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ADJUDICAÇÃO DE DIREITOS E ESCOLHAS POLÍTICAS NA ASSISTÊNCIA SOCIAL O STF E O CRITÉRIO DE RENDA DO BPC*

Rights Adjudication and Policy Choices in Social Assistance: the Brazilian Supreme Federal Court and the Maximum Income Threshold for the Benefício de Prestação Continuada (BPC)

RESUMO

Este trabalho discute as implicações da decisão do STF que amplia o número de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada ao flexibilizar o limite de renda para seu recebimento. A Corte realizou uma escolha distributiva e política com custos de oportunidade significativos, o que fica claro quando os efeitos dessa decisão são comparados ao de políticas como o Bolsa Família e o Brasil Carinhoso.

PALAVRAS-CHAVE:
Benefício de Prestação Continuada; Supremo Tribunal Federal; judicialização; direito social; Bolsa Família; assistência social

ABSTRACT

This paper analyzes the implications of the Brazilian Federal Supreme Court judgment that expanded the number of people eligible for a social benefit called Benefício de Prestação Continuada. This judgment has policy implications and opportunity costs that become clear when the expected impact of this decision is compared to the cost and effectiveness of other social policies such as Bolsa Família and Brasil Carinhoso.

KEYWORDS:
Benefício de Prestação Constinuada; Brazilian Federal Supreme Court; judicialization of politics; social rights; Bolsa Família; social assistance

A Constituição Federal é inequívoca com relação ao compromisso que assume com o combate à pobreza e à exclusão social.A cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º), que tem, dentre outros objetivos, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação (art.3º).A Constituição, quando trata dos “direitos e garantias fundamentais” (título II), também prevê um amplo rol de direitos sociais (art. 6º): os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância e à assistência aos desamparados.

Esses direitos ganham densidade ao longo do texto constitucional. No caso da assistência aos desamparados, o art. 203 da Constituição trata dos objetivos da assistência social e, em seu inciso V, estabelece “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. É sobre esse benefício, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que trata este artigo.

Embora seja uma prestação assistencial prevista constitucionalmente desde 1988, ele foi apenas regulamentado em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), com alterações promovidas pelas Leis n. 12.435 e n. 12.470, ambas de 2011, e pelos Decretos n.6.214,de 2007,e n.6.564,de 2008.O BPC é um dos elementos do Sistema Único de Assistência Social, uma complexa rede de políticas públicas não contributivas que visa à prestação do direito constitucional à assistência social,1 1 Coutinho, 2013. e também um direito social reconhecido constitucionalmente.

Uma das consequências da constitucionalização de direitos sociais, sobretudo quando possuem esse status de direitos humanos fundamentais, é a sua judicialização. Os exemplos mais conhecidos no Brasil de judicialização de direitos sociais são as ações judiciais contra o poder público com pedidos de medicamento (direito à saúde) e de matrículas em creches (direito à educação).2 2 Hoffmann; Bentes, 2010; Piovesan,2008;Wang,2008;Ferraz,2011. O mesmo fenômeno tem ocorrido com o BPC,um caso muito menos estudado,porém com impacto orçamentário e sobre o desenho de sua própria política pública potencialmente maior que o da judicialização de direitos como saúde e educação.

O art. 20, §3o, da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), ao regulamentar o art. 203, inciso V, da Constituição Federal, estabelece que,para fins de recebimento de BPC,“considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”.

Pessoas cujas famílias estão acima desse critério de renda,contudo, têm levado ao Judiciário demandas questionando a sua constitucionalidade. Argumentam, de maneira geral, que tal critério de renda restringiria seu direito constitucional de assistência social porque,ainda que tenham uma renda familiar per capita acima do critério estabelecido pela Loas, vivem em famílias que são incapazes de prover seu sustento. Essa questão foi analisada em diversas decisões no Supremo Tribunal Federal (STF) e,recentemente,teve sua repercussão geral reconhecida e julgada no Recurso Extraordinário (RE) 567.985.

Assim como acontece com outros direitos sociais, a constitucionalização e judicialização do BPC coloca ao Judiciário o desafio de decidir,de um lado,sem “usurpar” as funções usualmente atribuídas ao Executivo e ao Legislativo por razões de legitimidade democrática e capacidade institucional e, de outro, sem “abdicar” de sua função de controlador desses outros poderes na concretização de direitos.3 3 Michelman, 2003, p.16; Ferraz, 2013.

Este artigo,primeiramente,descreve como o STF tem lidado com esse dilema entre “abdicação” e “usurpação” quando decide sobre o critério de renda do BPC. Como demonstraremos, a jurisprudência do STF sobre o tema sempre oscilou entre ora respeitar a decisão legislativa, que limita a concessão do benefício apenas para pessoas de renda familiar per capita abaixo de 1/4 de salário mínimo, ora determinar sua inconstitucionalidade por desconsiderar as necessidades de pessoas não compreendidas por esse critério. Essa oscilação refletiu-se nos debates do pleno da Corte, bem como em suas decisões monocráticas, marcados pela convivência de diferentes interpretações sobre a questão.

Para uniformizar sua jurisprudência e sanar essa incerteza e dualidade, o STF declarou a repercussão geral no RE 567.985, caso que assumiria então a função de recurso paradigma ao problema. Na decisão desse recurso, ao tentar escapar da crítica de “abdicar” das suas funções de protetor de direitos constitucionais, decidiu pela inconstitucionalidade do critério de renda do BPC, o que a princípio permite que pessoas com renda acima de 1/4 de salário mínimo per capita tornem-se elegíveis para receber o benefício. Ao mesmo tempo, para também esquivar-se da crítica de ter “usurpado” funções legislativas e executivas, decidiu pela não nulidade do art. 20, §3o da Loas, sem estabelecer novos parâmetros à concessão do benefício e deixando a decisão para os juízes em cada caso.

Em seguida à análise da jurisprudência do STF, este artigo argumenta que a solução dada pelo Tribunal para essa questão não foi plenamente adequada, uma vez que o direito à assistência social foi interpretado e aplicado sem suficiente consideração da política de assistência social que o concretiza. Na medida em que a efetivação do direito à assistência social não é analisada como uma questão de justiça distributiva e policêntrica,4 4 Fuller, 1978. a qual, portanto, afeta muitos outros não contemplados no processo judicial e de forma quase imprevisível, ela foi reduzida à solução de uma disputa bilateral entre um indivíduo versus o Estado. Como se espera discutir neste artigo, essa simplificação do problema leva os ministros do STF a perderem de vista que a possível ampliação de direitos da assistência social via adjudicação é inexoravelmente uma escolha distributiva e política entre diferentes necessidades, valores e demandas sociais que competem por recursos escassos.

O CRITÉRIO DE RENDA DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NO STF

Jurisprudência do STF anterior ao RE 567.985

O benefício de prestação continuada é questionado perante o STF pelo menos desde 1993.5 5 Considera-se aqui, obviamente, a judicialização apenas do benefício de prestação continuada da Assistência Social, previsto pelo art. 203, inciso v da Constituição de 1988 e regulamentado pela Loas. Isso porque existem também os benefícios de prestação continuada oferecidos pela Previdência Social, como aposentadorias, pensões por morte, auxílios, rendas mensais vitalícias, abonos de permanência em serviço, os salários-família e maternidade (conferir em http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/menu-de-apoio-estatisticas-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2007-beneficios/, acesso em: 12 nov. 2013). Esses benefícios, sua correção e critérios, já eram amplamente judicializados mesmo antes da Constituição de 1988, como se pode conferir pela jurisprudência do STF (por exemplo: RE 74.311/GB, rel.min.Djaci Falcão,j.3 out.1972;RE 87.690/CE, rel. min. Xavier de Albuquerque, j. 19 ago. 1977; e RE 147.684/ DF,rel.min.Sepúlveda Pertence,j.26 jun. 1992). Nesse ano, pouco antes da aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), um grupo de pessoas portadoras de deficiência impetrou o Mandado de Injunção 448/RS, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, demandando que o STF declarasse a mora do Congresso Nacional em regulamentar o benefício e determinasse um prazo de 45 dias para aprovação da nova lei ou a concessão direta de um salário mínimo aos impetrantes.O STF só julgou a ação em 5 de setembro de 1994,acolhendo em parte a pretensão dos demandantes para apenas declarar o Legislativo em mora, algo que somente seria completamente sanado em 1996 com a vigência do Decreto1.744/1995.6 6 Penalva et al., 2010. Apesarderegulamentado,aconcessãodobenefício continuou sendo questionada judicialmente, sobretudo quanto à exigência de renda per capita familiar máxima de 1/4 de salário mínimo.

Assim, em 1998 o procurador-geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.232, requerendo que o STF reconhecesse a inconstitucionalidade do critério de 1/4 de salário mínimo estabelecido na Loas. Segundo os argumentos do demandante, a Constituição determinou que “[a] assistência social será prestada a quem dela necessitar” (art. 203) e, portanto, o art. 20, §3o, da Loas, para ser constitucional, não poderia ser interpretado como o único critério para determinar a falta de meios para uma família prover o sustento para o idoso ou pessoa com deficiência, mas apenas como uma forma dentre várias outras para se comprovar tal situação.

A decisão da maioria dos ministros nesse caso julgou pela constitucionalidade do dispositivo. O voto do ministro Nelson Jobim, que encabeçou a posição majoritária,julgou que a Constituição foi clara ao determinar que “compete à lei dispor a forma de comprovação”, de tal modo que a inclusão de outros critérios dependeria de mudança legislativa e não de interpretação pelo STF.O ministro Sepúlveda Pertence acrescentou ainda que provavelmente a lei seria omissa na previsão de outras hipóteses necessárias à comprovação da miserabilidade.No entanto, a ação direta de inconstitucionalidade não era, para ele, o remédio adequado para sanar essa omissão.

A posição dissidente do relator ministro Ilmar Galvão e do ministro Néri da Silveira, ao contrário, acompanhou o parecer da Procuradoria-Geral da República, o qual recomendava que o texto fosse declarado inconstitucional sem redução de texto, por meio da técnica de interpretação conforme a Constituição. Para esses dois ministros vencidos,a única interpretação constitucional possível do critério que não “afastaria grande parte dos destinatários do benefício” deveria permitir compreendê-lo apenas como uma presunção juris et juris, ou seja, exigência suficiente para comprovação de miserabilidade, mas não necessária, já que outros critérios também poderiam servir para determinar a real situação de incapacidade econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Apesar de dissidente e minoritária, essa interpretação do critério de 1/4 de salário mínimo per capita foi assumida por muitas decisões em tribunais federais inferiores, o que ensejou novas manifestações

do STF, primeiro monocraticamente7 7 Conferir: AI 471.005 AGR, rel. min. Gilmar Mendes, j. 17 dez. 2003; AI 475.496, rel. min. Marco Aurélio, j. 19 mar. 2004; e Rcl 2303, rel. min. Ellen Gracie, j. 1 abr. 2004. e depois em plenário no julgamento do Agravo Regimental da Reclamação 2.303,em maio de 2004. Nessa decisão, o STF, liderado pelo voto da relatora ministra Ellen Gracie, reiterou o precedente e julgou que a decisão reclamada (que concedera o benefício de prestação continuada sem o cumprimento de 1/4 de salário mínimo) estava em desacordo com o julgamento do STF na ADI 1.232.

Também na decisão desse agravo formou-se outra dissidência minoritária, sobretudo com o voto do ministro Carlos Ayres Britto. Este recuperou a posição vencida na ADI 1.232 para então votar pela procedência do recurso e, portanto, pela interpretação que compreende a exigência de 1/4 de salário mínimo com um critério objetivo que não impede “que o particular pretendente ao benefício mensal possa eventualmente comprovar, mesmo ultrapassando esse parâmetro de ganhos per capita, a necessidade de assistência material-financeira”.

Mesmo depois do julgamento do referido agravo, a posição minoritária do STF continuou a ser adotada em muitos tribunais inferiores8 8 Penalva et al., 2010. que concediam o benefício de prestação continuada a idosos e portadores de deficiência com renda familiar per capita superior a 1/4 de salário mínimo. Isso levou a novos recursos e reclamações interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) perante o STF,alegando novamente o descumprimento do precedente da Corte firmado na ADI 1.232.

Os próprios ministros, no entanto, começariam a se posicionar monocraticamente de forma favorável à concessão dos benefícios mesmo quando não cumprido esse critério de renda. Nas decisões da Corte entre maio de 2004 e fevereiro de 20089 9 Conferir: Rcl 3.891, rel. min. Carlos Velloso, j. 1 dez. 2005; Rcl 3.805, rel min.Cármen Lúcia,j.9 out.2006; Rcl 3.975 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 23 fev. 2006; Rcl 4.156, rel. min. Eros Grau, j. 13 mar. 2006; Rcl 4.137, rel. min. Eros Grau, j. 13 mar. 2006; Rcl 4.270, rel. min. Eros Grau, j. 17 abr. 2006; Rcl. 4.280, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 20 jun. 2006; Rcl 4.145,rel.min.Marco Aurélio,j.30 abr. 2006; Rcl 4.374, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1 fev. 2007. (quando declarada a repercussão geral do RE 567.985 sobre o tema), os ministros individualmente passaram a vincular-se cada vez mais à posição até então dissidente,não apenas argumentando que a ADI 1.232 não teria determinado o critério de 1/4 como o único e suficiente para aferir pobreza, mas também que a interpretação conjunta das regras constitucionais, da previdência e assistência social, permitiria compreender renda e pobreza de forma mais abrangente. Nas palavras de Carlos Velloso ao recuperar e ratificar a decisão recorrida, por exemplo:

Ora, em decorrência da Emenda Constitucional n. 31/2000, que instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, e foi regulamentado pela Lei Complementar n. 111/2001, que no §2o do art. 3o remeteu ao Executivo a definição do conceito de linha de pobreza, forçoso é reconhecer que o valor da linha de pobreza definido pelo inciso I do art. 4o do Decreto n.3.997/2001 também se aplica para fins de obtenção do benefício assistencial de prestação continuada de que tratam o art.203,inciso V,da Constituição Federal de 1988 e o art. 20 da Lei n. 8.742/93, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, cf/88), já que não se pode admitir que a uma pessoa na linha de pobreza seja negado um benefício de Assistência Social. 10 10 Rcl 3.891, j. 1 dez. 2005.

Apesar de individualmente os ministros se posicionarem contrários a uma interpretação estrita e suficiente do critério de 1/4, o plenário do STF permaneceu reafirmando a posição estabelecida na ADI,11 11 Como informa o ministro Teori Zavascki em seu voto no RE 567.985: “O Plenário, todavia, continuava mantendo o que foi decidido na ADI 1.232/DF (v. g.: Rcl-MC-AgR 4.427/ RS, Pleno, rel. min. Cezar Peluso, j. 6 jun. 2007, DJ 29 jun. 2007, p. 23; Rcl 2.323/PR, Pleno, rel. min. Eros Grau, j. 7 abr. 2005, DJ 20 maio 2005, p. 8; Rcl-AGR 2.303/RS,Pleno,rel.min.Ellen Gracie, j. 13 maio 2004, dj 1 abr. 2005, p. 5)”. dando provimento a recursos e reclamações do INSS que alegassem descumprimento desse precedente.Essa situação levou à convivência de duas posições diferentes da Corte: o critério de 1/4 ora era visto como insuficiente e até superável para a constatação da condição de miserabilidade e concessão do benefício, ora era confirmado invocando-se a posição majoritária da ADI 1.232.

Recursos semelhantes,normalmente ajuizados pelo INSS quando perdia nas instâncias federais a quo poderiam, então, obter destinos bastante diversos caso fossem decididos monocraticamente ou levados a plenário. Em razão da convivência desses dois possíveis resultados em meio às decisões do STF e na tentativa de,de uma vez por todas, vincular todos os demais tribunais à sua posição majoritária, em fevereiro de 2008 o STF decide pela repercussão geral do RE 567.985, de relatoria do ministro Marco Aurélio.

O RE 567.985

O recurso extraordinário 567.985 foi julgado em 10 de abril de 2013. Interposto pelo INSS contra decisão da Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, questionava a concessão judicial do benefício de prestação continuada a indivíduo que não preenchia o critério de 1/4 de salário mínimo per capita como renda familiar, alegando descumprimento do quanto determinado pelo precedente da ADI 1.232.

A decisão recorrida não só assumia que esse critério não seria necessário para a concessão do benefício como teria se modificado para meio salário mínimo com o advento das Leis n.9.533/1997 (lei que autoriza a União a conceder apoio financeiro aos municípios que instituírem programas de renda mínima) e n. 10.689/2003 (Lei do Programa Nacional de Acesso à Educação). Outros argumentos a favor dessa posição são trazidos pelo defensor público-geral da União e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), que figuravam como interessados no caso. Dentre esses argumentos estão: 1/4 de salário mínimo não se mostraria mais um padrão adequado para aferir a miserabilidade individual e familiar; outras leis teriam modificado esse critério (tais como as citadas pela decisão recorrida bem como o Decreto n. 3.887/2001, que instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza); e um valor mínimo maior serviria como melhor parâmetro a concessão do benefício, pois evitaria os erros de focalização que já estariam presentes na política, além de aumentar a população legalmente beneficiária com um custo adicional de “apenas” 3% sobre o orçamento previdenciário total.

Duas visões sobre o problema concorreram na decisão desse caso. A primeira, que fundamentou a posição vencedora, é capitaneada pelos ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Para ambos, o critério de 1/4 de salário mínimo sofreria de um vício de omissão parcial, já que não seria suficiente para aferir a real condição de miserabilidade do beneficiário, que, em muitos casos, poderia ter renda per capita familiar superior,mas ainda assim ser considerado pobre e necessitado do benefício. Para os ministros, a determinação constitucional desse benefício exigiria apenas que o indivíduo comprovasse sua necessidade. Isso porque o direito ao benefício decorreria da própria Constituição, e não da política social criada com a Loas, que apenas o teria operacionalizado. Mais ainda, assumir que o critério de 1/4 seria uma forma suficiente de o Estado identificar os mais necessitados permitiria desprezar todos aqueles que, não cumprindo o critério, teriam ainda assim seu direito à dignidade humana ameaçado por viverem em situação de pobreza.

Esse critério, inclusive, teria passado por processo de “inconstitucionalização” paulatina causada por mudanças fáticas e jurídicas derivadas,sobretudo,da criação de outros programas de transferência de renda,como o Bolsa Família,e da adoção de outras políticas sociais que utilizam o valor de meio salário mínimo para aferição da pobreza. Esse processo estaria conduzindo a um esvaziamento da decisão tomada na ADI 1.232, reiterado pelas mudanças na própria jurisprudência recente do STF. Nenhum dos dois ministros, contudo, argumentou pela superação desse precedente,ou seja,a simples declaração de inconstitucionalidade do critério de 1/4 de salário mínimo, já que reconhecer a nulidade nesse caso levaria a um “vácuo” jurídico que poderia prejudicar a concessão de novos benefícios.É sobre a solução desse problema - o que fazer com o critério de 1/4 - que os dois ministros divergem, como se verá a seguir.

A segunda visão do problema, que fundamenta os votos dissidentes dos ministros Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski, argumenta que a discussão em questão se apresentaria exatamente nos mesmos termos daquela da ADI 1.232. Portanto, seria possível rever essa decisão em recurso extraordinário apenas se o critério de renda da Loas tivesse sofrido uma inconstitucionalidade superveniente, o que para os ministros vencidos não ocorrera. Como assinala em seu voto o ministro Teori Zavascki, ao entender ser impossível comparar o BPC com outras políticas com objetivos e contornos próprios:

O benefício decorrente do art. 203, V, da Constituição, de natureza individual, disciplinado no art. 20, §3º da Lei 8.742/1993, tem configuração e pressupostos normativos próprios, insuscetíveis de equiparação com outros benefícios sociais, de natureza familiar, como o da Lei 10.689/2003, que cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, ou o da Lei 9.533/1997, que incentiva a criação de programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. Por isso mesmo, não se pode supor que a mudança na legislação em relação aos requisitos ou pressupostos para a concessão de um desses benefícios autorize a conclusão de que os mesmos pressupostos ou requisitos devam ser aplicados aos demais.

A partir da posição majoritária, o STF negou provimento ao recurso, mas optou por não declarar a nulidade do texto. O ministro Marco Aurélio, relator do caso, entendeu que o critério de 1/4 deveria ser considerado constitucional, desde que sua interpretação e a necessidade de cumpri-lo ou eventualmente ultrapassá-lo coubesse aos juízes a quo pela análise caso a caso. O ministro Gilmar Mendes, por outro lado, também temeroso de que a declaração de inconstitucionalidade levasse à nulidade do critério, sugere outra solução ao problema,esta adotada pela Corte:a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto.Apesar de propor que a Corte determinasse um prazo de pouco mais de dois anos (até 31 de dezembro de 2015) para que o Congresso editasse uma nova legislação sobre a matéria, tal proposta do ministro não obteve a maioria de 2/3 necessária à modulação de efeitos da decisão.

Ao final, a Corte decidiu por negar provimento ao recurso, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade parcial do §3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, sem redução de seu texto. Desse modo, o critério de 1/4 continuaria vigente e aplicável, mas sem excluir outros critérios ou fontes de prova que pudessem aferir a condição de miséria no caso concreto, ao menos enquanto se espera nova regulamentação do Congresso Nacional, sem prazo para ocorrer.

O STF E SUA ESCOLHA DE POLÍTICA PÚBLICA

A importância do BPC é inegável no combate à pobreza e à desigualdade, assim como na proteção social que uma renda estável oferece a idosos e pessoas portadoras de deficiência.12 12 Jaccoud;Hadjab;Cheibub,2010, p. 16; Medeiros; Sawaya Neto; Granja, 2009; Medeiros; Diniz; Squinca, 2006; Medeiros; Britto; Soares, 2007; Datamétrica, 2010; Soares et al., 2006. O BPC tem ampliado seu alcance desde sua criação. A idade mínima para recebimento do benefício, inicialmente de setenta anos, foi reduzida para 68 e atualmente é de 65 anos. Também o conceito de deficiência foi ampliado para incluir não apenas a dimensão médica, mas também o contexto social e ambiental em que o indivíduo vive.13 13 Jaccoud;Hadjab;Cheibub,2010, p. 6-7. Além disso, o aumento significativo do salário mínimo na última década elevou o patamar real de elegibilidade para se tornar beneficiário do programa, bem como os gastos com benefícios. Observa-se, assim, que o BPC tem se expandido, o que se reflete tanto na ampliação do número de beneficiários como no gasto com o BPC nas últimas décadas (ver Gráfico 1).

O critério de renda de 1/4 do salário mínimo per capita,porém,não foi objeto de alteração legislativa, apesar dos 53 projetos de lei que entre 1994 e 2010 propuseram seu aumento, mas que não obtiveram apoio suficiente no Executivo e Legislativo para aprovação.14 14 Miranda, 2012, p. 33. Esse critério absoluto de renda é criticado por alguns especialistas. Medeiros, Diniz e Squinca,por exemplo,consideram que “uma linha de pobreza única que não considere particularidades das famílias é inadequada nesse caso. Esse tipo de linha tende a tratar do mesmo modo famílias que têm necessidades bastante diferentes”.15 15 Medeiros;Diniz;Squinca,2006, p. 12. Com base nessa premissa,a ampliação judicial da cobertura do BPC por meio da flexibilização do critério de renda é vista por alguns como um avanço na promoção do direito à assistência social.16 16 Ivo; Silva, 2011; Penalva; Diniz; Medeiros, 2010; Pereira, 2013.

Sensibilizar-se com a situação desses demandantes é humano, e a possibilidade de ajudá-los por meio da adjudicação e da linguagem dos direitos é bastante atrativa. O STF, sobretudo no RE 567.985, entendeu cumprir sua função de controlar os outros poderes para a realização de direitos fundamentais e de objetivos estabelecidos na Constituição (solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados). A opinião da maioria dos ministros pela flexibilização do critério de 1/4 de salário mínimo baseou-se nas necessidades daqueles que, embora considerados pelos juízes em situações de vulnerabilidade social, ficariam excluídos do BPC por estarem acima do limiar de renda estabelecido em lei. A decisão expandiu por via judicial a abrangência do benefício para que,assim, protegesse os direitos desses cidadãos a receber esse benefício da assistência social.

A avaliação quanto à extensão do alcance do BPC, no entanto, assim como a de qualquer política pública fundada nos princípios de solidariedade social,não pode ser feita com base apenas em quem se beneficia dessa expansão. Em um cenário de recursos públicos escassos e inúmeras demandas sociais, qualquer escolha por uma determinada política para um determinado grupo implica que outras políticas e outros grupos deixarão de ser atendidos. Conforme afirmou Wang, “a escassez de recursos exige que o Estado faça escolhas, o que pressupõe preferências e que, por sua vez, pressupõem preteridos”.17 17 Wang, 2008, p. 540. Portanto, qualquer política deve ser avaliada também com base no seu custo de oportunidade, aquilo que poderia ser ganho e aqueles que poderiam ser beneficiados com o uso alternativo dos mesmos recursos.

É preciso ter claro que por trás do discurso jurídico na decisão do STF no RE 567.985 está uma escolha de política pública. Valer-se da linguagem do direito e dos direitos para defender certos grupos, em casos como esse, é fazer escolhas distributivas e políticas entre diferentes necessidades e demandas sociais que competem por recursos escassos.18 18 Kennedy, 2004, p. XXIII; Waldron, 2010; Griffith, 1979, p. 15; Koskenniemi, 2010; Shapiro; Sweet, 2002, p. 180; Wesson, 2012.

Uma boa política de assistência social deve considerar a necessidade de um dado grupo em comparação com a necessidade de outros igualmente ou mais vulneráveis. Ela deve, portanto, levar em consideração quem são aqueles na sociedade cujas necessidades são mais prementes, definindo prioridades em um contexto de escassez de recursos de modo a maximizar os benefícios e obter um equilíbrio entre a abrangência da política (a quantidade de pessoas que ela atinge) e sua intensidade (o tamanho do benefício a ser oferecido). Essas são questões de escolha política, de eficiência econômica, justiça distributiva e valores sociais que tendem a ser negligenciadas quando se analisa a questão apenas sob a ótica das necessidades de alguns indivíduos, por mais relevantes que elas sejam, deslocadas de um contexto social maior.Esses elementos estão praticamente ausentes (com exceção da breve colocação do ministro Teori Zavascki,acima exposta) na decisão do RE 567.985 pelo STF.

O STF considerou que o limiar de renda estabelecido pela Loas é parcialmente inconstitucional por determinar um limite absoluto de renda familiar per capita para recebimento do benefício. Ao não estabelecer outro limite de renda para a concessão do benefício ou formas de interpretar o critério de 1/4, contudo, a Corte deixa a critério dos demais tribunais e juízes avaliar a necessidade de cada indivíduo no caso concreto. Uma solução como tal impõe aos gestores a difícil tarefa de decidir sobre a concessão de benefícios sem critérios claros, sujeitando suas decisões à constante e incerta revisão, sem que se saiba minimamente o que esperar de cada decisão judicial. Do ponto de vista dos demandantes que recorrem ao Judiciário para ver reconhecido seu direito ao benefício, a situação é de igual imprevisibilidade e de provável iniquidade. A possibilidade de variadas interpretações por parte de diferentes juízes sobre os critérios para concessão do BPC transforma o Judiciário em uma loteria que pode atribuir resultados diferentes a pessoas em situação semelhante. Ademais, essa situação de incerteza deve permanecer mesmo que a Loas venha a ser modificada legislativamente para incluir um novo patamar de renda, já que, segundo a decisão no RE 567.985, é a necessidade do indivíduo, a ser aferida no caso concreto, que determina seu direito de receber o BPC.

Por outro lado, embora a decisão não tenha sido clara quanto a isso,a comparação do BPC com outras políticas de assistência social sugere que o STF pode aceitar um critério de renda mais alto para a concessão do benefício,a ser estabelecido por lei.Essa possibilidade, porém, ignora o já mencionado trade-off entre a extensão de uma política e o tamanho de seu benefício, ideia que será retomada nos parágrafos a seguir.

Embora o real impacto orçamentário da decisão do STF seja incerto,estimou-se em 2010 que,na hipótese de o critério de renda familiar ser elevado para meio salário mínimo per capita em vez de 1/4 (uma das propostas que foi discutida pelo STF), e todas as outras variáveis permanecendo constantes, haveria um aumento de 48% no número de pessoas elegíveis para recebimento do benefício, o que representaria, à época, um impacto orçamentário de 8,9 bilhões de reais.19 19 Penalva; Diniz; Medeiros, 2010, p. 63. Esse mesmo dado foi mencionado, inclusive, pelo ministro Marco Aurélio no relatório do RE 567.985.Penalva,Diniz e Medeiros20 20 Penalva;Diniz;Medeiros,2010. argumentam que esse seria um custo absorvível pela capacidade orçamentária da União, uma vez que representaria “apenas” 2,4% do orçamento da seguridade social.

Os números, por si só, já impressionam. Contudo, o gasto com a flexibilização do critério de renda do BPC é mais bem dimensionado se compararmos o BPC com outras políticas de assistência social, como o Programa Bolsa Família (PBF) e o Programa Brasil Carinhoso (PBC).Isso torna mais claro como a decisão da maioria dos ministros no RE 567.985 representa de fato uma escolha política com altos custos de oportunidade.

Como já mencionado, o fato de que os recursos são escassos faz com que as políticas de assistência social precisem lidar com o trade-off entre abrangência e tamanho do benefício. O BPC oferece o benefício mais alto de todos os programas de assistência social (um salário mínimo) e, de acordo com dados extraídos da Matriz de Informação Social do Ministério de Desenvolvimento Social,atendeu cerca de 3,9 milhões de indivíduos em 2013 a um custo de aproximadamente 31,5 bilhões de reais.

O PBF, por sua vez, é uma política que optou pela abrangência, atingindo um grande número de pessoas, ainda que oferecendo um benefício menor. O PBF é voltado a famílias em situação de pobreza (renda per capita inferior a 140 reais) e pobreza extrema (com renda per capita inferior a setenta reais). Divide-se esse benefício em duas partes, uma composta pelo benefício básico e outra formada por um adicional pago por criança e jovem na família. Os valores pagos são relativamente baixos se comparados ao BPC, já que variam entre 32 e 306 reais, a depender do nível de pobreza da família e do número de crianças e adolescentes que fazem parte dela. Em 2013, de acordo os dados da Matriz de Informação Social do Ministério de Desenvolvimento Social, o PBF beneficiou 14 milhões de famílias a um custo de pouco mais de 24 bilhões de reais.

Além do foco nos mais pobres e miseráveis,o PBF tem também foco em beneficiar crianças e adolescentes, a faixa etária onde está a maior proporção de miseráveis no Brasil.21 21 Ipea, 2013, p. 49. Isso pode ser observado no fato de que,dentro do PBF,o benefício que teve maior valorização real (descontada a inflação) foi o adicional por criança,sendo este o responsável pelo aumento da transferência média por beneficiário do PBF.22 22 Osorio; Souza, 2012, p. 4. O foco nesse grupo foi ainda mais reforçado com a criação do PBC,uma política complementar ao PBF, pela Medida Provisória n. 570/2012 (transformada na Lei Ordinária n. 12.722/2012). Essa política é voltada para famílias com crianças de zero a quinze anos que, mesmo após receberem o PBF, ainda não conseguem ultrapassar o limiar de extrema pobreza (renda per capita de setenta reais). O orçamento do PBC estimado para esse programa em 2013 foi de 1,74 bilhão de reais e existe previsão de que ele reduza o nível de miséria no Brasil para menos de 1% da população.23 23 Osório; Souza, 2012.

O resultado dessas escolhas de abrangência e focalização do PBF reflete-se no sucesso da política internacionalmente reconhecida e admirada por oferecer marcante impacto em diversos indicadores sociais, como pobreza,miséria e mortalidade infantil,24 24 Campello; Neri, 2013; Rasella et al., 2013. sendo ela,dentre todas as políticas de assistência social, a que mais contribuiu para a redução da desigualdade social.25 25 Soares et al., 2006, p. 36; Hoffmann, 2013. E tudo isso a um custo relativamente baixo.26 26 Coutinho, 2013.

Se aplicarmos a metodologia utilizada por Penalva, Diniz e Medeiros27 27 Penalva; Diniz; Medeiros, 2010. para calcular o impacto orçamentário da flexibilização do critério de renda da Loas para recebimento do BPC no período de 2005-2013, chegamos à conclusão de que, caso o limiar de renda para recebimento do BPC tivesse sido elevado para meio salário mínimo per capita em todos os anos, o gasto extra com o BPC representaria mais do que 60% daquilo que foi gasto com o PBF e para beneficiar um número muito menor de pessoas (ver Gráfico 1). Esse gasto adicional (corrigido pela inflação com base no ano de 2005) em 2013 seria também o equivalente a 8,6 vezes o valor nominal do orçamento do Programa Brasil Carinhoso.

GRÁFICO 1
Comparação entre custo e benefícios do BPC e PBF

Importa ressaltar que essa é apenas uma estimativa do impacto que a decisão do STF pode ter, uma vez que ele não definiu um novo limiar de renda.O real impacto,portanto,vai depender de como a questão será tratada nos tribunais inferiores,no Legislativo e em futuras decisões do próprio STF.Porém,essa estimativa e a comparação com o PBF e o PBC têm por intuito mostrar que a decisão da Corte, ao flexibilizar ou alterar o critério de 1/4 de salário mínimo per capita,assume possivelmente um custo de oportunidade altíssimo. A depender de como o impacto orçamentário será absorvido pelo governo,isso pode impedir,dificultar ou atrasar a expansão de outras políticas assistenciais (tanto em maior cobertura quanto em aumento do valor dos benefícios pagos).

Como se observou no Gráfico 1,os gastos com o BPC têm crescido nos últimos anos, de tal modo que controlar os custos dessa política por meio da manutenção do critério de 1/4 de salário mínimo per capita não significa necessariamente descaso com os mais necessitados, insensibilidade social ou, como afirmaram alguns ministros do STF, uma omissão estatal em atualizar uma regra ultrapassada. Tal critério pode ser visto também como uma forma de garantir a focalização do próprio BCP nos mais pobres, um elemento importante para o sucesso da política no combate à desigualdade,28 28 Soares et al., 2006. além de permitir que recursos da assistência social estejam disponíveis para viabilizar outras políticas ainda mais focalizadas nos mais necessitados.

A decisão do STF, assim, não só assumiu uma escolha política de potencial grande impacto como também contrariou os caminhos da própria política de assistência social instituída no Brasil até então. Observa-se que a decisão forçaria a ampliação de uma política de relativo alto custo (alto benefício), se comparada com outras políticas de assistência social, a um público de renda familiar per capita um pouco mais elevada (acima de 181 reais, de acordo com o salário mínimo de 2014), indo de encontro à posição assumida até o momento pelo governo federal que oferece benefícios menores para grandes grupos, com maior foco nos mais miseráveis (com renda familiar per capita menor do que setenta reais).

Ao decidir sobre o critério de renda do BPC, faltou à decisão do RE 567.985 uma análise contextualizada do benefício dentro de toda a política de assistência social e dos custos de oportunidade da ampliação desse benefício, o que talvez permitisse à maioria do STF compreender a necessidade de focalização e controle dos custos dessa e de outras políticas.O ponto é que,para a maioria da Corte,a dimensão de política social do BPC é ocultada pela sua dimensão de direito garantido pelo art.203,V, da Constituição e, sobretudo, pelo princípio da dignidade humana, em um caminho argumentativo que privilegia uma relação direta entre o beneficiário individual e seu direito constitucional,ignorando a política pública e as escolhas políticas que se colocam em meio aos dois.

CONCLUSÃO

O argumento central deste artigo propõe que a proteção judicial do direito à assistência social não pode estar dissociada da política de assistência social. Considerando que essa é uma política de caráter não contributivo calcada nos princípios da solidariedade social e universalidade - financiada por toda a sociedade para todos que dela precisam -, ela deve ser informada por valores, demandas e necessidades sociais, pela sua eficiência econômica e por preocupações com justiça distributiva.

Um dos riscos da adjudicação de direitos sociais, contudo, é transformar questões policêntricas como essa em uma disputa bilateral entre o litigante e o governo. Quando isso ocorre, a política social e todas as difíceis escolhas que estão necessariamente por trás dela perdem seu espaço central na lide judicial, que passa a focar-se quase exclusivamente na necessidade dos litigantes. Essa foi fundamentalmente a forma como a maioria do STF analisou a constitucionalidade do critério de 1/4 de salário mínimo per capita para recebimento do BPC no RE 567.985.

Pelo teor dessa decisão, que abre a possibilidade de concessão do benefício a pessoas com renda familiar per capita acima do critério estabelecido na Loas, a palavra final sobre a condição de miserabilidade de cada demandante acima desse patamar de renda tornou-se responsabilidade e critério dos juízes caso a caso.Além da incerteza e imprevisibilidade deixada aos tribunais inferiores, gestores e futuros beneficiários sobre como,respectivamente,julgar,gerir e o que esperar do BPC, torna-se provável que a necessidade de cada indivíduo seja novamente avaliada fora do contexto de uma política de assistência social.

Com essa decisão,o STF opta por ampliar uma política que oferece um benefício relativamente alto (o maior de todos da assistência social) para um grupo de pessoas com renda per capita acima do limiar proposto por lei. Essa opção tem custos significativos, especialmente se comparada a outras políticas como o Bolsa Família e o Brasil Carinhoso,que oferecem pequenos benefícios,mas com amplo alcance entre os mais miseráveis. Nesses custos não se contabiliza apenas quanto se espera gastar como consequência da decisão, mas, sobretudo, o quanto deixou de ser ganho com o uso alternativo desses recursos para, por exemplo, ampliar a cobertura ou o valor dos benefícios de outras políticas de assistência social.

A comparação entre o BPC e outras políticas de assistência social não tem por objetivo argumentar que um aumento do critério de renda para recebimento do benefício seria uma escolha política equivocada.Uma avaliação sobre a oportunidade e conveniência dessa medida exigiria uma análise muito mais completa do que a que seria possível desenvolver neste trabalho. Este artigo pretende apenas apontar que, diante desse tipo de questão - a qual envolve decisões políticas e grande alocação de recursos orçamentários, possui efeitos policêntricos e cuja solução depende de informações técnicas e conhecimento dos valores, necessidades e preferências sociais -, existem boas razões para uma postura mais deferente do Judiciário com relação às escolhas do Executivo e do Legislativo, sobretudo quando se trata de uma política que apresentou diversos avanços, como é o caso da assistência social no Brasil. Essa deferência não se dá por um apego formal à doutrina da separação de poderes, mas por razões democráticas e epistêmicas, ou seja, o reconhecimento pelo Judiciário de que os outros poderes, em regra, possuem maior legitimidade e capacidade institucional para decidir questões dessa natureza.29 29 King, 2012; Vermeule, 2006; Sunstein; Vermeule, 2002; Kavanagh, 2008, p. 192.

Em suma, a escolha política de limitar a ampliação de um benefício de assistência social não significa necessariamente uma violação a um direito causada por indiferença ou omissão estatal.Essa limitação pode ser, como no caso do BPC e da assistência social, uma opção governamental que define prioridades e focalização. Por esse raciocínio, uma decisão judicial que respeita o critério adotado pela política pública nessas circunstâncias não significa que o Judiciário abdica de sua função na defesa de direitos, mas demonstra o entendimento de que o direito à assistência social não é apenas daqueles que conseguem chegar aos tribunais,mas de toda a população que precisa ser assistida por essa política.

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  • 1
    Coutinho, 2013Coutinho, Diogo R. Capacidades estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília: Ipea, 2013..
  • 2
    Hoffmann; Bentes, 2010Hoffmann, Florian; Bentes, Fernando. “Accountability and Social and Economic Rights in Brazil”. In: Gauri, Varun; Brinks, Daniel. (Org.). Courting Social Justice:Judicial Enforcement of Social and Economic Rights in the Developing World.Nova York: Cambridge University Press, 2010.; Piovesan,2008Piovesan, Flavia. “Brazil: Impact and Challenges of Social Rights in the Courts”. In: Langford, Malcolm (Org.). Social Rights Jurisprudence: Emerging Trends in International and Comparative Law. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2008.;Wang,2008;Ferraz,2011Ferraz, Octavio. “Brazil. Health Inequalities, Rights and Courts: The Social Impact of the Judicialization of Health”. In: Yamin, Alicia Ely; Gloppen, Siri (Org.). Litigating Health Rights:Can Courts Bring More Justice to Health? Cambridge: Harvard University Press, 2011..
  • 3
    Michelman, 2003Michelman, Frank. “The Constitution, Social Rights, and Liberal Political Justification”. International Journal of Constitutional Law, v. 1, n. 1, p. 13-34, 2003., p.16; Ferraz, 2013________.“Entre a usurpação e a abdicação?:o direito à saúde no Judiciário do Brasil e da África do Sul”.In:Wang,Daniel Wei Liang (Org.). Constituição e política na democracia: aproximações entre direito e ciência política. São Paulo: Marcial Pons, 2013..
  • 4
    Fuller, 1978Fuller, Lon. “The Forms and Limits of Adjudication”.Harvard Law Review, v. 92, n. 2, p. 353-409, dez. 1978..
  • 5
    Considera-se aqui, obviamente, a judicialização apenas do benefício de prestação continuada da Assistência Social, previsto pelo art. 203, inciso v da Constituição de 1988 e regulamentado pela Loas. Isso porque existem também os benefícios de prestação continuada oferecidos pela Previdência Social, como aposentadorias, pensões por morte, auxílios, rendas mensais vitalícias, abonos de permanência em serviço, os salários-família e maternidade (conferir em http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/menu-de-apoio-estatisticas-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2007-beneficios/, acesso em: 12 nov. 2013). Esses benefícios, sua correção e critérios, já eram amplamente judicializados mesmo antes da Constituição de 1988, como se pode conferir pela jurisprudência do STF (por exemplo: RE 74.311/GB, rel.min.Djaci Falcão,j.3 out.1972;RE 87.690/CE, rel. min. Xavier de Albuquerque, j. 19 ago. 1977; e RE 147.684/ DF,rel.min.Sepúlveda Pertence,j.26 jun. 1992).
  • 6
    Penalva et al., 2010Penalva, Janaína; Diniz, Debora; Medeiros, Marcelo.“O Benefício de Prestação Continuada no Supremo Tribunal Federal”. Sociedade e Estado, v. 25, n. 1, abr. 2010..
  • 7
    Conferir: AI 471.005 AGR, rel. min. Gilmar Mendes, j. 17 dez. 2003; AI 475.496, rel. min. Marco Aurélio, j. 19 mar. 2004; e Rcl 2303, rel. min. Ellen Gracie, j. 1 abr. 2004.
  • 8
    Penalva et al., 2010.
  • 9
    Conferir: Rcl 3.891, rel. min. Carlos Velloso, j. 1 dez. 2005; Rcl 3.805, rel min.Cármen Lúcia,j.9 out.2006; Rcl 3.975 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 23 fev. 2006; Rcl 4.156, rel. min. Eros Grau, j. 13 mar. 2006; Rcl 4.137, rel. min. Eros Grau, j. 13 mar. 2006; Rcl 4.270, rel. min. Eros Grau, j. 17 abr. 2006; Rcl. 4.280, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 20 jun. 2006; Rcl 4.145,rel.min.Marco Aurélio,j.30 abr. 2006; Rcl 4.374, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1 fev. 2007.
  • 10
    Rcl 3.891, j. 1 dez. 2005.
  • 11
    Como informa o ministro Teori Zavascki em seu voto no RE 567.985: “O Plenário, todavia, continuava mantendo o que foi decidido na ADI 1.232/DF (v. g.: Rcl-MC-AgR 4.427/ RS, Pleno, rel. min. Cezar Peluso, j. 6 jun. 2007, DJ 29 jun. 2007, p. 23; Rcl 2.323/PR, Pleno, rel. min. Eros Grau, j. 7 abr. 2005, DJ 20 maio 2005, p. 8; Rcl-AGR 2.303/RS,Pleno,rel.min.Ellen Gracie, j. 13 maio 2004, dj 1 abr. 2005, p. 5)”.
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  • *
    Este artigo recebeu o 1º lugar no Concurso de Artigos Jurídicos sobre Direito à Assistência Social (Tema 3: Assistência Social como direito universal e seu papel na efetivação dos direitos humanos), promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, pela Fundação Oswaldo Cruz (PRODISA/FIOCRUZ) e pelo Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2014
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