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Contribuição das dimensões dialógica e ética da mediação da informação para a revisão por pares aberta

Contribution of dialogical and ethical dimensions of information mediation to open peer review

Resumo:

Este estudo se propõe a apresentar reflexões teóricas e conceituais acerca das contribuições das dimensões dialógica e ética da mediação da informação para a revisão por pares aberta. As dimensões adotadas nesta pesquisa fazem parte do processo mediador desenvolvido por Gomes, e sua utilização tem como justificativa o fato de que as dimensões apresentadas podem se concretizar sob diferentes perspectivas em ambientes informacionais, inclusive nos espaços de disseminação da produção do conhecimento, como os periódicos científicos, e, consequentemente, no escopo da revisão aberta, modalidade de avaliação que visa, a partir de diferentes características, proporcionar mais transparência, ética e colaboração para o fluxo de apreciação dos manuscritos, e se consolidar como uma das facetas abordados pela ciência aberta. De cunho exploratório, com abordagem qualitativa e baseado em pesquisa bibliográfica, encontrou-se aproximações teóricas e conceituais entre a mediação da informação e suas dimensões com a revisão por pares aberta. Acredita-se que tais reflexões proporcionadas a partir do entendimento das dimensões, em especial da dialógica e ética poderão contribuir para ampliar a compreensão acerca da mediação da informação no ambiente editorial, suas aproximações com a ciência aberta, e em especial, com a revisão aberta.

Palavras-chave:
mediação da informação; dimensões da mediação da informação; dimensão dialógica; dimensão ética; revisão por pares aberta

Abstract

This study proposes to present theoretical and conceptual reflections about the contributions of the dialogic and ethical dimensions of information mediation to open peer review. The dimensions adopted in this research are part of the mediation process developed by Gomes, and its use is justified by the fact that the dimensions presented can be materialized from different perspectives in informational environments, including in the spaces of dissemination of the production of the knowledge, such as scientific journals, and, consequently, in the scope of open review, an evaluation modality that aims, from different characteristics, to provide more transparency, ethics and collaboration for the flow of manuscript appreciation, and to consolidate itself as one of the facets addressed by open science. Of an exploratory nature, with a qualitative approach and based on bibliographic research, theoretical and conceptual approximations were found between the mediation of information and its dimensions with open peer review. It is believed that such reflections provided from the understanding of the dimensions, especially the dialogic and ethical ones, can contribute to expand the understanding about the mediation of information in the editorial environment, its approximations with open science, and in particular, with open review.

Keywords:
information mediation; dimensions of information mediation; dialogical dimension; ethical dimension; open peer review

1 Introdução

A mediação da informação pode ser compreendida como uma ação de diálogo entre diferentes elementos, visando a apropriação e a satisfação de uma necessidade informacional do sujeito. Nessa perspectiva, pode-se entender a existência de diferentes dimensões no escopo da mediação da informação e que são propostas por Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. , 2020GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da informação e suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política: um fundamento da Ciência da Informação em favor do protagonismo social. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-23, out./dez. 2020. ), dialógica, ética, formativa, estética e política, como partes constituintes desse processo ao proporcionar diferentes olhares e perspectivas ao objeto de estudo da mediação da informação, e que por poder se alcançar nos mais diversos ambientes informacionais, tem um amplo leque de atuação, inclusive no âmbito da publicação editorial científica.

O fluxo editorial de um periódico é composto por uma sequência de etapas e com a participação de diferentes atores, como autor, editor, avaliador, revisor de texto, entre outros. Nesses processos, desde a submissão, a avaliação, a editoração e a publicação do artigo, o diálogo e a interação entre os participantes, é mínima, tendo em vista que o método tradicional de revisão por pares utilizado pelos periódicos se baseia no modelo cego. No entanto, no que diz respeito ao periódico adepto à revisão por pares aberta, as oportunidades de diálogo e colaboração entre os participantes são ampliadas, tendo em vista que entre as características dessa modalidade de avaliação, há a possibilidade de revelar a identidade dos autores e avaliadores, bem como possibilitar a interação entre eles e fomentar a participação da sociedade, acadêmica ou civil, no processo.

Tais perspectivas oportunizadas pela revisão aberta ampliam a percepção sobre a importância da mediação da informação editorial no fluxo de publicações, além de proporcionar novos olhares e concepções acerca da amplitude e da aplicabilidade das dimensões da mediação da informação.

Destarte, este estudo visa apresentar reflexões teóricas e conceituais acerca da contribuição das dimensões dialógica e ética da mediação da informação para a revisão por pares aberta. É caracterizado como exploratório, por partir do levantamento de informações sobre uma determinada temática, e bibliográfico, por ter como apoio pesquisas anteriores já registradas, como explica Severino (2016SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2016.). Além disso, tem como base a revisão de literatura, por buscar em fontes de informações sua argumentação e sustentação teórica, realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2021, mediante consulta no mecanismo de busca Google Acadêmico, na biblioteca eletrônica SciELO, pelos termos “mediação da informação”, “dimensões da mediação da informação” e “revisão por pares aberta”, em busca do aporte de autores nacionais e internacionais para discutir sobre a contribuição das dimensões formativa e ética da mediação da informação para a revisão por pares aberta.

2 Mediação da informação, dimensões dialógica e ética, mediação editorial

Entende-se o ato de mediar como uma ação que acontece entre dois elementos com o suporte de um sujeito, seja entre pessoas, objetos ou entidades abstratas. Tal entendimento é exposto por Bortolin e Santos Neto (2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015.), ao defenderem que mediação não precisa, necessariamente, envolver indivíduos, mas podendo estar relacionada também à ação de dispositivos, tendo em vista que, para aos autores, em nosso cotidiano, nos deparamos com diferentes tipos de mediadores não-humanos, tais como a televisão, o rádio, o computador, e todas as redes que o envolve.

De acordo com a percepção de Bortolin e Santos Neto (2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015.) a mediação está presente em diferentes campos, a exemplo da área de Direito, onde há “[...] os mediadores de conflito, da Pedagogia os mediadores pedagógicos e no Serviço Social os mediadores sociais etc.” ( BORTOLIN; SANTOS NETO, 2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015., p. 37). Tal concepção reflete no fato de que o conceito de mediação, de forma generalizada, tem sua aplicação em diversos segmentos da sociedade.

Para Gomes (2019GOMES, Henriette Ferreira. Protagonismo social e mediação da informação. LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 5 n. 2, p. 10-21, mar./ago. 2019., p. 16) todo tipo de mediação, mas especialmente no que diz respeito à mediação da informação, “[...] se caracteriza como um processo que se dá na interação de elementos técnicos, humanos, ambientais e semiológicos.” A presença de tais elementos torna-se essencial, uma vez que quando articulados, segundo a autora, possibilitam a produção e o compartilhamento do conhecimento.

No entanto, Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.) reitera a importância de entender a mediação para além de um momento, com início e fim, mas como um processo, que envolve o mediador, o sujeito mediado, bem como diferentes suportes e equipamentos informacionais que podem ser utilizados no processo. Destarte, o autor compreende o conceito de mediação como:

Toda ação de interferência - realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais -, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais. ( ALMEIDA JÚNIOR, 2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13., p. 25)

A definição proposta por Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.) tem como sustentação um conceito já definido pelo mesmo autor em 2009. Para ele, a reformulação do entendimento a respeito da mediação se fez necessária, tendo em vista a importância da inclusão de novos aspectos à medida que os estudos acerca da mediação e de seus processos evoluem. Segundo o autor, a mediação é uma ação de interferência, realizada por um profissional da informação, por meio de um processo. Para Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.), essa ação, em razão de suas múltiplas perspectivas, pode ser direta ou indireta, consciente ou inconsciente, singular ou plural e individual ou coletiva, com o propósito de satisfazer uma necessidade informacional.

Na atualização do conceito, ressaltou-se a inserção de concepções relacionadas à ambiência de equipamentos informacionais, satisfação parcial e momentânea de uma necessidade informacional e conflitos. A ambiência de equipamentos informacionais segundo o autor, trata da delimitação de um espaço capaz de interferir no contexto de busca e recuperação da informação, que acontece em uma zona específica, em razão de não haver “[...] condições de tolher, de prender a informação em espaços delimitados [...].” ( ALMEIDA JÚNIOR, 2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13., p. 26). No que tange à satisfação parcial e momentânea, o autor alega que a partir do momento em que o usuário encontra uma informação que satisfaça a sua demanda, essa, por meio da apropriação, será incorporada ao seu conhecimento, o que resulta na geração de novos conflitos, dúvidas e incertezas, que segundo Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.) requerem novas reorganização de concepções e visões de mundo.

Tais modificações de conceitos são necessárias à medida que novos estudos, reflexões e pesquisas proporcionam abordagens e possibilidade de entendimento sobre o contexto da mediação e do surgimento, processamento, armazenamento e uso da informação, objeto de estudo da Ciência da Informação (CI).

Para Bortolin e Santos Neto (2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015., p. 38), no âmbito da CI, a mediação “[...] recebe incontáveis enfoques entre eles o comunicacional, custodial, cultural, histórico, digital, pedagógico, da informação, da leitura, da literatura etc.” Segundo Nunes (2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18.) as pesquisas sobre mediação no âmbito da CI ganharam estímulo em razão do crescimento dos programas de pós-graduação, doravante a década de 1960 e a formação de grupos de pesquisa, que objetivavam investigar:

[...] o processo mediador como um todo, na perspectiva cognitivo-social, a qual identifica como privilegiada a observação de fenômenos que visem promover o acesso, disseminação, circulação e uso da informação em ambientes informacionais, no contexto cultural, social e educativo. ( NUNES, 2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18., p. 4).

Corroborando o apontamento da autora, Bortolin e Santos Neto (2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015., p. 33), afirmam que novas modalidades de mediação foram pesquisadas no grupo de pesquisa Interfaces: informação e conhecimento, da Universidade Estadual de Londrina, incluindo “[...] mediação da informação (implícita e explícita), mediação da leitura, mediação de textos literários, mediação de gêneros musicais e midiatização na web.” Esta variedade de tipologias de mediação demonstra a gama de possibilidades de investigação no espectro da mediação.

Dessa forma, o conceito que outrora era compreendido como uma ponte, segundo Almeida Júnior (2009ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação e múltiplas linguagens. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 2, n. 1, p. 89-103, jan./dez. 2009.), proporcionando uma visão estática e inerte do processo de mediação, é compreendido agora, para Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ), como uma ação baseada na dialogia entre os polos, sejam eles instâncias, sujeitos ou dispositivos. Segundo esta autora, mesmo que os sujeitos envolvidos não tenham clareza sobre o processo, e isso limite a compreensão e o entendimento acerca da ação, a dialogia estará sempre presente, sendo um dos principais aspectos caracterizadores da mediação, pois, para ela, a mediação da informação depende das práticas de comunicação, de modo semelhante a todas as práticas humanas.

Gomes (2019GOMES, Henriette Ferreira. Protagonismo social e mediação da informação. LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 5 n. 2, p. 10-21, mar./ago. 2019., p. 18) acredita que a mediação da informação encontra a sua razão de ser no desenvolvimento do protagonismo social, alcançado “[...] quando na concepção, planejamento e execução das atividades de mediação da informação, é considerado o espectro conceitual e as dimensões da mediação [...]”, de modo a ampliar as possibilidades de obtenção de resultados qualitativos nesse processo. Para a autora, as reflexões acerca das cinco dimensões, formativa, dialógica, estética, ética e política da mediação da informação, tornam-se imprescindíveis no fazer informacional, pois implicará no desenvolvimento do pensamento crítico, da apropriação da informação e do protagonismo social.

A dimensão dialógica se constitui a partir da concepção da mediação como um processo de comunicação e compartilhamento. Para Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ) em um processo consciente, a dialogia, compreendida como a base da mediação, permite que o sujeito mediado exerça o pensamento crítico e seja capaz de identificar lacunas e incompletudes em seu arcabouço de conhecimentos, sendo responsável por possibilitar a revelação de necessidades, carências e demandas do sujeito, e, que quando efetivada, pode oportunizar o encontro de novas potencialidades. Segundo Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13., p. 20) “O conhecimento se constrói individualmente, mas sempre e necessariamente na relação com os outros, com o mundo e consigo mesmo [...]”, e isso reflete no fato de que os processos de produção do conhecimento devem ser pautados nas práticas mediadas pelo diálogo.

Conforme Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ) a percepção do compartilhamento, da colaboração, da troca e do diálogo, e que ao mesmo tempo são capazes de estabilizar e desestabilizar o conhecimento, bem como o espaço de abertura ao estímulo livre para o desenvolvimento do pensamento crítico e a criatividade, impactando também no autoconhecimento, na autoestima e no sentimento de pertença, entrega, a percepção da beleza e do prazer à experimentação da mediação da informação, elucidando as dimensões estética e formativa do processo.

A dimensão ética tem sua concepção na importância desse princípio à medida que assumimos a ação da mediação como um processo de interferência, e tendo como uma linha tênue a diferenciação entre a interferência e a manipulação ( ALMEIDA JÚNIOR, 2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.), sendo, desta forma, essencial a consciência pautada na ética para intervir, na mediação, sem a manipulação do sujeito, e possibilitando o “grau de conforto, confiança, cumplicidade e cooperação” necessários para a efetivação da ação mediadora. ( GOMES, 2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. , p. 53).

A dimensão política está pautada no desenvolvimento da consciência, sendo esta, segundo Paulo Freire, uma importante ferramenta para se compreender a realidade:

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais consciência, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora das “práxis”, ou melhor, sem o ato ação - reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. ( FREIRE, 1979FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. , p. 15).

Freire entende que a conscientização possibilita um olhar analítico para a realidade, não bastando estar à frente da realidade sem enfrentá-la, mas assumindo uma postura crítica e transformadora, revelando assim o caráter político do sujeito mediador. Portanto, é possível perceber o elo estabelecido entre cada uma das dimensões, e que, quando interligadas e operadas de maneira consciente, atingem o objetivo da mediação da informação:

Ao transitar por essas “vias” com conforto e confiabilidade os sujeitos envolvidos sentem-se acolhidos como participantes ativos, como protagonistas da informação e, consequentemente, sentem o prazer dessa experiência e do aprendizado, o que confere beleza à mediação da informação, indicando a existência das suas dimensões estética e formativa. Considerar as dimensões estéticas e formativas da mediação da informação coloca o agente mediador frente ao desafio de desenvolver a escuta e a observação sensível, buscando alcançar a percepção das emoções e sentimentos que emergem no processo de mediação, o que também revela sua dimensão ética. ( GOMES, 2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. , p. 56).

Segundo a autora, a transição entre esses sentidos elucida o seu caráter dialógico e formativo da mediação, e que, por meio do conforto e do sentimento de pertença possibilitado pela estética, e alcançado pela ética, proporcionam ao sujeito o entendimento político necessário para a transformação de sua realidade. Dessa forma, é possível compreender o entendimento de Gomes (2021GOMES, Henriette Ferreira. Dimensão ética da mediação da informação: eixo articulador das demais dimensões e o desafio do intelectual orgânico em favor do protagonismo social. The International Review of Information Ethics, Edmonton, v. 30, n. 1, 2021. ) ao afirmar que o alcance das dimensões da mediação depende da efetividade e da qualidade das ações de interferência realizadas.

E nesse sentido, Nunes (2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18.) acredita que a mediação da informação se dá em diferentes contextos e cenários, sendo um deles a editoração de periódicos científicos e seus processos subjacentes, como a submissão, avaliação e publicação. A autora considera o contexto editorial científico um ambiente profícuo em interações, uma vez que “[...] as revistas caracterizam-se como meio de mediação da informação privilegiado, oportunizando não apenas a difusão dos avanços da ciência, mas, outrossim, o reconhecimento dos campos científicos [...]” ( NUNES, 2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18., p. 8), atuando também como importante mecanismo que proporciona diálogo entre pesquisadores, conforme apontado por Couzinet (2015COUZINET, Viviane. Ce que disent les revues: de la revue scientifique à une typologie des revues. In: COUZINET, Viviane. Les revues: figure et cas. Toulouse: Cépaduès, 2015. p. 9.) ao entender os periódicos científicos como objetos mediadores.

Dessa forma, para compreender as possíveis relações da mediação da informação com o processo editorial científico, Nunes (2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18.) analisou a percepção de nove editores de periódicos científicos da CI, sobre a mediação editorial e a dimensão estética da mediação da informação. A autora indagou os sujeitos da pesquisa sobre a atuação como editores e mediadores da informação, e também sobre os recursos mediadores utilizados pelo periódico na relação com os autores, visando traçar características preliminares da mediação editorial.

Assim, reconhecendo as potencialidades de investigação no âmbito editorial, em sua pesquisa, Nunes objetiva (2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18., p. 7) “[...] construir, com base na literatura e nas observações empíricas realizadas, uma caracterização embrionária da mediação editorial, a qual poderá ser aprimorada a partir das demais pesquisas realizadas em torno desta temática.”. Neste sentido, para a autora, investigar os periódicos científicos e fluxos relacionados ao processo, possibilita enxergá-los “[...] para além de simples canais de disseminação, aspectos da concepção e do processo que permeiam a atividade editorial das revistas da área.” ( NUNES, 2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18., p. 9).

De acordo com os resultados apontados pela autora, a maioria dos editores reconhece sua atuação como mediadores, tanto atuando no estabelecimento de uma relação entre autor e avaliador, como na relação da revista como canal de comunicação e seus leitores. Tal reconhecimento por parte dos editores é fundamental, tendo em vista que, segundo Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ) o sucesso da ação mediadora depende do nível de conscientização do mediador quanto ao seu papel de protagonista e de facilitador em também proporcionar o protagonismo e a apropriação da informação.

No entanto, é possível que o editor não reconheça o seu papel como mediador, como apontado por Nunes (2019NUNES, Martha Suzana Cabral. Mediação editorial e dimensão estética em revistas científicas da Ciência da Informação. In: ENANCIB, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 1-18.), de modo que, um dos respondentes não se percebe como mediador, alegando que a atuação como mediador demanda uma postura mais crítica e ativa no processo. Porém, a autora reitera que, mesmo de modo inconsciente, o editor realiza a mediação, corroborando com os apontamentos de Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.), ao assegurar que a mediação pode acontecer de modo consciente ou inconsciente. Isso acontece, pois, seu papel está para além do ato gerencial de um periódico, uma vez que garante o acesso à publicação científica ao leitor, resultando em uma função social ocorrida no interior do usuário, tendo em vista que a apropriação do conteúdo altera a condição inicial do sujeito, conforme apontado por Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.).

Neste sentido, visando clarificar o entendimento científico acerca do papel do mediador, Bortolin e Santos Neto (2015BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.) Mediação oral da informação e da leitura: a visibilidade dos mediadores da Ciência da Informação. Londrina: ABECIN, 2015., p. 39) compreendem que o mediador é a persona que se “[...] posiciona de maneira intencional e medeia algo ou alguma coisa para alguém, com o intuito de modificar a situação ou solucionar problemas.”. Desse modo, nesta citação é possível perceber o papel do editor, que inserido no fluxo editorial, medeia todo o processo, desde a submissão do manuscrito, sua avaliação, e, em caso de aprovação, sua respectiva publicação, além de atuar na resolução de conflitos que porventura, possam surgir no processo. Todos esses aspectos supracitados, que compõem as etapas para a disseminação do conhecimento científico têm, no editor, também enquanto mediador, uma figura de importância singular no fluxo de avaliação científica, discutida no tópico a seguir.

3 Revisão por pares aberta

A revisão por pares é o processo de avaliação de manuscritos científicos que pondera uma série de critérios, desde a originalidade do estudo, a contribuição da pesquisa para a área do conhecimento, a fundamentação teórica, os procedimentos metodológicos, o rigor científico e a obediência às normas, padrões técnicos e aspectos éticos.

Essa avaliação determinará se a pesquisa está apta para ser publicada, divulgada para a comunidade acadêmica e social, a fim de compor o conjunto de conhecimentos denominado como ciência, seja por meio de periódicos, livros, ou outros canais formais de comunicação científica.

Entre os modelos tradicionais de avaliação, é possível citar o modelo simples-cego, onde o revisor conhece a identidade do autor, o modelo duplo-cego, onde autor e revisores desconhecem a identidade um do outro, e o modelo triplo-cego, em que apenas o editor-chefe do periódico conhece a identidade dos revisores e dos autores, porém segundo Nassi-Calò (2015NASSI-CALÒ, Lilian. Avaliação por pares: modalidades, prós e contras [online]. SciELO em Perspectiva, São Paulo, 27 mar. 2015. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2015/03/27/avaliacao-por-pares-modalidades-pros-e-contras . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://blog.scielo.org/blog/2015/03/27/...
) essa modalidade de avaliação tem pouca representatividade no Brasil.

Neste sentido, surge, consonante ao movimento Ciência Aberta, discussões acerca do desenvolvimento de práticas que tornem a revisão por pares um processo mais aberto, transparente, colaborativo e acessível. Conforme Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ) e Ross-Hellauer (2017ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, London, v. 6, p. 588, 31 ago. 2017.) não há um consenso na literatura a respeito do conceito de revisão por pares aberta, de modo que, em um estudo realizado por Ross-Hellauer (2017ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, London, v. 6, p. 588, 31 ago. 2017.) foram identificadas 122 definições e sete características comuns às definições: identidades abertas, pareceres abertos, participação aberta, interação aberta, abertura dos manuscritos antes da revisão (preprints), revisão ou comentários após a publicação e plataformas abertas.

As características da revisão aberta apresentadas correspondem às três características com maior representatividade na amostra de 122 definições, conforme representado na figura 1 a seguir:

Figura 1 -
Definições encontradas por Ross-Hellauer

A figura 1 demonstra que as características identidades abertas ( open identities), onde são reveladas as identidades dos pareceristas e autores, foi encontrada em 110 definições, pareceres abertos ( open reports), onde há a publicação dos relatórios de avaliação, foi encontrada em 72, e interação com a comunidade, ou, participação aberta ( open participation) que trata da possibilidade da comunidade, acadêmica ou não, participar do processo de avaliação, foi encontrada em 39, sendo então considerados os traços predominantes quando se trata de revisão por pares aberta. Desse modo, o autor reitera que é possível a combinação entre as características, gerando configurações distintas, ampliando e, ao mesmo tempo, criando inúmeras possibilidades para o conceito de revisão aberta.

Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. , tradução nossa), a partir de uma análise na literatura, definiu oito características para a revisão por pares aberta: revisão assinada, revisão revelada, revisão mediada por editor, revisão transparente, revisão de crowdsourcing, revisão pré-publicação, revisão síncrona e revisão pós-publicação. De modo que, algumas dessas características discutidas pela autora possuem suas equivalências e semelhanças com as sete características apontadas por Ross-Hellauer (2017ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, London, v. 6, p. 588, 31 ago. 2017.).

A pesquisa de Oliveira (2018OLIVEIRA, Eloísa da Conceição Príncipe de. Revisão por pares aberta: análise das revistas open access. In: ABEC MEETING, 2., 2018, São Paulo. Anais [...] São Paulo: Associação Brasileira de Editores Científicos, 2018. p. 1-5. ) buscou identificar no Directory of Open Access Journals (DOAJ) revistas de acesso aberto que utilizam a revisão por pares aberta. Por meio da busca avançada de periódicos e pelo filtro ‘ open peer review’ foram recuperadas 128 revistas, e três eram do Brasil: Journal of Human Growth and Development, Revista Outubro e Projetos e Dissertações em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento.

Atualmente, seguindo uma metodologia semelhante, é possível recuperar 196 periódicos, e seis são brasileiros: Revista Outubro, Revista Pesquisa em Fisioterapia, Ensino em perspectivas, Práticas Educativas, Memórias e Oralidades, Revista Enfermagem Contemporânea e Journal of Human Growth and Development.

Além disso, há opções no filtro ‘ peer review types’ que possuem relação com o conceito e as características de revisão aberta apresentada por Ross-Hellauer (2017ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, London, v. 6, p. 588, 31 ago. 2017.) e Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ) como ‘ Open peer commentary', com uma revista indexada, ‘ Post publication peer review’, com nove revistas e ‘ Community review’ com uma revista.

Ao comparar os dados coletados pela pesquisa de Oliveira (2018OLIVEIRA, Eloísa da Conceição Príncipe de. Revisão por pares aberta: análise das revistas open access. In: ABEC MEETING, 2., 2018, São Paulo. Anais [...] São Paulo: Associação Brasileira de Editores Científicos, 2018. p. 1-5. ), que identificou 128 revistas, com os dados atuais, 196 periódicos, é possível perceber uma quantidade crescente de revistas de acesso aberto a explorar e adotar tal modalidade de revisão. No entanto, é preciso levar em consideração o apontado por Maia e Farias (2021MAIA, Francisca Clotilde de Andrade; FARIAS, Maria Giovanna Guedes. Revisão por pares aberta: uma análise dos periódicos científicos indexados no Directory of Open Access Journals. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolos, v. 26, 2021. ), ao identificarem 133 revistas no filtro e após avaliarem a política editorial desses periódicos, desconsideraram 11, por não demonstrarem utilizar a revisão aberta. Além disso, as autoras indicaram que, naquele período, a revistas Atmospheric Chemistry and Physics (ACP), citada por Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ) como um exemplo proeminente de periódico adepto da revisão aberta, não estava indexada no filtro ‘ open peer review’ (OPR), dificultando a sua recuperação na busca por revistas OPR, o que leva a crer que os números expostos pelo filtro não podem ser considerados como absolutos, mas precisam ser analisados com cautela, de modo que o número de revistas adeptas a essa modalidade pode ser maior ou menor do que o exposto na plataforma.

Um exemplo notório de periódico adepto da revisão aberta é o F1000Research, também inserido no DOAJ. A revista torna público o nome dos avaliadores, as diferentes versões do manuscrito após as correções solicitadas, bem como as respostas e a interação entre avaliadores e autores, além de possuir um espaço para a comunidade realizar comentários, sendo assim adepta às diversas características da revisão aberta citadas por Ross-Hellauer (2017ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, London, v. 6, p. 588, 31 ago. 2017.) e Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ).

Em todos os modelos de avaliação científica, especialmente na revisão aberta, entende-se que o processo avaliativo de um manuscrito deve ser pautado em preceitos éticos, por todos participantes do processo, avaliadores, autores e editores, tendo em vista que esses podem, a depender das características adotadas pelo periódico, terem diferentes níveis de abertura e possibilidades de interação e contato.

Conforme mencionado anteriormente, esse modelo de avaliação surge a partir do universo teórico e prático da Ciência Aberta, e que para Albagli (2019ALBAGLI, Sarita. Ciência Aberta: movimento de movimentos. In: SHINTAKU, Milton; SALES, Luana Farias (org.). Ciência aberta para editores científicos. Botucatu: ABEC, 2019. p. 15-20. ) é compreendida como um movimento, que engloba outros movimentos. Segundo a autora, o apoio à ciência aberta tem sua origem nas manifestações em favor do acesso livre às publicações científicas, que tiveram início em razão dos elevados preços estabelecidos pelas editoras comerciais, tornando a assinatura de periódicos um negócio insustentável para as bibliotecas e instituições de pesquisa.

Fortaleza e Bertin (2019FORTALEZA, Juliana Meirelles; BERTIN, Patrícia Rocha Bello. A parceria para governo aberto e o compromisso pela ciência aberta. In: SHINTAKU, Milton; SALES, Luana Farias (org.). Ciência aberta para editores científicos. Botucatu: ABEC, 2019. p. 21-28. , p. 4) entendem que “[...] o conceito de Ciência Aberta está em amadurecimento e em consolidação [...]” e vem se estabelecendo à medida que novos estudos e iniciativas são desenvolvidas com o enfoque de tornar a prática científica um processo colaborativo por meio de diferentes oportunidades, seja a partir da disponibilização dos dados de pesquisa, da implementação de ações que proporcionem mais transparência aos fluxos do processo de produção científica, bem como o fomento à participação social na ciência ( FORTALEZA; BERTIN, 2019FORTALEZA, Juliana Meirelles; BERTIN, Patrícia Rocha Bello. A parceria para governo aberto e o compromisso pela ciência aberta. In: SHINTAKU, Milton; SALES, Luana Farias (org.). Ciência aberta para editores científicos. Botucatu: ABEC, 2019. p. 21-28. ). Ainda nesta perspectiva, Henning et al. (2019HENNING, Patrícia Corrêa et al. GO FAIR e os princípios FAIR: o que representam para a expansão dos dados de pesquisa no âmbito da Ciência Aberta. Em Questão, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 389-412, maio/ago. 2019. ) acredita que a ciência aberta se consolida como novas perspectivas no fazer científico, de modo que as dinâmicas propostas por essa modalidade, além de estarem voltadas para o trabalho colaborativo, focalizam em interesses sociais e coletivos.

Destarte, a Facilitate Open Science Training for European Research (Foster), projeto europeu direcionado para o fomento das práticas de ciência aberta, oferece ferramentas, materiais e cursos relacionados a temática que visam fomentar a adesão das práticas da ciência aberta, ética e responsável na pesquisa, elaborou a Open Science Taxonomy.

A Open Science Taxonomy, para Silveira et al. (2021SILVEIRA, Lúcia da et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v. 26, p. 1-27, 2021. , p. 3) é uma “representação visual do domínio do ecossistema da Ciência Aberta”, uma vez que os tópicos apresentados influenciam e impulsionam o desenvolvimento uns dos outros ( SILVEIRA et al., 2021SILVEIRA, Lúcia da et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v. 26, p. 1-27, 2021. ). Assim, autores brasileiros, além traduzirem a taxonomia, expandiram o entendimento, os desdobramentos e as relações entre os conceitos apresentados na taxonomia original desenvolvida conjuntamente pela Foster com Pontika et al. (2015PONTIKA, Nancy et al. Fostering open science to research using a taxonomy and an elearning portal. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON KNOWLEDGE TECHNOLOGIES AND DATA-DRIVEN BUSINESS, 15., 2015. Proceedings [...] Graz: Association for Computing Machinery, 2015. p. 1-8. ). Desta forma, as principais facetas englobadas pela ciência aberta se ramificam em uma série de outros movimentos, corroborando com o pensamento de Albagli (2019ALBAGLI, Sarita. Ciência Aberta: movimento de movimentos. In: SHINTAKU, Milton; SALES, Luana Farias (org.). Ciência aberta para editores científicos. Botucatu: ABEC, 2019. p. 15-20. ) ao entender a ciência aberta como um movimento de movimentos.

As facetas primárias apresentadas por Silveira et al. (2021SILVEIRA, Lúcia da et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v. 26, p. 1-27, 2021. ) são os tópicos: acesso aberto, dados abertos, pesquisa reprodutível aberta, avaliação da ciência aberta, políticas de ciência aberta, ferramentas de ciência aberta, educação aberta, licenciamento aberto, ciência cidadã, preservação digital e inovação aberta. Tais aspectos demonstram a amplitude e a transversalidade do ecossistema da Ciência Aberta, e que, para Albagli (2019ALBAGLI, Sarita. Ciência Aberta: movimento de movimentos. In: SHINTAKU, Milton; SALES, Luana Farias (org.). Ciência aberta para editores científicos. Botucatu: ABEC, 2019. p. 15-20. ) deve-se entendida para além da concepção do movimento como um termo guarda-chuva ( ALBAGLI; CLÍNIO; RAYCHTOCK, 2014ALBAGLI, Sarita; CLÍNIO, Anne; RAYCHTOCK, Sabryna. Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 434-450, nov. 2014. ), mas como iniciativa que avança e visa integralizar essas diferentes frentes e domínios, expandindo a concepção inicial do acesso aberto às publicações científicas, para o desenvolvimento de diferentes formas colaborativas de produção e disseminação do conhecimento científico, que encontra sua razão de ser na apropriação da informação por parte dos sujeitos e pelo protagonismo social advindo de tal apreensão.

Cada um desses movimentos tem adquirido visibilidade e espaços de discussão na comunidade acadêmica e científica, citando como exemplo os eventos Conferência Luso-Brasileira de Ciência Aberta (ConfOA), que aborda a temática de modo mais geral, o Encontro Nacional de Ciência Cidadã, que debate formas de integrar a sociedade ao fazer científico, e o No Budget Science Hack Week, que aborda temáticas relacionadas a reprodutibilidade, e a ciência colaborativa e de baixo custo.

Entre os termos apresentados na taxonomia, a Avaliação da Ciência Aberta está representada na figura 2 abaixo:

Figura 2 -
Facetas da Avaliação da Ciência Aberta

Conforme apresentado na adaptação da taxonomia, a faceta exposta acima é formada pela Avaliação da Ciência Aberta e composto pelos rótulos Revisão por pares aberta e o Métricas responsáveis. A revisão por pares, junto as métricas científicas, são consideradas como alguns dos principais mecanismos de controle de qualidade da produção científica, pois, sendo “[...] o de processo formal de avaliação, que antecede a publicação, como acontece na avaliação por pares; e o de análise de desempenho de publicações, por meio da aferição de métricas e indicadores.” ( SILVEIRA et al., 2021SILVEIRA, Lúcia da et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v. 26, p. 1-27, 2021. , p. 16). Nessa perspectiva, ambos os rótulos intentam tornar o processo de avaliação mais transparente, seja a partir da utilização de métricas responsáveis, como bibliometria, cientometria, infometria e altmetria ou mediante a abertura da avaliação por pares, que realiza o escrutínio dos artigos científicos.

4 Revisão aberta sob a perspectiva dimensional dialógica e ética

O diálogo e a ética se constituem como dimensões basilares na mediação da informação, para alcançar sua completude, e na revisão por pares aberta, para garantir o seu papel de avaliação e contribuição ao conhecimento científico.

Existe na mediação da informação, segundo Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. , p. 52), um propósito de “[...] compartilhamento, de cooperação, de abertura ao diálogo e ao movimento e ao exercício da crítica que gera criatividade, portanto, esta ação guarda ainda uma dimensão formativa.” É possível perceber em tais características apresentadas pela autora uma estreita semelhança com os objetivos e preceitos da revisão e da ciência aberta, tendo em vista esta última, segundo Silva e Silveira (2019SILVA, Fabiano Couto Corrêa da; SILVEIRA, Lúcia da. O ecossistema da Ciência Aberta. Transinformação, Florianópolis, v. 31, p. 1-13, 2019. , p. 2), visa:

[...] a transparência da pesquisa científica desde a concepção da investigação até o uso de softwares abertos. Também promove esclarecimento na elaboração de metodologias e gestão de dados científicos, para que estes possam ser distribuídos, reutilizados e estar acessíveis a todos os níveis da sociedade, sem custos. Propõe, ainda, a colaboração de não cientistas na pesquisa, ampliando a participação social por meio de um conjunto de elementos que dispõem de novos recursos para a formalização da comunicação científica.

Ademais, para Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ) a mediação tem como seu propósito a apropriação da informação e o desenvolvimento do protagonismo social, de modo que se reforça, neste estudo, as semelhanças entre as temáticas e a importância de estudar os aspectos mediacionais no âmbito da ciência aberta, tendo em vista que esta possui, em seus domínios, o intuito de ampliar o acesso ao conhecimento científico, tornar a ciência um processo mais colaborativo, bem como aproximar a sociedade civil do processo de produção e do acesso ao conhecimento, com vistas a desenvolver a apropriação da informação, o empoderamento e o protagonismo social.

Segundo a autora, a dialogia permite, por meio da interação, a troca de conhecimento entre os participantes, o fluxo de ideias, proporcionando debates construtivos, sendo estes, aspectos fundamentais para a consecução da revisão aberta, que objetiva, por meio de suas diferentes características, a troca, a interação entre os participantes, o compartilhamento dos saberes, visando o crescimento e aprofundamento do conhecimento científico.

Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13., p. 15) assegura que “[...] as ferramentas e instrumentos empregados nos trabalhos de organização da informação são construídos a partir de concepções de mundo e interferem na construção da informação [...]”, e, de modo semelhante, as práticas da ciência, e em especial, da revisão por pares, que estão diretamente relacionadas aos processos de produção e organização da informação e do conhecimento, também estão permeados das percepções subjetivas dos atores que as coordenam e interferem em sua construção. Corroborando com essa ideia, Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ) reitera que em razão da complexidade e subjetividade que permeiam os processos de mediação, há a demanda de que princípios tais quais: clareza, consciência e responsabilidade estejam presentes para nortear o agente mediador e o sujeito mediado.

Além do exposto, torna-se importante a constante busca pela consciência uma vez que, para Almeida Júnior (2015ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 1-13.) a relação dialógica no processo de mediação da informação é constante, e por ter como base o sentido de interferência, é preciso ter em mente que a diferenciação entre o ato de interferência e o ato de manipulação é tênue e deve ser pautado sempre em princípios éticos pelo profissional da informação. Assim, reforça-se a necessidade da união entre as dimensões, de modo a primar pelo fazer científico, mantendo seu caráter dialógico, e ao mesmo tempo respeitando o aspecto ético, para não tornar o fazer mediador um ato de manipulação ou controle, mas um ato que proporcione ao sujeito mediado o exercício do seu pensamento crítico, do seu desenvolvimento cognitivo e do seu protagonismo social.

Neste sentido, a ética é, para Silva e Silveira (2019SILVA, Fabiano Couto Corrêa da; SILVEIRA, Lúcia da. O ecossistema da Ciência Aberta. Transinformação, Florianópolis, v. 31, p. 1-13, 2019. ), um dos aspectos de maior preocupação no âmbito do desenvolvimento científico. Segundo os autores, ao avaliar a ética no sentido de produção e difusão do conhecimento científico a partir da perspectiva da ciência aberta, esbarra em entraves postos pela lógica de um sistema financeiro já consolidado há décadas, mas, que tem potencial significativo para equilibrar as desigualdades de acesso à informação científica em diferentes continentes.

No espectro da revisão por pares, a ética já constitui-se como um valor relevante e de preocupação, de modo que existem iniciativas que primam pela manutenção das boas práticas nas publicações científicas, a exemplo do Committee on Publication Ethics (COPE), em português, Comitê de Ética na Publicação, uma iniciativa internacional que visa influenciar e estimular, por meio da educação, da destinação de recursos e apoio, uma cultura de produção científica pautada nas boas práticas, na ética e na transparência.

No âmbito da avaliação aberta, os aspectos éticos têm sua importância redobrada, tendo em vista que deverão nortear tanto as ações do editor, responsável por mediar todo o fluxo editorial e as possíveis interações entre os demais participantes do processo, bem como as ações do avaliador, que, em razão de estar avaliando de maneira aberta, poderá ter sua identidade revelada, ou seus pareceres publicados, ou interagir direta ou indiretamente com o autor e membros da comunidade acadêmica e social, e para tal, deverá agir de maneira cordial e ater-se aos aspectos estritos de avaliação do manuscrito, inclusive, do autor, que poderá ter sua identidade também revelada, e também deverá ater-se aos princípios éticos. Dessa forma, para Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ) a mediação editorial é um componente essencial na publicação e deve ser mantida e estimulada na revisão aberta.

O estudo de Pedri e Araújo (2021PEDRI, Patrícia; ARAÚJO, Ronaldo Ferreira. Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, n. esp, p. 01-18, 2021. ) denominado ‘ Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura’ busca apresentar os prós e contras da modalidade de avaliação supracitada e, para isso, definiu quatro categorias de análises, a saber: transparência, qualidade, reconhecimento e ética, no sentido de nortear a investigação.

No que diz respeito às vantagens sob o ponto de vista ético, os autores observaram:

  1. identificação e inibição de plágio;

  2. maior isenção no sentido de que os revisores mantêm mais distanciamento do objeto de estudo;

  3. revisores tendem ser mais discretos;

  4. avaliação mais justa e ética;

  5. avaliadores efetivarem autoavaliação de seus veredictos;

  6. redução nos casos de abusos envolvendo os avaliadores;

  7. redução da polarização entre os revisores;

  8. solução do problema de seleção dos editores evitando preconceitos e elitismo.

No que tange às desvantagens da revisão aberta sob a perspectiva ética:

  1. avaliações tendenciosas;

  2. o autor pode influenciar o revisor;

  3. encoraja a disputa entre revisor e autor.

Conforme apontado pelos autores, há contradições entre os tópicos, uma vez que se aponta como vantagem ‘Avaliação mais justa e ética’ e a desvantagem ‘Avaliações tendenciosas’. Faz-se crer que a razão para a existência de tais dissensos na literatura, a partir do exposto por Pedri e Araújo (2021PEDRI, Patrícia; ARAÚJO, Ronaldo Ferreira. Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, n. esp, p. 01-18, 2021. ) reside no fato de que há uma quantidade reduzida de periódicos adeptos dessa modalidade de revisão, especialmente no cenário brasileiro, de modo que se torna um trabalho árduo avaliar, de forma prática e efetiva, a aplicabilidade do modelo, bem como suas vantagens e desvantagens, para além do plano teórico.

Segundo Gomes (2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. ), retornando o entendimento da interferência que há na mediação e a implícita preocupação com o risco de haver, nesse sentido, a manipulação, a autora evidencia a importância da dimensão ética na ação mediadora, de modo a garantir o acolhimento, o diálogo, a observação e o sentimento de pertença e de contribuição, que são essenciais, no âmbito do espaço informacional, e no espectro deste estudo, no escopo dos periódicos científicos, para garantir que a mediação alcance seu objetivo. Dessa maneira, Gomes ( 2021GOMES, Henriette Ferreira. Dimensão ética da mediação da informação: eixo articulador das demais dimensões e o desafio do intelectual orgânico em favor do protagonismo social. The International Review of Information Ethics, Edmonton, v. 30, n. 1, 2021. ) defende que o alcance da mediação consciente depende da consecução da dimensão ética, entendida como o eixo articulador das outras dimensões integrantes da mediação da informação.

Ainda conforme o entendimento da autora, os acelerados avanços tecnológicos provocam modificações em nosso processo de construção de sentidos, bem como alteram as ferramentas e os meios que utilizamos para exercer as diferentes atividades profissionais e sociais às quais nos dedicamos. A autora ressalta que tais transformações geram também alterações comportamentais e demandas inovadoras, de modo a exigir do profissional mediador da informação “[...] uma atenção especial quanto ao uso desses dispositivos, como também ao desenvolvimento constante das estratégias e programas de formação do usuário.” ( GOMES, 2014GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. , p. 54).

Como mencionado por Ford (2013FORD, Emily. Defining and characterizing open peer review: a review of literatura. Library Faculty Publications and Presentations, Portland, july 2013. ) o processo de revisão por pares pode ser beneficiado no que diz respeito às transformações no cenário de publicação científica proporcionadas pelos avanços dos recursos tecnológicos, tendo em vista que novas ferramentas e formas de realizar a avaliação científica vão sendo otimizadas, como apontado por Silveira et al. (2019SILVEIRA, Lúcia da et al. Ciência aberta na perspectiva de especialistas brasileiros: proposta de taxonomia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, v. 26, p. 1-27, 2021. , p. 6) a exemplo de “[...] avaliação automática e plataformas desacopladas do sistema editorial de origem do artigo.” Tais transformações mostram-se relevantes, uma vez que, apesar de ser um processo amplamente aceito e de importância única reconhecida pela comunidade acadêmica, a revisão por pares e todas as suas modalidades enfrentam uma quantidade significativa de críticas.

Sem a pretensão de esgotar as contribuições e as relações da mediação da informação e suas dimensões com a avaliação aberta, é possível reconhecer a importância de buscar em outros ramos do conhecimento científico, seja da Ciência da Informação ou áreas correlatas, aspectos teóricos, conceituais e pragmáticos que possam colaborar para o aprimoramento da prática da revisão por pares e demais aspectos da comunicação científica, uma vez que são temáticas de interesse que se fazem presentes em todos os campos do conhecimento e colaboram com o desenvolvimento da ciência.

5 Considerações finais

A pesquisa objetivou apresentar os aspectos conceituais e teóricos das dimensões dialógica e ética da mediação da informação e sua relação com a modalidade de revisão por pares aberta. Destarte, entende-se a mediação da informação como um processo de comunicação e interferência em uma determinada realidade, que encontra em suas dimensões dialógica, ética, formativa, estética e política princípios para nortear a sua ação. Quando integradas, essas dimensões possibilitam o alcance de um objetivo maior: a apropriação da informação e o fomento ao protagonismo social.

Desta forma, com o intuito de ampliar o escopo e as percepções acerca da mediação da informação, faz-se importante refletir sobre sua atuação para além dos espaços informacionais tradicionais e considerar diferentes ambientes de informação, que também possuem em seu âmago as práticas mediadoras, a exemplo dos periódicos científicos. Conforme discutido ao longo desse estudo, os processos realizados no fluxo de publicação da produção científica, desde a fase de submissão do manuscrito original até a fase de disseminação dos resultados da pesquisa, são repletos de práticas dialógicas e mediadoras, de modo a possibilitar discussões a respeito de uma mediação da informação no âmbito editorial e a contribuição dessa mediação e suas dimensões em tal espaço.

Nesse ínterim, é possível perceber na mediação da informação princípios e objetivos consonantes à ciência aberta, uma vez que ambas visam, mesmo em suas diferentes facetas, o estímulo à colaboração, ao compartilhamento do conhecimento, ao desenvolvimento do protagonismo social e a apropriação da informação.

Entende-se que a revisão por pares tem um papel ímpar no progresso e desenvolvimento da ciência, e para tal, segue preceitos fundamentais como a ética, a transparência e boas práticas. Na revisão aberta, tais aspectos mostram-se ainda mais relevantes, uma vez que, em virtude das características dessa modalidade de avaliação, há a possibilidade de haver interação direta ou indireta entre autores e avaliadores, que podem também ter o seu parecer publicado, bem como a participação da comunidade acadêmica ou da sociedade, e esses novos leques de perspectivas demandam reflexões e debates acerca das posturas e atitudes que sejam condizentes com essa modalidade de avaliação.

Considera-se que ambas as temáticas, mediação da informação e ciência aberta, constituem-se como espaços profícuos de investigação, tendo em vista que com o desenvolvimento das duas temáticas, tem-se cada vez mais claro a ligação entre elas e as possibilidades de contribuição uma para a outra.

Referências

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  • Financiamento

    Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2022
  • Aceito
    08 Jul 2022
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