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Processos de emancipação na América Central: civilizar, educar e instruir (1820-1821) 2 2 Editor responsável: André Luiz Paulilo <https://orcid.org/0000-0001-8112-8070> 3 3 Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha <verah.bonilha@gmail.com> 4 4 Apoio: Secretaria de Educação de Honduras – SEDUC; Programa de Pós-graduação em Educação – ProPEd; Programa de Estudante Convênio de Pós-graduação – PEC-PG

Resumo

Em 15 de setembro de 1821, a América Central declarou sua independência do Império Espanhol. Previamente, circularam os jornais El Editor Constitucional e El Amigo de La Patria, configurando a opinião pública a respeito do iminente acontecimento. Com esse quadro, o presente trabalho procura examinar a relevância da comemoração da data a partir da análise do jogo enunciativo da liberdade moderada. O resultado deste exercício mostra uma série de representações organizadas em uma espécie de hierarquia intelectual que pretendia orientar as linhas políticas do novo processo, apontando, sempre, a moderação como elemento civilizador. Isto leva a refletir sobre a sedimentação da liberdade moderada e seus efeitos prévios às comemorações do Bicentenário de Independência na população hondurenha.

Palavras-chave
História da Educação Hondurenha; Processos de emancipação; Imprensa

Abstract

On September 15, 1821, Central America declared independence from the Spanish Empire. Beforehand, periodicals "El Editor Constitucional" and "El Amigo de la Patria" circulated, shaping public opinion about the impending event. With this context, the present work seeks to examine the relevance of the commemoration of the date from the analysis of the enunciative role of moderate liberty. The result of this exercise shows a series of representations organized in a kind of intellectual hierarchy that intended to guide the political lines of the new process, always pointing to moderation as a civilizing element. This leads one to reflect on the sedimentation of moderate freedom and its effects prior to the celebrations of the Bicentennial of Independence by the Honduran population.

Keywords
History of Honduran Education; Emancipation Processes; Press

Introdução

Em 15 de setembro de 1821, a América Central declarou sua emancipação política do Império Espanhol por meio de um acordo assinado pelas elites da Capitania Geral da Guatemala. Na assinatura, estiveram presentes Pedro de Molina, como testemunha, e José Cecilio del Valle, como redator da Ata de Independência. As funções exercidas no evento por esses dois personagens obedeceram ao registro dos múltiplos lugares nos quais eles transitaram, cujas marcas aparecem como referências diretas nos seus jornais sobre o que se pensava naquela época acerca do processo de emancipação: El Amigo de La Patria e El Editor Constitucional (1820 e 1822). Neste quadro, a liberdade moderada aparece como um aspecto transversal do processo de emancipação que modelava as posições dos grupos da elite dominante e a classe letrada da Capitania Geral da Guatemala. A divulgação deste tipo de liberdade nos referidos impressos veiculava uma série de representações constituídas por um jogo de relações de poder, nas quais sujeitos liberais, sábios e ilustrados aparecem articulados a uma hierarquia intelectual capaz de construir um caminho destinado a instruir politicamente as classes letradas, chamadas a incluir e guiar os grupos considerados periféricos, formados, principalmente, pelos índios e ladinos que trabalhavam, geralmente, como agricultores e artesãs.

Partindo deste breve contexto, considerei neste trabalho uma perspectiva teórico-metodológica que toma como referência os postulados foucaultianos (Foucault, 1996Foucault, M. (1996). A ordem do discurso. Aula inaugural no College de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970 (2. ed.). Loyola., 2019Foucault, M. (2019). A arqueología do saber (8. ed.). Forense Editorial.) acerca da constituição de um discurso por meio das relações de poder que operam em determinadas hierarquias em uma certa época. O jogo da enunciação, nesses termos, produz uma série de operações que sedimentam a relevância do que é considerado um acontecimento, dimensionando sua permanência nos outros presentes, sendo afinal, um mecanismo cujo exercício normalizante se capilariza nos dispositivos destinados a controlar os comportamentos e as condutas5 5 Pode-se apreciar uma reflexão ampliada desse exercício articulado ao problema das comemorações da independência em um recente artigo publicado na revista comemorativa “Umbral” da Universidade Pedagógica Nacional Francisco Morazán (UPNFM) de Honduras. Nele tenta-se compreender a maneira como as narrativas dos estudantes universitários evidenciam o caráter excludente e normalizante do discurso da comemoração da independência no âmbito escolar (Pineda y García, 2021, pp. 61-66). . Junto com esse processo, também vão se articulando várias representações que obedecem aos interesses de determinadas redes ou grupos de relações, tal como manifesta Chartier (1991)Chartier, R. (1991). O mundo como representação. Estudos Avançados, 5(11), 173-191. http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8601/10152
http://www.revistas.usp.br/eav/article/v...
, sendo o meio impresso o material de divulgação, constituição e análise, neste caso.

Com essa articulação, foi possível olhar para a Independência de 1821 não como um acontecimento isolado, mas sim, dentro de um processo que o levou a constituí-lo como um discurso que dá visibilidade a uma agenda ou programa destinado à divulgação da liberdade moderada constatada nos impressos considerados. Os indícios desse discurso sobre a independência sob a projeção de uma espécie de liberdade moderada encontram-se articulados com o ato enunciativo de educar, civilizar, instruir e ilustrar, o que afez problematizar a veiculação de mecanismos que emergiram da intenção de orientar politicamente a classe letrada, colocando como referências principais as representações do liberal e do sábio no jogo da diferenciação. Com isto, o referido trabalho se debruça na reflexão sobre a importância do acontecimento da Independência de 1821 como um ponto de ruptura, cuja ramificação é indiciada pelas comemorações da Independência ao longo de duzentos anos e as maneiras como os mecanismos de instrução, como a imprensa e a escola, capilarizaram e sedimentaram o seu sentido no que diz respeito a uma liberdade dita moderada. O artigo finaliza com uma reflexão acerca do avesso deste discurso, que aciona mecanismos de segurança e seus efeitos violentos na população hondurenha às vésperas das comemorações do Bicentenário de Independência.

O discurso da Independência de 1821 e sua introdução no dispositivo escolar no final do século XIX.

Antes de abordar a sedimentação discursiva da liberdade moderada, é preciso olhar para as tentativas de capilarização do discurso da Independência de 1821, praticadas no final do século XIX e que marcaram a pauta para os anos seguintes. Para ilustrar esse processo, faço referência a um texto, publicado em 1882, em Honduras, intitulado “Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza”, elaborado por Antonio Ramón Vallejo Bustillo6 6 (Tegucigalpa, 1844 – 1914). Presbítero retirado em 1889, advogado e Secretário Privado do Presidente Marco Aurelio Soto, fundador e diretor do Arquivo Nacional de Honduras em 1880, Diretor Nacional de Estatística em 1887 e Diretor do Colegio El Porvenir em Tegucigalpa em 1890. Na Universidade Central de Honduras, ministrou a disciplina de Latinidade na Faculdade de Direito. Segundo Gonzales (2005, pp. 96 - 98), Vallejo era partidário de criar um Estado Nacional e, junto com as figuras de Ramón Rosa e Soto, foi considerado como um dos ideólogos da Reforma Liberal em Honduras. Os vestígios desse projeto ficaram registrados em obras de corte histórico e estatístico, dentre as quais se destacam, além do referido manual, “Colección de las Cosntituciones Políticas que en La República de Honduras se han decretado en los cincuenta y seis años que lleva de independencia (1878)”; “Apéndice: Documentos justificativos del tomo primero de la História Social y Política de Honduras (1883)”; “Censo General de la República de Honduras (1888)”; “Estadistica de las Escuelas según el Censo de 1887 (1889)”; “Necrología del Presbítero Miguel Angel Bustillo (1892)”; “Primer Anuario Estadístico correspondiente al año de 1899 (1893)”; “História documentada de los límites del Estado de Honduras con Nicaragua (1893)” e “História documentada de los límites del Estado de Honduras y El Salvador (póstumo, 1926)”. por ordem do governo liberal de Marco Aurelio Soto7 7 Nasceu em Tegucigalpa (1846) e faleceu em Paris (1908). Soto foi Presidente de Honduras entre 1876 e 1883. O referido Manual era parte de um projeto de reformas liberais impulsionado por esse presidente. Essas reformas pretendiam incidir nos âmbitos político, econômico e cultural da sociedade hondurenha por meio da criação de uma série de instrumentos legais, como Códigos de instrução pública, civil, militar, de comércio; e instituições como o Arquivo Nacional de Honduras, a Casa Nacional da Moeda, escolas normais, escolas de telegrafistas, hospitais, entre outros C.f. (Argueta, 1990, pp. 166-169). (1876-1883). O texto inicia com um capítulo intitulado “Sucesos preliminares”, que faz referência à Independência da América Central com as seguintes questões:

¿Con qué denominación era conocida Centro-América antes de la Independencia?

Con la de Antiguo Reino de Guatemala.

¿Cómo se gobernaba?

Por una Capitanía General que residía en Guatemala.

¿Qué provincias componían el antiguo Reino?

Guatemala, Chiapas, San Salvador, Honduras, Nicaragua y Costa-Rica

¿Cómo estaban gobernadas?

Por Gobernadores políticos e Intendentes.

¿En qué año se crearon las Intendencias?

En 1788.

¿Qué sucesos prepararon la Independencia de Centro-América?

La independencia de los Estados Unidos8 8 A data referida é 1776 , cuya voz resonó por todos los ángulos del continente Americano, las ideas redentoras que partían de la Francia9 9 Em referência à revolução de 1789 , y el grito dado en México el 15 de Setiembre de 1810 por el Señor Cura Don Miguel Hidalgo.—Estos acontecimientos fueron preparando la emancipación que más tarde debía verificarse en Centro-América y en todo el mundo de Colón.

(Vallejo, 1882Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional., p. 18)

Tal vestígio mostra uma linha cronológica redigida em formato de catecismo (pergunta-resposta), que toma como base a referência a alguns acontecimentos históricos e formas institucionais da outrora Capitania Geral da Guatemala, entre 1810 e 1829. No jogo da enunciação do texto, as remissões à experiência de outros processos de emancipação são colocadas como uma espécie de referência de um cenário de preparação da independência local. Com isto, a solução narrativa oferecida por Vallejo (1882)Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional. parece cumprir uma dupla função. A primeira refere-se à definição ou constituição de um acontecimento local que não é isolado, senão, conectado com uma rede enunciativa sedimentada por construções históricas sobre as independências das Américas, levantadas no final do século XIX.

Ligado a isso, a segunda função diz respeito ao valor do documento em sua materialidade como recurso político elaborado para reforçar uma tendência historiográfica quanto à capilaridade das práticas morais e de construção da cidadania a partir dos processos de educação e esclarecimento do povo. A partir desse ponto, o manual de Vallejo (1882)Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional. aparece como um documento confeccionado sob os princípios dos processos de conformação da nação, compartilhando o cenário com outros projetos impulsionados pelos governos reformadores liberais hondurenhos finisseculares. Assim, a história nacional se torna um referente da instrução cívica que seria ministrada nos Colégios de Segundo Ensino. Os sujeitos referentes e o destaque de acontecimentos específicos aparecem como uma espécie de descontinuidade, com a ampliação desse discurso no aparelho escolar. O intuito deste projeto, no final, levou a oferecer uma ferramenta de capilarização de determinados valores para tentar reforçar uma espécie de ideia da nação e de subjetividade a respeito da constituição de uma identidade nacional, tal como se mostra a seguir:

¿En qué tiempo se proclamó la independencia de Centro- América?

El 15 de Setiembre de 1821. Nosotros te saludamos

¡oh dia venturoso! con todo el entusiasmo y delirio de nuestro corazón. Nosotros te saludamos, porque llegaste á tiempo á romper nuestras cadenas, á reivindicar nuestros derechos, á calmar nuestras grandes amarguras, a enjugar nuestras lágrimas vertidas en el espacio de trescientos años de perpetua esclavitud, á extirpar nuestra ignorancia con la ciencia, que es como el sol sobre las nubes, y á darnos la santa libertad, que es la primera aspiración del niño y la última invocación del anciano. Nosotros te saludamos, en fin, porque llegaste oportunamente con los remedios, con los únicos remedios, que hay contra la superstición, el fanatismo y la incredulidad: la ciencia y la civilización: porque llegastes á comprender que Honduras, con su ferro-carril interoceánico, tenia que ser más tarde ó más temprano, la estafeta del mundo, el verdadero paraíso de la tierra, la Babilonia de buena ley, donde se hablarán todas las lenguas, donde se confundirán todas las razas, donde pagarán su tributo todas las naciones y donde tendrán su juicio universal todos los errores y las preocupaciones todas!

(Vallejo, 1882Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional., p. 142)

A retórica que envolve a referência do dia da Independência nessa citação desvela as escolhas enunciativas destinadas para instruir uma população escolar específica e que se encontram permeadas por alegorias que detalham o valor outorgado a tal acontecimento. A referência do dia 15 de setembro de 1821 é seguida de outros enunciados que carregam a recorrência da pluralidade do pronome “nós” que dá visibilidade a uma determinada solução narrativa para tentar criar uma espécie de sentido de pertencimento a um grupo., Sobre essa superfície enunciativa, emerge a proclamada libertação da América Central da escravidão e da ignorância, em termos de instrução. A ciência e a civilização são colocadas, neste ponto, como remédios contra a superstição, o fanatismo e a incredibilidade e, ao mesmo tempo, como peças de modelação de uma Honduras como um lugar cosmopolita, de referência mundial e de convergências raciais alinhadas às postulações positivistas contidas nas regulamentações como o Código de Instrução Pública de 1882.

Com isso, a retomada do discurso da Independência de 1821 pode ser percebida como um elemento estratégico que obedece a uma espécie de leitura da época, realizada por sujeitos cujas intenções resultam evidentes nos planos de conformação do Estado-Nação por meio da divulgação de uma espécie de unidade. O Manual de 1882, neste caso, já indicava tal objetivo e, ao mesmo tempo, veiculava o projeto político da Reforma Liberal incursionando no âmbito da instrução das populações escolares, que se materializa, posteriormente, na série de matérias como a educação cívica e eventos comemorativos que fazem referência ao 15 de setembro como um acontecimento a ser comemorado. Portanto, esse mecanismo que estaria sendo instalado no aparato escolar naquela época traz à tona um outro problema que se encontra articulado com a sobredimensão do discurso da independência que reforça, ao mesmo tempo, a sedimentação do discurso da liberdade moderada.

A sobredimensão e a revisão do discurso da Independência de 1821.

Antes de olhar para essa solução narrativa como algo sólido e bem sedimentado, cumpre problematizar seu grau de transcendência como acontecimento tratado no Manual de Vallejo (1882)Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional. e que é reforçado por esses elementos retóricos que perpassam os vários presentes até hoje. Afinal de contas, e tomando distância da alegoria impressa, o que aconteceu nesse 15 de setembro de 1821? A princípio, foi a assinatura de um acordo entre as elites da América Central, na qual a Capitania Geral da Guatemala declarava independentes do Império Espanhol as províncias da Cidade Real de Chiapas, Guatemala, Comayagua, San Salvador, Nicarágua e Costa Rica. A construção histórica deste acontecimento, tal como manifesta o Manual, permite ver o que Avedaños (2009) alerta e coloca como um problema articulado à sobredimensão da importância da data que, afinal de contas, eclipsa o complexo fenômeno político que se desenvolveu entre 1821 e 1823. Tal apontamento leva a pensar que a assinatura da Ata de Independência não deve ser tratada como um acontecimento isolado, muito menos pacífico em termos políticos, mas sim, como produto de um complexo processo de tensões e disputas entre 1810 e 1821.

Um dos fatores que encaminharam tal processo foram os movimentos de insurreição internos e externos que marcaram uma ruptura no ambiente da Capitania da Guatemala, com a proclamação do Plano de Iguala10 10 Em referência ao Plano proposto por Agustin Iturbide, na cidade mexicana de Iguala, em 24 de fevereiro de 1821. Tal plano propunha um projeto constitucional de independência da outrora Nova Espanha, baseado em sete pontos fundamentais que definiam: 1) o regime constitucional; 2) uma monarquia moderada; 3) a intolerância religiosa, mas que pretendia conservar ainda os seus privilégios; 4) uma representação parlamentar; 5) uma integração de um exército trigarante; 6) o princípio de igualdade e 7) o respeito irrestrito à igualdade à propriedade. Para mais informação, ver Soberanes Fernandez (2011). , em 1821. Tal plano motivou um primeiro movimento de deslocamento, quando a província de Chiapas se declarou independente tanto da Espanha como da Capitania Geral da Guatemala, para logo anexar-se à Monarquia Mexicana. A perda desta região marcaria o caminho a seguir pelas outras províncias após a assinatura da ata de 15 de setembro. A critério de Avedaños (2009, p. 40)Avedaños Rojas, X. (2009). Centro América entre lo antiguo y lo moderno. Universitat Jaume., esse primeiro movimento, provocado a partir da assinatura do Plano de Iguala, representou uma espécie de alerta para os agentes administradores e políticos da Capitania Geral da Guatemala, distribuídos em redes de instituições coloniais como a Diputação Provincial, o “cabildo” eclesiástico, a audiência, o claustro de universitário, o consulado de comerciantes, o Colégio de Advogados e a Prefeitura da Cidade da Guatemala. Desta forma, a autora assinala que tais circunstâncias obrigaram este setor da sociedade civil da Guatemala a assinar um acordo, carimbado de forma oficial, pelos deputados provinciais e da mesma Prefeitura, formando, depois, uma Junta Provisional para exercer as funções governamentais da nova etapa das províncias.

Logo, ao final de 1821, a Junta Provisional recebeu, reproduziu e discutiu o convite de anexação enviado pela Monarquia Constitucional do Império Mexicano, quando Iturbide terminava de instalar seu exército em Chiapas. A situação dividiu as opiniões no interior da Junta Provisional, que deixou nas mãos de cada uma das províncias o destino que considerassem adequado: a anexação ao Império ou a manutenção da independência. Afinal, a decisão última resultou na emissão de uma ata de adesão ao Império Mexicano em 5 de janeiro de 1822. Apesar das circunstâncias apresentadas, o 15 de setembro de 1821 terminou sendo uma data que, tal como demonstra o Manual de Vallejo (1882)Vallejo, R. R. (1882). Compendio de la Historia Social y Política de Honduras aumentada con los principales acontecimeintos de Centro-América para uso de los colégios de 2.a enseñanza (Vol. I). Tipografía Nacional., é lembrada e considerada até hoje como uma festa cívica nacional em Honduras. Tal acontecimento é reproduzido e reforçado pelas instituições do Estado hondurenho, principalmente as educativas. Com isto, cabe questionar como que um acordo de elites, provocado por circunstâncias que ameaçavam os interesses deste grupo, conseguiu se capilarizar na sociedade sob a forma de uma data comemorativa.

Talvez o Manual elaborado pelo Vallejo em 1882 pudesse oferecer uma resposta parcial a essa questão, no entanto, eu gostaria de me reservar a uma exploração mais afinada dessa fonte, para considerar outras duas que me parecem muito mais pertinentes para o escopo deste estudo e que já foram referenciadas na introdução. Assim, faço uma retrodicção estratégica para tomar como ponto de partida o curto período entre 1820 e 1822, que representa o contexto que envolve a assinatura da Ata de Independência. Tal deslocamento me parece necessário para testar a matriz referida no início e, então, começar a compreender o ponto de emergência do dia 15 de setembro como data comemorativa e sua posterior sedimentação discursiva por meio de determinados mecanismos de (in)formação, como a imprensa, que fizeram que tal acontecimento fosse considerado um evento de permanência, constituindo uma série de representações inscritas nas efemérides nacionais hondurenhas ao longo de 200 anos.

Tal proposta seria difícil de ser abordada em sua totalidade neste trabalho. Portanto, aproveitando a facilidade e o acesso às fontes que o mundo virtual oferece, decidi abordar um tema específico relativo à imprensa como uma das formas de instrução da classe letrada da Capitania Geral da Guatemala e das províncias da América Central entre os anos 1820 e 1822. Para esse propósito, escolhi, como fontes para esta pesquisa dois jornais ‒ El Editor Constitucional e El Amigo de la Pátria ‒ que circularam na província da Guatemala, reeditados pelo Ministério de Educação da Guatemala na segunda metade do século XX (1954 e 1969).Ambos publicados como edições comemorativas: o primeiro relativo ao centenário do falecimento do seu editor, o Doutor Pedro Molina (1777-1854), e o segundo como parte da pré-comemoração do sesquicentenário de Independência da América Central.

Os dados da época quanto à materialidade das referidas fontes mostram que El Editor Constitucional iniciou sua circulação em 24 de julho de 1820 e encerrou em maio de 1821, ressurgindo no segundo semestre desse mesmo ano com outro nome, El Genio de la Libertad, concluindo sua circulação em dezembro de 1821. A estrutura interna do periódico se dividia em três seções, que variavam de número a número: Papéis Públicos; Instrução Pública e Variedades. Seu editor, Pedro de Molina, era médico, jornalista e político, nascido na Cidade de Guatemala em 29 de abril de 1777, tendo falecido em 21 de setembro de 1854. Sua função como jornalista não se limitou apenas à edição desse impresso, mas também à fundação de um outro jornal que circulou a partir de 1848, intitulado El Album Republicano.

Por outro lado, o primeiro número de El Amigo de La Pátria apareceu quatro meses depois de El Editor Constitucional, especificamente em 16 de novembro de 1821, e sua circulação se estendeu até o início de 1822. A estrutura desse impresso compreendia cinco seções, que também variavam de número a número: Ciências, Governo, Agricultura, Indústria e Comércio. Seu editor, José Cecilio del Valle, nasceu em Choluteca, Honduras, em 1777, e se radicou na Guatemala a partir de 1789. A historiografia analisa a vida de Valle como político, funcionário e intelectual, no entanto existe uma outra função que perpassa e, possivelmente, interliga todas essas outras funções: o Valle jornalista. O programa permanente do Bicentenário da Universidade de São Carlos, faculdade na qual se formaram Valle e Molina, realizou um estudo em 2015 que apresenta uma cronologia na qual é possível evidenciar o engajamento deste personagem com a imprensa: em 1806, por exemplo, foi censor de La Gaceta de Guatemala; em 1815 editou o mesmo impresso sob a subvenção, desta vez, da Sociedade Econômica Amigos da Guatemala. Já em 1820, apareceu como redator de El Amigo de la Patria e, em 1825, fundou um outro impresso, El Redactor General.

Ambos os periódicos circulavam de forma semanal e estabeleceram debates a respeito das posições políticas da época. Por um lado, El Editor Constitucional é apresentado pela historiografia da América Central como um periódico de porte liberal do grupo da elite denominada, pejorativamente, como Los Cacos, parte da elite que criticava o governo colonial da época e que se articulava às ideias dos liberais espanhóis. Por outro lado, alguns historiadores localizam El Amigo de La Pátria, pelo lado da elite denominada como realistas ou servis, que estavam a favor dos governos locais e do Rei Fernando VII. Um dos pontos em que ambos os periódicos coincidiam era a Constituição de Cádiz de 1812, restituída em 1820, assim como também, na instrução da classe letrada pela imprensa, evidenciado pelas seções “Instrucción Pública” e “Ciencias”, destinadas a que se destinavam para este fim.

A tensão entre ambos os periódicos aparece em diferentes tonalidades e graus. El Editor Constitucional, por exemplo, se apresentava como uma aparente superfície de disputas da opinião pública. Pedro de Molina não era o único redator do periódico; outros personagens, como Montufar e Aycena, ajudavam na redação e recepção dos escritos e publicavam, às vezes, com seus pseudônimos para tratar de temas sobre independência radical, confrontadas com as ideias de uma liberdade moderada, liberdade civil, entre outras. Pelo lado de El Amigo de La Patria, era atribuída a José Cecilio del Valle a autoria das publicações, nas quais fazia circular suas ideias sobre uma espécie de projeto político de governo. Sua postura era a favor de uma independência gradativa, moderada ou evolutiva. Uma independência ilustrada na qual o sábio seria a figura central dos governos: um homem de consulta, com a vontade de apresentar as soluções e o caminho a seguir para as sociedades.

Desta forma, entre a tensão relativa à ideia de como deveria ser a independência das províncias da América Central, ambos os impressos veiculavam, recorrentemente, diferentes usos do termo “liberdade” e suas derivações, manifestando, inclusive, algumas aproximações entre ambos. Neste ponto, gostaria de indicar o procedimento metodológico que me levou à escolha da análise dessa palavra, a qual tomou como base a procura de uma série de enunciados que, em um primeiro momento, contemplaram um repertório de palavras-chave, como “ilustrar” “instruir” “civilizar” e “educar”, amplamente abordadas no campo da história da educação e das quais, particularmente, eu esperava um maior número de ocorrências para tratar o tema em questão. No entanto, durante a procura, me deparei com palavra “liberdade” e algumas das suas derivações, que acompanhavam constantemente tais referências, mostrando um resultado que me levou a considerar tal termo de extrema relevância. Diante disto, a Tabela 1 apresenta a comparação da frequência de referência das palavras-chave procuradas:

Tabela 1
Ocorrências das palavras-chave buscadas

As palavras “instruir”, “civilizar’ e “educar” apresentam uma frequência de 148, 47 e 68 ocorrências, respectivamente, em comparação com a palavra “ilustrar” e suas derivações. Esta última palavra aparecia no topo, com um total de 224 ocorrências, sendo que a maior parte delas procedia de El Amigo de la Patria, com 146. A palavra “liberdade” teve um total de 545 ocorrências, sendo a maioria registrada em El Editor Constitucional, com 359, tal como mostra a Tabela 1.

Assim, para introduzir minha proposta sobre uma forma específica de instrução pela imprensa durante o processo de emancipação da América Central, especificamente entre os anos 1820 e 1822, decidi partir dos dados das ocorrências; tomar essa palavra “liberdade” e me perguntar: como essa ideia de liberdade opera nos impressos? O que ela possibilita fazer em termos de análise? Quais são os caminhos que ela abre? Quais são os caminhos que ela barra? A que ela está servindo? Então, para abordar essas questões optei partir da seguinte hipótese: em uma primeira análise, o tratamento da liberdade em ambos os impressos se apresenta como uma espécie de fronteira ou limite que parece apagar as rivalidades e os confrontos que parte da historiografia da América Central toma como ponto de partida para falar de independência. Essa liberdade limite ou fronteira não é uma liberdade qualquer: ela é específica e constantemente referenciada em ambos os impressos (me refiro à liberdade moderada). Portanto, parece que o objetivo de ambos os impressos se concentrava na ideia de ilustrar, instruir, civilizar e educar seus subscritores quanto a essa liberdade moderada, colocando como referência central a veiculação de duas representações altamente privilegiadas que se complementam: a dos liberais e a dos sábios.

A liberdade moderada e seus zeladores: liberais e sábios

Desta forma, as 545 ocorrências da palavra “liberdade” em ambos os impressos apresentam uma série de indícios na cadeia discursiva, voltada para a questão da moderação. Esses indícios poderiam ser agrupados em duas categorias iniciais: representações de sujeitos e ideias sobre a livre imprensa e o livre comércio. No entanto, para o escopo deste estudo, focalizei a análise da primeira categoria, partindo da seguinte pergunta: de que forma a marca da liberdade moderada aparece no conjunto de representações que veiculam os impressos? Para compreender estes questionamentos, tomarei como base de análise as representações do liberal e do sábio.

As representações do liberal analisadas em El Editor Constitucional apareciam sob as figuras dos pseudônimos, uma caraterística muito marcante deste impresso. Alguns deles, literalmente, com as seguintes inscrições: [PM]; [B]; P. A. F. J.; [JDD]; Juan Pansa; PM de la Pedrera; El Precursor de la Constitución; Dr. G.G.; [DJBta]; F.O.; [El Sor Casta]; J. M. de la P.; [ParPM]; El Editor Tixereta; El Verdadero Patriota; [GG]; El Constitucional; E. E.; Agustín, Obispo de Barbastro; [M del P]; [JE]; Liberato Cauto; Precursor de la Constitución; El Español Liberal; Liberato Castro; [Pe. Bats.]; El Centinela; [Fr. Ma. Beta.]; Filántropo; S.C.; El Admirador; Patriota Verdadero; M. A.; Lord Inglés; Los imparciales; [Manuel Montúfar]; Universal Observador.

Com esse repertório de pseudônimos é possível realizar duas observações iniciais. A primeira é que os autores, ao se inscreverem nesses termos no impresso, poderiam ter exercido uma função específica como mecanismo de orientação da opinião pública da classe letrada da Capitania Geral da Guatemala. A grande quantidade de pseudônimos, a princípio, parece refletir uma espécie de estratégia dos editores em lançar mão deste tipo de recurso para estabelecer um campo de disputas de ideias e imprimir suas posições sobre temas articulados à liberdade civil, à livre imprensa e ao livre comércio. Pedro Molina e Montufar, por exemplo, editores principais de El Editor Constitucional, imprimiam sua assinatura usando pseudônimos como PM, Liberato Cauto, Filantropo e Sor Casta. Mesmo sem haver uma explicação do porquê de tais pseudônimos, a simples vista é possível observar alguns indícios articulados às suas posições políticas em relação à liberdade moderada. Isto leva ao segundo destaque do repertório de pseudônimos, principalmente com os nomes Liberato Cauto e El Sor Casta, por exemplo, os quais alertavam aos possíveis leitores uma espécie de posicionamento de cautela ou prudência nos comentários que eram publicados nesse impresso.

As adjetivações dos pseudônimos de El Editor Constitucional tomam sentido, quando eles se apresentam em um aparente campo de disputas organizado pelos mesmos editores do impresso para fazer prevalecer o princípio de moderação em diferentes publicações, sugerindo, mediando e ajustando as posturas dos outros possíveis redatores sobre temas associados ao debate da livre imprensa, livre comércio ou a crítica das disposições legais que circulavam naquele momento. No entanto, por outro lado, em El Amigo de La Patria, as publicações aparecem sob o nome próprio de José Cecílio del Valle. As posturas deste autor acerca do tema da liberdade moderada são muito próximas das presentes no outro impresso. Com essa aproximação, o interessante a se destacar em ambos os impressos, seja sob a figura do pseudônimo seja do nome próprio, é que são colocadas, como elemento central, as posições ou funções estratégicas no jogo da enunciação.

O liberal e o sábio, portanto, foram representações consideradas necessárias a serem divulgadas para contribuir em uma espécie de agenda, visando tornar mais efetivos os mecanismos de instrução da classe letrada pela imprensa em relação à liberdade moderada no eminente processo de emancipação da América Central que estava se desenvolvendo nessa época, sendo motivado, principalmente, pelos movimentos acontecidos no México com a assinatura do Plano de Iguala, em 1821.

Com isso, as representações do liberal e do sábio vinculam à ideia de liberdade sob a postura de moderação. O sábio, por exemplo, em El Amigo de La Patria, se mostra como uma espécie de agente civilizador e instrutor dos governos, dos índios e dos artesãos. Para o caso, no seu primeiro número, publicado em 16 de outubro de 1820, tal figura aparece com a seguinte referência:

En la escala de los seres, el hombre es el primero. En la escala de los hombres, el Sabio es el mas grande. El Sabio es el que más se aproxima a la Divinidad: el que dá honor a la especie, y luces a la tierra. El nacimiento de otros hombres es suceso ordinario que no influye en las sociedades. El nacimiento de un Sabio es época en la historia del género humano.

(Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 5)

Assim, partindo da hipótese sobre uma espécie de autopromoção do próprio perfil de Valle na sociedade da Guatemala, a representação do sábio revela-se em toda a publicação como um ser que ajuda a evitar “una sociedad de hordas salvages” (Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 7), exemplo para a juventude com aspirações para cultivar as ciências e que devem ser motivados a “trabaja[r] para ser Sabios” (Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 10), pois ser sábio representa a “carrera grande de la gloria”. Por outro lado, a mesma publicação do mesmo modo menciona a necessidade de almas para governar os corpos políticos e que “las almas de estos cuerpos deben ser los Sabios”, beneficiando, dessa forma, a construção de um “patriotismo ilustrado”. O sábio é colocado como un agente que “dá al Gobierno teorías benéficas de administración, y al hombre métodos útiles de trabajo.” (Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 02) e “que ha de iluminar la obscuridad del África, ilustrar la India, y derramar luces sobre nuestra patria” (Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 5).

Essa última postura, que articula o sábio como uma figura moderadora ou como um homem de consulta para os governos, é compartilhada também por El Editor Constitucional. Como exemplo disso, tal impresso reproduz uma publicação intitulada “Proclama de la Junta Provisional. Madrid 10 de marzo de 1820”, em que é abordada a questão da livre imprensa que fazia referência a um determinado instrumento normativo da época:

¡Sabios! empleadla constantemente en prestar al Gobierno y a vuestros semejantes vuestras luces, y los frutos de vuestras tareas, de aquel modo que exige el decoro de la misma sabiduría del Gobierno, y que la igualdad de derechos reclama de hombre a hombre.

(Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p.6)

O sábio, neste caso, aparece na sua pluralidade, operando como moderador ou juiz da palavra em função de um determinado governo. Tal postura é manifestada em algumas publicações realizadas entre dezembro e janeiro de 1820. Com esta aproximação, o termo “liberdade” aparece sendo regulado por um sujeito que é caracterizado discursivamente, tomando como base o debate específico sobre a liberdade de expressão, levantado naquela época. Em El Amigo de La Patria, tal representação apresenta uma tonalidade diferente, mas que mantém a linha de moderação na qual a habilidade do sábio precisa ser investida em distintas dimensões “civilizatórias” ou “civilizadas”. Desde a contenção de “hordas de salvajes”, passando pela instrução da juventude, até intervir no círculo político, sendo esse o lugar privilegiado ou de desejo dos redatores. Sendo assim, é possível encontrar a liberdade moderada em uma operação que poderia se chamar de intervenção e moderação, que funciona como elemento que, longe de manifestar as rivalidades ou disputas entre ambos os impressos, os complementa e que, afinal, termina por construir, para os possíveis leitores, esse espaço de criação de sentido em torno de uma liberdade pensada pelas elites da Capitania Geral da Guatemala.

O liberal, por outro lado, aparece sob o tom de um conjunto de enunciados que colocam, no jogo das diferenças, a representação do que era ser um liberal e um ser servil. Na edição de número 3 de El Editor Constitucional, por exemplo, a liberdade se mostra como “germen celestial de gloria [...]” (Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 32). Juntamente a essa representação, o liberal é descrito como um sujeito cujo comportamento deveria tomar distância daqueles que se apresentam como defensores de uma liberdade considerada como um privilégio para uns poucos, lugar reservado apenas para “un servil diestro, tanto más peligroso, cuanto sabe combinarse mejor con el egoísmo y disfrazarse más a los pueblos” (Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p.6). Dessa forma, o liberal e o servil representam “las voces que más se oyen y que designan dos clases siempre en contradicción como la luz y las tinieblas”. A marcada denúncia dos que são considerados “serviles” termina por constituir a representação do liberal em um jogo de oposições. Neste caso, o quadro de representações do servil se diferencia do liberal por ser “una facción, siempre reconcentrada en sus miras particulares, siempre adherida a las personas y jamás al público, no puede nunca dominar sino sobre las ruinas de la libertad y del orden.” (Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p.14). Nesse exercício de contrastes de representações, o liberal é apresentado pelo impresso da seguinte forma:

El liberal es el reverso de este cuadro. La naturaleza repartió a todos los seres un principio activo, que es el resorte del movimiento vital del universo. Desde la simple atracción de la materia, hasta el pensamiento y la libertad del hombre, el soplo divino del Creador se difunde animando el gran todo. Los seres son más o menos admirables según se descubre en ellos este fuego elemental de la vida. Si el hombre degenerado y esclavo lo desconoce, el hombre natural y libre lo siente con toda su energía. Yo quiero, yo soy dueño de mí, dice el salvaje en sus bosques y el ciudadano en medio de la patria; mientras que el servil entre las hordas de imbéciles, grita: el príncipe quiere por mí, el príncipe es dueño de la vida y de la libertad.

(Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 30)

A liberdade aparece como matéria de deslocamento do liberal na série de diferenças com que é considerado como servil, relegando esta última representação para as “hordas de imbéciles”, uma categoria inferior aos selvagens e aos cidadãos da pátria. Esta construção da representação do liberal, marcada pelas suas diferenças com o servil, podem ser observadas com maior detalhe em outras publicações. Para o caso, em uma nota publicada em El Editor Constitucional, escrita por El Precursor de la Constituición, no Golfo de Mexico, e datada de 12 de abril de 1820, a liberdade é inscrita sob determinados parâmetros, fazendo, inclusive, uma espécie de retrodição histórica:

Pero alerta, compatriotas: no perdáis de vista la ley de diez de noviembre de mil ochocientos diez, ni os engañéis en su genuina inteligencia, confundiendo al liberal con el libertino, a la libertad de imprenta con el abuso de esta libertad. Sobre todo, venerad el sacerdocio; respetad las autoridades, cualquiera que sea su clase: considerad al ciudadano y no agucéis vuestra pluma contra el servil para injuriarle o deprimirle, sino para instruirle en la doctrina constitucional. Así honraréis la ley de la libertad de la imprenta; así haréis honor a vuestro suelo; así transmitiréis vuestro nombre a la posteridad; así quedaréis cubiertos de gloria.

(Molina, 1954Molina, P. (1954). El Editor Constitucional. Guatemala: Ministerio de Educación Pública. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p 44.)

A representação do liberal constroe-se sobre a retórica da moderação, a qual entra no jogo das disputas para exercer uma espécie de equilíbrio com as remissões às normativas e à lei de livre imprensa, balizando seus limites nas representações que veiculam os excessos, isto é, os abusos da liberdade ou a libertinagem dos sujeitos. Os ajustes para aqueles que se consideravam dentro do espectro de uma postura liberal são encontrados de forma mais marcada em El Amigo de La Patria, vinculado, principalmente, a uma espécie de plano político. Meses antes de ser anunciada a independência, Valle apontava que o homem livre era aquele que aceitava ser governado pela lei (1969, p. 308). Ele mencionava, inclusive, que a herança da colônia para o povo libertado foi o estabelecimento de um governo liberal e justo (Valle, 1969Valle, J. (1969). El amigo de la patria. José de Pineda Ibarra. http://memoriacentroamericana.ihnca.edu.ni/uploads/media/El_editor_constitucional_Escritos_Pedro_Molina.pdf
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, p. 192), em uma clara referência à Constituição Espanhola de 1812, que voltaria a ter vigência em 1820.

Em síntese, a análise das marcas encontradas nas representações do liberal e do sábio, veiculadas por ambos os impressos, denotam uma das maneiras como as elites da outrora Capitania Geral da Guatemala tentavam instruir a classe letrada sobre o que os editores, representantes diretos desse grupo, divulgavam a respeito da liberdade moderada. Tal termo foi constituído segundo as exigências e os interesses da época, que colocavam em uma agenda ampla o estabelecimento de mecanismos de controle para os eventos ou acontecimentos que poderiam se apresentar fora daquele registro tido como moderado, tomando como termômetro os movimentos de insurreição do México e da América do Sul. A imprensa, neste caso, cumpria uma função específica para temperar os espíritos na condução de uma emancipação que pretendia, ainda, ser ajustada pelos aparatos normativos vigentes naquela época.

O discurso da Independência de 1821 e a ramificação da liberdade moderada no contexto do Bicentenário.

A consciência de uma emancipação política promovida pelas elites da outrora Capitania Geral da Guatemala procurava ser divulgada pela imprensa por meio da veiculação de representações que terminavam por ser uma espécie de liberdade moderada. Tal termo ou condição entra nesse panorama da emancipação como um elemento discursivo regulador que tentava criar um sentido de unidade para os subscritores dos jornais. Os temas articulados a uma liberdade civil ou à divulgação de representações de figuras políticas e intelectuais, como os liberais e os sábios, poderiam ser entendidos como recursos discursivos utilizados para tentar nortear a opinião pública da época na América Central durante o processo de emancipação. Em outras palavras, a constituição do que era considerado uma liberdade deveria ser moldada por estes sujeitos, autorizados a falar em nome das elites da Capitania Geral da Guatemala, com perfis que iam sendo construídos em cada publicação dos números de ambos os impressos. Dessa forma, os embates ou debates que se mostravam ao interior de El Editor Constitucional, assim como em El Amigo de La Patria, encontraram suas aproximações nas representações dessas duas figuras que terminavam por se acomodar ao que era visto como uma liberdade moderada que se adequava aos interesses das elites na época.

Portanto, nessa instrução pela imprensa é possível observar a divulgação de relações discursivas colocadas em um aparente campo de disputas, porém que se complementam para denunciar o que os redatores consideravam como práticas servis nos governos locais. Tal condição era tratada como uma espécie de obstáculo para o projeto político que estava sendo elaborado pela elite da Capitania naquela época, que buscava o caminho da emancipação moderada. Ao observar ambos os periódicos nesse nível discursivo, é possível notar a maneira como o embate do jogo político era limitado pela instrução de uma liberdade moderada, balizada pela Constituição Espanhola de 1812. A mesma observação aparece com suas particularidades em cada jornal ao referir-se, por exemplo, aos debates sobre o livre comércio e a liberdade de imprensa, assim como aos prejuízos que poderia provocar o caminho de uma liberdade natural, ilustrada sub-repticiamente com a divulgação das notícias referentes aos movimentos de insurreição que aconteciam em outras regiões da América. Esses discursos, marcados por uma aparente ruptura, transitaram em um espaço limitado e controlado pela veiculação de publicações que tratam sobre a liberdade civil, posições ideológicas moderadas (El sabio y el liberal) e divulgação e exaltação da liberdade moderada em territórios considerados civilizados (principalmente países da Europa).

Com isso, não é difícil correlacionar, no nível discursivo, a um projeto de instrução pela imprensa na Guatemala, que colocava a liberdade moderada como um eixo principal perante os eventos que se desenvolveram entre 1820 e 1821 na América e na Europa. Nesse panorama, emergiu um acordo entre as elites, com a assinatura de uma ata que é considerada, até hoje, como uma garantia oficial da emancipação política da Guatemala (América Central) a partir de 15 de setembro de 1821. O referido projeto de instrução pela imprensa não era um plano organizado pelas partes que disputavam a opinião pública na época. Cada impresso analisado seguia sua própria agenda política de instrução, marcando suas particularidades e interesses. O uso da palavra “projeto” é apenas para destacar as aproximações das intenções no que diz respeito às publicações relativas à questão da liberdade.

Afinal, a aproximação de ambos os impressos se dava pela via da divulgação das representações do liberal e do sábio, vinculado ao que era considerado uma liberdade moderada. Tal aproximação, contudo, não apaga as rivalidades entre ambos os periódicos, mas sim abre uma via para se pensar nos mecanismos utilizados pelos editores para realizar as leituras das circunstâncias da época, articuladas aos acontecimentos que vinham se desenvolvendo a partir de 1820. A partir disso, cabe determinar o papel das remissões históricas observadas em algumas publicações, as quais terminavam por estabelecer posições e gradações das opiniões, às vezes contrastantes, ente os grupos das elites. No entanto, tais posições eram temperadas ou suavizadas quando se fazia referência a grupos periféricos, como os índios ou artesãs. Com isso, o tratamento dessa liberdade moderada direcionada para os agentes ou classe letrada em contato com esses grupos aparecia como um pano de fundo em ambos os impressos, decorrente das notícias sobre a assinatura Plano de Iguala do Império de Iturbide e a emancipação de Chiapas da Capitania Geral da Guatemala.

Isto, como falado inicialmente, acelerou os planos das elites da Capitania para estabelecer um acordo que se materializou com a assinatura da Ata de Independência em 15 de setembro de 1821. Valle e Molina, os redatores de ambos os impressos, estiveram presentes nesse evento: o primeiro como redator da Ata e o segundo como parte das testemunhas do evento. Portanto, a correlação do projeto de instrução pela imprensa na Guatemala sobre a liberdade moderada torna-se visível, no nível discursivo, nos 15 pontos que compõem a Ata de Independência, que representa a máxima expressão dos interesses relativos a essa liberdade moderada.

Ao examinar esse documento, é possível observar a relação entre a liberdade moderada que operava nos impressos e os incisos 10, 11, 12 e 16. O inciso 10, por exemplo, condicionava a liberdade das províncias da Capitania Geral da Guatemala a um gesto de moderação, conservando a religião católica pura e inalterável, respeitando e protegendo as suas pessoas e propriedades. O inciso 11 mencionava um complemento à necessidade da comunidade religiosa para cooperar com a paz e sossego do povo durante a transição, exortando a fraternidade e concórdia no sentimento geral da independência, para sufocar as paixões individuais que, a critério dos assinantes, dividiam os ânimos que poderiam produzir funestas consequências. O inciso 12 fazia um apelo à moderação para evitar que as prefeituras não tomassem medidas para conservar a ordem e tranquilidade da Capital e dos povoados imediatos. Desta forma, partindo da montagem discursiva de uma espécie de dispositivo de segurança, o inciso 16 proclamava a feliz independência da América Central, perpetuando, em uma medalha e na memória dos próximos séculos, a data do 15 de setembro de 1821. Nos anos pós assinatura, e até os nossos dias, essa representação simbológica do Dia da Independência se tornou uma comemoração com diferentes vieses ao longo dos 200 anos, tendo como elemento central a liberdade moderada tratada no impresso e perpetuada na Ata de Independência.

A forma de operar desse tipo de liberdade nas comemorações do 15 de setembro oferece pistas para refletir acerca dos mecanismos de ajuste utilizados na institucionalidade como uma maneira de controlar os comportamentos das populações, principalmente as escolares. Tomo o caso de Honduras como exemplo. Rumo ao centenário de Independência, em 1901, foram emitidas várias disposições elaboradas pelo inspetor de instrução primária de Comayagua e divulgadas no impresso La Instrucción Primaria (1895-1903). Tais disposições instruíam as autoridades locais das escolas para que organizassem os atos comemorativos do Dia da Independência. Nelas, se pretendia que as aulas das escolas elementares de ambos os sexos fossem interrompidas para realizar uma grande confraternização, em um local visível das capitais municipais do departamento de Comayagua. Nesse dia, os alunos seriam submetidos a uma bateria de exames sobre a História Pátria, recitações, saudações à bandeira, cantos patrióticos, leituras articuladas com os fatos do 15 de setembro de 1821, apresentação de trabalhos de bordado e de escritas. O uniforme habitual não seria exigido, pois a maior simplicidade deveria caracterizar tal comemoração: era permitida apenas uma insígnia com as cores da bandeira nacional, pendurada no peito dos alunos. Chegado o dia, as autoridades civis e militares e o público em geral seriam os convidados para presenciar tais atos (Cueto, 1901Cueto, J. M. (1901, sep.). Disposición del Inspector de Instrucción Primaria de Comayagua. La Instrucción Primaria, IV(63), 1010., p. 1010).

Logo, em 1921, aproveitando a comemoração do centenário da Independência, El Boletin de la Escuela Normal de Varones publicou uma nota sobre as atividades que estavam sendo realizadas em homenagem à comemoração do centenário da pátria, entre elas a referência de um movimento de mestres intelectuais que conseguiram fazer o congresso decretar Dia do Mestre na data 17 de setembro para valorizar ou enaltecer o trabalho dos apóstolos do ensino, a implementação de instituições como Colônias Escolares, ginásios, clubes de escoteiros, bibliotecas, museus e caixas de poupança escolar (Escuela Normal de Varones, 1921Escuela Normal de Varones. (15 de Septiembre de 1921). El Centenario y la Escuela. Boletín de la Escuela Normal de Varones, Año I(5), 148., p. 148). Em seguida, rumo ao sesquicentenário, segundo Lopez (2016)López, N. (2016, set.). El periodismo necesita inversión. Para compartir esta nota utiliza los íconos que aparecen en la página. El Heraldo. https://www.elheraldo.hn/pais/1000095-466/cu%C3%A1ndo-comenzaron-los-desfiles-en-honduras
https://www.elheraldo.hn/pais/1000095-46...
emergiram os denominados desfiles pátrios, entre 1940 e 1946, período de ditatura do General Tiburcio Carías Andino. Nesse período, as instituições educativas se preparavam com meses de antecedência para mostrar a máxima expressão cultural de “civismo” e “fervor” pátrio, por meio de uma passeata que se iniciava na Calle Real de Comayaguela para seguir até a praça central de Francisco Morazán de Tegucigalpa e render honras ao herói da Centro América. Depois, alunos e mestres, de forma disciplinada, se dirigiam à Catedral Metropolitana para agradecer a Deus, indo em seguida rumo à Casa Presidencial para receber as saudações do ditador, fazendo a massa desfilante esperar por um discurso que nunca foi pronunciado.

Por fim, próximo ao bicentenário, encontramo-nos novamente com os desfiles pátrios, já com uma maior complexidade de organização. Um “carnaval militar”, constituído por alunos distribuídos em diferentes funções, sendo uma delas as bandas de guerra, cuja procissão geralmente era finalizada no Estádio Nacional de Tegucigalpa. Nesses desfiles, mestres e alunos esperavam o sorriso atento de aprovação das autoridades, entre elas militares. No fundo, compartilhando o cenário amplo da festividade, levantava-se um desfile alternativo. Cidadãos, a maioria mestres, descontentes com as formas de governar nestes primeiros vinte anos do século XIX, apareciam nas ruas se manifestando, expressando seu desconforto, questionando o governo, evidenciando a violação dos seus direitos desde 2009, ano do Golpe de Estado, esperando já não um sorriso das autoridades, mas sim, respostas e soluções. No entanto, a contraconduta, neste caso, fazia emergir novamente o que o inciso 16 da Ata de Independência prescrevia para aplicar as medidas ativas das autoridades para conservar a ordem e a tranquilidade das comemorações.

Em sentido amplo, a ideia de liberdade moderada que se desdobrou ao longo destes 200 anos parece ter suas reverberações na máquina de instruir, civilizar e educar o povo, no contínuo processo de emancipação da América Central. O ponto de partida que tomei, ou seja, os impressos, demonstram a preocupação de instruir os cidadãos sobre essa liberdade que nasceu junto com a assinatura da Ata de Independência em 15 de setembro de 1821, cujas disposições se desdobraram em comemorações vigiadas pelas autoridades em Honduras ao longo dos 200 anos, deixando apenas registro do patriotismo ou civismo dos mestres e alunos, sufocando as contracondutas para manter o princípio de moderação, o que responde, em parte, a uma das primeiras perguntas que formulei no início: por que 15 de setembro de 1821 tornou-se uma data privilegiada de comemoração de independência? Por que não foi outra, como a da desanexação da América Central do Império Mexicano, da conformação da Federação da América Central ou da sua dissolução? Será pela origem da violência que permeia essas datas? Ou, pelo contrário, será por que, com o título agenciado de “primeira independência”, é possível ocultar os efeitos de mecanismos violentos pouco visíveis nas imaculadas comemorações de independência?

Por outro lado, o que pude perceber desse percurso do material que se refere às comemorações de independência, ao menos em Honduras, é que a liberdade parece ser apenas um enfeite ou uma espécie de placebo, na qual alunos e mestres são convidados a estabelecer uma espécie de ruptura com o cotidiano escolar, trocando o uniforme diário por roupas simples ou por fantasias; as aulas por ensaios ou por umas passeatas. No entanto, no limite dessa aparente liberdade, encontramo-nos com o princípio da moderação imposto por uma série de disposições, regras de comportamento, condutas e disciplinas dos corpos, para que mestres e alunos comemorem de forma adequada o Dia da Independência. O “carnaval militar” culmina com uma reverência, sinal de respeito às autoridades, sinal de um trabalho “bem-feito” para os mestres. Por outro lado, a liberdade fora desses princípios de moderação imposto pelas autoridades parece que tem suas próprias consequências: o esquecimento/apagamento e, no avesso, a repressão.

  • 1
    Dossiê temático organizado por: José Cláudio Sooma Silva <https://orcid.org/0000-0003-3647-8703> e José Antonio Miranda Sepulveda <https://orcid.org/0000-0003-4460-7704>
  • 3
    Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha <verah.bonilha@gmail.com>
  • 4
    Apoio: Secretaria de Educação de Honduras – SEDUC; Programa de Pós-graduação em Educação – ProPEd; Programa de Estudante Convênio de Pós-graduação – PEC-PG
  • 5
    Pode-se apreciar uma reflexão ampliada desse exercício articulado ao problema das comemorações da independência em um recente artigo publicado na revista comemorativa “Umbral” da Universidade Pedagógica Nacional Francisco Morazán (UPNFM) de Honduras. Nele tenta-se compreender a maneira como as narrativas dos estudantes universitários evidenciam o caráter excludente e normalizante do discurso da comemoração da independência no âmbito escolar (Pineda y García, 2021Pineda y García (2021, oct.). Conmemorando el Bicentenario de Independencia: un diálogo con las narrativas de los estudiantes. Revista Umbral. Edición Conmemorativa del Bicentenario de la Independencia de Centroamérica, Año VIII (9), 61-66., pp. 61-66).
  • 6
    (Tegucigalpa, 1844 – 1914). Presbítero retirado em 1889, advogado e Secretário Privado do Presidente Marco Aurelio Soto, fundador e diretor do Arquivo Nacional de Honduras em 1880, Diretor Nacional de Estatística em 1887 e Diretor do Colegio El Porvenir em Tegucigalpa em 1890. Na Universidade Central de Honduras, ministrou a disciplina de Latinidade na Faculdade de Direito. Segundo Gonzales (2005, pp. 96 - 98)Gonzales, J. (2005). Diccionario Biográfico de Historiadores Hondureños. Guaymuras., Vallejo era partidário de criar um Estado Nacional e, junto com as figuras de Ramón Rosa e Soto, foi considerado como um dos ideólogos da Reforma Liberal em Honduras. Os vestígios desse projeto ficaram registrados em obras de corte histórico e estatístico, dentre as quais se destacam, além do referido manual, “Colección de las Cosntituciones Políticas que en La República de Honduras se han decretado en los cincuenta y seis años que lleva de independencia (1878)”; “Apéndice: Documentos justificativos del tomo primero de la História Social y Política de Honduras (1883)”; “Censo General de la República de Honduras (1888)”; “Estadistica de las Escuelas según el Censo de 1887 (1889)”; “Necrología del Presbítero Miguel Angel Bustillo (1892)”; “Primer Anuario Estadístico correspondiente al año de 1899 (1893)”; “História documentada de los límites del Estado de Honduras con Nicaragua (1893)” e “História documentada de los límites del Estado de Honduras y El Salvador (póstumo, 1926)”.
  • 7
    Nasceu em Tegucigalpa (1846) e faleceu em Paris (1908). Soto foi Presidente de Honduras entre 1876 e 1883. O referido Manual era parte de um projeto de reformas liberais impulsionado por esse presidente. Essas reformas pretendiam incidir nos âmbitos político, econômico e cultural da sociedade hondurenha por meio da criação de uma série de instrumentos legais, como Códigos de instrução pública, civil, militar, de comércio; e instituições como o Arquivo Nacional de Honduras, a Casa Nacional da Moeda, escolas normais, escolas de telegrafistas, hospitais, entre outros C.f. (Argueta, 1990Argueta, M. (1990). Diccionario Histórico- Biográfico Hondureño (Vol. Colección Realidad Nacional no. 29). Editorial Universitaria., pp. 166-169).
  • 8
    A data referida é 1776
  • 9
    Em referência à revolução de 1789
  • 10
    Em referência ao Plano proposto por Agustin Iturbide, na cidade mexicana de Iguala, em 24 de fevereiro de 1821. Tal plano propunha um projeto constitucional de independência da outrora Nova Espanha, baseado em sete pontos fundamentais que definiam: 1) o regime constitucional; 2) uma monarquia moderada; 3) a intolerância religiosa, mas que pretendia conservar ainda os seus privilégios; 4) uma representação parlamentar; 5) uma integração de um exército trigarante; 6) o princípio de igualdade e 7) o respeito irrestrito à igualdade à propriedade. Para mais informação, ver Soberanes Fernandez (2011)Soberanes Fernandez, J. L. (2011). El plan de iguala o el origen del estado mexicano. Revista Mexicana de Historia del Derecho, XXIV, 91-110. https://revistas.juridicas.unam.mx/index.php/historia-derecho/article/view/10124/12152
    https://revistas.juridicas.unam.mx/index...
    .

Referências

  • Argueta, M. (1990). Diccionario Histórico- Biográfico Hondureño (Vol. Colección Realidad Nacional no. 29). Editorial Universitaria.
  • Avedaños Rojas, X. (2009). Centro América entre lo antiguo y lo moderno. Universitat Jaume.
  • Chartier, R. (1991). O mundo como representação. Estudos Avançados, 5(11), 173-191. http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8601/10152
    » http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8601/10152
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Editor responsável: André Luiz Paulilo <https://orcid.org/0000-0001-8112-8070>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2021
  • Revisado
    28 Jun 2022
  • Aceito
    28 Jul 2022
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