Acessibilidade / Reportar erro

Teoria Queer e Teoria do Self Dialógico: Considerações sobre Desenvolvimento Humano

RESUMO

Este trabalho apresenta um exercício de diálogo entre a Teoria Queer e a Teoria do Self Dialógico (TSD) como sustentação teórica para investigação sobre os impactos do posicionamento de gênero de sujeitos LGBTI+ no desenvolvimento do self. A Teoria Queer inspira a psicologia dialógica a incluir em sua noção de self a sociabilidade radical do sujeito juntamente com a individualidade que ela torna possível, além de apontar para a importância das particularidades do desenvolvimento de sujeitos considerados desviantes. Em trabalhos recentes, a TSD caminha nessa direção, ao propor uma metáfora do self como uma sociedade democrática, levando em conta os obstáculos impostos pelas diferenças no contexto social. Essa perspectiva oferece ferramentas para investigações sobre a microgênese da subversão.

PALAVRAS-CHAVE:
desenvolvimento humano; Teoria do Self Dialógico; gênero; Teoria Queer

ABSTRACT

The present study presents an exercise in a dialogue between queer theory and Dialogical Self Theory (DST) as theoretical support for research on the impacts of the gender positioning of LGBTI+ subjects on the development of the self. Queer theory inspires dialogical psychology to include in its notion of self the radical sociability of the subject together with the individuality that it makes possible, in addition to pointing to the importance of the particularities of the development of subjects considered deviant. In recent studies, DST moves in this direction by proposing a metaphor of the self as a democratic society, considering the obstacles imposed by differences in the social context. This perspective offers tools for investigations into the microgenesis of subversion.

KEYWORDS:
human development; Dialogical Self Theory; gender; queer theory

A violência contra o público LGBTI+ é motivo de extrema preocupação e tem números alarmantes ainda nos dias de hoje. Em relatório que reúne informações de dez países da América Latina e do Caribe, a Rede LGBTI SinViolencia (Rede LGBTI SinViolência, 2019Rede LGBTI SinViolência. (2019). Preconceito não conhece fronteiras: homicídios de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex nos países da América Latina e Caribe 2014 - 2019 ) informa que, entre os anos de 2014 e 2019, a soma de assassinatos em nove países6 6 Os países incluídos neste relatório são Colômbia, México, Guatemala, Honduras, El Salvador, Peru, Bolívia, República Dominicana e Paraguai. chegou a 1.300. Esse número corresponde à morte de 1 pessoa LGBTI+ por dia na região7 7 As informações do Brasil são publicadas posteriormente, mas os números aproximados informados citam cerca de 1.650 pessoas LGBTI assassinadas no referido quinquênio . Diante desse cenário, é possível perceber que, embora os estudos de gênero e o movimento LGBTI+ tenham ganhado força nos últimos anos, as pessoas LGBTI+ ainda estão em grande vulnerabilidade e risco, tornando urgente investigar como esta realidade de violência reverbera nas subjetividades e, como efeito, como a psicologia vem tratando o tema.

Conforme Lopes de Oliveira & Madureira (2014Lopes de Oliveira, M. C. S., & Madureira, A. F. A. (2014). Gênero e psicologia do desenvolvimento: Quando a ciência é utilizada como força normatizadora das identidades de gênero. Labrys: estudos feministas, 2, 1-31.), mesmo em um contexto de intenso debate crítico, o diálogo entre a Psicologia e os estudos de gênero continua modesto e seu aprofundamento é muito importante para o fortalecimento do paradigma crítico na Psicologia. No que tange à Psicologia do Desenvolvimento, tal diálogo nos parece especialmente importante, uma vez que essa área se dedica a estudar as influências mútuas das estruturas pessoal e sociocultural nos processos de mudança da vida mental e da conduta pessoal (Lopes de Oliveira & Madureira, 2014Lopes de Oliveira, M. C. S., & Madureira, A. F. A. (2014). Gênero e psicologia do desenvolvimento: Quando a ciência é utilizada como força normatizadora das identidades de gênero. Labrys: estudos feministas, 2, 1-31.). O presente trabalho compreende o desenvolvimento humano a partir da perspectiva dialógica (Lopes de Oliveira et al., 2020Lopes de Oliveira, M. C. S., Branco, A. U., & Freire, S. F. D. C. (2020). Preface. Em M. C. S. Lopes de Oliveira, A. M. C. U. de A. Branco, & S. F. D. C. Freire, Psychology as a Dialogical Science: Self and Culture Mutual Development. Springer Nature.), que preza uma visão relacional e socialmente ancorada do funcionamento psicológico, em que a subjetividade (ou self) emerge em contextos afetivo-semióticos e de atividade concretos, cujo significado é construído em diálogo com a cultura. A subjetividade é constituída, portanto, por fatores internos e externos, que atuam de forma dinâmica e são passíveis de transformação pela ação dos sujeitos. Entre esses fatores, estão valores e demandas sociais quanto a gênero e orientação sexual. Neste artigo, é nosso objetivo contribuir para o debate sobre gênero e subjetividade, no âmbito da psicologia do desenvolvimento crítica, a partir da aproximação e do tensionamento entre o estudo do desenvolvimento humano na perspectiva do self dialógico (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; Hermans, 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.; Hermans & Hermans-Konopka, 2010Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter-positioning in a globalizing society. Cambridge University Press.; Lopes de Oliveira et al., 2020Lopes de Oliveira, M. C. S., Branco, A. U., & Freire, S. F. D. C. (2020). Preface. Em M. C. S. Lopes de Oliveira, A. M. C. U. de A. Branco, & S. F. D. C. Freire, Psychology as a Dialogical Science: Self and Culture Mutual Development. Springer Nature.) e os estudos queer (Butler, 2011Butler, J. (2011). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Routledge., 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. José Olympio.; Miskolci, 2007Miskolci, R. (2007). A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: Por uma analítica da normalização. Congresso de leitura do Brasil, 16, 1-19.; Preciado, 2007Preciado, P. B. (2007). Entrevista com Beatriz Preciado (J. Carrillo) [Interview]. Cad. Pagu, 28. , 2011Preciado, P. B. (2011). Multidões queer: Notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201100...
).

Por que buscar essa aproximação? Para aprofundar seus pontos de contato e explorar seus tensionamentos. Como perspectivas pós-identitárias, a Teoria do Self Dialógico (TSD) e a Teoria Queer partem da constatação de que as políticas de identidade reforçam de alguma forma as relações de poder e os binarismos que, por sua vez, hierarquizam e podem aprisionar os sujeitos em dicotomias, que deixam de contemplar muitas das experiências humanas. Ambas concebem o sujeito em constante construção na relação com o outro, por meio da linguagem e dos processos comunicativos. Com isso, destacam importante relação de interdependência com a cultura, dando espaço para as possibilidades de transformação.

Estudos do desenvolvimento humano que sigam a perspectiva do self dialógico podem ser enriquecidos pelas discussões da Teoria Queer, pois, conforme Barcinski & Kalia (2005Barcinski, M., & Kalia, V. (2005). Extending the boundaries of the dialogical self: Speaking from within the feminist perspective. Culture & Psychology, 11(1), 101-109.), ainda lhes carece considerar de forma mais profunda as estruturas sociais e aspectos históricos mais amplos, dentro dos quais se (trans)formam os posicionamentos do self. De mesmo modo, estudos de gênero e a perspectiva feminista são úteis à psicologia do desenvolvimento de base dialógica ao oferecerem uma alternativa mais inclusiva da identidade, ao passo que prezam uma noção de self que enfatize a multiplicidade e a constante transformação, sem minimizar sua totalidade e, principalmente, a influência exercida pelo meio social em sua construção. A Teoria Queer inspira, então, a psicologia dialógica a incluir em sua noção de self a sociabilidade radical do sujeito juntamente com a individualidade que ela torna possível (Stam, 2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company., p. 87). Por fim, a Teoria Queer rejeita a ênfase nos processos normatizadores do desenvolvimento humano e aponta para a importância das particularidades de sujeitos considerados desviantes, ao chamar atenção para o impacto subjetivo dos obstáculos construídos por forças de poder que hierarquizam sujeitos e que podem limitar sua capacidade dialógica e de resistência.

Esta é uma direção que a Teoria do Self Dialógico tem também adotado em trabalhos recentes. Hermans (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; Hermans, 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.), por exemplo, considerando as características do mundo contemporâneo - cada vez mais globalizado, com fronteiras mais permeáveis e com um crescimento dos conflitos e diferenças no contexto social, propõe a metáfora do self como uma sociedade democrática, por conceber que este aumenta também as diferenças dentro do self, impõe obstáculos aos sujeitos e demanda uma maior capacidade dialógica.

De um lado, a perspectiva Queer oferece ferramentas para estudos sobre os processos microgenéticos envolvidos nas experiências dos sujeitos considerados anormais, excluídos das normas de gênero. Uma pergunta bastante debatida nos estudos queer se volta, por exemplo, a que fatores levam sujeitos LGBTI+ à resistência, ao posicionamento fora das identidades hegemônicas e contra as expectativas sociais. A este respeito, acreditamos que uma investigação fundamentada na Teoria do Self Dialógico ofereça instrumentos para identificar fatores externos e internos que promovem uma reorganização desenvolvimental no self e meios para compreender a configuração do self em sua relação com a cultura, diante de processos de resistência à normatividade.

Com tal debate, portanto, pretendemos contribuir também para a construção de uma Psicologia que faça uma autocrítica sobre seu papel histórico na produção de verdades, ditas universais, e na essencialização de sexualidades com base em binarismos como homem/mulher, hetereossexual/homossexual (Nardelli & Ferreira, 2015Nardelli, R. C., & Ferreira, M. S. (2015). Teoria Queer e Psicologia. Mnemosine, 11(1), Article 1. ; Peres, 2013Peres, W. S. (2013). Psicologia e políticas queer. Em F. S. T. Filho, W. S. Peres, C. A. Rondini, & L. L. de Souza (Orgs.), Queering: Problematizações e insurgências na Psicologia contemporânea. EdUFMT.).

Teoria do Self Dialógico

A Teoria do Self Dialógico (TSD) (Hermans et al., 1992Hermans, H. J. M., van Loon, R., & Kempen, H. (1992). The Dialogical Self: Beyond Individualism and Rationalism. American Psychologist, 47, 23-33. ) é uma das teorias psicológicas contemporâneas que surgiram em decorrência de transformações recentes nas ciências sociais, que deixaram para trás a compreensão cartesiana e passaram a pensar o indivíduo em termos relacionais e a identidade como provisória, em contínuo processo de desenvolvimento (Gergen, 2006Gergen, K. J. (2006). The relational self in historical context. International Journal for Dialogical Science, 1(1), 119-124.). Superando o individualismo e o racionalismo modernos e contrastando com o sujeito cartesiano, o self dialógico é polifônico e corporificado (embodied), uma vez que está sempre ligado a uma posição particular no tempo e no espaço.

Esta abordagem reflete uma compreensão social do self, fundamentada no diálogo e na alteridade, em contraposição ao papel da cognição na concepção cartesiana. A TSD integra a epistemologia dialógica (Lopes de Oliveira et al., 2020Lopes de Oliveira, M. C. S., Branco, A. U., & Freire, S. F. D. C. (2020). Preface. Em M. C. S. Lopes de Oliveira, A. M. C. U. de A. Branco, & S. F. D. C. Freire, Psychology as a Dialogical Science: Self and Culture Mutual Development. Springer Nature.), que compreende o ser humano em sua complexidade, em processo de constante integração, dando destaque à relação com o Outro e com a realidade sociocultural na construção de si. De modo específico, a concepção de identidade pessoal, ou self, na perspectiva da TSD, emerge de uma composição entre a teoria do self de William James (1842-1910), o interacionismo simbólico de George Hebert Mead (1863-1931) e o dialogismo de Michael Bakhtin (1895-1975).

A TSD traz a arena de interações sociais para o self, concebendo-o como uma estrutura dinâmica, um sistema aberto que se reconfigura constantemente nas práticas sociais e que se constitui de diferentes e relativamente autônomas “posições do eu” (I-positions). Essas posições são como personagens, cada uma com sua voz, sua história e suas experiências. Assim, “eu como mãe”, “eu como filha”, “eu como pesquisadora”, por exemplo, são partes do self em constante reorganização no espaço e no tempo. Entre elas, o eu (I) tem liberdade para se mover, em um processo de posicionamento que envolve tanto cooperação quanto competição entre posições que se dão em contextos específicos (Hermans, 2001Hermans, H. J. M. (2001). The dialogical self: Toward a theory of personal and cultural positioning. Culture & psychology, 7(3), 243-281.). A relação entre as diferentes posições de eu é dialógica e o intercâmbio de informações e diferentes perspectivas compõem a configuração do self, em dado momento. Entretanto, não é uma estrutura caótica, mas há uma hierarquia entre as posições, ou seja, algumas delas podem dominar outras (Hermans, 2001Hermans, H. J. M. (2001). The dialogical self: Toward a theory of personal and cultural positioning. Culture & psychology, 7(3), 243-281.; Hermans et al., 1992Hermans, H. J. M., van Loon, R., & Kempen, H. (1992). The Dialogical Self: Beyond Individualism and Rationalism. American Psychologist, 47, 23-33. ).

Em trabalhos mais recentes, Hermans (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.; Hermans & Hermans-Konopka, 2010Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter-positioning in a globalizing society. Cambridge University Press.) utiliza a sociedade como metáfora para a organização do self, considerando as transformações sociais que colocam os sujeitos em um mundo cada vez mais globalizado, com fronteiras mais permeáveis. Isso porque, em um mundo tão múltiplo e heterogêneo, o self se torna também heterogêneo e múltiplo. E o crescimento das diferenças no contexto social aumenta também as diferenças dentro do self, tornando algumas partes mais dominantes que outras. Assim, para lidar com conflitos e diferenças culturais e históricas, faz-se necessária uma capacidade dialógica bem desenvolvida, uma habilidade para reconhecer e responder à alteridade do outro (Hermans & Hermans-Konopka, 2010Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter-positioning in a globalizing society. Cambridge University Press., p. 30-31).

A metáfora do self organizado como uma sociedade democrática se apresenta, conforme Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), como uma “direção desejável” (p. 509) para o desenvolvimento do self na sociedade contemporânea. Quando organizado democraticamente, o self dá espaço para que diferentes posições do eu se expressem livremente, ainda que de forma oposta e contraditória. As posições estão em constante negociação e tensão, em um jogo dinâmico de posicionamento e contraposicionamento, que leva ao desenvolvimento do self. Os mesmos autores destacam ainda que o self tem uma “natureza estendida”, ou seja, pessoas e objetos (no ambiente) relevantes para o indivíduo (por exemplo, meu filho, meus amigos) são parte do self como posições externas. Tanto posições internas quanto externas são significadas a partir das relações, das negociações e trocas ao longo do tempo. Assim, as posições do eu são como “pontes para outras pessoas ou grupos, que seriam considerados ‘outro eu’ ou ‘outros nós’” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 526) e, dessa forma, são construídas por “relações de poder social que podem facilitar, limitar ou bloquear a livre expressão das posições do eu, sua troca com outras posições e seu desenvolvimento posterior.” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 526). O outro se torna, então, “dialogicamente endereçável”, tendo um papel subjetivo que, por vezes, pode ser de ameaça ou até mesmo de abjeto.

Ademais, em face desta organização hierárquica do self, algumas posições correm o risco de serem silenciadas, mas, no self democrático, as posições dominantes contribuem para a tomada de decisão por meio de consulta e diálogo com as menos dominantes. É preciso, portanto, que elas respeitem e zelem “pelo desenvolvimento das posições menos dominantes e minoritárias, incluindo seus desejos e propósitos, como expressão do valor da igualdade nas relações democráticas.” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 511). As posições, ainda que opostas, precisam, então, encontrar espaço para o diálogo, a reflexão e a aprendizagem para que o self consiga se organizar democraticamente, o que também contribui para a construção de uma sociedade democrática em geral. Alinhamo-nos aos autores, que defendem que “em termos de um self democrático, essas posições do eu merecem, a serviço de seu desenvolvimento posterior, liberdade e cuidado” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 521).

Para compreendermos o funcionamento do self como uma microssociedade democrática, precisamos, portanto, localizá-la no seu contexto mais amplo e considerar, principalmente, o importante papel do poder na organização das relações e no desenvolvimento do self. Para Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), as relações de poder imbricadas nos valores culturais e instituições sociais podem criar oportunidades, mas também obstáculos para o desenvolvimento do self, que se vê desafiado a responder às estruturas de poder. Assim, destacamos, com os autores, a importância de se levar em conta que o “poder social” ´é capaz de afetar as pessoas, de influenciar suas ações e, com isso, impactar toda a sociedade, produzindo, inclusive, relações de dominação e discriminação.

Hibridismo e inovação do Self nas tensões interculturais

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) lançam mão de algumas pesquisas com sujeitos multiculturais, multirraciais e transgêneros para defender o hibridismo como possibilidade de inovação e democratização no self. Para eles, estes são grupos de indivíduos que encontram seu caminho entre as fronteiras das identidades hegemônicas, diante de situações desestabilizadoras que refletem diferenças de poder na sociedade e também campos de tensão entre diferentes posições do eu. Esses campos de tensão podem levar os sujeitos ao estresse, a uma confusão identitária e má adaptação do self, mas também podem contribuir para a adaptação por meio do surgimento de novas posições ou coalizões de posições.

Embora reconheça a negatividade dos significados atribuídos aos sujeitos negros, na construção social das raças e das identidades normais, mantendo-se coerente com a epistemologia dialógica, o autor se atém à fronteira e focaliza sujeitos multirraciais, que estariam localizados entre os polos da diferença racial, em um campo de tensão que os permite transitar entre as posições raciais a que pertencem, adequando-se ao contexto. Apoiados em algumas pesquisas (Shih and Sanchez, 2009 and Binning et al., 1999 in H. J. Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), os autores argumentam que sujeitos multirraciais tendem a apresentar entendimentos sobre raça mais flexíveis, melhor percepção sobre a construção social da raça, maior bem-estar psicológico e maior conforto nas relações inter-raciais do que sujeitos identificados como monoraciais. Com base nesta visão, o hibridismo seria uma possibilidade de subversão e superação das amarras das identidades fixas, libertando os sujeitos das construções sociais de “alteridade”.

Tal argumento fica mais claro na análise que fazem dos sujeitos multiculturais - imigrantes que lidam com a tensão entre posições culturais, com o conflito entre expectativas e demandas de sua cultura original e da cultura em que estariam sendo integrados. Para eles (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), a necessidade de constantes reajustamentos do self demanda posicionamentos (dizem que não pertenço) e contra-posicionamentos (tenho orgulho de minha identidade), que podem levar à adaptação ou a uma má adaptação, com confusão identitária. Como exemplo de má adaptação, os autores trazem dados de pesquisa de Meijl (2012 inHermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) com jovens que deixam suas terras em direção à Nova Zelândia por falta de oportunidades e devido aos efeitos de mudança climática. Tendo sua identidade desafiada tanto pelos familiares (que diziam que eles não eram mais samoanos, por exemplo) quanto pelos neozelandeses de ascendência europeia, esses jovens vivem insegurança e divisão de vozes internas contraditórias, que levam a uma confusão identitária (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 513).

Outro estudo relevante para falar de hibridismo, mas com resultados diferentes, é o de Bhatia (2007 in H. J. Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.). Nele, os participantes eram indiano-americanos com formação superior em áreas de grande destaque social, que apresentavam um discurso dúbio, ora se sentindo respeitados, ora sofrendo preconceito. Seu prestígio os fazia se sentirem membros respeitáveis dos EUA, mas não os protegia das muitas situações racistas. Para os autores, a adaptação do self não exige a supressão do conflito nem visa a harmonia, trata-se de como as experiências de discriminação se combinam para torná-lo mais adaptável a situações diversas.

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) argumentam que alguns sujeitos são capazes de vivenciar duas culturas sem perder sua identidade ou ter que escolher entre uma ou outra, quando conseguem se transformar na relação concreta com os contextos de vida. Mas seu maior interesse é nos processos que ocorrem no espaço entre essas identidades, o que eles encontram em Homi Bhabha (2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.) e sua noção de “terceiro espaço”, que seria uma área ambígua entre diferentes culturas na qual se encontram os sujeitos das diásporas. Para Bhabha (2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.), o terceiro espaço é resultado do hibridismo, ou seja, da mistura de diferentes nacionalidades que estão geralmente em relação assimétrica de poder. A identidade híbrida não corresponde mais a nenhuma das duas identidades originais, embora apresente traços de ambas. Para Bhabha (2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.) e Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), enquanto as identidades originais se fundamentam em estabilidade e fixação, a identidade híbrida desestabiliza o poder e introduz uma diferença que torna possível o próprio questionamento das identidades hegemônicas.

Hibridismo e inovação do Self nas tensões de gênero

A noção de terceiro espaço encontra, para Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), um paralelo com a noção de “terceira posição” no âmbito do self. Para exemplificar, os autores citam estudo de Branco et al. (2008Branco, A. U., Branco, A. L., & Madureira, A. F. (2008). Self-development and the emergence of new I-positions: Emotions and self-dynamics. Studia Psychologica, 6(8), 23-39.) em que se aborda o estudo de caso de uma brasileira lésbica de família católica, que se encontrava entre duas posições com claras contradições histórico-culturais. Consideramos importante detalhar um pouco mais este estudo que os anteriores.

Segundo Branco et al., Rosane demonstrava claro sofrimento por sentir-se diferente da maioria das pessoas devido à sua orientação sexual não-hegemônica, ao passo que apresentava diversos preconceitos sobre sujeitos homossexuais, vistos como perdidos, invejosos, infelizes e vinham de famílias desestruturadas etc., ainda que ela se sentisse uma exceção à regra (Branco et al., 2008Branco, A. U., Branco, A. L., & Madureira, A. F. (2008). Self-development and the emergence of new I-positions: Emotions and self-dynamics. Studia Psychologica, 6(8), 23-39., p. 33). Rosana era católica praticante e, durante a pesquisa, ela constrói uma nova posição do eu, a missionária. Esta posição une sua participação no mundo gay ao ambiente católico, enquanto uma “mulher cristã que ajuda as almas abandonadas e perdidas que vivem vidas sem objetivo e não estruturadas em um mundo difícil”, no caso, o mundo gay (Branco et al., 2008Branco, A. U., Branco, A. L., & Madureira, A. F. (2008). Self-development and the emergence of new I-positions: Emotions and self-dynamics. Studia Psychologica, 6(8), 23-39., p. 34). As autoras observam que a posição católica era dominante, inicialmente, dificultando a integração de Rosane à comunidade LGTBI+, mas depois contribuiu com uma justificativa para essa participação. Na posição eu-como-missionária, as concepções homofóbicas não desapareceram, elas apenas foram usadas para manter certa coerência ou unidade entre ser lésbica e católica na vida pública. Como estratégias utilizadas neste processo, por exemplo, as posições católica e lésbica permaneciam relacionadas a contextos diferentes e Rosane mantinha sua sexualidade em completo segredo para todos que não fossem da comunidade gay. Essa foi uma maneira encontrada para resolver “parcialmente” seu dilema e tornar viável uma continuidade em seu sistema de self. Esse trabalho nos inspira a perguntar, então, que processos levam o sujeito a uma descontinuidade que promova inovações no self e na relação com a cultura? E quando o self precisa reverter a lógica hierárquica entre as posições em prol de seu bem estar? Acreditamos, por exemplo, que sujeitos que, em situações parecidas com a de Rosane, questionam os valores católicos ou conservadores e se permitem vivenciar seus desejos de forma plena, sem esconder parte tão importante de si em tantos contextos sociais, podem experimentar uma mudança mais profunda na organização do self.

A pesquisa de Branco (2008Branco, A. U., Branco, A. L., & Madureira, A. F. (2008). Self-development and the emergence of new I-positions: Emotions and self-dynamics. Studia Psychologica, 6(8), 23-39.) e o diálogo de Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) com as autoras nos levam a dois pontos de discussão. O primeiro é que não nos parece que a terceira posição criada por Rosane seja um “terceiro espaço”, na medida em que não apresenta o hibridismo tal como pensado pela teoria cultural contemporânea (Bhabha, 2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.). Para isso, seria necessário que nenhuma das posições se mantivesse de forma integral, o que não parece ser o caso da missionária, já que esta nova posição se mostrou constituída inteiramente pela posição da católica, mantendo dominantes seus valores. Além disso, a nova posição observada não parece questionar as identidades hegemônicas ou desestabilizar as relações de poder, dinâmica esta intrinsicamente relacionadas às transformações associadas ao terceiro espaço de Bhabha (2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.). Nesse sentido, talvez a novidade da terceira posição de Rosane dê-se de modo circunscrito a um padrão de micro regularidades, sem impactar necessariamente os padrões de organização prévios, ou seja, sem atingir a verdadeira mudança desenvolvimental (Fogel et al., 2006Fogel, A., Garvey, A., Hsu, H.-C., & West-Stroming, D. (2006). Change processes in relationships: A relational-historical research approach. Cambridge University Press.).

Ainda em relação ao primeiro ponto, consideramos que as estratégias de Rosane não correspondem à ideia de democracia no self, apresentada por Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), já que a posição lésbica continua hierarquicamente inferior, sendo silenciada. No self organizado democraticamente, os outros (indivíduos, grupos ou instituições, como a religião) não estão do lado de fora do self, eles estão no “domínio estendido do self”. Essas posições estendidas travam diálogos e interações com as posições internas e, entre elas, campos de tensões podem ou não funcionar como “terceiros espaços” que abrigam contraposições. Os autores reforçam que, como em uma democracia, terceiros espaços são criados para tornar viáveis as contraposições.

O segundo ponto se refere à compreensão da orientação sexual tal como uma posição do eu. Parece-nos que a tentativa de Rosane é mesmo esta: de associar sua sexualidade a apenas uma das posições constituintes do seu self, para que possa expressa-la ou silencia-la conforme se sinta segura, conforme o contexto. Contudo, essa tentativa é fadada ao insucesso, pois, resguardar em segredo sua orientação sexual exige restringir relações, silenciar narrativas, e abrir mão de experiências (como compartilhar sua relação amorosa com família, falar de sua vida pessoal com amigos etc.), limitando, com isso, a expressão de outras diversas posições no mundo social. Assim, a pergunta que permanece passível de aprofundamento é se cabe reduzir gênero e orientação sexual a uma posição do eu. Isso porque, entendemos que todas as posições de Rosane, por exemplo, são partes do self de uma mulher lésbica, em relação dialógica com os outros selves e com a cultura. Nesse sentido, compreendemos que as autoimagens de Rosane são marcadas pelos valores dominantes de nossa sociedade que a colocam no lugar de diferente, desviante, abjeta. Enfrenta, como efeito, uma constante desigualdade de poder que impõe diversos obstáculos ao desenvolvimento e estruturação do self. Não seria de se esperar, portanto, que a superação desses obstáculos e a subversão das normas e expectativas sociais de gênero exigissem uma reorganização mais profunda do self? Para nós, este é o caso dos sujeitos LGBTI+ que declaram seus gêneros e orientações sexuais em qualquer contexto e precisam rever antigas posições e relações (família, escola, amigos etc) que impediam esse posicionamento. Se é assim, o gênero - junto com outros marcadores sociais da diferença - deve passar a ser visto na teoria dialógica como parte dos fatores constituintes da totalidade do self, transversalizando e articulando todas as posições do eu, e não uma posição do eu.

Gênero e desenvolvimento do Self

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) esboçam uma reflexão sobre como as questões de gênero impactam no desenvolvimento do self, ao se referir a pesquisas sobre sujeitos LGBTI+. Os autores definem as identidades trans como as identidades de gênero que diferem do sexo atribuído no nascimento, e também os sujeitos que não se identificam nem com o masculino nem com o feminino. O foco da breve análise que apresentam incide exatamente nesses sujeitos, que, conforme os autores, são chamados de “sujeitos queer” e que se posicionam entre as categorias binárias de gênero (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 517). Trazendo Grossman et al. (2005 in Hermans, 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), destacam que os sujeitos trans enfrentam muitos obstáculos como rejeição familiar, abusos etc., apenas por transgredirem o binarismo de gênero construído em nossa sociedade, que reduz os sujeitos a somente dois tipos de corpos e expressão de gênero: homem/mulher, masculino/feminino. Esse sistema binário impede os sujeitos de “se moverem para posições intermediárias que são mais congruentes com sua própria experiência de gênero” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 517). Os autores trazem, então, importante crítica ao destacar como esse binarismo leva os sujeitos desviantes a uma vida repleta de medo - medo de serem ridicularizados, rejeitados, agredidos, inclusive pela própria família. Quando crianças e jovens passam por esses tipos de abuso, acabam se protegendo por meio da negação, retraindo-se e se desconectando de seus sentimentos, ou ainda se culpando, processo que leva à baixa autoestima e problemas na saúde mental e emocional (Grossman, 2005; Hughto et al., 2015 inHermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.). Por outro lado, pesquisas como a de Vaughan e Rodriguez (2014 in Hermans, 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) constataram que posicionamentos de gênero como bissexuais e transgêneros estariam relacionados a maiores consciência social e flexibilidade cognitiva, possibilitando interpretar que a diferença também pode ser “uma fonte potencial de força e crescimento” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 519).

Consideramos importante apresentar também pesquisa de Clifton e Fecho (2018Clifton, J., & Fecho, B. (2018). Being, doing, and becoming: Fostering possibilities for agentive dialogue. Em F. Meijers & H. J. M. Hermans, The dialogical self theory in education: A multicultural perspective (p. 19-33). Springer.) sobre um menino transexual. Sam, quando garota, enfrentou muitos preconceitos, especialmente na escola, por apresentar comportamentos considerados masculinos (não se depilava, gostava de meninas). Enquanto não conseguia encontrar um contraposicionamento que desafiasse as posições construídas por relações de poder, pelas expectativas dos outros, Sam sofria com má adaptação, com bastante sofrimento (Clifton & Fecho, 2018Clifton, J., & Fecho, B. (2018). Being, doing, and becoming: Fostering possibilities for agentive dialogue. Em F. Meijers & H. J. M. Hermans, The dialogical self theory in education: A multicultural perspective (p. 19-33). Springer.).

As transformações surgiram quando Sam começou a ler autobiografias de homens trans e a participar de eventos para jovens trans. Encontrou alteridades que contribuíram para transformar as relações e as percepções que tinha sobre si mesmo e sobre os outros, em um processo de reorganização de posições do eu. Definir-se trans, alterar seu nome e iniciar tratamento hormonal foi, conforme os autores, “um poderoso momento de contra-posicionamento” (Clifton & Fecho, 2018Clifton, J., & Fecho, B. (2018). Being, doing, and becoming: Fostering possibilities for agentive dialogue. Em F. Meijers & H. J. M. Hermans, The dialogical self theory in education: A multicultural perspective (p. 19-33). Springer., p. 25). A partir daí, Sam se envolveu com a arte, que serve como um meio para expressar e dialogar sobre diferença. Seus desenhos são marcantes e apresentam corpos humanos com cabeças de planta. É uma forma metafórica para abordar o gênero, mas também de ironizar sua categorização, pois os corpos têm aparência andrógina, expressa pelas plantas. A ausência de marcadores de gênero reconhecíveis a olho nu inquieta e provoca quem mira os desenhos. Assim, para os autores, Sam (diferentemente de Rosane) encontrou uma “estética alternativa de existência” (Clifton & Fecho, 2018Clifton, J., & Fecho, B. (2018). Being, doing, and becoming: Fostering possibilities for agentive dialogue. Em F. Meijers & H. J. M. Hermans, The dialogical self theory in education: A multicultural perspective (p. 19-33). Springer., p. 25), que se abre ao desenvolvimento de posições globalizantes, com heterogeneidade e imprevisibilidade. O diálogo que propõe se caracteriza pela dissonância e é parte de um processo de autodemocratização e democratização do outro.

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) defendem, então, que identidades de gênero trans, mais fluidas, ou até mesmo bissexuais seriam identidades híbridas, que teriam maior potencial de construir democracia entre posições do self, do que as identidades heterossexuais, e mesmo, as gays e lésbicas. Este é um ponto que consideramos importante questionar à luz dos estudos queer, como veremos o próximo tópico, pois defendemos que sujeitos homossexuais se encontram também em meio a fronteiras, na medida em que não se encaixam nas identidades consideradas normais pelos valores dominantes das culturas em que vivem. Ser uma mulher lésbica é não se identificar com a norma de gênero feminina construída pela nossa sociedade, que está necessariamente associada a uma heterossexualidade compulsória (Rich, 1980Rich, A. (1980). Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 5(4), 631-660. https://doi.org/10.1086/493756
https://doi.org/10.1086/493756...
) e tampouco com seu oposto, o masculino.

Para sustentar nossa posição, é importante ter em conta a importância desenvolvimental de experiências disruptivas que instauram uma zona de tensão entre experiência pessoal e social e provocam a transição do pessoal para o político que leva a um novo compromisso moral com a transformação. Este ponto é explorado por González (2019González, M. F. (2019). Narrativas de mujeres activistas: Participación y transformación entre lo personal y lo político. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(3).), para quem a ação ativista frente às desigualdades de gênero e a discriminação por orientação sexual é, geralmente, motivada por uma experiência disruptiva na vida pessoal e pela identificação com um novo grupo. Acreditamos que as identidades não-normativas impulsionam os sujeitos na direção de buscar uma integração do self e a incorporação de seus posicionamentos de gênero e sexualidade, transformando também sua relação com a cultura. À luz dos estudos queer, sujeitos LGBTI+ seriam, portanto, sujeitos desviantes que subvertem as normas de gênero e criam novas possibilidades de transformação.

O diálogo entre TSD e conceitos da Teoria Queer, que aqui visamos radicalizar, já se iniciou, na verdade. Noções como performatividade, que apresentaremos no tópico a seguir, e a desconstrução do essencialismo de gênero e corpo foram pontos assumidos por Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) , ao citarem Butler (2011Butler, J. (2011). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Routledge.) (além de Bondi, 2014 e Doan, 2010, cf. Hermans, 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.). Com isso, Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) defendem também que gênero seria um conjunto de experiências diversas, e não uma dicotomia, e que o sistema binário seria apenas uma desnecessária distração da realidade humana. A importância de se superar essa dicotomia construída socialmente, dando espaço para que os sujeitos vivam seus gêneros e sexualidades para além dessas fronteiras culturalmente estabelecidas, sem discriminação, assédios, patologização é um aspecto importante em que a Teoria Queer pode contribuir para os estudos do self dialógico.

Teoria Queer

A Teoria Queer nasceu da aproximação entre os estudos sobre a construção social da diferença, dos chamados Estudos Culturais, e o pós-estruturalismo francês, trazendo para o centro dos estudos feministas o questionamento das oposições binárias de gênero e sexualidade. O significado original do termo “queer” relaciona-se a algo excêntrico, de “natureza questionável, suspeita” (Lourenço, 2017Lourenço, D. (2017). Queer na primeira pessoa: Notas para uma enunciação localizada. Revista Estudos Feministas, 25(2), 875-887., p. 877), tendo sido usado de forma dominante como xingamento a homens não-heterossexuais e/ou afeminados nos EUA. Foi a partir dos anos 1980 que o termo “queer” passa por um importante processo de ressignificação, quando é apropriado por ativistas LGBTI+ como emblema de negação da normatividade e coloca em xeque a política normalizadora das identidades praticada no mainstream hetero e lésbico e gay (Lourenço, 2017Lourenço, D. (2017). Queer na primeira pessoa: Notas para uma enunciação localizada. Revista Estudos Feministas, 25(2), 875-887.; Miskolci, 2007Miskolci, R. (2007). A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: Por uma analítica da normalização. Congresso de leitura do Brasil, 16, 1-19.; Seidman, 1995Seidman, S. (1995). Deconstructing queer theory or the under-theorization of the social and the ethical. Social postmodernism: Beyond identity politics, 116-141.). Nesse momento, nasce a Teoria Queer, que converte o adjetivo queer em conceito.

Dirigindo sua crítica ao binarismo heterossexual/homossexual, os teóricos queer têm como objeto de investigação o papel da sexualidade na organização da sociedade e das relações sociais. Para eles, as próprias políticas gays que defenderam a legitimação da homossexualidade não questionavam, de início, o próprio regime sexual binário e demais aspectos específicos de gênero. A crítica queer propõe, então, uma mudança epistemológica: o foco da abordagem incide no nível cultural, ou seja, nas estruturas linguísticas, valores, representações coletivas e contextos institucionais que constroem o binarismo sexual e conformam a ele as subjetividades, “organizando eus, desejos, comportamentos e relações sociais” (Seidman, 1995Seidman, S. (1995). Deconstructing queer theory or the under-theorization of the social and the ethical. Social postmodernism: Beyond identity politics, 116-141., p. 128).

Como ponto de partida, os estudos queer se apoiaram, principalmente, em Foucault e Derrida, especialmente em seus livros História da Sexualidade I: A Vontade de Saber (1976) e Gramatologia (1967), respectivamente. De Foucault, extraem a problematização da sexualidade, o reconhecimento dela como um dispositivo de poder que foi desenvolvido nas sociedades modernas e que tornou o sexo parte de estratégias de regulação social. De Derrida, os teóricos queer pegam emprestado, principalmente, o método de desconstrução, que trata de explicitar esse processo que cria os sujeitos normais a partir da construção dos sujeitos considerados anormais. O conceito de suplementaridade, proposto pelo mesmo autor, ganha também especial importância ao destacar a relação de interdependência existente nos binarismos presentes em nossa linguagem, onde o hegemônico é construído em oposição a algo inferiorizado. A heterossexualidade só se constitui com a construção da homossexualidade como “seu negativo inferior e abjeto” (Miskolci, 2007Miskolci, R. (2007). A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: Por uma analítica da normalização. Congresso de leitura do Brasil, 16, 1-19., p. 3) .

Na Teoria Queer, a reflexão sobre binarismos teve importante contribuição de Joan W. Scott, que, no final da década de 1980, chamou atenção para a armadilha de se naturalizar as diferenças entre grupos de pessoas, tomando-as como dadas. Para ela, a diferença é construída a partir da nomeação do outro por meio de categorias de pessoas construídas por uma norma presumida. Com isso, confere-se especial atenção ao processo social e histórico no qual se constroem as normas relacionadas a gênero e sexualidade e, com elas, um processo mais abrangente de normalização das subjetividades. A partir dessa compreensão, diversos autores aprofundaram as análises dos conhecimentos e práticas sociais que organizam a sociedade, como um todo, com base na operação do binarismo hetero/homossexual. Trata-se de uma ordem social que também poderia ser caracterizada como uma “ordem sexual”, fundamentada na heteronormatividade, que prioriza a heterossexualidade, naturalizando-a e tornando-a compulsória (Miskolci, 2007Miskolci, R. (2007). A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: Por uma analítica da normalização. Congresso de leitura do Brasil, 16, 1-19.).

Apesar de sua contribuição para o enfoque crítico de gênero e identidade, os estudos queer iniciais sofreram diversas críticas por priorizarem em suas análises a experiência de sujeitos brancos, de classe média, limitados ao contexto estadunidense e, quase sempre, gays masculinos. Para a superação dessas críticas, a Teoria Queer conta com a importante contribuição das chamadas teóricas subalternas (negras, lésbicas, chicanas, pós-feministas etc.) em uma desontologização da política sexual que redefiniu “a luta e os limites do sujeito político ‘feminista’ e ‘homossexual’” (Preciado, 2011Preciado, P. B. (2011). Multidões queer: Notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201100...
, p. 17). Em uma revisão do feminismo, estes estudos se opõem à noção de diferença sexual - apoiada em uma suposta base biológica - e atacam a noção de feminilidade que estaria por trás de um sujeito “unitário do feminismo, colonial, branco, proveniente da classe média alta e dessexualizado”, confrontando o feminismo com “as diferenças que o feminismo apagou em proveito de um sujeito político ‘mulher’ hegemônico e heterocêntrico” (Preciado, 2011Preciado, P. B. (2011). Multidões queer: Notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201100...
, p. 17).

Nessa perspectiva, destacamos a contribuição particular do trabalho seminal de Judith Bulter (2011Butler, J. (2011). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Routledge., 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. José Olympio.), que evidencia a artificialidade das identidades de gênero e busca desconstruir os processos normalizadores, tomando por base o conceito de performatividade, que fala da relação entre discurso e seus efeitos práticos. A performatividade é um processo reiterativo pelo qual o discurso não apenas representa um fenômeno, mas produz os efeitos que nomeia. Tal reiteração seria também da ordem da citacionalidade, termo que a autora apropria de Derrida (1988)8 8 Derrida, J. (1988). Limited inc. Northwestern University Press. e que se refere à propriedade do signo de ser deslocado de um contexto original a outro e do caráter produtivo desse deslocamento, que gera significado. A qualidade citacional da fala está relacionada à historicidade da linguagem. Vale observar que isso não exclui a responsabilidade do sujeito, pois o falante, que usa palavras que não são suas, reedita os símbolos linguísticos e, com isso, o discurso. A repetição do discurso - e não sua origem - é o que torna o sujeito responsável (Stam, 2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company.).

De acordo com Bento (2011Bento, B. (2011). Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Estudos Feministas, 19, 549-559.), a performatividade do gênero de um sujeito se inicia já na gravidez, quando começam as expectativas sobre quem é e como será a pessoa que está sendo formada. A ansiedade por conhecer aquele pequeno ser se volta, em grande parte, para a curiosidade sobre seu sexo, notícia que torna mais inteligível a materialidade do corpo e da pessoa em formação. Assim, inicia-se antes mesmo do nascimento um emaranhado de expectativas e projeções sobre a subjetividade do bebê, que serão depois materializadas em brinquedos, cores, roupas, atitudes e, até mesmo, na antecipação de projetos para o futuro daquela criança, muitos dos quais ancorados na diferenciação entre meninos e meninas. “No entanto, como é possível afirmar que todas as crianças que nascem com vagina gostam de rosa, de bonecas, de brinquedos que não exigem muita força, energia e inteligência?” (Bento, 2011Bento, B. (2011). Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Estudos Feministas, 19, 549-559., p. 550). Estes são discursos e práticas que trabalham na fabricação dos sujeitos, na construção dos gêneros conforme normas dominantes na sociedade, e não correspondem a descritores de uma realidade biológica, natural. Ademais, a experiência de sujeitos que não se encaixam nas normas de gênero (mulheres “masculinizadas”; homens “afeminados”; homossexuais, transexuais etc.) demonstra claramente que os papeis sociais não são naturais e que podemos desviar e subverter essas normas.

Butler (2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. José Olympio.) fala dessa possibilidade de rearticulação ou subversão da identidade como novas alternativas de refutar os códigos rígidos do binarismo e a naturalização de certas posições de sujeito. Para explicar as possibilidades de subversão, a autora observa que a norma de gênero é atribuída inicialmente, “já que a linguagem age sobre nós antes de agirmos” (Butler, 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. José Olympio., p. 44), mas que os sujeitos podem depois se perceber desviantes e encontrar a possibilidade de escolha. Em outras palavras, somos obrigados a representar o gênero, mas podemos falhar ou interpretá-lo de diferentes formas, ainda que não seja simples definir como este desvio se faz possível (Salih, 2016Salih, S. (2016). Judith Butler e a teoria queer. Autêntica.). Embora Butler tenha afirmado diversas vezes que a identidade não é completamente determinada e que é possível desviar, sua compreensão de que não há sujeito antes do discurso e de que a identidade é um efeito, pode dar a entender que o sujeito está preso no discurso.

Em trabalho sobre as contribuições de Butler para a noção de self dialógico, Stam (2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company.) observa que o que a autora nos apresenta é um dilema tanto insolúvel quanto necessário: somos constituídos - interpelados - pela linguagem e é ela que nos torna vulneráveis. Somos constituídos e dependentes do endereçamento do outro e somos também capazes de endereçar outros. O sujeito não é, portanto, um agente soberano que usa a linguagem de modo instrumental e cúmplice das forças de poder. A capacidade de agência não supera a vulnerabilidade. A concepção de sujeito como resultado da dependência do outro, que torna impossível sua soberania está, para o autor, em consonância com a noção de self dialógico. Afinal, o corpo existe de fato a partir dos termos da linguagem, mas, ao mesmo tempo, “as descontinuidades entre o corpo e a linguagem ameaçam nossa coerência como sujeitos autônomos” (Stam, 2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company., p. 87). Assim, o autor sugere que a noção de self dialógico deve ser capaz de incluir “tanto nossa sociabilidade radical quanto a individualidade que ela torna possível.” (Stam, 2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company., p. 87).

Apesar do paradoxo, Butler é otimista sobre as possibilidades de desnaturalização e proliferação das identidades, extrapolando os limites dos modelos que as fundaram como fixas, definitivas e com base na “natureza construída da heterossexualidade” (Salih, 2016Salih, S. (2016). Judith Butler e a teoria queer. Autêntica., p. 96). Em trabalho recente, Butler reconhece, contudo, que ainda é preciso entender como se dão esses desvios - quando “alguma coisa queer” está em funcionamento (Butler, 2018Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. José Olympio., p. 12). Essa discussão parece abrir espaço para os questionamentos propostos no presente trabalho, desafiando e motivando o diálogo entre as perspectivas teóricas escolhidas: O que acontece quando um sujeito se permite desviar? O que o leva a se posicionar contra as expectativas sobre quem ele deveria ser? Que transformações esse posicionamento acarreta na subjetividade e na relação com a cultura? Acreditamos que essas perguntas sobre processos microgenéticos relacionados à subversão das normas de gênero podem ser respondidas pela Teoria do Self Dialógico.

Para isso, perseguimos uma noção de self que leva em conta o contexto societário mais amplo, algo necessário quando nosso objeto de atenção são sujeitos desviantes. Alinhamo-nos, portanto, a Barcinski & Kalia (2005Barcinski, M., & Kalia, V. (2005). Extending the boundaries of the dialogical self: Speaking from within the feminist perspective. Culture & Psychology, 11(1), 101-109.), que defendem que a teoria feminista pode contribuir para uma concepção mais inclusiva da identidade, considerando o meio social que influencia sua construção. Além disso, pode contribuir para o desenvolvimento de uma noção de self que enfatize a multiplicidade e a constante transformação, mas sem minimizar sua totalidade. Como exemplo, as autoras trazem a noção de “consciência mestiça” de Gloria Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute., inBarcinski & Kalia, 2005Barcinski, M., & Kalia, V. (2005). Extending the boundaries of the dialogical self: Speaking from within the feminist perspective. Culture & Psychology, 11(1), 101-109.).

Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute.), como uma autora que vive algumas posições de subalternidade e “entre-lugares” - mulher, chicana9 9 ‘Chicana’ é o termo utilizado para se referir à mulher descendente de mexicanos nascida ou que cresceu e vive nos EUA. , homossexual -, parte da reflexão sobre as fronteiras para discutir os binarismos do mundo moderno patriarcal capitalista. A noção de fronteiras não se refere apenas a limites físicos, mas também às bordas do pensamento binário ocidental, constituído em torno de raça, gênero e orientação sexual. As contradições e lutas nesse espaço fronteiriço, o choque de vozes e a multiplicidade de experiências de diferentes mundos são aspectos que fazem nascer uma nova consciência. Esse fenômeno coincide claramente com o hibridismo explorado por Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.), ou ainda, com a terceira posição, de fato, comparável ao terceiro espaço (Bhabha, 2012Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.). Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute.) nomeia essa nova consciência de “consciência mestiça” e afirma que ela é plural, mais tolerante a ambiguidades e contradições, para a qual nada é de todo abandonado ou rejeitado. Habitando um “entre”, a mestiça rompe com os princípios dicotômicos da sociedade ocidental, inclui em vez de excluir e celebra o hibridismo e a pluralidade (Barcinski & Kalia, 2005Barcinski, M., & Kalia, V. (2005). Extending the boundaries of the dialogical self: Speaking from within the feminist perspective. Culture & Psychology, 11(1), 101-109.).

Estudos queer e interseccionais como o de Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute.) defendem, portanto, que a experiência de construção de si é fortemente influenciada pela cultura e pela ”localização social” - o espaço de convivência em que marcadores como raça, gênero e classe são centrais para a construção de subjetividades e identidades coletivas. Nesse sentido, a experiência de opressão das mulheres é entendida como interdependente de sua localização social, cujos impactos transcendem a experiência individual e articulam o sujeito a uma comunidade marginalizada. Reconhecendo que a formação da identidade envolve, sim, um processo de construção de sentido particular, Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute.) observa que o processo de mudança individual começa, contudo, com uma tomada de consciência coletiva sobre a situação de opressão que vivem, por exemplo, as mulheres. Assim, compreendendo a identidade como múltipla, mas não fragmentada, essa perspectiva preserva, no sujeito, a capacidade de ação e resistência, considerando que, ao mesmo tempo em que o sujeito é interpelado por uma realidade concreta, por sua localização sócio histórica, o sujeito, ainda assim, é capaz de transformar sua comunidade e a si mesmo.

Queerizando o self dialógico

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) utilizam os conceitos de gênero e performatividade de Butler em um exercício de análise de experiências de sujeitos trans. Para nós, este é um breve e importante ensaio de articulação entre a Teoria do Self Dialógico e a Teoria Queer, visando a construção de uma concepção de self mais inclusiva e em relação bidirecional com o meio social. A noção de self democrático nos parece perseguir essa missão, além de incorporar a contribuição do sujeito na construção de uma sociedade geral também democrática e, portanto, sua capacidade de transformar a cultura. Contudo, apresentamos algumas questões buscando aprofundar as contribuições que a Teoria Queer pode trazer à Teoria do Self Dialógico.

Hermans et al. (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.) compreendem que a perspectiva de gênero de Butler considera que o gênero é fluido, que as pessoas se movem “livremente em um processo irrestrito de posicionamento, contraposicionamento e reposicionamento” (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535., p. 518). Essa interpretação vai ao encontro da análise que fazem em seu artigo dos “sujeitos queer” aqueles que não se identificam com nenhum dos polos do binarismo de gênero, já que podem se localizar ora em uma posição masculina, ora na feminina, ora em ambas, simultaneamente; ou mesmo, podem se identificar com todos os gêneros; ou com nenhum gênero.

Consideramos importante destacar, contudo, que, para Butler (2014Butler, J. (2014, maio 1). Gender Performance: The TransAdvocate interviews Judith Butler [Interview]. https://bit.ly/3xKKGyK
https://bit.ly/3xKKGyK...
), o caráter processual do gênero não se refere exatamente a uma fluidez ou mutabilidade10 10 “Eu não quis argumentar que o gênero é fluido e mutável (o meu certamente não é). Eu só quis dizer que todos nós devemos ter uma liberdade maior para definir e levar nossas vidas (...). Então o fato de alguém querer ser livre para viver uma noção de sexo mais “naturalmente pré-determinada” ou uma noção mais fluida de gênero é menos importante do que o direito de ser livre para viver qualquer uma dessas coisas” (Butler, 2014, p. 1). . Para ela, gênero é, sim, “algo” que fazemos e não algo que somos, é uma “estratégia” de sobrevivência cultural. Mas trata-se de “um conjunto de atos repetidos no interior de um quadro regulatório altamente rígido” (Butler, 2011Butler, J. (2011). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Routledge., p. 33). O ponto central da obra de Butler seria, na verdade, demonstrar que gênero é uma construção social permeada por forças de poder que discriminam, tornam abjetos os sujeitos que não se enquadram nas normas de gênero, e, com isso, defender que aceitemos uma imensa diversidade de posições de gênero, que os sujeitos devem “ser livres para determinar o curso de sua vida quando se trata de gênero” (Butler, 2014Butler, J. (2014, maio 1). Gender Performance: The TransAdvocate interviews Judith Butler [Interview]. https://bit.ly/3xKKGyK
https://bit.ly/3xKKGyK...
, p. 1).

Mas seria possível, então, “queerizar” o self a partir do diálogo entras a Teoria Queer e a Teoria do Self Dialógico? O termo queer tem sido usado como verbo para significar um processo de desconstrução, de análise e questionamento dos limites das nossas suposições. Significa explorar os limites das concepções estabelecidas, como os binarismos e as identidades, alargando suas fronteiras para dar espaço aos sujeitos hoje considerados desviantes. É sobre estar vigilante à criação de novas categorias ou identidades para, novamente, evitar o aprisionamento de sujeitos (Glickman, 2012Glickman, C. (2012, abril 6). Queer Is A Verb |. Charlie Glickman. https://bit.ly/3KZAZQF
https://bit.ly/3KZAZQF...
). Queerizar o self passa, portanto, por reconhecer o paradoxo de nossa dependência do endereçamento do outro, que nos constitui e nos torna vulneráveis. E, assim, incluir na concepção do self “tanto nossa sociabilidade radical quanto a individualidade que ela torna possível.” (Stam, 2003Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons. John Benjamins Publishing Company., p. 87). Talvez signifique conhecer melhor as experiências dos sujeitos desviantes, identificando o impacto que as normas de gênero e as expectativas sociais têm sobre o self. Sugere também reconhecer o potencial dos sujeitos que não se enquadram nessas expectativas na transformação da cultura, já que resistência, para eles, é uma questão de sobrevivência. E, com isso, investigar a microgênese dessa resistência, da subversão, e os processos de desenvolvimento que podem tanto viabilizá-la quanto serem despertados por ela. Queerizar o self seria, por tudo isso, um grande passo no fortalecimento do paradigma crítico na Psicologia, um rompimento com os processos normalizadores e patologizantes para os quais a psicologia tradicional contribuiu, e a construção de uma noção de subjetividade que leve verdadeiramente em conta a diversidade e as forças de poder que atravessam a cultura.

Considerações finais

No presente trabalho, apresentamos alguns pontos importantes de diálogo e de mútuas contribuições entre a Teoria do Self Dialógico e a Teoria Queer. Na metáfora do self como sociedade democrática, Hermans (2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.) confere destaque às relações de poder que permeiam as instituições sociais e os valores culturais, impondo obstáculos aos sujeitos que não se enquadram nas categorias binárias. Estas questões, como vimos, podem ser enriquecidas pelas análises e desconstruções da Teoria Queer. A noção de resistência e a relação dialógica entre sujeito e cultura, com destaque às possibilidades de transformação, são pontos em comum que podem encontrar importantes ferramentas de investigação na Teoria do Self Dialógico.

Nesse exercício, consideramos importante destacar respostas que podemos encontrar nas apresentações das duas teorias feitas no presente trabalho para a pergunta: o que dispara o processo de resistência, ou o posicionamento contra valores culturais dominantes, que se expressa nas identidades LGBTI+? O que viabiliza essa reorganização, essa mudança desenvolvimental? (Fogel et al., 2006Fogel, A., Garvey, A., Hsu, H.-C., & West-Stroming, D. (2006). Change processes in relationships: A relational-historical research approach. Cambridge University Press.). Em Anzaldúa (1987Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera. Aunt Lute.), observamos o importante papel do coletivo apontado pela autora como disparador de uma “tomada de consciência” sobre situações de opressão. Talvez aqui esteja uma sugestão de resposta também ao questionamento que o próprio Hermans (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; Hermans, 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.) faz sobre que fatores ou sob quais condições os sujeitos conseguem se mover na interface entre o eu e o outro de modo a aumentar o que ele chama de compaixão social ou compreensão das experiências de sujeitos e grupos diferentes. O próprio autor nos apresenta duas posições de sujeito que têm importante função no desenvolvimento do self e que podem ser exploradas em relação ao papel do coletivo: a posição promotora e a metaposição.

A posição promotora se refere a uma pessoa (ou grupo) que inspira, adiciona valor e proporciona um senso de direção ao self. Ela faz parte do self estendido como uma posição do eu e ajuda a organizar e direcionar uma diversidade de posições antes dispersas em direção ao futuro e ao desenvolvimento. Dessa forma, a posição promotora, ao mesmo tempo que assegura a continuidade do self, também dá espaço para a descontinuidade e, com ela, para a inovação (Hermans, 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press., p. 71). Vale observar que a participação de uma posição externa, como a posição promotora, no self não ocorre sem tensão e negociação, características intrínsecas ao self dialógico. Há sempre tensão dialógica entre as sugestões externas em uma determinada posição e momentos de agencialidade e resistência por parte do sujeito.

Já a metaposição é aquela que consegue se distanciar das demais posições (internas e externas) para ter uma visão geral de seus padrões e interrelações. Proporcionando um distanciamento que permite uma outra apreensão sobre suas ações, ela favorece a conexão e organização das posições de modo a contribuir com uma nova priorização, e possibilitando novas projeções de futuro. Ela possibilita uma visão de longo prazo, conectando passado, presente e futuro, além de conectar as posições às histórias pessoal e coletiva. Segundo Hermans (2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.), a metaposição abre espaço para a posição promotora, mas acreditamos, com base no argumento de Anzaldúa, que o caminho pode também ser o inverso: que posições promotoras podem inspirar a metaposição ao apresentar a ela experiências de outros sujeitos.

Por fim, para investigações sobre os impactos das questões de gênero no desenvolvimento do self, consideramos importante construir um novo lugar para gênero em meio aos modelos teóricos que tratam da organização do self - um lugar transversal, que constitua e conecte todas as posições do eu. Sobre os caminhos dessas investigações, encontramos duas possibilidades: a primeira seria entender quais processos disparam a resistência ou subversão das normas de gênero (onde parecem caber o coletivo, a metaposição e a posição promotora); a outra alternativa envolve entender mais a fundo que processos (ou reorganização) ocorrem após essa subversão, ou seja, após o sujeito revelar sua identidade de gênero não normativa, contra as expectativas sociais. Uma hipótese é que esse processo possa gerar outras resistências levando os sujeitos a uma participação mais ativa e transformadora na cultura. É o que parece sugerir a ideia de self democrático de Hermans (Hermans et al., 2017Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.; Hermans, 2018Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. Oxford University Press.; Hermans & Hermans-Konopka, 2010Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter-positioning in a globalizing society. Cambridge University Press.), com o que ele chama de compaixão social, forma distribuída de afeto, que contribui para a democracia em geral.

References

  • Anzaldúa, G. E. (1987). Borderlands: The New Mestiza = La Frontera Aunt Lute.
  • Barcinski, M., & Kalia, V. (2005). Extending the boundaries of the dialogical self: Speaking from within the feminist perspective. Culture & Psychology, 11(1), 101-109.
  • Bento, B. (2011). Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Estudos Feministas, 19, 549-559.
  • Bhabha, H. K. (2012). O local da cultura (E. L. de Lima Reis, M. Avila, & G. R. Gonçalves, Trads.). UFMG.
  • Branco, A. U., Branco, A. L., & Madureira, A. F. (2008). Self-development and the emergence of new I-positions: Emotions and self-dynamics. Studia Psychologica, 6(8), 23-39.
  • Butler, J. (2011). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity Routledge.
  • Butler, J. (2014, maio 1). Gender Performance: The TransAdvocate interviews Judith Butler [Interview]. https://bit.ly/3xKKGyK
    » https://bit.ly/3xKKGyK
  • Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia José Olympio.
  • Clifton, J., & Fecho, B. (2018). Being, doing, and becoming: Fostering possibilities for agentive dialogue. Em F. Meijers & H. J. M. Hermans, The dialogical self theory in education: A multicultural perspective (p. 19-33). Springer.
  • Fogel, A., Garvey, A., Hsu, H.-C., & West-Stroming, D. (2006). Change processes in relationships: A relational-historical research approach Cambridge University Press.
  • Gergen, K. J. (2006). The relational self in historical context. International Journal for Dialogical Science, 1(1), 119-124.
  • Glickman, C. (2012, abril 6). Queer Is A Verb |. Charlie Glickman. https://bit.ly/3KZAZQF
    » https://bit.ly/3KZAZQF
  • González, M. F. (2019). Narrativas de mujeres activistas: Participación y transformación entre lo personal y lo político. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(3).
  • Hermans, H. J. M. (2001). The dialogical self: Toward a theory of personal and cultural positioning. Culture & psychology, 7(3), 243-281.
  • Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy Oxford University Press.
  • Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter-positioning in a globalizing society Cambridge University Press.
  • Hermans, H. J. M., van Loon, R., & Kempen, H. (1992). The Dialogical Self: Beyond Individualism and Rationalism. American Psychologist, 47, 23-33.
  • Hermans, H. J., Konopka, A., Oosterwegel, A., & Zomer, P. (2017). Fields of tension in a boundary-crossing world: Towards a democratic organization of the self. Integrative psychological and behavioral science, 51(4), 505-535.
  • Lopes de Oliveira, M. C. S., Branco, A. U., & Freire, S. F. D. C. (2020). Preface. Em M. C. S. Lopes de Oliveira, A. M. C. U. de A. Branco, & S. F. D. C. Freire, Psychology as a Dialogical Science: Self and Culture Mutual Development Springer Nature.
  • Lopes de Oliveira, M. C. S., & Madureira, A. F. A. (2014). Gênero e psicologia do desenvolvimento: Quando a ciência é utilizada como força normatizadora das identidades de gênero. Labrys: estudos feministas, 2, 1-31.
  • Lourenço, D. (2017). Queer na primeira pessoa: Notas para uma enunciação localizada. Revista Estudos Feministas, 25(2), 875-887.
  • Miskolci, R. (2007). A Teoria Queer e a Questão das Diferenças: Por uma analítica da normalização. Congresso de leitura do Brasil, 16, 1-19.
  • Nardelli, R. C., & Ferreira, M. S. (2015). Teoria Queer e Psicologia. Mnemosine, 11(1), Article 1.
  • Peres, W. S. (2013). Psicologia e políticas queer. Em F. S. T. Filho, W. S. Peres, C. A. Rondini, & L. L. de Souza (Orgs.), Queering: Problematizações e insurgências na Psicologia contemporânea EdUFMT.
  • Preciado, P. B. (2007). Entrevista com Beatriz Preciado (J. Carrillo) [Interview]. Cad. Pagu, 28
  • Preciado, P. B. (2011). Multidões queer: Notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
  • Rede LGBTI SinViolência. (2019). Preconceito não conhece fronteiras: homicídios de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex nos países da América Latina e Caribe 2014 - 2019
  • Rich, A. (1980). Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 5(4), 631-660. https://doi.org/10.1086/493756
    » https://doi.org/10.1086/493756
  • Salih, S. (2016). Judith Butler e a teoria queer Autêntica.
  • Seidman, S. (1995). Deconstructing queer theory or the under-theorization of the social and the ethical. Social postmodernism: Beyond identity politics, 116-141.
  • Stam, H. (2003). Addressing oneself as another. Em C. B. Grant, Rethinking Communicative Interaction: New interdisciplinary horizons John Benjamins Publishing Company.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2021
  • Aceito
    21 Abr 2022
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910-900 - Brasília - DF - Brazil, Tel./Fax: (061) 274-6455 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaptp@gmail.com