordo com Adam (1999Adam, J.-M. (1999). Linguistique Textuelle. Des genres de discours aux textes. Nathan.), o plano de texto é feito de relações de repetição e progressão. Isso verificou-se no recurso a paralelismos sintáticos, como os recuperados no Quadro 3, nos quais se repetem as mesmas estruturas sintáticas. Os sintagmas preposicionais usados servem ora para marcar o tempo, ora para marcar o assunto, e são visíveis nos dois grandes blocos. A demarcação das áreas de atuação é prática corrente nos textos brasileiros, possivelmente devido à sua dimensão e à necessidade de tornar o texto mais claro e acessível ao público.

Quadro 3
Paralelismo sintático

Paralelismos anafóricos

Os paralelismos anafóricos caracterizam-se pela repetição literal de uma ou mais palavras, em início de frase ou período. A análise ao corpus identificou um uso recorrente desta figura expressiva (vide Quadro 4), precisamente pelo impacto que exerce na dinâmica do texto.

Quadro 4
Paralelismo anafórico

Como se pode ver pelos excertos, trata-se de um mecanismo utilizado em textos portugueses e brasileiros e que serve como organizador textual, com valor aditivo, já que vai acrescentando informação relativamente a um mesmo tópico.

Repetição lexical

Um dos critérios para a definição de um plano de texto passa, como afirma Silva (2016Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
), pela identificação dos temas abordados, sendo para tal necessário analisar os itens lexicais mobilizados. A repetição de um mesmo termo, em posições diversas na frase, contribui para um efeito coesivo, como denotam os exemplos do Quadro 5.

Quadro 5
Repetição lexical

A repetição do mesmo item lexical revela a pertença ao mesmo bloco, não obstante a segmentação em parágrafos. No segundo excerto, os termos repetidos ocorrem quer em parágrafos distintos, quer em frases, atuando a nível meso e microtextual. Destaque ainda para o uso de sinónimos (tempo - altura), dentro de uma estrutura paralelística (“agora é tempo de” - “É altura de”).

Cadeias de referência, principalmente por meio de retomadas anafóricas ou elipses

As cadeias de referência ocorrem quando a interpretação de um elemento é produzida por retoma, parcial ou total, de um membro mencionado previamente (anáfora) ou posteriormente (catáfora). Esta referenciação ocorre a partir de pronomes, sinónimos, hipónimos/hiperónimos e holónimos/merónimos e estabelece a conexão micro e mesotextual. Nos excertos do Quadro 6, os pronomes destacados foram usados para ligar períodos e, sobretudo, recuperar um antecedente.

Quadro 6
Cadeias de referência

Marcadores de integração linear

Os marcadores de integração linear têm a função de revelar a pertença a uma estrutura maior e indicar a posição que nela ocupam (Auchlin, 1981Auchlin, A. (1981). Réflexions sur les marqueurs de structuration de la conversation. Etudes de Linguistique Appliquée, 44, 88-103. https://www.proquest.com/docview/1307651785?pq-origsite=gscholar&fromopenview=true (accessed 14 April, 2022)
https://www.proquest.com/docview/1307651...
). Normalmente, fazem parte de uma enumeração (Quadro 7, BR2008) ou de uma estrutura dividida em dois termos (Quadro 7, PT2018).

Quadro 7
Marcadores de integração linear

Se no primeiro caso, a enumeração pode ficar contida num mesmo segmento/parágrafo, no segundo caso, a utilização destes marcadores pode ter implicações nos parágrafos e períodos que se seguem, também eles organizados nestas duas “categorias”. De facto, no texto PT2018, os parágrafos subsequentes são uma demonstração de como atingir os dois objetivos aqui propostos, contribuindo assim para a agregação num mesmo bloco textual.

Organizadores enumerativos aditivos

Os organizadores enumerativos aditivos, frequentemente usados a nível microtextual e mesotextual, têm forte impacto na estruturação do texto. No excerto BR2012, no Quadro 8, “também” estabelece a ligação entre frases e parágrafos, visto que adiciona informação relativa a “programas para enfrentar os gargalos do crescimento”. Já a expressão “além disso” introduz uma mudança de topicalização, na medida em que produz a mudança de tópico, por via da introdução de uma outra informação.

Quadro 8
Organizadores enumerativos aditivos

Marcadores de ilustração

Os marcadores de ilustração promovem uma relação com outros períodos, atuando nesse caso a nível mesotextual. No excerto BR2010, no Quadro 9, trata-se de uma resposta à afirmação que inicia o parágrafo e que diz o seguinte: “Há muitos outros motivos que reforçam nossa confiança no futuro do Brasil”; ao passo que no segundo procura ilustrar o que foi dito no segmento anterior.

Quadro 9
Marcadores de ilustração

Marcador de reformulação/explicativos

Os marcadores de reformulação/explicativos não são muito recorrentes nestes textos, provavelmente devido a dois fatores relacionados com a produção do próprio texto: em primeiro lugar, são textos que procuram ser acessíveis a todos os cidadãos, logo são mais diretos e claros; em segundo lugar, são preparados previamente, o que permite alterações para clarificação (vide Quadro 10).

Quadro 10
Marcador de reformulação/explicativos

O excerto BR2009, no Quadro 10, contém dois marcadores de reformulação sucessivos, que procuram expressar a vontade do enunciador de clarificar a mensagem. De notar, que a segunda tentativa é mais longa e mais explicativa do que a primeira, tendo mais carga emotiva. No excerto BR2011, o marcador de reformulação tem uma intenção argumentativa, dado que procura valorizar a atuação do governo e os resultados alcançados.

Marcadores de síntese ou recapitulativos

Para sintetizar ou recapitular algo expresso anteriormente ou para veicular uma intenção comunicativa, recorre-se a marcadores de síntese. Apesar da sua potencialidade argumentativa, à semelhança dos marcadores de ilustração, aqueles não são muito frequentes nestes textos. No excerto BR2013, no Quadro 11, o marcador tem como intuito reforçar uma intenção comunicativa, mais do que sintetizar ou recapitular o que foi veiculado anteriormente. Com efeito, pretende-se enaltecer a atitude protetora do governo em relação a minorias, e não tanto reafirmar as ações executadas pelo governo nesse sentido.

Quadro 11
Marcadores de síntese ou recapitulativos

Marcadores de contraste/oposição

Estes marcadores assumem uma posição de destaque não apenas pela sua frequência, mas sobretudo pelo facto de contribuírem para a introdução de um novo bloco. De facto, atuam dentro de um mesmo bloco para estabelecer a ligação entre frases e períodos e como agente de segmentação. Ou seja, muitas vezes o marcador delimita o bloco textual, introduzindo a mudança de tema. Por exemplo, no excerto PT2014, no Quadro 12, o “mas” faz a transição do bloco inicial exórdio, no qual se contextualiza a situação, para o bloco destinado à performance do governo. Durante a análise do corpus constata-se que muitas provas são apresentadas de forma contrastiva, o que parece ser uma estratégia de persuasão. Ao apresentar o contraste, enfatiza-se um dos pontos, que, regra geral, é a favor do governo/estadista.

Quadro 12
Marcadores de contraste/oposição

Destaque no bloco COMPGov para a combinação do marcador “mas” com os aditivos “sobretudo” e “acima de tudo”, nos excertos PT2017 e PT 2018 (Quadro 12), para adicionar informação contrária a segmentos anteriores.

5. Breves reflexões finais

Os textos apresentam uma organização textual, dependente dos objetivos comunicativos que os desencadeiam e norteiam. Alguns estruturam-se de forma rígida, como um requerimento, por exemplo, e outros admitem variações do plano composicional. Assim, surgem os planos ocasionais, dos quais são exemplos os discursos políticos (Passeggi et al., 2010Passeggi, L. A. S., Rodrigues, M. G., Neto, J. G. S., Sousa, M. M. F., & Soares, M. E. (2010). A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual de sentido. In M. Q. Leite, & A. C. Bentes (Eds.). Linguística de texto e análise de conversação: panorama das pesquisas no Brasil (pp. 162-312). Cortez.), uma vez que os objetivos a atingir e os temas a abordar são, também eles, variáveis.

A partir da análise textual realizada, entende-se que as Mensagens de Natal apresentam um plano ocasional, na medida em que a extensão, a ordenação e o encadeamento temático são flexíveis. Assim, considera-se que, apesar de incluírem alguns segmentos padronizados, os desvios não permitem fixar uma estrutura. Por exemplo, verificou-se que nos textos portugueses há um bloco destinado à menção dos concidadãos em território nacional e na diáspora e aos militares, mas tal já não sucede nos textos brasileiros. Além disso, embora esta informação pareça estar convencionada, a sua localização no texto é variável, podendo surgir no início ou no final, ou podendo inclusivamente ser elidida. Não obstante tratar-se de um plano ocasional, parece existir uma tendência para a organização do texto nos seguintes blocos:

  1. Fórmula de abertura e exórdio;

  2. erformance do governo;

  3. Compromissos do governo;

  4. Peroração e fórmula de encerramento.

Os dois blocos centrais podem ser apresentados sequencialmente, alternadamente (mais raro) ou podem inclusivamente ser suprimidos, em função das circunstâncias político-sociais. Sobre os blocos 1 e 4, duas questões a referir: no primeiro, procede-se à contextualização espacial, temporal e situacional, antes de se introduzirem os temas de fundo; no último, de pendor mais emotivo, evoca-se a época natalícia e os seus valores e expressa-se a esperança num futuro melhor.

No que concerne aos mecanismos articulatórios, ficou evidente o uso frequente de paralelismos sintáticos ou anafóricos, de marcadores de integração linear (tanto nos blocos PERFGov, como nos COMPGov), de enumerativos aditivos (sobretudo no bloco PERFGov), e de marcadores de contraste. Para além dos elementos linguísticos envolvidos na análise textual realizada, considera-se que tanto os tipos de sequências (Adam, 1992Adam, J.-M. (1992). Les textes: types et prototypes. Récit, description, argumentation, explication et dialogue. Nathan.), quanto os esquemas argumentativos (Walton, 2008Walton, D., Reed, C., & Macagno, F. (2008). Argumentation Schemes. Cambridge University Press.), numa outra linha de trabalho, são importantes para delimitar a segmentação, na medida em que a articulação das premissas implica, obrigatoriamente, a pertença a um mesmo bloco.

Referências

  • Adam, J.-M. (1992). Les textes: types et prototypes. Récit, description, argumentation, explication et dialogue. Nathan.
  • Adam, J.-M. (1984). Des mots au discours: l’exemple des principaux connecteurs. Pratiques, 43: Le sens des mots, 107-122. https://doi.org/10.3406/prati.1984.1325
    » https://doi.org/10.3406/prati.1984.1325
  • Adam, J.-M. (1999). Linguistique Textuelle. Des genres de discours aux textes. Nathan.
  • Adam, J.-M. (2001). En finir avec les types de textes. In M. Ballabriga (Ed.), Analyse des discours types et genres: communications et interpretations (pp. 25-43). Editions Universitaires du Sud.
  • Adam, J.-M. (2004). Des genres à la généricité. L’exemple des contes (Perrault et les Grimm). Langages, 153, 62-72. https://doi.org/10.3406/lgge.2004.934
    » https://doi.org/10.3406/lgge.2004.934
  • Adam, J.-M. (2008). A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Cortez.
  • Adam, J.-M. (2013). Problèmes du texte: La linguistique textuelle et la traduction. Université d’Aarhus. http://cc.au.dk/fileadmin/dac/Arrangementsfoto/Prepub_no_200_-_nov_2013.pdf (accessed 14 April, 2022)
    » http://cc.au.dk/fileadmin/dac/Arrangementsfoto/Prepub_no_200_-_nov_2013.pdf
  • Auchlin, A. (1981). Réflexions sur les marqueurs de structuration de la conversation. Etudes de Linguistique Appliquée, 44, 88-103. https://www.proquest.com/docview/1307651785?pq-origsite=gscholar&fromopenview=true (accessed 14 April, 2022)
    » https://www.proquest.com/docview/1307651785?pq-origsite=gscholar&fromopenview=true
  • Bakhtin, M. (1984). Esthétique de la création verbale. Gallimard.
  • Bronckart, J.-P. (1999). Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado. EDUC. (Activité langagière, textes et discours: Pour un interactionisme socio-discursif, 1996)
  • Bronckart, J.-P. (2004). Les genres de textes et leur contribution au développement psychologique. Langages, 153, 98-108. https://doi.org/10.3917/lang.153.0098
    » https://doi.org/10.3917/lang.153.0098
  • Bronckart, J.-P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In A. R. Machado, & M. L. Matencio (Eds.). Mercado de Letras.
  • Charaudeau, P. (2001). Visées discursives, genres situationnels et construction. In M. Ballabriga (Ed.), Analyse des discours types et genres: communications et interpretations (pp. 45-73). Editions Universitaires du Sud.
  • Koch, I. (2002). Desvendando os Segredos do Texto. Cortez.
  • Maingueneau, D. (1998). Termos-chave da Análise do Discurso. Editora UFMG.
  • Osakabe, H. (1999). Argumentação e discurso político. Martins Fontes.
  • Passeggi, L. A. S., Rodrigues, M. G., Neto, J. G. S., Sousa, M. M. F., & Soares, M. E. (2010). A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual de sentido. In M. Q. Leite, & A. C. Bentes (Eds.). Linguística de texto e análise de conversação: panorama das pesquisas no Brasil (pp. 162-312). Cortez.
  • Schneuwly, B., Rosat, M.-C., & Dolz, J. (1989). Les organisateurs textuels dans quatre types de textes écrits (élèves de 10, 12 et 14 ans). Langue Française, 81, 40-58. https://doi.org/10.3406/lfr.1989.4768
    » https://doi.org/10.3406/lfr.1989.4768
  • Silva, P. (2016). Género, conteúdos e segmentação: em busca do plano de texto. Diacrítica: Revista do centro de estudos humanísticos; série ciências da linguagem, 30(1), 181-221. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009
    » http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672016000100009
  • Walton, D., Reed, C., & Macagno, F. (2008). Argumentation Schemes. Cambridge University Press.
  • 2
    Em artigo de 2001, Charaudeau fala de subgéneros para aludir às variantes de um género global. Para exemplificar, recorre precisamente ao género político, que pode ser composto por meetings, declarações, entrevistas ou debates. Considera-se, então, que a Mensagem de Natal constituiu um subgénero, seguindo o posicionamento do autor.
  • 3
    Tradução do trecho: “...têm um papel essencial tanto ao nível da coesão-coerência global do texto (da progressão e do encadeamento das proposições), quanto ao nível da coerência pragmático-enunciativa”.
  • 4
    Adotou-se o seguinte código para catalogação dos textos: indicação do país por meio de abreviatura (PT - Portugal; BR - Brasil) e ano de produção.
  • 5
    Em 2011, a Mensagem de Natal não incluía esta referência.
  • 6
    Recomenda-se a leitura do Quadro 1.
  • 7
    Considerando a importância dos blocos centrais, apresentar-se-ão apenas excertos daí extraídos, muito embora também sejam observados estes mecanismos nos blocos denominados por exórdio e peroração. Além disso, todos os elementos linguísticos em análise serão demarcados por letras maiúsculas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    03 Dez 2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br