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Estratégias de financeirização do setor sucroenergético no Brasil1 1 Artigo derivado de pesquisas financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos n° 2017/15377-3 e n° 2022/11815-4.

Estrategias de financiarización del sector sucroenergético en Brasil

Resumo

O objetivo do presente artigo é discutir as várias estratégias de financeirização do setor sucroenergético no Brasil, como a aquisição de crédito bancário, emissão de títulos de dívida, abertura de capital em bolsa de valores e especulação no mercado de commodities. Nos últimos anos, os agentes do setor sucroenergético têm se empenhado cada vez mais em acessar diferentes formas de capitalização para inflacionar seus ativos e realizar investimentos produtivos e especulativos. O contexto se insere na hegemonia do capital financeiro sobre a economia política do mercado e das grandes empresas, resultando em crescente influência sobre as decisões corporativas. Sendo assim, observa-se que o agronegócio globalizado é uma das atividades econômicas que vem tendo estreitas relações com os agentes financeiros para ampliar o processo de acumulação do capital, aumentando ainda mais os níveis de riqueza dos investidores.

Palavras-chave:
Financeirização; governança corporativa; competitividade; setor sucroenergético.

Resumen

El objetivo de este artículo es discutir las diversas estrategias de financiarización del sector sucroenergético en Brasil, como la adquisición de crédito bancario, la emisión de títulos de deuda, la salida a bolsa y la especulación en el mercado de commodities. En los últimos años, los agentes del sector sucroenergético han apostado cada vez más por acceder a distintas formas de capitalización para inflar sus activos y realizar inversiones productivas y especulativas. El contexto se enmarca en la hegemonía del capital financiero sobre la economía política de mercado y las grandes empresas, lo que se traduce en una creciente influencia en las decisiones empresariales. Así, se observa que la agroindustria globalizada es una de las actividades económicas que viene teniendo estrechas relaciones con los agentes financieros para ampliar el proceso de acumulación de capital, aumentando aún más los niveles de riqueza de los inversionistas.

Palabras-clave:
Financiarización; gobernancia corporativa; competitividad; sector sucroenergético.

Abstract

This article aims to discuss the several financialization strategies used by sugarcane industry in Brazil, such as banking credit acquisitions, issuance of debt securities, IPO on the stock exchange and speculation in the commodities market. In recent years, agents of the sugarcane sector have been increasingly to access different ways of capitalization to inflate their assets and make productive and speculative investments. The context is part of the hegemony of financial capital over the political economy of the market and large firms, resulting in growing influence on corporate decisions. Thus, it is observed that globalized agribusiness is one of the economic activities that has been having narrow relations with the financial agents to expand the process of capital accumulation, increasing even more the investors’ wealth levels.

Keywords:
Financialization; corporate governance; competitiveness; sugarcane industry.

Introdução

A financeirização é um fenômeno que ganhou enorme espaço nas últimas décadas no sistema capitalista e que provocou grandes transformações nas atividades econômicas e políticas de empresas e Estados. O considerável poder dos agentes financeiros têm determinado as formas como são realizados os processos de produção, distribuição, comercialização e consumo de produtos e serviços na maior parte dos países inseridos na lógica da globalização neoliberal (Harvey, 2005). Contudo, a captação de capital via investimentos no mercado financeiro, bem como em transações especulativas, têm representado a elevação dos riscos e o estabelecimento de um quadro de vulnerabilidade crescente nos diversos mercados, que experiencia um grau de endividamento dos agentes sem precedentes.

Uma das atividades econômicas que têm se apropriado das estratégias de financeirização é aquela vinculada às cadeias agropecuárias e agroindustriais, em que tanto produtores rurais quanto agroindústrias e tradings têm se apossado de instrumentos sofisticados do mercado financeiro (isto é, do capital portador de juros) para acessar recursos financeiros e movimentar as operações, elevando constantemente a dependência do crédito e do aumento da dívida para sustentar os níveis de competitividade. A implicação mais evidente desse processo é a total perda do controle sobre os fatores que interferem no mercado de commodities e, logo, as condições de rentabilidade, uma vez que os preços das principais mercadorias são estabelecidos diariamente nas bolsas de valores e sofrem oscilações frequentes em função de inúmeras variáveis econômicas e políticas e de operações especulativas dos investidores. Outra questão é o alto nível de alavancamento das empresas com empréstimos bancários, compra de ações e emissão de títulos de dívidas, que a depender do desempenho do negócio e das condições do mercado, pode tornar os compromissos financeiros impagáveis.

O setor sucroenergético, atividade que corresponde à produção e processamento da cana-de-açúcar para originar açúcar (diversos tipos), etanol (anidro e hidratado) e bioeletricidade (queima do bagaço da cana), é um caso bem ilustrativo de como os agentes do agronegócio tem se utilizado de estratégias de financeirização para crescer no mercado e manter os patamares de investimentos e competitividade. Nas últimas duas décadas, observa-se vários aspectos de financeirização do setor, como captação de crédito bancário, emissão de títulos de dívida, abertura do capital em bolsa de valores e especulações no mercado futuro de commodities.

Dessa forma, as diferentes estratégias de financeirização permitiram aos maiores grupos sucroenergéticos o aumento do seu poder no mercado, possibilitando o acesso a grandes somas de capital que não só permitiram a realização de Fusões e Aquisições (F&A) com grupos menos competitivos, mas também a apropriação das melhores redes geográficas logísticas e o monopólio dos sistemas de circulação do açúcar e etanol no território brasileiro (Santos, 2022SANTOS, Henrique Faria dos. Especialização regional produtiva e vulnerabilidade territorial no agronegócio globalizado: implicações locais da expansão e crise do setor sucroenergético no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia). 465 f. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: IG/UNICAMP, 2022.). Nesse sentido, o presente artigo procura discutir as diferentes estratégias atuais de financeirização utilizadas pelos agentes do setor sucroenergético brasileiro como forma de alcance da competitividade.

A metodologia adotada na pesquisa consistiu na intersecção de duas atividades principais: i) levantamento e revisão bibliográfica de livros, artigos, teses e dissertações sobre o processo de financeirização da economia contemporânea, do agronegócio globalizado e do setor sucroenergético brasileiro; ii) levantamento e sistematização de dados e informações secundárias sobre as estratégias atuais de financeirização do setor sucroenergético, nos sites das empresas, da Google Finance, da B3 e em notícias e reportagens da imprensa geral (jornais Valor Econômico, O Estado de São Paulo) e especializada no setor (portal Novacana).

Financeirização da economia e do agronegócio globalizado

No atual período histórico da globalização, as finanças têm se convertido em objetivo prioritário das ações estratégicas de inúmeros atores econômicos (Santos, 2000SANTOS, Milton. (2000) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.; Chesnais, 2005CHESNAIS, François. (Org.) A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005., 2019CHESNAIS, François. Financialization and the impasse of capitalism. The Japanese Political Economy, v. 45, 1-2, p. 81-103, 2019.). A abrangência, o poder e a intensidade das agudas implicações geradas por meio dos movimentos realizados na esfera das finanças têm configurado uma dinâmica de tal modo distinta, que possibilita qualificarmos o período contemporâneo como portador de dominância financeira (Braga, 1997BRAGA, José Carlos. Financeirização Global. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Orgs.). Poder e Dinheiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1997, p. 212-242.). Por ser uma instância social, o espaço geográfico condiciona e é condicionado por essa dominância, assim como as organizações produtivas, governos, corporações financeiras, consumidores e demais agentes econômicos (Martin, 1999MARTIN, Ron. The new economic geography of money. In: MARTIN, R. (ed.). Money and the Space Economy. New York: Wiley and Sons. 1999. p. 1-27.). Suportadas pelas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs), elementos estruturais do meio técnico-científico-informacional (Santos, 1996SANTOS, Milton. (1996) A natureza do Espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. 4 ed. São Paulo: Edusp, 2012.), as finanças se expandiram aceleradamente e atingiram a totalidade dos setores produtivos e dos mercados, caracterizando o fenômeno da financeirização.

De acordo com Gerald Epstein (2005)EPSTEIN, Gerald. Introduction: financialization and the world economy. In: EPSTEIN, Gerald. Financialization and the world economy. Northampton: Edward Elgar, 2005., a financeirização pode ser definida como “o aumento do papel dos motivos financeiros, mercados financeiros, atores financeiros e instituições financeiras nas operações das economias nacionais e internacionais”2 2 “[…] for us, financialization means the increasing role of financial motives, financial markets, financial actors and financial institutions in the operation of the domestic and international economies” (Epstein, 2005, p. 3). . Greta Krippner (2005KRIPPNER, Greta R. The financialization of the American economy. Socio-Economic Review, v. 3, p. 173-208, 2005. https://doi.org/10.1093/SER/mwi008
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, p. 174) definiu financeirização como sendo “um padrão de acumulação em que os lucros se acumulam muito mais pelos canais financeiros do que através do comércio e produção de mercadorias.3 3 “I define financialization as a pattern of accumulation in which profits accrue primarily through financial channels rather than through trade and commodity production” (Krippner, 2005, p. 174). Cavalcante et al. (2018CAVALCANTE, Anderson; CROCCO, Marco Aurélio; SANTOS, Fabiana Borges dos. Financialization and Space: theoretical and empirical contributions. Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais, v. 20, n. 2, p. 193-220, 2018. https://doi.org/10.22296/2317-1529.2018v20n2p193
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, p. 197) argumentam que a financeirização da economia pode ser compreendida como o crescimento da influência do mercado de capitais (produtos, agentes e processos) sobre o comportamento das firmas, dos governos e das famílias, que passam a estar mais preocupadas com a eficiência e racionalização dos custos e com a gestão dos rendimentos/receitas.

José Carlos Braga (1993BRAGA, José Carlos. A financeirização da riqueza: a macroestrutura financeira e a nova dinâmica dos capitalismos centrais. Economia & Sociedade, v. 2, n. 1, p. 25-57, 1993., p. 26) considera que a financeirização ocorre sobre três aspectos: i) alterações na natureza da concorrência e na estrutura das corporações, tornando complexa a divisão da economia em “setores” e a separação entre o que é “financeiro” e o que é “produtivo”; ii) ocorrência da dominância financeira, como manifestação disseminada das formas atuais de definir, gerir e efetivar riqueza no sistema capitalista; e iii) as práticas financeiras passam a ser um elemento preponderante em todas as empresas, incluindo as do setor industrial.

Essas definições de financeirização nos remete a ideia de que os lucros dos agentes econômicos, sobretudo o das grandes corporações transnacionais, têm se estabelecido muito mais pelos investimentos no mercado financeiro do que propriamente pelos fatores de produção e comercialização de bens e serviços não financeiros. Isto quer dizer que a maior parte do excedente de capital está deixando de ser reinvestido no processo produtivo, na dita economia real, para ser destinada a aplicações e especulações no mercado financeiro para gerar dinheiro a partir de dinheiro sem passar pela produção e comercialização de mercadorias (Lapavitsas, 2013LAPAVITSAS, Costas. The financialization of capitalism: ‘profiting without producing’. City, v. 17, n. 6, p. 792-805, 2013. https://doi.org/10.1080/13604813.2013.853865
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). Esses mecanismos de investimento financeiro, que Karl Marx considerou estar fora da esfera de materialização da sociedade e que se transformaram em capital fictício4 4 Tipo de “capital valorizado” sem contraparte em valores de atividade produtiva real ou de ativos físicos em um dado momento do tempo, ou seja, uma forma de riqueza inflacionada artificialmente por meio de uma especulação sem lastro com realidade do valor real da propriedade patrimonial e mercadorias produzidas no presente, a exemplo das letras negociáveis (títulos de dívida com promessa de liquidez futura) e valor oscilante das ações de empresas, que permitem antecipar capital através da confiança em um mercado de risco (Harvey, 2011). Esse capital fictício se potencializou com a globalização, pois “o uso das técnicas permite a instalação de um dinheiro fluido, relativamente invisível, praticamente abstrato (Santos, 2000, p. 100). , tem predominado hoje na dinâmica de crescimento econômico e potencializado o acúmulo de riqueza com base na valorização especulativa de ativos, sobretudo intangíveis (conhecimento científico-tecnológico, patentes, força da marca, valor de mercado etc.).

O processo de financeirização da economia internacional teve ascensão a partir da década de 1970 nos EUA, com a gradativa desregulamentação e liberação dos mercados financeiros em conjunção com a emergência dos governos estatais neoliberais. Esse novo contexto se estabeleceu em resposta à crise econômica de estagflação que vinha se perpetuando na época em função da recuperação dos países centrais do contexto pós Segunda Guerra Mundial e do esgotamento do modo de produção fordista5 5 Na teoria marxista, esse esgotamento está ligado a ausência de mecanismos de redistribuição de riqueza e a estagnação dos salários dos trabalhadores comuns, impedindo que as demandas do mercado de consumo acompanhassem o aumento da capacidade de produção das corporações oligopolísticas. Devido a redução da taxa de lucro dos capitalistas com as atividades de produção e comercialização, houve a necessidade de empregar o excedente de capital em outras fontes alternativas de geração de renda, como as atividades financeiras (Davis e Kim, 2015, p. 206). (Harvey, 1989HARVEY, David. (1989). Condição Pós-Moderna. 20 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010.). O fim do regime de Bretton Woods (1945-1971)6 6 Esse regime foi criado no final da Segunda Guerra Mundial para estabilizar a economia mundial, no qual as operações comerciais passaram a ser realizadas a partir de taxas fixas de câmbio referente ao dólar norte-americano, lastreado no valor do ouro. Para assegurar a operacionalização deste regime, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Com a crise do dólar na década de 1970, as taxas de câmbio das principais moedas se tornaram flexíveis, favorecendo a especulação cambial (Harvey, 2011). marcou o início do processo de desregulamentação do mercado financeiro e o fim do controle do movimento de capitais (entrada e saída das fronteiras) em escala global, que entre outras coisas, se fundamentaram: i) na remoção de restrições legais ao livre investimento e transações financeiras (internas e externas) a estrangeiros (inclusive para aquisição de títulos da dívida pública); ii) na “descompartimentalização” de diferentes funções e mercados (de câmbio, de crédito, de ações e obrigações) e; iii) na desintermediação, que permitiu às instituições financeiras não bancárias atuarem como emprestadoras sem intermediação dos bancos (Chesnais, 2005CHESNAIS, François. (Org.) A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 46).

Assim, o regime de acumulação flexível (Harvey 1989HARVEY, David. (1989). Condição Pós-Moderna. 20 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010.; Benko, 1998) e o neoliberalismo favoreceram a expansão do mercado financeiro, ao disseminarem a doutrina do livre-mercado e derrubarem várias barreiras regulatórias que restringiam a liberdade dos investidores e a mobilidade geográfica do capital. Segundo Harvey (2005, p. 76), na teoria do Estado neoliberal, “a livre mobilidade do capital entre setores, regiões e países é julgada crucial. Todas as barreiras ao livre movimento (como tarifas compensatórias, sobretaxas, o planejamento e o controle ambientais ou outros impedimentos específicos a um dado lugar) têm de ser removidas [...]”. Para Kotz (2010KOTZ, David. Financialization and Neoliberalism. In: TEEPLE, G.; MCBRIDE, S. (eds) Relations of Global Power: Neoliberal Order and Disorder. Toronto: University of Toronto Press, p. 1-18, 2010., p. 3), o neoliberalismo

[…] representou uma quebra acentuada do período anterior. Seus principais fatores são a remoção de barreiras ao livre movimento de bens, serviços e especialmente capital em toda a economia global; a retirada do Estado do papel de orientar e regular a atividade econômica; a privatização de empresas estatais e serviços públicos; o corte de programas sociais estatais; a mudança para formas regressivas de tributação; a mudança da cooperação entre capital e trabalho para o controle pelo capital, com a ajuda do Estado, para dominar totalmente o trabalho; e a substituição do comportamento correspectivo entre as grandes corporações pela competição desenfreada. O neoliberalismo tem uma ideologia associada à adoração ao chamado “livre mercado”, juntamente com a negação de qualquer papel positivo para o Estado além de suas funções coercitivas7 7 […] represented a sharp break from the previous one. Its main features are the removal of barriers to free movement of goods, services, and especially capital, throughout the global economy; a withdrawal by the state from the role of guiding and regulating economic activity; privatization of state enterprises and public services; the slashing of state social programs; a shift to regressive forms of taxation; a shift from cooperation between capital and labor to a drive by capital, with aid from the state, to fully dominate labor; and the replacement of co-respective behavior among large corporations by unrestrained competition. Neoliberalism has an associated ideology of worship of the so-called “free market” along with a denial of any positive role for the state apart from its coercive functions (Kotz, 2010, p. 3). .

Outro aspecto favorável foi a disseminação das tecnologias de comunicação e informação (redes telemáticas) e sua capacidade de coletar, analisar/processar e compartilhar dados rapidamente e eletronicamente (simultaneidade e instantaneidade), que simplificaram e amplificaram as condições de transferências/transações de capital, operacionalização e comercialização de produtos e serviços financeiros em todo o mundo (Warf, 1989WARF, Barney. Telecommunications and the globalization of financial services. Professional Geographer, v. 41, n. 3, p. 257-271, 1989. https://doi.org/10.1111/j.0033-0124.1989.00257.x
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, 2017WARF, Barney. Digitalização, globalização e capital financeiro hipermóvel. GEOUSP - Espaço e Tempo, v. 21, n. 2, p. 397-406, 2017. http://orcid.org/0000-0002-4681-5286
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; Zook, 2018ZOOK, Mathew. Information Flows, Global Finance, and New Digital Spaces. In: CLARK, Gordon et al. (Eds). The New Oxford Handbook of Economic Geography. Oxford University Press, 2018. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780198755609.013.35
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). Além disso, o avanço das ciências matemáticas e financeiras na criação de sofisticadas ferramentas de avaliação e previsibilidade da precificação de ativos e riscos de portfólio foi fundamental para conferir maior segurança e garantia aos investidores (Paraná, 2016PARANÁ, Edimilson. A finança digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional. Florianópolis: Insular, 2016.; Coombs e Van Der Heide, 2020COOMBS, Nathan; VAN DER HEIDE, Arjen. Financialization as Mathematization: the calculative and regulatory consequences of risk management. In: MADER, P.; MERTENS, D.; ZWAN, N. The Routledge International Handbook of Financialization. London: Routledge, 2020, p. 358-368.). Estes avanços referem-se à unicidade técnica da globalização (Santos, 2000SANTOS, Milton. (2000) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.), que permite a tomada das mesmas ações em qualquer parte do globo em que haja disponibilidade desses objetos técnicos. De posse desses instrumentos, destaca-se ainda o papel das agências de classificação de risco, como a Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch, cujas avaliações por ela realizadas se tornaram importantes parâmetros de segurança para os grandes investimentos do mercado, qualificando a solvência dos ativos e a credibilidade dos devedores.

Em decorrência dessas circunstâncias políticas e tecnológicas favoráveis, um dos fatores que evidenciam a financeirização da economia é o processo de securitização das dívidas das famílias, das empresas e dos Estados. De acordo com Davis e Kim (2015)DAVIS, Gerald; KIM, Suntae. Financialization of the Economy. The Annual Review of Sociology, v. 41, p. 203-221, 2015. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112402
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, praticamente qualquer tipo de dívida (e suas supostas garantias de pagamento) pode ser transformado em títulos (bonds, debêntures, certificados de recebíveis etc.) lastreados em ativos negociáveis, incluindo empréstimos para automóveis, empréstimos para faculdades, financiamento de imóveis, dívidas de cartão de crédito, recebíveis e financiamento da produção de empresas, impostos recebíveis dos Estados, pagamentos de seguros, loterias e pensões, penhoras de propriedade, entre outras. Esses títulos são comercializados no mercado para pessoas físicas e jurídicas, que os adquirem e tem como retorno, em período variável ou fixo, o valor que foi pago acrescido de juros (a taxas variáveis ou fixas), mormente acima ou próximo das taxas oficiais, como a Selic no Brasil. Os terceiros também podem revender os papéis no mercado, a depender da dinâmica de precificação especulativa dos investimentos. Esse instrumento é uma maneira que os bancos8 8 No caso dos bancos, ao empresar recursos no mercado, transformam as dívidas dos tomadores de empréstimos em pacotes de títulos e os comercializam no mercado para reaver, rapidamente, o montante do capital emprestado, tornando-se, desta forma, apenas um intermediador entre os emprestadores (inúmeros investidores terceiros) e os tomadores de empréstimos, que sabendo ou não, se tornaram emissores de títulos no mercado financeiro (Davis e Kim, 2015, p. 208). , as empresas e o próprio Estado conseguem obter, adiantadamente, capital para financiar seus investimentos e gastos, através da captação de crédito via emissão de títulos para um número relativamente grande de “emprestadores”, terceirizando ao público, desta forma, os riscos de inadimplência.

A negociação de derivativos também foi uma outra inovação financeira de renda variável que se generalizou entre os agentes para antecipar recursos no mercado por meio de papéis que “garantem” o pagamento do crédito adquirido em um período futuro. Esses papéis são de muitos tipos, como futuros, opções, forwards ou swaps, e os seus valores derivam de vários fatores de mercado, desde um ativo (preços de commodities, ações, títulos), taxas de referência (juros), até índices de mercado (câmbio). Os contratos sempre possuem um preço e prazo estabelecidos para uma data futura, e podem ser negociados de acordo com as variações do valor ocorridas ao longo do tempo (Davis e Kim, 2015DAVIS, Gerald; KIM, Suntae. Financialization of the Economy. The Annual Review of Sociology, v. 41, p. 203-221, 2015. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112402
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).

Desta forma, a financeirização e seus instrumentos de capitalização, sobretudo relacionados aos mercados futuros (mercadorias, ações, moedas, dívidas), se tornaram hoje os principais fatores condicionadores das formas de organização corporativa das grandes empresas, do crescimento econômico, das ações dos Estados, do consumo das famílias e das empresas (Davis e Kim, 2015DAVIS, Gerald; KIM, Suntae. Financialization of the Economy. The Annual Review of Sociology, v. 41, p. 203-221, 2015. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112402
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), nos autorizando dizer que o período atual se estrutura pela globalização da dominância financeira no capitalismo contemporâneo. Como assinala Milton Santos (2000SANTOS, Milton. (2000) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010., p. 44),

Nas condições atuais de economia internacional, o financeiro ganha uma espécie de autonomia. Por isso, a relação entre a finança e a produção, entre o que se chama economia real e o mundo da finança, dá lugar àquilo que Marx chamava de loucura especulativa, fundada no papel do dinheiro em estado puro. Este se torna o centro do mundo. É o dinheiro como, simplesmente, dinheiro, recriando seu fetichismo pela ideologia. O sistema financeiro descobre fórmulas imaginosas, inventa sempre novos instrumentos, multiplica o que chama de derivativos, que são formas sempre renovadas de oferta dessa mercadoria aos especuladores. O resultado é que a especulação exponencial assim redefinida vai se tornar algo indispensável, intrínseco, ao sistema, graças aos processos técnicos da nossa época.

Uma das atividades econômicas que tem passado por recente processo de financeirização é o agronegócio globalizado, paradigma produtivo da moderna agropecuária que emergiu na segunda metade do século XX nos países centrais9 9 O termo agronegócio, traduzido do inglês agribusiness, teve sua origem na Harvard Business School na obra de John Davis e Ray Goldeberg (1957), intitulada A Concept of Agribusiness. O propósito da obra foi de analisar as transformações tecnológicas da agricultura na época, bem como a interdependência desta com outros setores da economia. Os autores então definiram agribusiness como sendo “o total das operações que envolvem manufatura e distribuição de suprimentos agrícolas; operações produtivas nas fazendas; e armazenamento, processamento e distribuição de commodities agrícolas e produtos feitos a partir delas” (Davis e Goldberg, 1957, p. 2 apudMendonça, 2013, p. 51). (em 1990 no Brasil) e que tem a lógica financeira como uns dos seus elementos estruturantes. Os novos mecanismos de acesso à capitalização, bem como a participação cada vez maior de agentes produtivos no mercado financeiro e a ocorrência de operações comerciais estritamente dependentes das operações desses mercados caracterizam o que muitos autores têm denominado de financeirização da agricultura, do mercado de commodities agrícolas ou do sistema agroalimentar (Verdi & Aoun, 2009VERDI, Adriana Renata; AOUN, Samira. O agronegócio brasileiro na globalização financeira: estratégias e dinâmicas dos principais grupos. Revista de Economia Agrícola, v. 56, n. 1, p. 1-122, 2009.; Delgado, 2012DELGADO, Guilherme Costa. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012.; Cheng e Xiong, 2013CHENG, Ing-Haw; XIONG, Wei. The financialization of Commodity Markets. Working Paper. Massachusetts: National Bureau of Economic Research, 2013.; Balestro e Lourenço, 2014BALESTRO, Moisés V.; LOURENÇO, Luiz C. de B. Notas para uma análise da financeirização do agronegócio: além da volatilidade dos preços das commodities. In: BUAINAIN, Antônio M. et al. O mundo rural no Brasil do século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola. Brasília/DF: Embrapa, 2014, p. 241-265.; Clapp, 2014CLAPP, Jennifer. Financialization, distance and global food politics. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 5, p. 797-814, 2014. https://doi.org/10.1080/03066150.2013.875536
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; Isakson, 2014ISAKSON, Ryan. Food and finance: the financial transformation of agro-food supply chains. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 5, p. 749-775, 2014. https://doi.org/10.1080/03066150.2013.874340
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; Martin e Clapp, 2015MARTIN, Sarah; CLAPP, Jennifer. Finance for Agriculture or Agriculture for Finance? Journal of Agrarian Change, v. 15, n. 4, p. 549-559, 2015. https://doi.org/10.1111/joac.12110
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; Paula, Santos e Pereira, 2015PAULA, Nilson Maciel de; SANTOS, Valéria Faria; PEREIRA, Wellington Silva. A financeirização das commodities agrícolas e o sistema agroalimentar. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 23, n. 2, p. 294-314, 2015.; Bernardes et al., 2017BERNARDES, Júlia Adão et al. Globalização do agronegócio e land grabbing: a atuação das megaempresas argentinas no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2017.; Clapp e Isakson, 2018CLAPP, Jennider; ISAKSON, Ryan. Speculative Harvests: financialization, food, and agriculture. Halifax: Fernwood Publishing, 2018.; McGill, 2018MCGILL, Sarah. The Financialization Thesis Revisited: Commodities as an Asset Class. In: CLARK, G. L. et al. The New Oxford Handbook of Economic Geography. Oxford, 2018.). A crescente dependência do setor agropecuário ao crédito agrícola e agroindustrial e a condução das ações de grandes firmas do ramo pelo sistema financeiro têm sido, portanto, aspectos centrais desta financeirização. Castillo et al. (2016)CASTILLO, Ricardo; ELIAS, Denise; PEIXINHO, Dimas; BUHLER, Eve; PEQUENO, Renato. Regiões do agronegócio, novas relações campo-cidade e reestruturação urbana. Revista da Anpege, v. 12, n. 18, p. 265-288, 2016. https://doi.org/10.5418/RA2016.1218.0014
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observam que além das holdings de capital centralizado e mormente com capital aberto em bolsa de valores, recentemente verifica-se a presença de representantes do capital financeiro internacional nas atividades do agronegócio, tais como “fundos de pensão, empresas de private equity, fundações e instituições bancárias, por meio de participação societária nas empresas agrícolas e do controle direto e indireto da terra e demais recursos”.

Esses agentes, que investem em cadeias produtivas do mundo inteiro e se tornam acionistas (muitas vezes majoritários) das grandes corporações do segmento agroalimentar e varejista, têm enorme poder de ditar questões como o quê, quem, onde, como, quanto e quando produzir, armazenar, distribuir e comercializar. Tais decisões incorrem em enormes volumes de massa de mercadorias que se convertem em valor de mercado e que podem auferir, a depender das estratégias adotadas pelos agentes, grandes somas de lucros ou prejuízos associadas a precificações das ações no mercado financeiro. Tal lógica é inerente às oscilações especulativas realizadas por outros investidores desses mercados, que aportam capital para auferir ganhos em negociações de ações, títulos, derivativos e outros instrumentos de remuneração financeira (Clapp e Isakson, 2018CLAPP, Jennider; ISAKSON, Ryan. Speculative Harvests: financialization, food, and agriculture. Halifax: Fernwood Publishing, 2018.).

Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2016)OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Mundialização da Agricultura Brasileira. São Paulo: Iãnde Editorial, 2016. discute que o caráter monopolista e financeiro da agricultura capitalista mundializada se define por três condições: i) a produção de commodities; ii) as bolsas de mercadorias e de futuro; iii) os monopólios mundiais (grandes corporações transnacionais). A primeira condição diz respeito ao fato de que vários produtos agrícolas, pecuários e minerais se transformaram em commodities, ou seja, em mercadorias padronizadas qualitativamente que são comercializadas no mundo inteiro e negociadas em bolsas de valores, como milho, trigo, arroz, soja, algodão, cacau, café, açúcar, suco de laranja, farelo e óleo de soja, petróleo, minério de ferro, entre outros. No Brasil, acrescenta-se também o etanol e o boi gordo, que embora não sejam commodities, são negociados no mercado futuro. O segundo fator refere-se ao fato de que as bolsas de mercadorias e futuro se tornaram o centro regulador dos preços mundiais de commodities, padronizando os preços e impondo a busca por métodos de produção cada vez mais competitivos em termos de qualidade e custos. O terceiro fator está relacionado ao controle monopolista da produção, da logística e da comercialização das commodities por empresas mundiais, como Bunge, Cargill, Archer Daniels Midland (ADM), Louis Dreyfus Company (LDC), Tereos e Cofco, todas com capital aberto em bolsa de valores (exceto Cargill) e que, por isso, respondem a estratégias econômicas do maximizing shareholder value (Aglietta, 2000AGLIETTA, Michel. Shareholder value corporate governance: some tricky questions. Economy and Society, v. 29, n. 1, p. 146-159, 2000. https://doi.org/10.1080/030851400360596
https://doi.org/10.1080/030851400360596...
; Lazonick e O’llisulivan, 2000LAZONICK, William; O’SULLIVAN, Mary. Maximizin shareholder value: a new ideology for corporate governance. Economy and Society, vol. 29, n.1, 2000, p. 13-35. https://doi.org/10.1080/030851400360541
https://doi.org/10.1080/030851400360541...
; Jensen, 2002JENSEN, Michael. Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Business Ethics Quaterly, v. 12, n. 2. P. 235-256, 2002. https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.220671
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).

Investigando a financeirização de commodities agrícolas no mercado chinês, Ouyang e Zhang (2020)OUYANG, R.; ZHANG, X. Financialization of agricultural commodities: Evidence from China. Economic Modelling, Elsevier, vol. 85(C), p. 381-389, 2020. concluíram haver uma estrutura de dependência entre commodities e mercados de ações pela correlação positiva entre commodities agrícolas e o mercado acionário em nível global. Os autores ainda apontaram a existência de uma dependência crescente entre commodities agrícolas e os mercados de ações, que se tornou mais forte após última a crise financeira global, o que também evidencia o frenético processo de financeirização contemporâneo na maioria dos territórios com atividades agrícolas.

A financeirização do setor sucroenergético brasileiro

A concentração e centralização de capitais, o crescente endividamento das empresas e a intensa associação com o capital especulativo são eventos que evidenciam um crescente processo de financeirização que vem ocorrendo no setor sucroenergético brasileiro (Boechat, 2020BOECHAT, C. A. (Org.) Geografia da crise do setor sucroenergético: land grabbing e flex crops na financeirização recente do campo brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.). Isso por que para os grupos corporativos cuja produção é ainda o principal negócio, os que são financeirizados têm maiores capacidades de obter elevadas remessas de capital para realizar investimentos, como Fusões e Aquisições (F&A), modernização das operações, compra e venda de ativos, especulações no mercado futuro de commodities etc.

A financeirização tornou-se primordial ao aumento da competitividade do setor sucroenergético, pois segundo Pitta et al. (2014)PITTA, Fábio Teixeira et al. Empresas Transnacionais e Produção de Agrocombustíveis no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., os altos custos com as operações agrícolas e agroindustriais, bem como os novos investimentos em implantação, ampliação e/ou modernização técnico-administrativa de usinas, demandam vultuosos recursos10 10 Estimativas de Milanez, Souza e Mancuso (2017, p. 111) apontavam que a instalação de uma usina com capacidade de processamento de 3,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por safra demandaria, por exemplo, um investimento de quase R$ 1 bilhão. e alto nível de endividamento de médio e longo prazo. A financeirização, desta forma, tornou-se o principal meio pelos quais os grupos corporativos bancam seus movimentos de expansão e crescimento de participação no mercado de açúcar, etanol e bioeletricidade.

Nesse sentido, o setor sucroenergético tem dependido cada vez mais no seu processo de expansão de um tipo de sistema permanente de endividamento, denominado por Pitta (2016)PITTA, Fabio Teixeira. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. Tese (Doutorado em Geografia). 420f. São Paulo: FFLECH/USP, 2016. de reprodução fictícia do capital canavieiro (ou esquema de “rolagem de dívidas”). Nesse modelo, novos empréstimos são contraídos sistematicamente para o pagamento de dívidas anteriores, através da especulação com ativos (maquinários, terras, lavouras, títulos de produção futura de açúcar e etanol etc.) e ações na Bolsa de Valores. Segundo o autor, para “inflacionar ficticiamente” os ativos, as empresas obtém empréstimos para fomentar sua expansão e valorização no mercado financeiro11 11 A quantidade de crédito e, logo, o nível de endividamento de uma empresa é estipulado, por exemplo, de acordo com o preço de suas ações na Bolsa, na capacidade produtiva, no valor dos ativos da empresa e no preço futuro do açúcar. . Essa valorização permite o acesso a mais crédito, fomentando uma nova promessa de expansão e valorização que, por sua vez, retroalimenta um ciclo de especulação com situações potenciais de captação de mais crédito. Ou seja, são os mecanismos de especulação financeira e as supostas rentabilidades auferidas por estes mecanismos que passam a comandar o ritmo de investimento e crescimento das empresas.

A criação dessa artificialidade financeira sistêmica faz com que o ritmo dos investimentos e o crescimento da maioria das empresas do setor sejam comandados por instrumentos de especulação e as supostas rentabilidades auferidas. Paradoxalmente, é por meio desse sistema constante de renovação ou alongamento de dívidas que os grupos sucroenergéticos asseguraram as suas operações agroindustriais, sobretudo no período recente de crise (Pitta, 2016PITTA, Fabio Teixeira. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. Tese (Doutorado em Geografia). 420f. São Paulo: FFLECH/USP, 2016.). Como garantias dessas operações, as empresas geralmente realizam a penhora de mercadorias, ou seja, a entrega futura de açúcar e etanol em volume correspondente ao montante das dívidas contraídas com os credores (conforme preços na data do pagamento), alienação fiduciária de cana-de-açúcar e/ou a hipoteca de ativos da empresa, como terras, maquinários, equipamentos, instalações industriais etc. Em consequência disso, a necessidade de acessar mais crédito para continuar operando e crescendo no mercado impulsiona, ao mesmo tempo, a necessidade por maior concentração do capital (crescimento e acumulação de ativos).

Entre os efeitos colaterais desse sistema descontrolado de endividamento, conforme aborda Pitta (2016)PITTA, Fabio Teixeira. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. Tese (Doutorado em Geografia). 420f. São Paulo: FFLECH/USP, 2016., é que nem sempre os resultados esperados, em termos de produção e/ou rentabilidade, se tornam realidade, o que desencadeia uma excessiva alavancagem que acaba muitas vezes abalando a sustentação financeira e operacional do grupo, levando inclusive a pedidos de recuperação judicial, falência ou subordinação à F&A, como ocorreu com muita intensidade no setor sucroenergético entre 2008 e 2019 (Santos, 2022SANTOS, Henrique Faria dos. Especialização regional produtiva e vulnerabilidade territorial no agronegócio globalizado: implicações locais da expansão e crise do setor sucroenergético no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia). 465 f. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: IG/UNICAMP, 2022.). Quebras repentinas de safra, redução da produtividade agrícola, aumento substancial do valor do dólar, queda do preço internacional do açúcar e/ou do preço interno do etanol, por exemplo, são eventos que podem comprometer a capacidade dos agentes produtivos de honrar as dívidas junto aos seus credores, causando impossibilidade de acessar novos créditos e, logo, lograr a continuidade de suas operações. Porém, boa parte dos grupos que atuam como conglomerado, destacamente Raízen, Tereos, Bunge e Cofco, consegue absorver parte dessas perdas em função de possuírem uma estrutura mais robusta e diversificada de negócios, compensando os prejuízos com lucros obtidos em outros produtos/ramos em que atuam.

É por isso que boa parte dos grupos sucroenergéticos são classificados por algumas agências de risco, como a Moody’s, a Standard & Poor’s (S&P) e a Fitch Ratings, através de uma nota (ou rating de crédito) que indica, aos investidores, a saúde financeira e a capacidade da companhia de honrar os seus compromissos. O rating é um instrumento importante para o mercado, uma vez que fornece aos potenciais credores uma análise independente sobre o risco de crédito do objeto analisado, que pode ser uma empresa, uma operação ou um país. A análise de rating busca mensurar a probabilidade da não liquidação das obrigações financeiras - atrasos e/ou falta efetiva do pagamento das dívidas contraídas12 12 As empresas correntemente pagam para terem suas dívidas classificadas em termos de risco de crédito. Isso ocorre porque muitos investidores resistem ou têm limitações legais em investir ou comprar títulos sem conhecer o rating do que está sendo comprado. .

As notas de classificação variam de AAA até D, representando, respectivamente, o menor e o maior risco de inadimplência (Figura 1). As notas atribuídas não são estáticas, mudam conforme a melhora ou a piora da situação econômica do agente. Dentre os grupos sucroenergéticos mais bem avaliados13 13 As agências de risco utilizam uma série de informações para estabelecer a nota das companhias sucroenergéticas, como: faturamento, lucro da atividade, nível de endividamento e alavancagem, qualidade dos ativos, eficiência agrícola e industrial (produtividade e custos), escala de produção, uso da capacidade de moagem instalada, diversificação de produtos, grau de flexibilidade operacional, capacidade de armazenamento de etanol e açúcar, proporção de uso de terras próprias e arrendadas, proporção de origem da matéria-prima, estratégias de gestão e comércio, estrutura do capital, patrimônio, localização geográfica, entre outras. , estão alguns dos maiores do setor, como Raízen, São Martinho, Adecoagro e Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA). Já os grupos mal avaliados são aqueles altamente endividados e/ou que se encontram em recuperação judicial.

Figura 1
Brasil: companhias sucroenergéticas classificadas pela S&P, julho de 2020.

Estratégias de financeirização

Sob a perspectiva da financeirização, observamos que a captação de recursos para o financiamento das operações de empresas do setor sucroenergético ocorre a partir de quatro modos principais:

  1. aquisição de crédito bancário (público e privado);

  2. emissão de títulos financeiros institucionalizados, como derivativos, dividendos, Certificados Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Cédula de Produto Rural (CPRs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs), debêntures, bonds, CBIOs etc;

  3. abertura do capital em Bolsa de Valores (obtenção de recursos via venda de ações e recebimento de dividendos com base em participação acionária no capital de outras empresas);

  4. investimento e especulação no mercado futuro de commodities (recebimento de recursos através da venda antecipada da produção, ganhos com contratos de açúcar e etanol subvalorizados em momentos de alta nos preços).

O acesso a crédito bancário é uma das formas mais comuns de capitalização realizadas pelos agentes do setor sucroenergético, em negociações junto a bancos comerciais e de investimento que envolvem a aprovação dos projetos a serem implementados pelas empresas e os diferentes instrumentos contratuais, com definição da destinação dos recursos, dos valores, dos prazos e das taxas embutidas na operação. Um dos principais canais de financiamento bancário do setor durante a sua recente fase de expansão foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (Fonseca, 2017FONSECA, Roberto Oliveira da. Os aportes e financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras instituições financeiras direcionadas ao setor sucroenergético. Geofronter, v. 2, n. 1, p. 30-44, 2017.; Silva e Pereira, 2019SILVA, Laís Ribeiro; PEREIRA, Mirlei Fachini Vicente. O BNDES e a sustentação recente do setor sucroenergético brasileiro (2002-2015). Geosul, v. 34, n. 71, p. 276-300, 2019. https://doi.org/10.5007/1982-5153.2019v34n71p276
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), que desembolsou quase R$ 60 bilhões entre 2002 e 2019 em várias linhas de financiamento (Novacana, 2020NOVACANA. Portal de Notícias e Dados Estatísticos Sobre o Setor Sucroenergético, 2020. Disponível em: https://www.novacana.com. Acesso em: ago.-dez./2020.
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). Contudo, como discorrem Silva e Pereira (2019)SILVA, Laís Ribeiro; PEREIRA, Mirlei Fachini Vicente. O BNDES e a sustentação recente do setor sucroenergético brasileiro (2002-2015). Geosul, v. 34, n. 71, p. 276-300, 2019. https://doi.org/10.5007/1982-5153.2019v34n71p276
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, o acesso aos recursos foi extremamente desigual. Segundo levantamento feito pelos autores, somente oito empresas, que em geral estão entre as maiores do setor, concentraram mais da metade dos financiamentos do BNDES entre 2002 e 2015 (Tabela 1).

Tabela 1
Brasil: empresas do setor sucroenergético que mais receberam financiamentos do BNDES, 2002-2015.

Além de linhas de crédito, o BNDES também já participou, por meio da sua subsidiária de investimento BNDESPar, na composição acionária de algumas empresas do setor sucroenergético, como Atvos (ex-Odebrecht Agroindustrial), Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Cosan, GranBio e São Martinho. Contudo, com a política de desinvestimento adotada pela instituição durante a década de 2010, esses investimentos e participações acabaram sendo desfeitos.

Devido a recente escassez de recursos do BNDES em função da crise fiscal do governo federal que se arrasta desde 2014, da impossibilidade dos grupos de acessar tais linhas de crédito (dada as suas condições de inadimplência financeira e fiscal14 14 Para obter financiamentos ligados a linhas especiais de crédito público (menores taxas de juros e maiores prazos de pagamento), as usinas são obrigadas a apresentarem a Certidão Negativa de Débitos (CND), documento que atesta que a empresa não possui pendências financeiras, fiscais e tributárias com o Estado. ) e da redução da taxa básica de juros SELIC (de 14,2% em 2016 para 2% em 2020), outros mecanismos de capitalização têm sido adotados pelos grupos sucroenergéticos para sustentar o ritmo de produção e demais investimentos necessários, recorrendo sobretudo ao mercado de capitais de renda fixa15 15 Novacana (20/10/2017): Busca por dinheiro: Setor sucroenergético vive tendência de mudanças nas fontes de financiamento. Disponível em: https://bit.ly/2MIKmaz.; Valor Econômico (19/04/2019): Usinas recorrem mais à emissão de CRA. Disponível em: https://glo.bo/33Dv3XL; Novacana (08/07/2019): Empresas de biocombustível fazem fila para emitir debêntures incentivadas. Disponível em: https://bit.ly/2pnyqTJ; Novacana (22/06/2020): Empresas do agronegócio devem substituir crédito oficial por CPR e CRAs, disponível em: https://bit.ly/3byHxFD. Ambas com acesso em: out./2020. . Os instrumentos mais utilizados são as emissões de debêntures, Certificados Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Cédulas de Produto Rural (CPRs), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs) e as Letras Recebíveis do Agronegócio (LCAs), títulos de dívida privada acrescidos de juros e correção monetária que as usinas emitem no mercado para adquirir empréstimos de terceiros.

Boa parte destes instrumentos constituem formas de adiantar recursos sobre créditos que têm a receber, a partir, por exemplo, da entrega e recebimento do valor das vendas de açúcar, etanol e bioeletricidade no mercado futuro. Ademais, são formas de securitizar dívidas, isto é, realizar endividamento mediante a venda de papéis a muitos investidores terceiros, sobretudo pessoa física, pulverizando os riscos de inadimplência. As negociações dos papéis são efetivadas por instituições financeiras securitizadoras contratadas, que além de serem remuneradas com a intermediação das operações, são isentas de qualquer atraso ou a não liquidação dos títulos aos investidores pelas emissoras.

A mesma função financeira possui os derivativos, que são contratos que derivam do valor dos ativos, como açúcar, etanol e bioeletricidade. São também muito utilizados como adiantamento de recebíveis da exportação, basicamente em dólares americanos por açúcar, através de mecanismos de trade finance16 16 Um tipo de operação desse tipo é quando uma usina negocia com uma trading um empréstimo em dólar sobre um contrato de entrega futura de açúcar, que deverá ser pago em volume do produto proporcional ao preço constante na data da entrega. Dessa forma, a empresa sucroenergética adianta recursos para produzir o que será entregue no futuro, comprometendo antecipadamente a produção. , como Pré-pagamento de Exportação (PPE), Adiantamento Sobre Contratos de Câmbio (ACCs) e Adiantamentos Sobre Cambiais Entregues (ACEs).

Recentemente, outra estratégia que vem colaborando para a financeirização dos agentes do setor sucroenergético via emissão de títulos é a comercialização dos Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CBios) na B3. Institucionalizado pela Lei n. 13.576 (Brasil, 2017BRASIL. Decreto nº 13.576, de 26 de dezembro de 2017a. Dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) e dá outras providências. Brasília: DOU, 27/12/2017.), que regulamentou o RenovaBio, o CBios é considerado um ativo financeiro que vem gerando enormes expectativas de rentabilidade por parte das usinas e distribuidoras de combustíveis do país17 17 Novacana (17/11/2017): RenovaBio representa o início do mercado de carbono brasileiro - CBio, um novo produto das usinas. Disponível em: https://bit.ly/3jEOJSU; Novacana (17/05/2018): Quanto sua usina pode lucrar com o RenovaBio? Disponível em: https://bit.ly/3lJ0A4k; Novacana (07/08/2018): Mais dinheiro em caixa: O impacto do RenovaBio na receita das usinas. Disponível em: https://bit.ly/2EPRyBX, ambas com acesso em: out./2020. . A quantidade de papéis disponíveis para serem negociados é definida conforme o volume de etanol ofertado no mercado e na Nota de Eficiência Energética-Ambiental de descarbonização obtida por cada agente produtor e/ou comercializador do produto. Assim, quanto mais etanol produzido a baixos níveis de CO2, mais a empresa recebe títulos de CBios para serem negociados na bolsa, gerando remuneração e capital extra. A criação desse mecanismo estimula o “mercado de carbono” e contribui, na visão do setor, para o implemento de um “fundo verde” de investimentos, a semelhança dos “green bonds” e dos CRAs verdes18 18 Títulos de dívida de empresas estatais ou privadas que atuem em atividades consideradas ambientalmente sustentáveis e/ou que contribuam para a redução de Gases de Efeito Estufa (GEE). Dentre as atividades enquadradas neste perfil está a bioenergia, que inclui o setor sucroenergético pelo fato de produzir etanol e bioeletricidade. , instrumentos emergentes de capitalização das usinas. Esse contexto se insere no que Guttmann (2017) denomina de “capitalismo financeiro ecológico”.

Outra estratégia frequente utilizada pelos agentes para a financeirização é a abertura de capital em Bolsa de Valores, conforme aborda Lavinas (2017)LAVINAS, L. The takeover of social policy by financialization: the Brazilian paradox. New York: Palgrave Macmillan; 2017.. Ao examinar este tema, Ribeiro (2011)RIBEIRO, Júlio César de Lima. Abertura de capital como estratégia de gestão jurídica e financeira de empresas do setor sucroalcooleiro. Dissertação (Mestrado em Direito). 187 f. Universidade Estadual Paulista. Franca: FCHS/UNESP, 2011. observou que as companhias sucroenergéticas buscavam essencialmente dois objetivos estratégicos ao se converterem em Sociedade Anônima de capital aberto: 1) se capitalizar a partir da emissão de ações e títulos mobiliários, atraindo novos investidores-acionistas; 2) aumentar a concentração do capital e a participação no mercado mediante F&A de ações de outras empresas.

Nessa linha, a abertura do capital da empresa em Bolsa de Valores se converte em um dos modos mais eficazes para atingir estes dois objetivos, por potencializar a capacidade de negociar títulos e ações e, efetivamente, gerar capitalização. Por essa razão, Pitta et al. (2014PITTA, Fábio Teixeira et al. Empresas Transnacionais e Produção de Agrocombustíveis no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 9) enfatizam que:

A abertura de capital de uma empresa também funciona como uma capitalização, ou seja, como promessa de produção futura de mercadorias, que retroalimentam a subida dos preços das ações da empresa e fomentam nova promessa de expansão. Não é só o capital financeiro investido nas ações das empresas que permite a expansão, mas o capital financeiro de empréstimo ou o chamado mercado de capitais. Uma empresa com capital em bolsa acessa créditos sobre os valores de suas ações, o que estimula sua expansão.

Na busca por tais vantagens, em 2005 a Cosan S/A foi a primeira empresa do agronegócio brasileiro a abrir seu capital na B3, o que permitiu a essa tornar-se, depois da joint-venture com a Shell, a maior produtora do setor sucroenergético brasileiro19 19 Conforme coloca Pitta (2016, p. 127), “a necessidade de continuar a se expandir para acessar novas dívidas, após a crise de 2007/2008, com a queda no preço do açúcar em dólares e a subida do dólar em relação ao real, levou à sua fusão [a Cosan S/A] com a Shell. Por esta ter acontecido, ou seja, por lograr acessar novos endividamentos e rolar os anteriores, a Raízen S/A não apareceu ao mercado como um dos grupos a falir, mas sim como um dentre os poucos que parecem se reproduzir.” . Em 2007 a Cosan também abriu o seu capital na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE - New York Stock Exchange). Outras empresas do setor também já seguiram o mesmo caminho, abrindo o capital na B3: São Martinho S/A (2007), Tereos International (2010), Biosev S/A (2013), Raízen Energia S/A (2013), Centro de Tecnologia Canavieira - CTC (2016) e Jalles Machado (2020).

O caso do CTC é muito interessante pelo fato de o processo de financeirização não acontecer apenas nos segmentos de produção e logística do setor, mas também no segmento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Tendo grande participação acionária no CTC, os líderes produtivos do setor20 20 As principais empresas acionárias do CTC são: Raízen Energia S/A (19,0%), BNDES Participações S/A (18,9%), Copersucar S/A (16,9%), São Martinho Inova S/A (5,4%), Odebrecht Agroindustrial Participações S/A (4,3%), Guarani S/A (Tereos Internacional) (3,8%) e Coruripe (3,0%) (B3, 2020). passam a financiar e a depender das novas tecnologias desenvolvidas por essa instituição, tendo expectativas de altos retornos com o aumento da produtividade agrícola, a diminuição dos custos e, evidentemente, do recebimento de dividendos21 21 Valor Econômico (19/06/2019): CTC vai distribuir dividendos pela primeira vez na história. Disponível em: https://glo.bo/2Mxmubg. Acesso em: ago./2019. . Isso de certa forma retroalimenta a valorização dos ativos dessas empresas e a sua capacidade de endividamento e investimento.

Além das empresas citadas, outras transnacionais atuantes no setor também possuem capital aberto em Bolsas de Valores espalhadas pelo mundo, como a Bunge, a British Petroleum, a Cofco, a Wilmar, a Adecoagro, a Renuka, a Abengoa e a Sojitz22 22 Consulta ao Google Finance:https://www.google.com/finance. Acesso em: set./2019. . Recentemente, alguns outros grupos demonstraram interesse em abrir o capital na bolsa, prevendo a realização de Initial Public Offering (IPO) (Oferta Pública Inicial)23 23 A IPO é uma operação em que uma empresa abre o seu capital pela primeira vez e oferta fatias de suas ações para serem negociadas em Bolsa de Valor, visando atrair recursos de investidores (pessoas físicas e jurídicas). , como a GrandBio, a FS Agrisolutions e a Raízen, que no caso desta última, após reformulação da estrutura de capital (deixou de ser Raízen Energia), abriu o capital da nova companhia e originou uma das maiores captações da história da B324 24 O Estado de São Paulo (03/08/2021): Raízen faz o maior IPO do ano na Bolsa e levanta R$ 6,9 bilhões. Disponível em: https://bit.ly/3lp2msK. Acesso em: out./2021. .

Para Pitta et al. (2014PITTA, Fábio Teixeira et al. Empresas Transnacionais e Produção de Agrocombustíveis no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 11), “a abertura de capital é um patamar de financeirização qualitativamente diferenciado para uma empresa. Neste mercado, suas ações podem ser negociadas independentemente de sua produção de mercadorias”. Sendo assim, as empresas de capital aberto possuem grande capacidade de se profissionalizar, de captar recursos para financiar suas atividades, de se adaptar às exigências do mercado (sobretudo do que diz respeito à modernização técnico-científica e às oscilações dos preços internacionais) e, por conseguinte, de se manterem mais competitivas (RIBEIRO, 2011RIBEIRO, Júlio César de Lima. Abertura de capital como estratégia de gestão jurídica e financeira de empresas do setor sucroalcooleiro. Dissertação (Mestrado em Direito). 187 f. Universidade Estadual Paulista. Franca: FCHS/UNESP, 2011.).

Outra questão importante a ser mencionada é que a abertura de capital em Bolsa favorece a participação de diversos tipos de investidores financeiros (fundos de investimentos, fundos de pensão, fundos mútuos, sociedades de seguros etc.) na estrutura acionária, passando estes a exercer forte influência na governança corporativa, segundo interesses puramente financeiros pela lógica da maximizing shareholder value (máxima remuneração aos acionistas) (Aglietta, 2000AGLIETTA, Michel. Shareholder value corporate governance: some tricky questions. Economy and Society, v. 29, n. 1, p. 146-159, 2000. https://doi.org/10.1080/030851400360596
https://doi.org/10.1080/030851400360596...
; Lazonick e O’llisulivan, 2000LAZONICK, William; O’SULLIVAN, Mary. Maximizin shareholder value: a new ideology for corporate governance. Economy and Society, vol. 29, n.1, 2000, p. 13-35. https://doi.org/10.1080/030851400360541
https://doi.org/10.1080/030851400360541...
; Jensen, 2002JENSEN, Michael. Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Business Ethics Quaterly, v. 12, n. 2. P. 235-256, 2002. https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.220671
https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.220671...
). Dentre as exigências de governança, estão aquelas que remetem a novos investimentos e negócios que reduzam custos, aumentem a competitividade e amplifiquem os lucros da corporação, favorecendo a expansão e a elevação das ações e títulos. A busca de oportunidades em novos ramos/setores e as operações de F&A com empresas menos eficientes no mercado (dada as possibilidades de crescimento) é, por exemplo, uma das ações que permitem valorizar os ativos da companhia, principalmente em setores com capital mais centralizado. A venda de ativos desvalorizados ou de unidades produtivas ineficientes também faz parte da estratégia, sobretudo em períodos de crise econômica.

A presença de fundos de investimento25 25 Conforme explica Ribeiro (2011), os fundos de investimento são formados por capitais de diversos investidores (pessoas físicas e jurídicas) que se organizam sob a administração de um ou mais gestores, que tem a função de aplicar os recursos em investimentos rentáveis no mercado. Além do aporte financeiro, os fundos também podem auxiliar na gestão dos negócios em que investem ou administrar diretamente os empreendimentos, aferindo crescimento e lucros nas atividades. de forma direta ou indireta na produção das usinas se torna, desta forma, outro indicador de financeirização do setor sucroenergético. Entre 2006 e 2008, alguns fundos entraram no setor por meio de F&A, joint-ventures e/ou construção de novas usinas, como a Clean Energy Brazil (CEB), Comanche Clean Energy (CCE), Companhia Nacional de Açúcar e Álcool (CNAA), Infinity Bioenergy, Brazilian Renewable Energy Company (BRENCO) e Vital Renewable Energy (VREC). No entanto, os desdobramentos da crise econômica internacional de 2007/2008, como o disparo das dívidas e a redução dos preços do açúcar e etanol, levaram todos eles a obterem grandes prejuízos, tornando-se alvos de F&A ou falência (Pinto, 2011PINTO, Mairun Junqueira Alves. Investimentos diretos estrangeiros no setor sucroenergético. Dissertação (Mestrado em Administração de Organizações). 171f. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto: FEAC/USP, 2011.). Contudo, outros fundos financeiros entraram para investir durante e recente crise do setor, como Amerra Capital Management, Proterra Investment Partners, FIP Terra Viva, JFLim Participações, Black River, Lone Star, Castlelake, Brasif Fundo de Investimentos e Participações, entre outros (Novacana, 2020NOVACANA. Portal de Notícias e Dados Estatísticos Sobre o Setor Sucroenergético, 2020. Disponível em: https://www.novacana.com. Acesso em: ago.-dez./2020.
https://www.novacana.com...
). O objetivo de boa parte desses fundos foi diversificar a carteira de investimentos no agronegócio através da concessão de crédito e aquisição de ativos depreciados no mercado, como usinas à beira da falência.

Por fim, para responder eficazmente aos interesses remuneratórios dos acionistas, as empresas do setor sucroenergético devem ainda desenvolver mecanismos para se adaptar às constantes instabilidades do mercado financeiro de commodities, tornando-se flexíveis e ágeis sobretudo com a alteração do mix de produção para minimizar as perdas ocasionadas pelas repentinas mudanças nas cotações internacionais do açúcar e do petróleo. Os preços do açúcar VHP (Very High Polarization) e do petróleo tipo WTI (West Texas Intermediate) são cotados na Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock Exchange - NYCSCE/ICE), enquanto os do açúcar cristal e do petróleo tipo Brent, na Bolsa de Valores de Londres (London International Financial Futures and Options Exchange - LIFFE). Para especialmente as tradings, a operação nos mercados futuros de commodities tornou-se uma atividade muito estratégica e lucrativa, através de investimentos em operações especulativas usando derivativos, outra forma de capital fictício. Conforme abordam Pitta et al. (2014PITTA, Fábio Teixeira et al. Empresas Transnacionais e Produção de Agrocombustíveis no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 14):

A especulação, tanto com o preço das commodities agrícolas quanto com moedas, faz com que seus preços sofram fortes impactos e oscilação, conforme os movimentos desses mercados de futuro. Os preços de certas mercadorias hoje podem expressar simples apostas futuras de especuladores, que os aumentam ou diminuem conforme a melhor possibilidade vislumbrada para seus ganhos financeiros. Tais variações impactam, inclusive, as taxas de câmbio e de juros, o que mobiliza investimentos nesses mercados de derivativos, retroalimentando a instabilidade de preços. Desta forma, as características das “apostas” do capital financeiro passaram a compor os ganhos de empresas que anteriormente investiam apenas na produção direta de mercadorias.

Nesse esquema, as próprias companhias agem como especuladoras para auferir ganhos em apostas de alta ou baixa dos preços das mercadorias na bolsa, bem como utilizam alguns mecanismos para realizar o gerenciamento de riscos de suas operações de comercialização, como a fixação do preço do açúcar no mercado futuro (hedge) para evitar perdas no mercado à vista. Esse mecanismo é muito utilizado pelas usinas quando a cotação do produto e/ou do dólar atingem um patamar interessante, estimulando a sua venda antecipada para as tradings mediante contratos que definem o preço e o volume a ser pago e entregue no futuro. Assim, as usinas se protegem das possíveis variações desfavoráveis do câmbio e da cotação do açúcar que possam ocorrer, ao vender boa parte da sua produção, antecipadamente, a um valor predeterminado, o que garante maior previsibilidade e estabilidade das operações da empresa no curto e médio prazo.

Considerações finais

A financeirização tornou-se, sem dúvida, um elemento estruturador e disruptivo das dinâmicas econômicas e políticas no capitalismo contemporâneo neoliberal. A lógica das finanças tem sido responsável por condicionar as ações dos agentes e a governança corporativa das grandes empresas e dos mercados, a ponto de conformar os padrões de ofertas e preços de bens e serviços. O multifacetado processo de financeirização da economia pode ser definido como o crescimento da influência do mercado de capitais (produtos, agentes e processos) sobre o comportamento das firmas, dos governos e das famílias, que passam a estar mais preocupadas com a eficiência e racionalização dos custos e com a gestão dos rendimentos/receitas, abarcando, assim, o espaço geográfico e o território como um todo (Cavalcante et al., 2018CAVALCANTE, Anderson; CROCCO, Marco Aurélio; SANTOS, Fabiana Borges dos. Financialization and Space: theoretical and empirical contributions. Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais, v. 20, n. 2, p. 193-220, 2018. https://doi.org/10.22296/2317-1529.2018v20n2p193
https://doi.org/10.22296/2317-1529.2018v...
; Contel, 2020CONTEL, Fabio Betioli. The Financialization of the Brazilian Territory: From Global Forces to Local Dynamism. Cham, Switzerland: Springer, 2020. https://doi.org/10.1007/978-3-030-40293-8
https://doi.org/10.1007/978-3-030-40293-...
).

Como vimos, uma das atividades econômicas que tem se financeirizado com bastante intensidade nos últimos anos é o agronegócio globalizado, já que depende expressivamente dos mecanismos do mercado financeiro para ampliar os níveis de rentabilidade, negociar nos mercados internacionais e amplificar os lucros dos acionistas das corporações agroalimentares. O excesso de aquisição de crédito no âmbito do mercado de capitais, prática cada vez mais comum das empresas agroindustriais e tradings agrícolas, ao mesmo tempo que potencializa a expansão das operações, gera uma alavancagem financeira com alto grau de endividamento associado a sérios riscos na capacidade de pagamento.

O setor sucroenergético tem sido uma dessas atividades do agronegócio brasileiro que tem se apossado de diversas estratégias de financeirização para aumentar sua capacidade de operação e lucratividade, como o acesso a crédito bancário, a emissão de títulos de dívidas, a abertura do capital na bolsa de valores e especulações do mercado futuro de commodities. Dessa forma, os investidores financeiros institucionais têm tido ampla participação nas decisões e estratégias das corporações do setor, interferindo inclusive nas formas de produção, comercialização, distribuição e precificação do açúcar e do etanol no mercado nacional e internacional.

Contudo, é preciso termos em vista, numa perspectiva mais crítica, que o processo de financeirização da economia e o condicionamento da governança corporativa das grandes empresas à lógica da remuneração financeira aos acionistas têm implicado na conjunção de diversos conflitos de interesses com outros atores do mercado que possuem menor poder econômico, como os consumidores, os trabalhadores e as comunidades locais. Como os resultados financeiros de curto prazo se baseiam estritamente na maximização dos rendimentos, muitas vezes às custas da redução de custos (via, inclusive, do infringimento de regulamentações fiscais, ambientais e trabalhistas e da diminuição da qualidade dos produtos ou serviços) e/ou da elevação dos preços (como de alimentos, combustíveis, energia elétrica etc.), cria-se contextos de práticas recorrentes de acumulação do capital por espoliação (Harvey, 2005) que, por um lado, conferem níveis maiores de competitividade das grandes empresas e maior capacidade de uso corporativo do território (Santos, 2000SANTOS, Milton. (2000) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.). Mas, por outro lado, acirram problemáticas que têm prejudicado as condições dignas de boa parte da população e dos lugares nos países subdesenvolvidos como o Brasil, sobretudo os de baixa renda e mais vulneráveis em termos sociais e ambientais.

  • 2
    “[…] for us, financialization means the increasing role of financial motives, financial markets, financial actors and financial institutions in the operation of the domestic and international economies” (Epstein, 2005EPSTEIN, Gerald. Introduction: financialization and the world economy. In: EPSTEIN, Gerald. Financialization and the world economy. Northampton: Edward Elgar, 2005., p. 3).
  • 3
    “I define financialization as a pattern of accumulation in which profits accrue primarily through financial channels rather than through trade and commodity production” (Krippner, 2005KRIPPNER, Greta R. The financialization of the American economy. Socio-Economic Review, v. 3, p. 173-208, 2005. https://doi.org/10.1093/SER/mwi008
    https://doi.org/10.1093/SER/mwi008...
    , p. 174).
  • 4
    Tipo de “capital valorizado” sem contraparte em valores de atividade produtiva real ou de ativos físicos em um dado momento do tempo, ou seja, uma forma de riqueza inflacionada artificialmente por meio de uma especulação sem lastro com realidade do valor real da propriedade patrimonial e mercadorias produzidas no presente, a exemplo das letras negociáveis (títulos de dívida com promessa de liquidez futura) e valor oscilante das ações de empresas, que permitem antecipar capital através da confiança em um mercado de risco (Harvey, 2011HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. Trad. João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo, 2011.). Esse capital fictício se potencializou com a globalização, pois “o uso das técnicas permite a instalação de um dinheiro fluido, relativamente invisível, praticamente abstrato (Santos, 2000SANTOS, Milton. (2000) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010., p. 100).
  • 5
    Na teoria marxista, esse esgotamento está ligado a ausência de mecanismos de redistribuição de riqueza e a estagnação dos salários dos trabalhadores comuns, impedindo que as demandas do mercado de consumo acompanhassem o aumento da capacidade de produção das corporações oligopolísticas. Devido a redução da taxa de lucro dos capitalistas com as atividades de produção e comercialização, houve a necessidade de empregar o excedente de capital em outras fontes alternativas de geração de renda, como as atividades financeiras (Davis e Kim, 2015DAVIS, Gerald; KIM, Suntae. Financialization of the Economy. The Annual Review of Sociology, v. 41, p. 203-221, 2015. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112402
    https://doi.org/10.1146/annurev-soc-0730...
    , p. 206).
  • 6
    Esse regime foi criado no final da Segunda Guerra Mundial para estabilizar a economia mundial, no qual as operações comerciais passaram a ser realizadas a partir de taxas fixas de câmbio referente ao dólar norte-americano, lastreado no valor do ouro. Para assegurar a operacionalização deste regime, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Com a crise do dólar na década de 1970, as taxas de câmbio das principais moedas se tornaram flexíveis, favorecendo a especulação cambial (Harvey, 2011HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. Trad. João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo, 2011.).
  • 7
    […] represented a sharp break from the previous one. Its main features are the removal of barriers to free movement of goods, services, and especially capital, throughout the global economy; a withdrawal by the state from the role of guiding and regulating economic activity; privatization of state enterprises and public services; the slashing of state social programs; a shift to regressive forms of taxation; a shift from cooperation between capital and labor to a drive by capital, with aid from the state, to fully dominate labor; and the replacement of co-respective behavior among large corporations by unrestrained competition. Neoliberalism has an associated ideology of worship of the so-called “free market” along with a denial of any positive role for the state apart from its coercive functions (Kotz, 2010KOTZ, David. Financialization and Neoliberalism. In: TEEPLE, G.; MCBRIDE, S. (eds) Relations of Global Power: Neoliberal Order and Disorder. Toronto: University of Toronto Press, p. 1-18, 2010., p. 3).
  • 8
    No caso dos bancos, ao empresar recursos no mercado, transformam as dívidas dos tomadores de empréstimos em pacotes de títulos e os comercializam no mercado para reaver, rapidamente, o montante do capital emprestado, tornando-se, desta forma, apenas um intermediador entre os emprestadores (inúmeros investidores terceiros) e os tomadores de empréstimos, que sabendo ou não, se tornaram emissores de títulos no mercado financeiro (Davis e Kim, 2015DAVIS, Gerald; KIM, Suntae. Financialization of the Economy. The Annual Review of Sociology, v. 41, p. 203-221, 2015. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112402
    https://doi.org/10.1146/annurev-soc-0730...
    , p. 208).
  • 9
    O termo agronegócio, traduzido do inglês agribusiness, teve sua origem na Harvard Business School na obra de John Davis e Ray Goldeberg (1957), intitulada A Concept of Agribusiness. O propósito da obra foi de analisar as transformações tecnológicas da agricultura na época, bem como a interdependência desta com outros setores da economia. Os autores então definiram agribusiness como sendo “o total das operações que envolvem manufatura e distribuição de suprimentos agrícolas; operações produtivas nas fazendas; e armazenamento, processamento e distribuição de commodities agrícolas e produtos feitos a partir delas” (Davis e Goldberg, 1957, p. 2 apudMendonça, 2013MENDONÇA, Maria Luisa. Modo Capitalista de Produção e Agricultura: a construção do conceito de Agronegócio. Tese (Doutorado em Geografia). 217f. Universidade de São Paulo. São Paulo: FFLECH/USP, 2013., p. 51).
  • 10
    Estimativas de Milanez, Souza e Mancuso (2017MILANEZ, Artur Yabe; SOUZA, José Antônio; MANCUSO, Rafael. Panoramas Setoriais 2030: sucroenergético. In: BNDES. Panoramas Setoriais 2030: desafios e oportunidades para o Brasil. Rio de Janeiro: BNDES, 2017, p. 107-121., p. 111) apontavam que a instalação de uma usina com capacidade de processamento de 3,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por safra demandaria, por exemplo, um investimento de quase R$ 1 bilhão.
  • 11
    A quantidade de crédito e, logo, o nível de endividamento de uma empresa é estipulado, por exemplo, de acordo com o preço de suas ações na Bolsa, na capacidade produtiva, no valor dos ativos da empresa e no preço futuro do açúcar.
  • 12
    As empresas correntemente pagam para terem suas dívidas classificadas em termos de risco de crédito. Isso ocorre porque muitos investidores resistem ou têm limitações legais em investir ou comprar títulos sem conhecer o rating do que está sendo comprado.
  • 13
    As agências de risco utilizam uma série de informações para estabelecer a nota das companhias sucroenergéticas, como: faturamento, lucro da atividade, nível de endividamento e alavancagem, qualidade dos ativos, eficiência agrícola e industrial (produtividade e custos), escala de produção, uso da capacidade de moagem instalada, diversificação de produtos, grau de flexibilidade operacional, capacidade de armazenamento de etanol e açúcar, proporção de uso de terras próprias e arrendadas, proporção de origem da matéria-prima, estratégias de gestão e comércio, estrutura do capital, patrimônio, localização geográfica, entre outras.
  • 14
    Para obter financiamentos ligados a linhas especiais de crédito público (menores taxas de juros e maiores prazos de pagamento), as usinas são obrigadas a apresentarem a Certidão Negativa de Débitos (CND), documento que atesta que a empresa não possui pendências financeiras, fiscais e tributárias com o Estado.
  • 15
    Novacana (20/10/2017): Busca por dinheiro: Setor sucroenergético vive tendência de mudanças nas fontes de financiamento. Disponível em: https://bit.ly/2MIKmaz.; Valor Econômico (19/04/2019): Usinas recorrem mais à emissão de CRA. Disponível em: https://glo.bo/33Dv3XL; Novacana (08/07/2019): Empresas de biocombustível fazem fila para emitir debêntures incentivadas. Disponível em: https://bit.ly/2pnyqTJ; Novacana (22/06/2020): Empresas do agronegócio devem substituir crédito oficial por CPR e CRAs, disponível em: https://bit.ly/3byHxFD. Ambas com acesso em: out./2020.
  • 16
    Um tipo de operação desse tipo é quando uma usina negocia com uma trading um empréstimo em dólar sobre um contrato de entrega futura de açúcar, que deverá ser pago em volume do produto proporcional ao preço constante na data da entrega. Dessa forma, a empresa sucroenergética adianta recursos para produzir o que será entregue no futuro, comprometendo antecipadamente a produção.
  • 17
    Novacana (17/11/2017): RenovaBio representa o início do mercado de carbono brasileiro - CBio, um novo produto das usinas. Disponível em: https://bit.ly/3jEOJSU; Novacana (17/05/2018): Quanto sua usina pode lucrar com o RenovaBio? Disponível em: https://bit.ly/3lJ0A4k; Novacana (07/08/2018): Mais dinheiro em caixa: O impacto do RenovaBio na receita das usinas. Disponível em: https://bit.ly/2EPRyBX, ambas com acesso em: out./2020.
  • 18
    Títulos de dívida de empresas estatais ou privadas que atuem em atividades consideradas ambientalmente sustentáveis e/ou que contribuam para a redução de Gases de Efeito Estufa (GEE). Dentre as atividades enquadradas neste perfil está a bioenergia, que inclui o setor sucroenergético pelo fato de produzir etanol e bioeletricidade.
  • 19
    Conforme coloca Pitta (2016PITTA, Fabio Teixeira. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. Tese (Doutorado em Geografia). 420f. São Paulo: FFLECH/USP, 2016., p. 127), “a necessidade de continuar a se expandir para acessar novas dívidas, após a crise de 2007/2008, com a queda no preço do açúcar em dólares e a subida do dólar em relação ao real, levou à sua fusão [a Cosan S/A] com a Shell. Por esta ter acontecido, ou seja, por lograr acessar novos endividamentos e rolar os anteriores, a Raízen S/A não apareceu ao mercado como um dos grupos a falir, mas sim como um dentre os poucos que parecem se reproduzir.”
  • 20
    As principais empresas acionárias do CTC são: Raízen Energia S/A (19,0%), BNDES Participações S/A (18,9%), Copersucar S/A (16,9%), São Martinho Inova S/A (5,4%), Odebrecht Agroindustrial Participações S/A (4,3%), Guarani S/A (Tereos Internacional) (3,8%) e Coruripe (3,0%) (B3, 2020).
  • 21
    Valor Econômico (19/06/2019): CTC vai distribuir dividendos pela primeira vez na história. Disponível em: https://glo.bo/2Mxmubg. Acesso em: ago./2019.
  • 22
    Consulta ao Google Finance:https://www.google.com/finance. Acesso em: set./2019.
  • 23
    A IPO é uma operação em que uma empresa abre o seu capital pela primeira vez e oferta fatias de suas ações para serem negociadas em Bolsa de Valor, visando atrair recursos de investidores (pessoas físicas e jurídicas).
  • 24
    O Estado de São Paulo (03/08/2021): Raízen faz o maior IPO do ano na Bolsa e levanta R$ 6,9 bilhões. Disponível em: https://bit.ly/3lp2msK. Acesso em: out./2021.
  • 25
    Conforme explica Ribeiro (2011)RIBEIRO, Júlio César de Lima. Abertura de capital como estratégia de gestão jurídica e financeira de empresas do setor sucroalcooleiro. Dissertação (Mestrado em Direito). 187 f. Universidade Estadual Paulista. Franca: FCHS/UNESP, 2011., os fundos de investimento são formados por capitais de diversos investidores (pessoas físicas e jurídicas) que se organizam sob a administração de um ou mais gestores, que tem a função de aplicar os recursos em investimentos rentáveis no mercado. Além do aporte financeiro, os fundos também podem auxiliar na gestão dos negócios em que investem ou administrar diretamente os empreendimentos, aferindo crescimento e lucros nas atividades.
  • 1
    Artigo derivado de pesquisas financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos n° 2017/15377-3 e n° 2022/11815-4.

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O processo de editoração deste artigo foi realizado por Lorena Izá Pereira e Camila Ferracini Origuela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2023
  • Revisado
    07 Ago 2023
  • Aceito
    08 Dez 2023
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