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Por uma conceitualização sociopolítica dos direitos humanos a partir da experiência latino-americana

Resumos

A conceitualização latino-americana de direitos humanos não deve ser definida apenas em termos jurídicos, mas deve, também, incorporar uma dimensão sociopolítica, uma vez que a maior contribuição da região ao discurso está em sua filosofia de ação e na prática de seus movimentos sociais. Este artigo propõe uma conceitualização que resgate esse legado a partir de uma perspectiva discursiva, particularmente por meio das ideias de genealogia e intertextualidade.

Direitos humanos; América Latina; Teoria; Sociologia política; Discurso


A Latin American conceptualization of human rights would be sociopolitical rather than legal as the major contribution of the region to discourse has been its philosophy of action and the practice of social movements inspired by this philosophy. This article proposes a way to conceptualize human rights that recovers the historical legacy of social struggles from a discursive perspective, relying in particular on ideas of genealogy and intertextuality.

Human rights; Latin America; theory; political sociology; discourse


Por uma conceitualização sociopolítica dos direitos humanos a partir da experiência latino-americana

Ariadna Estévez

é doutora em direitos humanos pela University of Sussex e pesquisadora do Centro de Investigações sobre América do Norte da Unam.

RESUMO

A conceitualização latino-americana de direitos humanos não deve ser definida apenas em termos jurídicos, mas deve, também, incorporar uma dimensão sociopolítica, uma vez que a maior contribuição da região ao discurso está em sua filosofia de ação e na prática de seus movimentos sociais. Este artigo propõe uma conceitualização que resgate esse legado a partir de uma perspectiva discursiva, particularmente por meio das ideias de genealogia e intertextualidade.

Palavras-chave: Direitos humanos; América Latina; Teoria; Sociologia política; Discurso.

ABSTRACT

A Latin American conceptualization of human rights would be sociopolitical rather than legal as the major contribution of the region to discourse has been its philosophy of action and the practice of social movements inspired by this philosophy. This article proposes a way to conceptualize human rights that recovers the historical legacy of social struggles from a discursive perspective, relying in particular on ideas of genealogy and intertextuality.

Keywords: Human rights; Latin America; theory; political sociology; discourse.

Não gera controvérsia a ideia de que a América Latina - majoritariamente católica e ocidentalizada após quinhentos anos de colonização europeia e duzentos anos da Guerra de Independência de Espanha e Portugal - aceite pacificamente um discurso secular e moderno como é o dos direitos humanos. Além disso, ao contrário dos teóricos africanos e asiáticos que reformularam-no promovendo o diálogo intercultural do tema com as preocupações dos mundos muçulmano e hindu acerca da comunidade e do sagrado, a academia latino-americana conservou a referência liberal do discurso desses direitos. Como consequência, a contribuição da América Latina ao discurso dos direitos humanos se limitou ao pensamento legal europeu e norte-americano, reeditando-o em grande medida.

A maior parte dos filósofos que tomaram os direitos humanos como objeto na América Latina concorda que a construção do discurso sobre o tema na região tem origem no século XVI com o pensamento escolástico novo-hispano, em particular dos missionários e teólogos espanhóis Frei Bartolomé de las Casas, Francisco de Vitoria e Vasco de Quiroga (Beuchot, 2000; 1993; 2005; Carozza, 2003; Torre Rangel, 1994). Depois de serem formulados, segundo essa visão, os direitos humanos se cristalizaram no constitucionalismo social-liberal que os define como direitos morais que se positivam para torná-los "judiciáveis".

Este artigo questiona tal argumento e propõe que uma visão latino-americana de direitos humanos não pode ter um fundamento puramente filosófico ou jurídico, porque ambos os sistemas foram impostos por aquilo que Dussel denomina "colonialismo epistemológico". Propõe-se, aqui, que uma conceitualização latino-americana dos direitos humanos deva incorporar o pensamento da ação social e das lutas sociais que se nutriram dele. Essas sim, em contraste com o humanismo e com o direito positivo, são referências fundamentalmente latino-americanas. Com base em teóricos contemporâneos de direitos humanos da África e da Ásia, assim como no trabalho de E. Dussel, propõe-se, ainda, as noções de genealogia e intertextualidade como rota crítica para chegar a essa conceitualização.

O artigo parte da justificativa para um conceito latino-americano e sociopolítico de direitos humanos. Em seguida serão discutidas as ideias de genealogia e intertextualidade e suas funções para resgatar os legados intelectuais e sociais da região. A discussão se encerra com uma proposta de conceitualização de direitos humanos a partir da sociologia política e com base na experiência latino-americana.

Justificando uma conceitualização sociopolítica

dos direitos humanos baseada na experiência

latino-americana

É quase lugar comum dizer que a concepção atual de direitos humanos provém do pensamento europeu, que os definiu como garantias inerentes ao ser humano em virtude da simples posse da razão ou a moral que esta lhe confere. Essas garantias têm como base os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade formulados por John Locke no século XVII e que se traduziram, no decorrer dos anos, em garantias de segurança jurídica e liberdades para a participação política. A corrente relativista do estudo dos direitos humanos - fundamentalmente antropológica - levantou a questão segundo a qual tais direitos se pretendem universais quando, na realidade, estão relacionados a uma visão de mundo específica, a ocidental, representada, por sua vez, pelo pensamento liberal1 1 Discussões sobre as posturas relativistas podem ser encontradas em Wilson (1997) e An-Na’im (1995). Para a discussão sobre a visão moderna e a contemporânea de direitos humanos, ver Baxi (2002). .

Mesmo os filósofos latino-americanos que buscam identificar a contribuição da América Latina ao pensamento de direitos humanos tendem a situá-la em uma tradição mais afim à Europa. Fazem-no, ainda, não apenas em termos conceituais, como também de agenda política. Beuchot (2000; 1993) e Carozza (2003) remetem essa contribuição ao século XVI, com o pensamento de Horacio de Quiroga, Frei Bartolomé de las Casas e Francisco de Vitoria e a sua defesa dos direitos dos povos indígenas. Enquanto De las Casas e Vitoria se baseavam em ideias aristotélicas e cristãs da pessoa humana para defender a dignidade e liberdade indígenas, De Quiroga demandava o bem-estar social desses grupos e propunha políticas de saúde e educativas para proteger-lhes a dignidade (Beuchot, 2000)2 2 Para interessantes discussões sobre os pensadores novohispanos, ver Beuchot (2000) e Ibargüengoitia (1994). Para a adoção do liberalismo no pensamento mexicano, ver Reyes Heroles (1978) e Hale (2005). .

E. Dussel (2007) assegura que as obras de De las Casas, Quiroga e Vitoria deveriam ser consideradas como os primórdios do pensamento não eurocêntrico sobre a América Latina, pois mesmo que esses teólogos fossem espanhóis e que seus recursos teóricos proviessem da Europa (o humanismo escolástico), suas questões ético-filosóficas versavam sobre qual direito teriam os europeus de dominar, ocupar e administrar as culturas "descobertas". Esse questionamento, diz Dussel, perdeu-se na filosofia dos anos que se seguiram, em função da disseminação de particularidades europeias como universais, por meio da doutrina filosófica de autores daquele continente. Embora, do ponto de vista da história das ideias, esse argumento faça sentido, em termos de projeto político dos direitos humanos, ele traduz mais o projeto de direitos do Iluminismo do que o do segundo pós-guerra, que vigora nos dias de hoje (Dussel, 2006).

Por essa mesma razão, não compartilho da proposta de Beuchot de fundamentar os direitos humanos simultaneamente a partir da natureza universal e da particularidade latino-americana. Beuchot considera ser necessário fundamentar filosoficamente os direitos humanos a partir da América Latina. Propõe, de forma muito semelhante à explicação filosófico-legal europeia (fundamento na moral ou na natureza humana), a concepção de direitos humanos fundamentada em uma natureza humana racional, provedora dos argumentos morais para legitimar as necessidades que levam ao reconhecimento daqueles direitos (Beuchot, 2000). No que diz respeito à particularidade latino-americana, ela se definiria, segundo Beuchot, na complementaridade da ideia de natureza universal com o estritamente particular. O particular, nesse caso, é a realidade de sistemática violação dos direitos humanos e de discriminação em que vivem os povos indígenas (Beuchot, 2000)3 3 Ver a interessante discussão de Beuchot sobre diversos argumentos a favor de uma fundamentação filosófica dos direitos humanos a partir da América Latina, incluindo a sua, em Beuchot (2005). . Na proposta de Beuchot, uma suposta dignidade humana universal é essencial, e esta remete inevitavelmente ao liberalismo europeu e à fundamentação jurídica dos direitos humanos que pouco tem a ver com uma região onde a mudança social não se faz por meio das Cortes, mas sim de movimentos sociais não violentos.

O pensamento novo-hispano e a proposta de Beuchot não correspondem à realidade latino-americana, na medida em que estão mais relacionados com a filosofia e a prática jurídicas do liberalismo europeu do que com a experiência de construção de direitos humanos da América Latina. Daí a relevância de construir uma noção genuinamente latino-americana de direitos humanos, baseada nas lutas sociais do continente e em sua interação com a reflexão sobre e a partir delas e de seu contexto. O teórico legal e social indígena Upendra Baxi (2002) e o filósofo da libertação argentino-mexicano Enrique Dussel (2007) vêm empreendendo esforços nesse sentido. Segundo Baxi, as ideias essencialistas de direitos humanos que atribuem sua autoria aos pensadores liberais europeus, fazendo supor que os direitos humanos são "um presente do Ocidente para o resto", ignoram as tradições de pensamento não ocidentais que antecipam e reforçam a ideia contemporânea de direitos humanos. Isso resulta da tendência de apreender a evolução do pensamento e da prática de direitos humanos como um contínuo, quando na realidade a noção liberal de direitos naturais foi objeto de críticas e resistência por parte de movimentos sociais a partir da instauração do sistema universal de direitos humanos no segundo pós-guerra (com a criação das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Por isso Baxi distingue entre a emergência dos "direitos humanos modernos" e os "direitos humanos contemporâneos". A concepção moderna de direitos humanos, eurocêntrica, foi construída sobre o direito à propriedade, o que excluía o pobre e o colonizado, e estava baseada em três pressupostos que sistematicamente negavam a diversidade de sujeitos de direitos humanos. O primeiro deles é a pretensa existência de uma natureza humana universal que deriva da posse da razão. Diversas correntes de pensamento questionam essa ideia. O feminismo, por exemplo, argumentou que a suposta universalidade humana está baseada em uma ideia de indivíduo universal que nega a diversidade cultural e de gênero por referir-se, em última instância, a um homem com características muito específicas: branco, jovem, com propriedades e europeu (Butler, 2004, 2006; Hunt, 2007; Miskolci, 2010). Ficam excluídos mulheres, gays, crianças, idosos (as), não europeus e as minorias raciais e étnicas.

O segundo pressuposto é o da própria ideia de "indivíduo", uma vez que leva toda a teorização sobre os direitos humanos a basear-se no metodológico, que considera o indivíduo como a única fonte de explicação dos fenômenos sociais, e no ontológico, que estabelece que só existem interesses e desejos individuais (Gray, 1995). Ambas as considerações foram criticadas, mas certamente levaram ao subdesenvolvimento dos direitos humanos vinculados à dimensão coletiva da vida humana, como os direitos econômicos, sociais e culturais, que se referem a questões tais como a pobreza e a discriminação de grupos étnicos (Woodiwiss, 2002).

O terceiro pressuposto da concepção moderna de direitos humanos é o da separação natural entre o público e o privado, que coloca a casa e o mercado fora do âmbito da influência estatal e, consequentemente, desconsidera os problemas de direitos humanos que se dão nesses lugares. Entretanto, a demanda do movimento feminista para fazer dos direitos das mulheres direitos humanos levou ao reconhecimento da violência sexual e de gênero, mesmo ocorridas em âmbito privado, como violações aos direitos humanos. Também a crescente impugnação de atividades de empresas transnacionais gerou a formulação de diversos instrumentos que estabelecem a responsabilidade corporativa. Apesar dessas reações, o pressuposto da divisão representou prejuízo a essa abordagem.

Em contraste com essas limitações dos direitos humanos "modernos", a versão "contemporânea" possui três características que levam ao reconhecimento da diversidade dos povos do mundo: a resistência e oposição àqueles pressupostos; a denúncia das violações aos direitos humanos que decorrem deles; a crescente inclusão de sujeitos de direitos humanos e negociação entre organizações civis e governos nas Nações Unidas para o reconhecimento dos direitos das mulheres, dos migrantes, dos povos indígenas, dos gays e lésbicas, dos refugiados, das crianças etc. (Baxi, 2002, p.24-41). Essas tendências políticas inclusivas desafiaram e superaram muito da proposição liberal dos direitos humanos e por isso não se pode dizer que existe um contínuo no pensamento de direitos humanos. A versão contemporânea é fundamentalmente diferente da moderna.

Mais do que isso, Baxi afirma que, no caso contemporâneo, os direitos humanos se convertem em uma "prática subversiva", que ele define da seguinte forma:

Através de inúmeras lutas e movimentos por todo o mundo, os ‘direitos humanos'se converteram em um mecanismo de prática política transformadora que desorienta, desestabiliza, e às vezes até ajuda a destruir concentrações de poder político, social, econômico e tecnológico profundamente injustas (Baxi, 2002, p.10).

Os exemplos de Baxi de direitos humanos como práticas subversivas são os movimentos pela descolonização, a ecologia e os direitos das mulheres. Outros exemplos poderiam ser as lutas por direitos sociais, democráticos e coletivos na América nos últimos trinta anos, tais como o movimento pela terra no Brasil, pela democracia no Cone Sul, e pelos direitos dos povos indígenas no Equador e México, e dos Pachamama (Terra Mãe) na Bolívia.

Assim como Baxi, em sua reflexão sobre a filosofia na América Latina, Dussel afirma que os pensadores latino-americanos devem iniciar uma "descolonização epistemológica" que reconstrua conceitos e teorias sobre direitos humanos de forma independente em relação ao pensamento europeu. Dussel rechaça o pós-modernismo como via para alcançar essa meta e em seu lugar propõe um processo epistemológico "transmoderno", que inclua o pensamento europeu moderno, mas sem limitar-se a ele. Dussel acredita que é necessário considerar a "filosofia mundial" - contrariamente à "universal" que, na realidade, é europeia - chegando a noções diversas de conceitos monopolizados pelas epistemologias eurocêntricas (Dussel, 2006, 2007). Uma dessas noções é a de direitos humanos. De fato, deve-se considerar o individualismo dos direitos humanos como uma "difamação liberal" (Dussel, 2007).

A partir de uma perspectiva latino-americana, assegura Dussel, uma epistemologia descolonizada e transmoderna capaz de reconstruir uma variedade de conceitos, incluindo os direitos humanos, teria que resultar da realidade social da região, mais especificamente das lições que oferecem suas revoluções mais importantes: os movimentos populistas de Perón na Argentina e Cárdenas no México (anos de 1950); a revolução socialista de Cuba (anos de 1960); a revolução democrática e pelos direitos humanos no Chile (na década de 1970); a revolução Sandinista na América Central (anos de 1980); o movimento zapatista pelos direitos indígenas e pela democracia no México (anos de 1990); e as revoluções bolivarianas encabeçadas por Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia (anos 2000). "Com a realidade social da região, estamos na vanguarda da filosofia", assegura Dussel, um dos maiores expoentes da ética (ou filosofia) da libertação (Dussel, 2007)4 4 A teologia e a filosofia da libertação se encontram fundamentadas na ideia de libertar o pobre da opressão. A diferença entre ambas é a de que enquanto a teologia da libertação se ocupa do estudo teórico da relação de Deus com a realidade, a filosofia da libertação tem como enfoque a ética. Por isso em seus trabalhos mais recentes Dussel fala de ética da libertação, ao invés de filosofia da libertação. A preocupação fundamental dessa ética é a raiz material em vez de moral ou metafísica da mesma. Ver Dussel (2006). .

À luz das ideias de Baxi e Dussel e de seu chamado a estabelecer uma conceitualização contemporânea e descolonizada de direitos humanos, a proposta de construção de uma noção de direitos humanos genuinamente latino-americana apresenta maior compatibilidade com a noção contemporânea de direitos humanos do que com a moderna e demanda desligá-la do legalismo europeu, que busca fundamentação na filosofia liberal. Essa fundamentação não reflete com justiça a tradição da América Latina de luta social que alimenta o pensamento latino-americano em geral. Sem negar a contribuição do pensamento novo-hispano e liberal latino-americano ao jusnaturalismo e ao positivismo da região, não há dúvidas de que essa é, sobretudo, uma contribuição à versão moderna de direitos humanos, expressa em um constitucionalismo excludente. Como se vê nas argumentações de Baxi e Dussel, uma noção especificamente latino-americana de direitos humanos não deve sustentar-se na assimilação do pensamento europeu e sim ser produto da síntese da prática social e do pensamento com o qual ela se retroalimenta e a partir do qual se constrói, incluindo, por fim, tradições de pensamento poucas vezes vinculadas aos direitos humanos, como o estruturalismo e a teologia da libertação.

Propõe-se, assim, uma conceitualização latino-americana dos direitos humanos situando as contribuições da sua realidade ao pensamento de direitos humanos mundial.

As lutas sociais e o pensamento latino-americano no discurso dos direitos humanos: dois exemplos a resgatar

Existem duas correntes de pensamento que não poderiam ser mais contraditórias mas, ao mesmo tempo, mais emblemáticas da retroalimentação entre o pensamento e a ação na construção do discurso de direitos humanos: a teologia da libertação e a transição para a democracia. Em primeiro lugar, poder-se-ia falar em termos mais gerais da contribuição da filosofia da libertação, mas, rigorosamente, foi a prática pastoral da teologia da libertação a que se tornou central para a construção de uma ideia de direitos humanos baseada na libertação. Em sua origem, a teologia da libertação não era um marco de pensamento naturalmente ligado aos direitos humanos, já que estava inspirada no estruturalismo latino-americano e na sua crítica ao desenvolvimento. Em 1968, o padre Gustavo Gutiérrez apresentou as bases de uma nova teologia que combinava teoria e prática em benefício das massas oprimidas do continente. Esta teologia, segundo ele, teria seu locus nos pobres com a finalidade de liberá-los da opressão, a mesma que deveria ser analisada com as ferramentas das ciências sociais, particularmente a análise marxista da luta de classes. Essas ideias foram desenvolvidas mais detalhadamente por outros teólogos da região, como José Miguel Bonino e Hugo Assmann (Berryman, 1987; Sigmund, 1990). Esses teólogos rechaçavam as ideias de democracia e direitos humanos porque as vinculavam com a política intervencionista dos Estados Unidos por meio da Aliança para o Progresso5 5 Para uma discussão de como os teólogos da libertação rechaçavam as ideias de democracia e direitos humanos nos anos de 1970, ver Sigmund (1990, p.52-78). Nesse capítulo, Sigmund oferece uma caracterização dos representantes mais importantes das ideias marxistas na teologia da libertação, como Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, José Miguez Bonino, Hugo Assmann e Enrique Dussel. Ver também: Berryman (1987), Aguayo Quezada e Parra Rosales (1997) e Grugel (2002). .

A grande exceção a esse rechaço aos direitos humanos foi José Comblin, que compartilhava as ideias de seus colegas de que a Igreja deveria concentrar os seus esforços em criticar o desenvolvimento econômico, mas assinalava que, na prática, dada a generalização da doutrina de segurança nacional no sul do continente, os direitos humanos eram centrais para uma nova abordagem pastoral baseada na libertação. Comblin dizia que diante da violência das ditaduras militares no Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Chile, era necessário que as Igrejas desses países produzissem declarações públicas em defesa dos direitos humanos, especialmente no Chile e no Brasil (Comblin, 1979), onde os teólogos da libertação tiveram um grande êxito com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Como a repressão se generalizara na América do Sul e Central e a Igreja tivera um papel fundamental na organização social de base, por meio das mencionadas CEBs, as ideias de Comblin começaram a fazer sentido. De fato, os praticantes da teologia da libertação usavam o discurso dos direitos humanos pragmaticamente, para buscar os desaparecidos e defender os torturados e presos arbitrariamente pelos governos de segurança nacional.

Dessa forma, as ideias de Comblin começaram a ter mais repercussão na elaboração de uma teologia da libertação mais afinada com os direitos humanos. Leonardo e Clodovis Boff, Ignacio Ellacuría e Jon Sobrino, os dois últimos baseados na Universidade jesuíta Centroamericana de El Salvador, propuseram os direitos humanos como os direitos dos pobres seguindo a máxima da teologia da libertação da "opção preferencial de Deus pelos pobres". Essa ideia dos direitos dos pobres contrastava com o individualismo promovido pela doutrina liberal de direitos humanos, pois promulgava os direitos da comunidade em vez dos direitos do indivíduo (Czerny, 1992). Essas ideias tiveram grande relevância em toda a América Central e México, onde a repressão não era tão severa e o discurso ainda não havia se desenvolvido (Estévez López, 2007; Estévez, 2008)6 6 Para uma análise da situação de repressão no México em relação à América Central e do Sul, ver Casanova (1989) e Malo; Centro de Direitos Humanos "Fray Francisco de Vitoria" (1989). .

A contribuição da teologia da libertação ao discurso dos direitos humanos tornou-se evidente no desenvolvimento de uma grande tradição de defesa e promoção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Desc) no continente, em especial em relação aos povos indígenas. A análise estrutural empreendida pela teologia da libertação transformou o incipiente discurso de direitos humanos da região em um que reivindicava a justiça social. Ao mesmo tempo, tal discurso incipiente transformava o pensamento estruturalista da região em um que defendia a liberdade individual frente ao poder estatal. Na prática, o movimento de direitos humanos enfrentava a repressão estatal sem esquecer as causas estruturais dessa violência. Deste modo, os movimentos de direitos humanos do continente contribuíram para tipificar violações de direitos humanos, como o desaparecimento forçado, e a promover melhores instrumentos para a defesa dos Desc.

Em segundo lugar, é evidente que a transformação do pensamento estruturalista da teologia da libertação não teria sido possível sem uma assimilação do discurso democrático. Como mencionado anteriormente, a esquerda social rechaçava tal discurso porque o vinculava à política intervencionista dos Estados Unidos, mas também porque a democracia jamais havia trazido uma mudança substancial para erradicar a injustiça social da região (Castañeda, 1993). Contudo, em função dos golpes de Estado na América do Sul, a intelectualidade latino-americana começou a questionar seriamente a efetividade dos discursos revolucionários do Marxismo-Leninismo (Lesgart, 2003; Roitman Rosenmann, 2005).

A repressão brutal das guerrilhas e de líderes-trabalhadores pelas juntas militares foi atribuída ao projeto político-intelectual da esquerda de então, que propunha a revolução armada como método e o socialismo como meta. A ideia de fundo era de que o ideal da luta armada como via para a mudança política e econômica havia suscitado uma reação feroz na ultradireita e, assim, polarizado as posturas dos distintos atores políticos e sociais. Por isso era necessário mudar a dinâmica de pensamento e, consequentemente, da ação política (Lesgart, 2003, p.30; Roitman Rosenmann, 2005). Dessa forma, os intelectuais do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) analisaram as características dos regimes militares - que eles passaram a chamar de sistemas burocrático-autoritários para diferenciá-los do velho autoritarismo, definido pelo uso do corporativismo para prevenir a dissidência -, e decidiram elaborar alternativas intelectuais que, por um lado, levassem a uma mudança política para o fim da repressão e dos governos militares, mas que, por outro, evitassem movimentos de massa a favor da revolução (Lesgart, 2003; Ruiz Contardo, 2004). A resposta foi a "democracia", constituída sobre as bases do modelo liberal, que se define como regime no qual os governos são eleitos direta ou indiretamente em eleições periódicas e livres. Eleições se fazem com base em partidos políticos; determinadas liberdades civis são garantidas para tornar efetivo o direito de eleger; a igualdade perante a lei é estabelecida; as minorias são protegidas; e o princípio de máxima liberdade é aceito (Macpherson, 1977, p.11). Assim construída, a noção de democracia se prestava a duplo papel: de oposição ao autoritarismo e de defesa individual frente à brutal repressão pelas juntas militares. Desse modo, o estabelecimento do império da lei fazia dos direitos humanos um objetivo estratégico (Lesgart, 2003, p.81)7 7 Para discussões sobre os motivos por trás da teorização da transição à democracia ver Lesgart (2003) e Roitman Rosenmann (2005). Sobre a abertura da teologia da libertação ao pensamento de direitos humanos, consultar Berryman (1987) e Sigmund (1990). O pensamento da teologia da libertação sobre direitos humanos, por exemplo, em Ellacuría (1990) e Comblin (1979). .

Nesta construção pragmática organizaram-se movimentos sociais que, temporariamente deslocados do foco das questões socioeconômicas, lançaram as bases da articulação dos movimentos de direitos humanos, com importantes consequências para a construção recente dos direitos coletivos e de uma democracia neles baseada. O movimento zapatista é um exemplo. Ainda que, inicialmente, os zapatistas não formulassem suas demandas em termos de direitos humanos, eles identificavam a falta de democracia como a raiz de seus problemas e dos problemas do país. Seu discurso, no entanto, foi se alterando à medida que interagiam com as organizações de direitos humanos.

Como o Exército Zapatista se beneficiara da ação de movimentos de direitos humanos desde seu surgimento, em 1994, (monitoramento do abuso militar na região do conflito e defesa dos zapatistas presos) até o momento em que se negociaram os direitos culturais dos povos indígenas, em 1996 (a mesa de direitos e cultura indígenas nas Práticas de San Andrés Sacamch’en)8 8 Quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional depôs as armas e o governo mexicano aceitou negociar com a guerrilha, acordou-se que se faria um diálogo para que os indígenas expressassem suas demandas culturais, sociais, econômicas e políticas e o governo as transformassem em uma lei de direitos indígenas. Participaram do diálogo organizações da sociedade civil convidadas pelos zapatistas. O diálogo aconteceu em San Andrés Sacamch’em, Chiapas, e dividiu-se em seis mesas de debate, entre as quais a mencionada aqui, de direitos e cultura indígena. O acordo ali firmado ficou conhecido como "Os acordos de San Andrés" e o processo como "Práticas de San Andrés". , a direção mudou o peso que dava aos direitos humanos. Seus comunicados e declarações, antes de 1996, se referiam à luta por democracia, liberdade e justiça e não traziam referência aos direitos humanos. Contudo, em fevereiro de 1999, declararam que "Nossas principais demandas são o reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas e democracia, liberdade e justiça para todos os mexicanos" (Molina, 2000, p.96). Com isso, passaram a incluir os direitos humanos em sua agenda de mobilização, especialmente pelos direitos indígenas, e, dessa forma, transformaram sua luta em uma luta pelos direitos dos povos indígenas em todo o continente.

Esses são alguns exemplos de como o pensamento da ação e a prática deste pensamento na América Latina se vincularam ao discurso contemporâneo de direitos humanos. Para entender como esse imbricamento pode se vincular a uma conceitualização dos direitos humanos é necessário resgatar não somente a história, como também a transformação de uma ideia tão fortemente vinculada à moral e às essências como o é a de direitos humanos. Por isso proponho conceitualizá-los usando ferramentas que ajudem a recuperar a contribuição da prática social ao pensamento latino-americano transmoderno. Mais especificamente, proponho conceitualizar os direitos humanos usando uma metodologia discursiva pós-estruturalista que facilite a recuperação da história e a recriação de conceitos. Refiro-me especificamente à genealogia e à intertextualidade.

Os elementos teórico-metodológicos em uma definição latino-americana de direitos humanos

Segundo a argumentação de Baxi sobre o discurso contemporâneo de direitos humanos, a metanarrativa liberal foi abandonada em favor de uma definição arraigada nas diversas produções locais, que se retroalimentam de discursos e experiências próprias, como mencionamos nas duas primeiras partes deste artigo. A produção de uma noção historicamente particular dos direitos humanos implica vê-los de um ponto de vista construtivista. Uma forma de fazê-lo é adotando a visão pós-estruturalista do discurso, em particular, a genealogia e a intertextualidade9 9 O pós-estruturalismo não é a única forma de levar a cabo uma análise construtivista dos direitos humanos. O feminismo e o relativismo cultural antropológico são, também, úteis e ambos podem nutrir-se de ideias pós-estruturalistas, mas enfatizam agendas muito particulares, que podem ser camisas de força para uma análise mais política como a que se propõe aqui. O pós-estruturalismo oferece a possibilidade de ver os fenômenos sociais surgidos da linguagem com a filosofia, as ciências e a própria descrição da sociedade, como construções linguísticas independentes e relacionadas ao que ocorre no campo social. Com uma análise pós-estruturalista se pode questionar o efeito de verdade que produz o essencialismo de discursos emanados da filosofia moderna, como o direito e mais especificamente os direitos humanos. Para uma análise feminista e outra antropológica ver, respectivamente Chinkin (1999) e An-Na’im (1995). .

Em primeiro lugar, em relação à genealogia, cabe mencionar que, no pós-estruturalismo, existe grande variedade de definições de discurso, desde o relativismo epistemológico ou ontológico (o mundo material existe, mas só adquire significado a partir dos discursos que se usam para descrevê-lo), até os que assumem uma visão epistemológica relativista, mas uma ontologia realista (o mundo material está necessariamente mediado e construído por discursos, mas existem estruturas e mecanismos subjacentes que criam os fenômenos sociais), como no caso de Michel Foucault, cuja definição de discurso é a que interessa aqui.

Em seus estudos iniciais - aqueles que analisavam a medicina e a psiquiatria - Foucault (1977) considerava os discursos como sistemas autônomos de regras que constituíam objetos, conceitos, sujeitos e estratégias, os quais definiam a produção de enunciados científicos. Depois, em seus trabalhos sobre sexualidade e sobre a história da prisão, Foucault (1988, 1985, 1998) se baseou em Nietzsche para desenvolver uma ideia mais complexa dos discursos, segundo a qual eles se constituem como blocos táticos operando no campo das relações de força. Em outras palavras, o discurso como um conjunto de enunciados que utilizam diferentes forças para promover interesses e projetos, enquanto estabelecem pontos de resistência para que surjam contraestratégias. Nessa visão, Foucault distinguia práticas discursivas e não discursivas - entre as últimas se encontram as instituições e a técnica (1988, 1998). Para pesquisar a formação de discursos e as relações de poder que informam a prática de um discurso determinado, o autor desenvolveu o método genealógico. Segundo esse método, rastreando a formação de sujeitos, objetos, conceitos e estratégias em contextos específicos, é possível identificar a forma pela qual o poder disputa os enunciados que constituem uma formação discursiva.

Com base no pensamento de Foucault, os direitos humanos podem ser vistos como uma formação discursiva cuja genealogia na região latino-americana (ou em cada um dos países da região) pode revelar não somente as relações de força que levaram ao surgimento de uma contraestratégia de luta, como também a contribuição do pensamento latino-americano à formação de conceitos tais como "desaparecimento forçado" ou "direitos coletivos dos povos indígenas". A genealogia do discurso dos direitos humanos no México, realizada em outra oportunidade, (Estévez López, 2007; Estévez, 2008) levou a duas descobertas. A primeira, de que o discurso de direitos humanos, como institucionalizado atualmente, não é produto da prática legal, mas sim da luta da esquerda social para defender sindicalistas, estudantes, camponeses e opositores políticos da repressão. Esses eram violentamente castigados por resistirem ao regime priísta que se negava a liberar a política da mesma forma que fazia com a economia, cuja reestruturação incrementava os níveis de pobreza e abandono social. A segunda, de que nessa luta a referência não era o liberalismo político e social do século XIX e princípios do século XX, mas, sim, o discurso da transição para a democracia tal qual havia sido promovido pelos intelectuais da Clacso, e o discurso da teologia da libertação, segundo os teólogos baseados na Universidade Centro-americana.

Em termos mais gerais, a genealogia do discurso de direitos humanos no México revela seu surgimento como uma contraestratégia sociopolítica frente à repressão. Na medida em que se converteu em um terreno no qual diferentes forças disputavam o poder, institucionalizou-se e começou a se legalizar, mas também a incluir outros sujeitos como povos indígenas, ou outros objetos como o livre comércio e o desenvolvimento social (Estévez López, 2007; Estévez, 2008). Uma genealogia similar nos casos de Argentina e Chile, por exemplo, seguramente revelaria a participação dos intelectuais no surgimento de termos tais como "desaparecimento forçado", e evidenciaria o papel de destaque das mulheres na ampliação do discurso em função do papel ativo que desempenharam as Mães e as Avós da Plaza de Mayo na conceitualização da prática violadora do direito à vida e da integridade física das pessoas, anteriormente não reconhecida.

Uma visão genealógica do discurso de direitos humanos como a aqui referida implica, ainda, pensá-lo como flexível, sem fundamentos naturais ou morais, pois em sua flexibilidade se encontra a possibilidade de expansão a respeito dos sujeitos, objetos, conceitos e estratégias novas aos quais ele possa se abrir. Entendidos os direitos humanos de forma mais tradicional, no sentido restrito da definição moderna de que fala Baxi, esta flexibilidade é inviabilizada, pois limita a construção permanente do discurso. Isto acontece porque a visão moderna dos direitos humanos, fundamentalmente liberal, repousa em uma série de supostos fixos, expostos na primeira seção do artigo.

O abandono desta visão fixa e fechada de direitos humanos e a adoção de outra que os define como uma formação discursiva (com objetos, sujeitos, conceitos e estratégias não definitivos e imutáveis, mas, em permanente construção, segundo os diferentes enfrentamentos de força e contraestratégias) permite entender a construção desses direitos segundo o contexto histórico e suas necessidades sociais. Mas como construir o significado dos direitos humanos renunciando a essencialismos e perceber seu surgimento por meio de uma análise genealógica? Isso se dá por uma construção via intertextualidade do discurso.

Baxi nos diz que os direitos humanos contemporâneos (ver a primeira parte deste artigo) são possíveis graças à intertextualidade de seus valores e instrumentos (Baxi, 2006). A intertextualidade é um termo proveniente da crítica literária, no entanto amplamente utilizado pelos expoentes dos Estudos Legais Críticos e se refere à inexistência de textos completamente novos ou autônomos. Estes se constroem na conjunção de textos passados e presentes tendo como referência seus contextos sociais. Devem, assim, ser entendidos em seu próprio contexto social e histórico, mas também na incorporação de leituras e contextos atuais.

Para Baxi, os valores e instrumentos de direitos humanos podem ser lidos como textos que se prestam a releituras e reinterpretações. A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), por exemplo, se refere aos direitos naturais da filosofia da Ilustração, mas sua construção moderna e contemporânea deve ser entendida em relação às lições do holocausto. Da mesma forma, a DUDH nutre a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, elaborada na década de 1970, momento histórico importante para o movimento de mulheres.

A forma precisa pela qual os sujeitos sociopolíticos utilizam a intertextualidade dos direitos humanos pode ser entendida a partir do trabalho da africana Celestine Nyamu-Musembi, dentro do que ela chama de "uma perspectiva de direitos humanos orientada pelo ator". Segundo ela, os instrumentos de direitos humanos se utilizam de construções histórica e geograficamente determinadas de direitos humanos, que geralmente expandem a gama dos próprios direitos e são posteriormente levados ao cenário internacional10 10 O papel das organizações de direitos humanos na construção do discurso internacional pode ser acompanhado em estudos que examinam a influência desses grupos no processo legislativo internacional. Por exemplo: Risse, Ropp e Sikkink (1999) e Korey (1998). . Nyamu-Musembi analisa como, em seu trabalho cotidiano, os intelectuais e ativistas locais interpretam os debates mais importantes acerca dos direitos humanos - universalidade versus particularidade; individualismo versus coletividade; o status dos direitos econômicos, sociais e culturais e a prestação de contas dos agentes violadores de direitos humanos não estatais - à luz da legislação internacional sobre o tema e de seus mecanismos de defesa. Ela conclui que as interpretações dos indivíduos sobre os direitos ampliam o alcance de alguns deles porque, em suas atuações concretas, formulam questões e respostas antes mesmo que debates teóricos e filosóficos o façam. Nyamu-Musembi estabelece que "observar o significado dos direitos a partir da perspectiva daqueles que os reivindicam transforma os parâmetros normativos dos debates sobre direitos humanos, coloca em questão as categorias conceituais estabelecidas e expande o conjunto de demandas que são validadas como direitos" (Nyamu-Musembi, 2002, p.1).

Como se vê no trabalho de Baxi e Nyamu-Musembi, a intertextualidade dos direitos humanos a partir de uma "perspectiva de direitos humanos orientada pelo ator" é utilizada fundamentalmente para a defesa de casos e para a construção de jurisprudência11 11 No campo do direito existe um corpo extenso de literatura que aborda a natureza da autoridade legal e como esta deve ser interpretada no momento de estabelecer jurisprudência. Alguns consideram que se deve abordar a lei de acordo com a intenção daqueles que a elaboraram, outros acreditam que a interpretação deve ser aquela que protege o sujeito defendido. Para a Escola de Estudos Legais Críticos, não existe uma resposta única para a questão. A arte de interpretar é um ato pragmático e pode se utilizar de quaisquer métodos que resultem apropriados para o caso, ver Balkin (2005) e Marmor (1997). . Com base na visão genealógica do discurso dos direitos humanos na América Latina, especialmente a genealogia mexicana, é possível afirmar que a aplicação dessa mesma ideia à interpretação política - ao invés de legal - dos direitos humanos é de inquestionável pertinência em negociações com o Estado ou em cenários internacionais tais como as instituições da economia política global - Banco Mundial ou Organização Mundial do Comércio. A legitimidade política do discurso dos direitos humanos é o que torna possível que os textos sobre o assunto - bem como instrumentos e valores - não percam a validade, mesmo que sujeitos a negociação e não no contexto de um caso legal. Essa legitimidade permite que os textos legais de direitos humanos sejam interpretados politicamente no âmbito de uma proposta de política pública e econômica, para produzir determinados argumentos que levam o simbolismo ético e a legitimidade dos direitos humanos sem ter que levar o assunto a um litígio legal. A legislação sobre o tema pode ser usada para nomear uma demanda legítima sem que necessariamente esteja estabelecida como um direito positivo, na forma de jurisprudência.

No terreno sociopolítico, esse potencial político foi utilizado por ativistas mexicanos para se oporem às negociações sobre livre-comércio entre México e União Europeia e no âmbito da Área de Livre-comércio das Américas (Estévez, 2008). Da mesma forma, os camponeses mexicanos formularam o "direito de ser camponês" combinado ao uso de argumentos relacionados aos dos direitos humanos existentes: o direito ao trabalho e o direito à cultura. Segundo este enunciado, ser camponês é um emprego, mas também uma atividade vinculada à identidade cultural. Com a formulação do direito de ser camponês, os trabalhadores do campo mexicano passaram a negociações políticas com o Estado mexicano. Seria interessante também ver a forma através da qual os movimentos indígenas latino-americanos contribuíram para a conceitualização dos direitos culturais e coletivos no interior de processos de intertextualidade como esse (Estévez, 2008). Essa conceitualização também foi utilizada pelo movimento social pelo direito à água em Cochabamba, na Bolívia. De fato, os ativistas deram grande contribuição à concepção do direito humano à água, o que pode ser observado nas semelhanças entre seu discurso e a Observación General 15, aprovada em 2002 pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, dois anos depois de terminada a assim chamada Guerra da Água na Bolívia (Argüello, 2012).

Por sua vez, a organização norte-americana Human Rights Information and Documentation Systems (Huridocs) apela simultaneamente a diversos artigos do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais para atribuir significado de direitos humanos a fenômenos sociais diversos, não necessariamente reconhecidos como fontes de direitos humanos. Para constituir o roubo de conhecimento tradicional indígena como uma violação aos direitos humanos, Huridocs utiliza os artigos 1o, 15 e 25 do Pacto, referentes à autodeterminação dos povos, à propriedade intelectual de inventores e artistas, e o direito aos recursos naturais dos povos indígenas, respectivamente (McChesney, 2005). No terreno teórico, McChesney propôs o reconhecimento de uma série de direitos de mobilidade, com base na ideia de Pecoud e De Gutchteneire (2007) de reinterpretar textualmente os artigos 13 e 14 da DUDH, que estabelecem o direito de toda pessoa a deixar seu país de origem e a ele regressar (direito de emigrar), e o Artigo 14 que estabelece o direito de buscar asilo (direito de imigrar) (Estévez, 2012).

Conceitualizando os direitos humanos a partir de uma perspectiva sociopolítica e latino-americana

As primeiras duas partes deste artigo exploraram elementos imprescindíveis para uma conceitualização de direitos humanos capaz de resgatar as mais importantes contribuições do continente latino-americano ao discurso internacional de direitos humanos, a saber, as lutas sociais engendradas no pensamento sobre a historização da região. O primeiro ponto é o de que uma visão dos direitos humanos como formação discursiva permite que, por meio de uma análise genealógica, se resgate, de um lado, as relações de força que levaram diversos assuntos a serem disputados no terreno do discurso de direitos humanos; e, de outro lado, a influência do pensamento propriamente latino-americano sobre essas estas lutas.

O segundo é o de que efetivamente as lutas sociais influenciam a formação do discurso dos direitos humanos, graças ao processo de intertextualidade e à "perspectiva de direitos humanos orientada pelo ator". Ambos, processo e perspectiva, evidenciam como os textos e os valores dos direitos humanos podem ser interpretados e reinterpretados para formular novas demandas e como os atores sociais ampliam a gama de direitos, bem como seu alcance, a despeito dos debates conceituais e filosóficos prevalecentes no pensamento tradicional. Tudo isso, como já dito, não somente em processos judiciais, como também em lutas sociopolíticas.

Com essas duas bases, é possível ensaiar uma construção propriamente latino-americana de direitos humanos. A partir dessa perspectiva, os direitos humanos deveriam ser definidos como uma construção linguística político-legal (uma formação discursiva), cujos valores e instrumentos são intertextuais e podem ser reinterpretados pelas lutas sociais para articular suas demandas e construir novas petições de direitos humanos no âmbito legal, mas sobretudo no sociopolítico. Retomando Baxi, os direitos humanos são construções linguísticas políticas e legais que podem ser utilizadas pelas pessoas que sofrem exclusão e violência para atribuir significado à sua experiência. De acordo com as discussões sobre genealogia e intertextualidade, quando os excluídos utilizam os direitos humanos para tais propósitos, estes se convertem em um discurso que dá significado ao sofrimento humano e provê aqueles que os reclamam de ferramentas necessárias para se oporem às causas desse sofrimento (as desigualdades socioeconômicas e a discriminação) e as expressões da coerção utilizada para manter o status quo (violência e repressão).

No entanto, é preciso considerar o risco de que esta visão latino-americana dos direitos humanos seja acusada de, em seu afã de resgatar a contribuição sociopolítica do continente, subtrair o conteúdo ético que subjaz as definições essencialistas e morais. Sem uma base ética, os direitos humanos ficariam vulneráveis a usos de governos e poderosos para seus próprios fins. Costas Douzinas responde a isso dizendo que, quando os direitos humanos não são usados para atribuir significado ao sofrimento e para empoderar as pessoas contra a opressão, já não são uma crítica da lei, mas sim uma legislação dos próprios desejos (Douzinas, 2000). Por sua vez, Baxi diz que os direitos humanos constituem um discurso que impõe limites aos poderosos, sejam atores estatais ou privados, implicados nas violações (Baxi, 2002).

No entanto, como demonstram as invasões bélicas em nome da democracia e dos direitos humanos, independentemente de sua definição teórica, o discurso é utilizado nas lutas de poder que o conformam. Por essa razão a solução desse problema não pode ser teórica, mas sim política. O discurso de direitos humanos é viável para as lutas sociais precisamente porque leva uma carga política "extra", que pode ser utilizada pelos poderosos, mas também por povos em luta. No último caso, esse acréscimo se expressa de duas formas. Na primeira, a legislação de direitos humanos proporciona um respaldo moral às demandas expressas nas lutas sociais porque os Estados firmaram o compromisso internacional de respeitá-los e promovê-los, sendo, então, importante fonte de legitimidade (Schmitz; Sikkink, 2002; Falk, 2000; Brysk, 2005). Na segunda forma, as agendas dos movimentos sociais e suas mobilizações não somente se referem a uma série de ideias abstratas, como também a um projeto focado em combater o sofrimento das pessoas. A luta pelo respeito aos direitos humanos em qualquer conflito não é uma luta por uma qualificação metafísica das pessoas, mas pelas próprias pessoas, pelas condições que garantem a sua dignidade. Não é simplesmente acerca do respeito aos ideais de dignidade humana, igualdade e dever per se, mas sim do estabelecimento de condições que levem a uma situação em que esses ideais sejam de fato cumpridos. As lutas pelos direitos humanos na América Latina são demonstrações disso.

* * *

Uma conceitualização latino-americana dos direitos humanos não se pode ser feita a partir do direito porque a contribuição da América Latina ao discurso contemporâneo dos direitos humanos não se encontra na contribuição do pensamento teológico-aristotélico e liberal ao constitucionalismo contemporâneo, mas sim nas lutas dos movimentos sociais por seus direitos humanos. Por isso, uma conceitualização propriamente latino-americana deve resgatar sua história social e intelectual. Com este fim, podemos utilizar uma perspectiva discursiva que reconheça as lutas de poder em sua genealogia, assim como sua construção e reconstrução permanentes. Dessa forma, os direitos humanos deixam de ser atribuições metafísicas ou morais fixas e se convertem em construções linguísticas, políticas e legais permanentes, que empoderam os povos em luta e conferem legitimidade política a seu sofrimento e demandas. Os estudos genealógicos por país poderiam dar uma ideia mais precisa das lutas e correntes intelectuais mais influentes.

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  • 1
    Discussões sobre as posturas relativistas podem ser encontradas em Wilson (1997) e An-Na’im (1995). Para a discussão sobre a visão moderna e a contemporânea de direitos humanos, ver Baxi (2002).
  • 2
    Para interessantes discussões sobre os pensadores novohispanos, ver Beuchot (2000) e Ibargüengoitia (1994). Para a adoção do liberalismo no pensamento mexicano, ver Reyes Heroles (1978) e Hale (2005).
  • 3
    Ver a interessante discussão de Beuchot sobre diversos argumentos a favor de uma fundamentação filosófica dos direitos humanos a partir da América Latina, incluindo a sua, em Beuchot (2005).
  • 4
    A teologia e a filosofia da libertação se encontram fundamentadas na ideia de libertar o pobre da opressão. A diferença entre ambas é a de que enquanto a teologia da libertação se ocupa do estudo teórico da relação de Deus com a realidade, a filosofia da libertação tem como enfoque a ética. Por isso em seus trabalhos mais recentes Dussel fala de ética da libertação, ao invés de filosofia da libertação. A preocupação fundamental dessa ética é a raiz material em vez de moral ou metafísica da mesma. Ver Dussel (2006).
  • 5
    Para uma discussão de como os teólogos da libertação rechaçavam as ideias de democracia e direitos humanos nos anos de 1970, ver Sigmund (1990, p.52-78). Nesse capítulo, Sigmund oferece uma caracterização dos representantes mais importantes das ideias marxistas na teologia da libertação, como Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo, José Miguez Bonino, Hugo Assmann e Enrique Dussel. Ver também: Berryman (1987), Aguayo Quezada e Parra Rosales (1997) e Grugel (2002).
  • 6
    Para uma análise da situação de repressão no México em relação à América Central e do Sul, ver Casanova (1989) e Malo; Centro de Direitos Humanos "Fray Francisco de Vitoria" (1989).
  • 7
    Para discussões sobre os motivos por trás da teorização da transição à democracia ver Lesgart (2003) e Roitman Rosenmann (2005). Sobre a abertura da teologia da libertação ao pensamento de direitos humanos, consultar Berryman (1987) e Sigmund (1990). O pensamento da teologia da libertação sobre direitos humanos, por exemplo, em Ellacuría (1990) e Comblin (1979).
  • 8
    Quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional depôs as armas e o governo mexicano aceitou negociar com a guerrilha, acordou-se que se faria um diálogo para que os indígenas expressassem suas demandas culturais, sociais, econômicas e políticas e o governo as transformassem em uma lei de direitos indígenas. Participaram do diálogo organizações da sociedade civil convidadas pelos zapatistas. O diálogo aconteceu em San Andrés Sacamch’em, Chiapas, e dividiu-se em seis mesas de debate, entre as quais a mencionada aqui, de direitos e cultura indígena. O acordo ali firmado ficou conhecido como "Os acordos de San Andrés" e o processo como "Práticas de San Andrés".
  • 9
    O pós-estruturalismo não é a única forma de levar a cabo uma análise construtivista dos direitos humanos. O feminismo e o relativismo cultural antropológico são, também, úteis e ambos podem nutrir-se de ideias pós-estruturalistas, mas enfatizam agendas muito particulares, que podem ser camisas de força para uma análise mais política como a que se propõe aqui. O pós-estruturalismo oferece a possibilidade de ver os fenômenos sociais surgidos da linguagem com a filosofia, as ciências e a própria descrição da sociedade, como construções linguísticas independentes e relacionadas ao que ocorre no campo social. Com uma análise pós-estruturalista se pode questionar o efeito de verdade que produz o essencialismo de discursos emanados da filosofia moderna, como o direito e mais especificamente os direitos humanos. Para uma análise feminista e outra antropológica ver, respectivamente Chinkin (1999) e An-Na’im (1995).
  • 10
    O papel das organizações de direitos humanos na construção do discurso internacional pode ser acompanhado em estudos que examinam a influência desses grupos no processo legislativo internacional. Por exemplo: Risse, Ropp e Sikkink (1999) e Korey (1998).
  • 11
    No campo do direito existe um corpo extenso de literatura que aborda a natureza da autoridade legal e como esta deve ser interpretada no momento de estabelecer jurisprudência. Alguns consideram que se deve abordar a lei de acordo com a intenção daqueles que a elaboraram, outros acreditam que a interpretação deve ser aquela que protege o sujeito defendido. Para a Escola de Estudos Legais Críticos, não existe uma resposta única para a questão. A arte de interpretar é um ato pragmático e pode se utilizar de quaisquer métodos que resultem apropriados para o caso, ver Balkin (2005) e Marmor (1997).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012
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