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Dead Ringers:

Dead Ringers:

Resumos

Inspirado na ideia de textura mítica - trama persistente e flexível, capaz de se entrelaçar a outros fios ou tecidos narrativos -,este artigo propõe uma reflexão sobre o modo pelo qual o ideal de uma perfeita gemeidade, comum à tradição indo-europeia, vem sendo atualizado nas narrativas contemporâneas. Tendo como fio condutor desta reflexão o longa-metragem Gêmeos, mórbida semelhança (Dead Ringers/1989), de David Cronenberg - que apresenta gêmeos ginecologistas como personagens centrais -, analisa-se o discurso simbólico da trama, que entretece gemeidade, esterilidade e incesto. Em última instância, trata-se de destrinçar, no emaranhado de suas malhas, a coerência de um discurso simbólico sobre a gemeidade, em seus limites e utopia

gemeidade; esterilidade; incesto; cinema; mitologia


Starting from the idea of ​​mythical texture - this persistent and flexible plot able to intertwine with other narrative yarns or fabrics -, this article proposes a reflection on the way the ideal of a perfect twinning, common to Indo-European tradition, has been updated in contemporary narratives. Having as a guideline of this reflection David Cronenberg's feature film Dead Ringers (1989) - featuring gynecologist twins as main characters - the symbolic discourse of the plot that interweaves twinning, sterility and incest is analyzed. Ultimately it is about disentangling, in the tangle of its meshes, the coherence of a symbolic discourse about twinning, in its limits and utopia

Twinning; Sterility; Incest; Feature Film; Mythology


Couple stérile et éternel,

uni dans une étreinte amoureuse perpétuelle, les jumeaux

- s'ils restaient purs - seraient inaltérables comme une constellation.

Michel Tournier, Les Météores

Toronto, 1954.

Tela escura.

"Já ouviu falar de sexo?", indaga uma voz infantil.

"Claro que sim", responde outra.

"Descobri por que o sexo existe".

"É mesmo? Fantástico!".

1 Prólogo

Assim tem início a trama( 1 1 Nicole BELMONT, 1993. ) de Gêmeos, mórbida semelhança, o décimo primeiro longa-metragem de David Cronenberg.( 2 2 Cf. Debora BREDER (2008), para uma análise de certos aspectos da trajetória social de David Cronenberg no campo cinematográfico e do contexto de produção e recepção desse longa-metragem. Salvo indicação contrária, os termos entre aspas duplas constituem categorias utilizadas pela crítica especializada. As traduções ao longo do texto foram realizadas pela autora deste. ) O diálogo, que inicialmente transcorre em off, sobre tela escura, prossegue animado, informando, antes mesmo de vermos os protagonistas do filme, de seu ardente interesse pelo tema. Um interesse científico pode-se dizer, no qual já se percebe, sob a curiosidade infantil, certo distanciamento em relação ao objeto em questão: conforme explica o iniciador do diálogo, expondo a sua teoria em uma perspectiva comparativa, o "sexo existe" porque os "humanos não vivem debaixo d'água". A lógica parece irretorquível: os peixes põem seus ovos na água e os fertilizam; já os humanos, incapazes de tal façanha, precisam colocar água no interior de seus corpos para se reproduzirem.

Enquanto discutem o fascinante assunto, vemos os pequenos protagonistas caminhando por uma tranquila e arborizada rua do bairro. Eles são gêmeos 'idênticos' (monozigóticos). A extraordinária semelhança física é ressaltada pelo vestuário e um par de óculos, também idênticos. O gêmeo que escuta atentamente a teoria do irmão parece encantado com a possibilidade de que o sexo praticado pelos humanos possa vir, um dia, a prescindir do contato entre os corpos. A possibilidade, no entanto, parece ainda remota, conforme ponderam. Assim, ao avistarem uma vizinha mais ou menos da mesma idade, acompanhada de sua boneca, carrinho de bebê e demais apetrechos, convidam-na a realizar um experimento científico: "Rafaela, quer fazer sexo conosco, na banheira? É uma experiência". Mas, para azar dos gêmeos, a menina interpreta mal o objetivo do convite e o declina, de forma muito pouco gentil. A seguir vemos os irmãos compenetrados, dissecando um boneco - um modelo reduzido e desmontável do corpo humano. "Qual o diagnóstico?", pergunta um deles. "Cirurgia intraovular", responde o outro.

Cambridge, Massachusetts, 1967 - informa o próximo letreiro do filme. Os gêmeos estão em uma aula de anatomia, dissecando um cadáver com um instrumento que desperta a atenção do professor. Ao serem questionados sobre o objeto, um deles explica tratar-se de uma invenção própria; examinando-o, o professor adverte que o instrumento poderia funcionar em cadáveres, mas não em pacientes. Na próxima sequência, vemos um dos gêmeos recebendo uma homenagem pela invenção: "aos fabulosos gêmeos, que, antes mesmo da formatura, já nos deram tantas glórias", anuncia o orador, entregando uma reprodução folheada a ouro da engenhoca. A seguir, no alojamento da universidade, vemos o gêmeo que recebeu o prêmio em nome da dupla mostrando-o ao irmão, que não estivera presente à cerimônia. Debruçado sobre os livros, este último interrompe o trabalho e examina com atenção o troféu, notando a inversão de um pequeno detalhe em sua montagem. O gêmeo que fora receber o prêmio diz ao irmão que ele deveria ter estado na cerimônia, ao que este retruca: "eu estava". Eles se abraçam.

Toronto, 1988 - informa o terceiro letreiro do filme. Em um consultório médico, durante um exame ginecológico, um dos gêmeos descobre, consternado, que a paciente que está examinando possui um útero "trifurcado". Desculpando-se com a paciente, ele sai da sala e vai ao encontro do irmão, que está ao telefone em uma saleta contígua. Vestindo smoking e visivelmente atrasado para um jantar, este escuta distraidamente o caso até dar-se conta de que a paciente em questão é uma famosa atriz de cinema, cujo desejo de engravidar é notícia em revistas de variedades. Subitamente interessado no caso, ele troca de lugar com o irmão, veste um jaleco e vai examiná-la. Não percebendo a troca efetuada, a mulher se deixa examinar mais uma vez. "Sim, é fantástico", exclama o outro durante o toque. Ao comentar que nunca havia recebido um elogio dessa espécie em relação ao interior de seu corpo, o ginecologista responde, com certa malícia, que ela certamente já deveria ter ouvido falar em "beleza interior". Retirando as luvas, ele começa então a discorrer com desenvoltura sobre o tema, lamentando a inexistência de um padrão de beleza para o interior do corpo humano, para o "baço mais bonito, os rins mais perfeitos". A mulher retruca, em um quase suspiro, que ele parecia possuir esse padrão.

Como se nota, essas primeiras sequências do filme já apresentam os principais pontos da trama, que entrelaçam gemeidade, esterilidade e incesto. Enquanto as duas primeiras descortinam os gêmeos em sua infância, elaborando teorias acerca da reprodução das espécies, confrontando-se à estranheza do sexo oposto e explorando-as meticulosamente, as três sequências que seguem, na Escola de Medicina, confirmam o interesse científico dos jovens, anunciam uma carreira promissora aos "fabulosos gêmeos Mantle" e apontam um destino comum para estes seres cuja extraordinária semelhança física os torna praticamente indiscerníveis. A próxima sequência entrelaça esses pontos, introduzindo o conflito que dará início à ação propriamente dita da trama: a mulher e seu útero trifurcado, que desperta o vivo interesse dos irmãos e desestabiliza progressivamente a relação gemelar.

2 Os diptuchoi

Ao considerarmos a trama de Gêmeos, mórbida semelhança em conjunto com as declarações do próprio cineasta e as apreciações da crítica especializada - isto é, na junção entre texto e contexto, entre o que é dito cinematograficamente e o que é declarado em entrevistas, entre o que é omitido em imagens e sugerido por preterição, entre a intenção alardeada e a própria recepção -, desenha-se toda uma teia de significados em cujo emaranhado vislumbra-se a coerência de um discurso simbólico sobre a gemeidade, em seus limites e utopia.

Os créditos iniciais do filme já descortinam o universo dos "fabulosos Mantle": sobre tela escura, desfilam pranchas anatômicas do século XVII, nas quais o corpo feminino, escorchado, é representado com útero, ovários e trompas à mostra; alojados na cavidade uterina, figuram gêmeos em diferentes posições - imagens estas entremeadas por um arsenal de antigos instrumentos ginecológicos e gravuras de "siameses".

"Esse tema sempre foi fascinante. Tão fascinante que ele suscitou uma verdadeira mitologia", declarou Cronenberg após o lançamento do filme, quando indagado acerca dos motivos que o teriam levado a enfocar a gemeidade.( 3 3 David CRONENBERG, 1988. )

A referência à mitologia, nos discursos contemporâneos sobre a gemeidade, parece constituir uma constante, como indica a seguinte apreciação crítica, feita por Grünberg:

Gêmeos, mórbida semelhança é um dos filmes mais "puros" de Cronenberg; ele não se passa em nenhum lugar ou época específica; é o que mais se aproxima de uma tragédia moderna, quase mitológica, sobrecarregada com um segredo tão difícil de descobrir, escondido sob o mal estar existencial dos irmãos Mantle.(4)

O curioso é que esse filme, cuja trama se desenrolaria em nenhum lugar ou época específica, tem início com nada mais nada menos que três letreiros sucessivos que assinalam, inequivocamente, um determinado tempo e espaço. O detalhe, contudo, parece obliterado pelo crítico, que ressalta a "inexorabilidade tenebrosa e trágica do destino" e a emergência, no transcorrer do filme, de "imagens mentais" por vezes tão difíceis de admitir que elas nos "transpassariam" de forma sumamente eficaz.

Mas qual seria esse segredo encoberto sob o "mistério extremo e visceral da gemeidade" segundo expressão de outro crítico? Antes de tentarmos destrinçar a questão, vale a pena focar nas apreciações que seguem, pequenos fragmentos que integram os discursos contemporâneos sobre a gemeidade.

Talvez o principal ponto a ser notado nessa empreitada diga respeito à construção das personagens - os "fabulosos Mantle", como os heróis são reiteradamente designados ao longo da trama - e de seus enredos biográficos. A denominação não é aleatória, ressaltando a identidade e unicidade da dupla, dada pelo nome em comum, em detrimento da identidade individual, conferida pelos diferentes prenomes. Aos olhos dos outros, pois, os gêmeos constituiriam uma única entidade. O interessante é que essa designação, na terceira pessoa do plural, não deixa de manter certo paralelo com aquela outorgada nos mitos gregos aos Boreades, Molionides e Aloades, enfatizando a simbiose física e moral que une esses seres em um inelutável destino comum - e cuja morte, como nota Claudie Voisenat, "virá sancionar sua recusa de viverem separados".( 5 5 Claudie VOISENAT, 1985, p. 136. Corresponderiam a esses três pares de gêmeos definidos por sua similitude e simbiose três formas de excesso - nos atos, na aparência e nas atitudes psicológicas -; três tipos de desordem - contra o poder divino, as leis da natureza e as regras do amor humano -; e três condenações à morte ministradas pela mão divina de Apolo, Artemis ou Merodis, todos os três, cabe notar, gêmeos dissociados e separados. )

Assim, compreende-se melhor que, ao referir-se às "inumeráveis implicações psicológicas e metafóricas" da gemeidade, o cineasta declarasse que seu interesse pelo tema só teria surgido ao defrontar-se - em um caso verídico de duplo suicídio ocorrido na década de 1970 em Nova Iorque, protagonizado pelos irmãos Stewart e Cyril Marcus -( 6 6 Em 1975, os gêmeos Stewart e Cyril Marcus, famosos ginecologistas que possuíam uma clínica para tratamento de infertilidade, foram encontrados mortos em seu apartamento em decorrência de uma overdose. O caso foi retratado no livro Twins (1977), de Bari Wood e Jack Geasland. O roteiro do filme, escrito pelo próprio Cronenberg e por Norman Snider, constitui uma adaptação livre desse romance. ) com o entrelaçamento dramático de três elementos distintos: a gemeidade, a ginecologia e uma sorte comum:

Os gêmeos enquanto tema de filme não me interessaram realmente até me deparar com essa combinação de três coisas: gêmeos, ginecologistas, e cujo destino é morrer juntos. Claro, gêmeos são casos perturbadores, fascinantes e estranhos..., mas no cinema eles são frequentemente retratados de forma degradante, como monstros ou santos. Uma vez que decidi contar essa história, me perguntei o que me atraia nos gêmeos.(7)

Considerando a gemeidade um fenômeno "perturbador, fascinante e estranho", o diretor observa que, no cinema, os gêmeos teriam sido representados invariavelmente de forma "degradante" - como "monstros" ou "santos".

É importante reter este ponto: na ótica do cineasta, a construção das personagens efetuada no filme teria diferido da maior parte daquelas comumente realizadas no cinema, nas quais os gêmeos figurariam como um par antitético e antagônico:

Em contraposição a todos os filmes sobre gêmeos que pude ver ou a respeito dos quais ouvi falar, não existe em Gêmeos, mórbida semelhança o gêmeo mau. Os dois são considerados como verdadeiros personagens, sutis, complexos. Toda a aposta do filme está aí, e não somente para o ator que os interpreta: não há um gêmeo psicótico, assim como também não há, em oposição, um gêmeo idealmente bom.(8)

De fato, deparamo-nos com essa representação da gemeidade - na qual a oposição entre os gêmeos, fortemente marcada, é extrema e irredutível - em muitas narrativas contemporâneas, tanto literárias quanto cinematográficas e televisivas. As telenovelas brasileiras, por exemplo, são exímias na composição de tramas que colocam em cena gêmeos antitéticos cuja rivalidade, se não lhes é consubstancial, acaba surgindo devido a disputas por amor e/ou poder.( 9 9 Tais como Mulheres de Areia, novela de Ivani Ribeiro, na qual as gêmeas Ruth e Raquel (interpretadas pelas atrizes Eva Wilma - TV Tupi/1973 - e por Glória Pires - TV Globo/1993) disputam o amor de um mesmo homem; Paraíso Tropical, novela de Gilberto Braga, na qual as gêmeas Paula e Thaís (interpretadas pela atriz Alessandra Negrini - TV globo/2006-7) também se confrontam; ou Viver a vida, de Manoel Carlos, na qual os gêmeos antagônicos Jorge e Miguel (interpretados pelo ator Mateus Solano - TV Globo/2009), apaixonam-se pela mesma mulher. )

Mas será que essa construção "sutil" e "complexa" das personagens e de seus enredos biográficos evitaria tanto assim os "clichês", segundo expressão de um crítico? Para boa parte da crítica especializada, a resposta seria afirmativa; fazendo coro com o cineasta, muitos críticos ressaltariam a maestria e originalidade do autor na abordagem de um tema que se prestaria a tantos "estereótipos". Assim, para Véronneau:

Temos primeiro os gêmeos, a respeito dos quais o cineasta evita os estereótipos habituais; suas personalidades são opostas e complementares, inversas e simétricas; a similitude de seus corpos mascara a dessemelhança de seus espíritos. Em perfeito sincronismo como siameses, os gêmeos não podem viver independentemente.(10)

O curioso nessa apreciação, contudo, é que o crítico realiza uma descrição que recorda aquela empreendida por Claude Lévi-Strauss em Histoire de Lynx, ao referir-se às representações sobre a gemeidade na tradição indo-europeia. De fato, a descrição não poderia ser mais sintética, condensando, em poucas linhas, as observações do autor, segundo as quais, na Europa, os discursos sobre a gemeidade versariam preferencialmente sobre o tema da completa identidade entre os gêmeos. De modo geral, estes seriam fisicamente indistinguíveis um do outro, salvo recurso a pequenos sinais como vestuário, penteado e maquiagem; partilhariam em grande medida o mesmo gosto, pensamento e caráter; seriam apaixonados pela mesma pessoa, ou tão iguais que seriam por ela confundidos; ficariam doentes simultaneamente, sendo incapazes de sobreviver um ao outro. Para o autor das Mitológicas, a tradição indo-europeia - ao contrário da mitologia ameríndia - teria privilegiado justamente as soluções extremas nas representações sobre a gemeidade: seja antagonismo e oposição; seja solidariedade e indistinção.

Ao considerar a caracterização dos "fabulosos Mantle", é preciso convir que, entre a rivalidade absoluta e a solidariedade integral, eles se enquadram singularmente nesta última fórmula. Com efeito, em que pesem os traços distintivos que marcam pequenas diferenças complementares - relativas ao temperamento e aos talentos de cada um - Beverly e Elliot são estreitamente unidos e indissociáveis, e partilham a mesma sorte. Uma sequência do filme ilustra exemplarmente a solidariedade do par, fundada na completa identidade entre os gêmeos. A sequência transcorre na clínica, após a overdose de Beverly: exasperado pela tenacidade de Elliot em mantê-lo sob um tratamento para desintoxicação, Beverly o questiona, indagando se ele nunca teria vontade própria e sugerindo, em seguida, que cuidasse da própria vida. Pacientemente, Elliot recorda então ao irmão a história de Chang e Eng, perguntando-lhe se lembrava de como haviam morrido.( 11 11 Chang e Eng, gêmeos xifópagos, nasceram em 1811, no antigo Sião, atual Tailândia, e faleceram em 1874, nos EUA. Chang faleceu em decorrência de uma pneumonia, e Eng poucas horas depois, enquanto aguardava a cirurgia que o separaria de seu irmão. Os "siameses" se tornariam célebres nos EUA e na Europa, constituindo não apenas um objeto de estudo para médicos e naturalistas, como também objeto de curiosidade pública em feiras e exposições, onde apresentavam um número burlesco no circo Barnum. Cf. Mylène HUBIN-GAYTE, 1998, p. 48-9. ) Cantarolando uma cantiga infantil sobre o destino dos 'siameses', Beverly finalmente percebe o que o irmão queria dizer-lhe: a morte de um, como diz a cantiga, causara a morte do outro, tomado por súbito pavor. A cena termina com ambos se entreolhando: "pobre Elly", diria Beverly; "pobre Bev", retrucaria Elliot.

"Um se chama Beverly e o outro Elliot, mas, por um curioso jogo de diminutivos, um é o começo (Bev) e o outro o fim (Elly) de um único e mesmo nome (Bev/Elly)".( 12 12 Charles TESSON, 1989, p. 11. )

A observação acima, como vemos, remete à questão da complementaridade entre os gêmeos: unidos e indissociáveis, Bev/Elly compõem uma única entidade cindida em duas partes "inversas e simétricas". Reencontramos aqui a ideia - presente nos discursos biomédicos da primeira metade do século XX consagrados à gemeidade( 13 13 Cf. René ZAZZO, 1960. ) - de unidade a partir da oposição simétrica de dois seres: no caso desses heróis, tratar-se-ia não de um espelhamento somático, relativo à lateralidade, mas tão somente de um espelhamento psíquico. Com efeito, Beverly constitui psicologicamente a imagem invertida de Elliot: à "introspecção" do primeiro corresponde a "extroversão" do segundo. Enquanto o primeiro é "tímido", "reservado", "antissocial", "dependente", "sentimental" e "romântico" - qualificações atribuídas aos personagens pela crítica especializada -, o segundo é "carismático", "sedutor", "galante", "distinto", "intelectual" e "distante". Essas distinções são ressaltadas pelos próprios prenomes conferidos aos personagens - feminino e masculino - que demarcam um universo simbólico estruturado em diversos pares de oposição, como passivo/ativo, interior/exterior e escuro/claro. Assim, enquanto Beverly, mais "sentimental" e "recluso", é marcado pela interioridade das emoções, Elliot, mais "racional" e "carismático", é marcado pela exterioridade das ações. Não por acaso, enquanto o mais "sensível", "fraco" e "instável" dos gêmeos "trabalha na sombra" e "vive recluso", o mais "racional", "forte" e "estável", ao contrário, "frutifica o gênio dos Mantle na luz".

À oposição masculino/feminino justapõe-se também a oposição primogênito/caçula. Na trama, o estatuto de primogênito é atribuído de modo inequívoco àquele que porta o prenome masculino - Elliot, para quem Beverly é, significativamente, o seu "baby brother". Curiosamente, essa relação de primogenitura é transcrita simbolicamente no corpo, constituindo o único sinal diacrítico a distinguir fisicamente um irmão do outro: fisicamente indiscernível de Beverly, Elliot se vangloria, entretanto, de possuir uns "milímetros a mais".

Desse modo, nesse par que constitui simultaneamente, para utilizar uma expressão de Victor Turner, um "desdobramento de semelhantes" e uma "coincidência entre contrários", a simbólica sexual, mesmo introduzindo uma ligeira assimetria no par, tematiza a relação de oposição e complementaridade entre os gêmeos.( 14 14 Victor TURNER, 1990, p. 54. )

Portanto, longe de colocar em causa a perfeita identidade de Bev/Elly pela introdução desses sinais distintivos, a inversão especular acentua a complementaridade entre os gêmeos, reforçando a solidariedade do par. Como sintetizariam Pompon e Véronneau, referindo-se à caracterização diferencial das personagens, "Brincando por vezes em se dividir, fazendo-se passar um pelo outro, eles funcionam como dois lados de um mesmo indivíduo e parecem se fundir, pela combinação de suas diferenças, em um ser único e completo".( 15 15 Géraldine POMPON e Pierre VÉRONNEAU, 2003, p. 126. )

O motivo da complementaridade, presente nos discursos contemporâneos sobre a gemeidade, não seria estranho à tradição indo-europeia, na qual, ao nosso moderno espelhamento psicológico, inspirado em grande medida no discurso científico moderno, especialmente nos saberes 'psi' que se desenvolveram a partir do século XIX, teria precedido uma espécie de espelhamento de funções - "funções opostas, mas destinadas a se fundir", como diria Danielle Bohler aludindo à gemeidade metafórica na literatura medieval: "a complementaridade dos gêmeos, sublinhada por Zazzo, reforça nos contos o nivelamento favorável à integração numa comunidade finalmente reencontrada; ela demonstra a aniquilação benéfica dos conflitos e dos tropismos adversos".( 16 16 Danielle BOHLER, 1995, p. 233. Motivo específico à cultura medieval, a gemeidade metafórica constituiria uma nova representação sobre a gemeidade - fundada não na consanguinidade, mas constituída mediante a palavra empenhada em um pacto. ) Na mitologia grega, a complementaridade entre gêmeos também teria constituído um motivo frequente, sobretudo nas narrativas que versam sobre o compartilhamento do poder soberano: assim como os dióscuros, os gêmeos reais seriam diptuchoi, isto é, "desdobrados em díptico, frutos de uma 'split representation', duas metades simétricas, invertidas, pois, como o é em relação ao seu modelo a imagem refletida no espelho".( 17 17 Françoise FRONTISI-DUCROUX, 1992, p. 248-49. Cf. também Bernard SERGENT, 1992, sobre a complementaridade entre gêmeos míticos indo-europeus cujas afinidades e/ou talentos opõem, por exemplo, o mundo celeste ao mundo terrestre, ou animais de guerra a animais de uso não militar etc. )

"Eu queria sugerir que seus destinos estavam selados desde o nascimento", explicaria o cineasta aludindo à sorte das personagens: "os fenômenos externos não poderiam mudar nada".( 18 18 CRONENBERG, 1989, n. 337, p. 38. ) Caracterizados como sendo "fisicamente" idênticos e "psicologicamente" diferentes e complementares, os heróis partilham um desafortunado destino comum. Ao considerar essa construção das personagens e de seus enredos biográficos, vale a pena analisar a seguinte declaração do autor:

As cenas da infância foram concebidas não para sublinhar as diferenças entre os gêmeos, mas suas semelhanças, seus laços. É apenas a seguir, na medida em que se afastam do ventre materno, por assim dizer, que eles se diferenciam para se tornarem indivíduos separados. Só que, no caso de Gêmeos, mórbida semelhança, ocorre um momento onde eles se amalgamam novamente, onde cada qual aceita se submeter à personalidade do outro.(19)

Como se nota, essa declaração delineia o esquema narrativo do filme, estruturado no movimento de disjunção/conjunção dos gêmeos. Indiscerníveis e indissociáveis na infância, os heróis, ao afastarem-se da matriz e confrontarem-se a um útero trifurcado, separam-se para se perceberem como entidades distintas. Mas essa separação momentânea não logra romper a simbiose que amalgama os gêmeos e inviabiliza a introdução de uma distância relacional, isto é, de uma relação de proximidade e distância. Incapazes de relação - e, por conseguinte, de afirmação de uma identidade relativa mediante essa imprescindível relação com outrem -, eles 'fusionam'.

Nesse movimento, quanto mais perfeita é a identidade partilhada, mais indissolúvel é o laço que os une: as cenas de infância, conforme explica o cineasta, teriam sido realizadas para ressaltar não as diferenças entre os gêmeos, "mas suas semelhanças, seus laços". Se, na trama, à disjunção corresponde a acentuação das diferenças, à conjunção, inversamente, corresponde a acentuação das semelhanças: nas últimas sequências do filme, reencontramos os protagonistas novamente indiscerníveis e indissociáveis, vagando em meio à desordem da devastada clínica.

Assim, pode-se dizer que, em Gêmeos, mórbida semelhança, a complementaridade entre os gêmeos - tematizada pelo espelhamento psicológico - não evita a confusão identitária. Da ausência inicial de diferença à sua abolição final, o percurso de nossos heróis parece tender ao apagamento simbólico da diferença, da relação, que configura toda identidade, individual e coletiva. Na trama, como vimos, a dualidade expressa por esse par de semelhantes e contrários complementares encontra uma solução narrativa na morte: mais precisamente na eventração - essa espécie de parto ao revés -, versão hiperbólica de retorno ao Mutterleib, que propicia a fusão.

3 Dois irmãos em um útero trifurcado

"Os dois gêmeos são um, um gêmeo é dois", diria um crítico acerca dos Mantle, tão indistintos e solidários.( 20 20 François RAMASSE, 1989, p. 29. ) "Com Claire, pois, o três", acrescentaria logo em seguida.

E com o três, poder-se-ia dizer, irrompe na trama o princípio do desequilíbrio.

De fato, a harmonia que reina entre os gêmeos é alterada a partir da introdução de um terceiro termo na relação gemelar, o que provoca a disjunção momentânea de Bev/Elly.

A personagem feminina, Claire Niveau, é caracterizada como uma espécie de protótipo da mulher moderna, liberada sexualmente e financeiramente independente: tendo atingindo o sucesso em sua carreira de atriz e atravessando já os quarenta anos de idade, ela anseia pela maternidade, mas não consegue engravidar. À procura de um tratamento para a infertilidade, a atriz cruzará então o caminho dos Mantle.

Do duo ao trio, pois, eis que surge a mulher... E, com ela, a desordem.

Signo dessa desordem, ou "estigma significante" de transgressões, segundo expressão de Françoise Héritier, a esterilidade que acomete a personagem é vivenciada por esta como uma sanção aos pequenos excessos possivelmente cometidos em sua vida pregressa - infrações estas que, relevando da ordem social, também inscrevem no corpo suas marcas.( 21 21 Françoise HÉRITIER, 1996, p. 87. Ao analisar as representações sobre esta "etiqueta infamante" que denota transgressões, voluntárias ou não, Héritier observa que, nas mais variadas culturas, a esterilidade é espontaneamente declinada no feminino, revelando, por conseguinte, algo das relações de gênero. ) Como nota a autora, os discursos simbólicos sobre a esterilidade versam fundamentalmente sobre as normas e práticas sociais, exprimindo não apenas uma homologia entre o mundo, o corpo e a sociedade, como também a possibilidade de transcrição de um desses registros em outro. Na ótica da personagem, ela agira de forma pouco recomendável no passado, conforme insinuaria ao amante em uma determinada sequência do filme, pedindo sensualmente uma punição para o seu comportamento.

Na trama, contudo, os gêmeos ginecologistas atribuem a incapacidade de gerar que atormenta a atriz à extraordinária trifurcação de seu útero, um excesso, sob todos os aspectos, estéril. Incapacidade esta que a faz sentir-se como um ser incompleto, que teria passado pela vida sem jamais ter sido "mulher", "somente uma garota". Para essa mulher livre e emancipada, pois, é a fecundidade que ainda determina socialmente a condição de "mulher". Nesse sentido, é significativo notar o quanto essa perspectiva se coaduna com a existente em várias sociedades tradicionais, nas quais a mulher estéril tampouco ascenderia ao estatuto de mulher: "a mulher estéril não é considerada como uma verdadeira mulher, lo; ela morrerá suru, isto é, uma jovem imatura, e será exumada no cemitério das crianças [...]", nota Héritier aludindo aos Samo de Burkina Faso: "Ela estará nesse mundo como se não tivesse vivido".( 22 22 HÉRITIER, 1996, p. 79. ) (Ou como diria uma informante a Vargas, em mais uma variação sobre o mesmo tema: "uma mulher falou pra mim assim: 'Essa garota aí não é mais mulher do que a gente'. Falaram que eu não era mais mulher. Porque eu não posso ter filho, eu não sou mulher").( 23 23 Eliane VARGAS, 1999, p. 105. )

Mas o curioso, na trama, é que a esterilidade que acomete a personagem parece reiterada: atribuída à singular conformação de seu útero, ela decorreria também de sua amenorreia. O detalhe é significativo se considerarmos que, em diversas sociedades nas quais à oposição masculino/feminino corresponde também a oposição quente/frio, a mulher sem regras - que, tal como os homens, não perde periodicamente o seu sangue - é reputada perigosa pelo excesso de calor (posto que o sangue é simbolicamente associado ao quente) que acumularia em seu corpo.( 24 24 Cf. HÉRITIER, 1996; Thomas LAQUEUR, 2001. Estas constituiriam as principais categorias na tradição cultural da Grécia Antiga, juntamente com as do seco/úmido: o masculino seria associado ao quente e ao seco, e o feminino ao frio e ao úmido. Nessas oposições cujos termos são diferentemente marcados, as diferenças transformam-se em valores: enquanto os humores frios e úmidos da mulher seriam relacionados à "mentira", à "mutação", à "instabilidade", os humores quentes e secos do homem o seriam à "honra", à "bravura", à "fortaleza geral de corpo e espírito". ) Tanto a amenorreia quanto a menopausa, sob esse aspecto, seriam consideradas estados potencialmente perigosos, quando não francamente suspeitos: assim como em outras culturas, no ocidente cristão, as mulheres cujas regras cessavam também teriam constituído não raro objeto de suspeição, sobre as quais, preferencialmente, pesava a acusação de bruxaria. Como nota Marie Cegarra, referindo-se aos discursos sobre o corpo e suas desordens na tradição ocidental, o corpo feminino foi construído simbolicamente em torno da matriz, cujas disfunções provocariam estados alterados de consciência: "esse devaneio da matriz atinge as meninas impúberes que não têm suas 'purgações naturais', as mulheres sedentárias amenorreicas e as mulheres idosas. Em todos esses casos, o sangue que não flui se deteriora, se altera, e provoca melancolia e humor negro".( 25 25 Marie CEGARRA, 2004, p. 349. ) Nesse sentido, o fato de histeria e útero possuírem a mesma origem semântica não é anódino, demonstrando a correlação estabelecida entre certas alterações da conduta e o mau funcionamento do útero; com Charcot, ficaria demonstrado que as desordens imputadas às bruxas assemelhavam-se àquelas constatadas na Salpêtrière:

Assim, se a interpretação médica configura a mulher em outro registro cultural e corpóreo, ela reintroduz por um lado os mesmos esquemas explicativos: um corpo que não é preenchido de semente, engordado pelas maternidades e esvaziado de seus humores malignos, se torna um corpo errante, impossível de regular, e que dissolve o espírito. É um corpo angustiante por ser imprevisível ou previsível demais, vivo demais e sem alma. Ele instaura na sociedade uma animalidade que se abre ao oculto e a todas as desordens.(26)

Na trama, esse corpo que carrega potencialmente tantos perigos é um corpo "mutante", cujas desordens, suscetíveis de propagação por "contágio", levariam à "contaminação do espírito masculino pelo corpo feminino", segundo a expressão extremamente reveladora de um crítico.( 27 27 POMPON e VÉRONNEAU, 2003, p. 133. ) Contágio, dir-se-ia, de grandes males e pequenos vícios paliativos dos primeiros: grandes males relativos ao estatuto incerto da identidade, metaforicamente plasmado na profissão da personagem - que é uma atriz, ou seja, "finge o tempo todo" e "nunca sabe quem ela é", como diria um dos heróis -, e pequenos vícios exemplificados em sua apetência por drogas - o que não passaria, em seu ofício, de um "risco ocupacional", conforme explicaria a personagem. Em suma, o contato íntimo dos gêmeos com esse corpo vetor de desordem (um corpo demasiado 'quente', posto que o acúmulo de calor devido à amenorreia é redobrado pelo encontro reiterado de diferentes sêmens na matriz), introduz o desequilíbrio na relação gemelar - representado pela progressiva deterioração dos Mantle. Conforme avaliaria outro crítico, um pouco menos sucinto:

Catalizadora inocente, ela desencadeia a desordem que tomará os gêmeos, figurada pela crescente imundície de seu apartamento luxuoso onde eles morrerão prostrados, sufocados em seus dejetos de junkies. A contaminação é concluída num movimento que parte do corpo de Claire para atingir toda a estrutura mental e física dos médicos.28

Irremediavelmente estéril, o útero trifurcado da atriz "cristaliza as angústias" desses brilhantes ginecologistas, esses magos em fertilidade feminina - cientistas-demiurgos habituados a manipular a vida modelando corpos femininos.

Com efeito, signo de um excesso de fecundidade, os gêmeos são especialistas em esterilidade: ao tornar férteis mulheres inférteis, os "fabulosos Mantle" são como demiurgos que insuflam a vida com seus instrumentos mágicos. Procedendo como deuses da fertilidade aos quais se implora a concessão de milagres no altar de sua ultramoderna clínica, os gêmeos-ginecologistas "modificam a natureza" e investem contra o "mistério da infertilidade" que acomete certas mulheres:

No fundo, o que os irmãos Mantle fazem é modificar a natureza. Existe um mistério: a infertilidade de certas mulheres. Eles afrontam a questão de forma meio louca, de fato, mas conseguem bons resultados. É por isso que no início os admiramos e os toleramos a seguir. Os verdadeiros gêmeos ginecologistas, os gêmeos Marcus, clinicaram durante anos, apesar de seu comportamento, porque eles operavam milagres...(29)

Ao considerar essa relação entre gemeidade e esterilidade na trama, cabe lembrar que a mais antiga figura da gemeidade de que se tem notícia na tradição indo-europeia seria a dos Aśvina, os dióscuros védicos que corresponderiam, nos termos de Georges Dumézil, à terceira função - justamente aquela relacionada à fecundidade e abundância. Como nota Voisenat, "gêmeos contaminados pelo excesso gemelar, eles se tornam, uma vez neutralizado o excesso, os deuses da fecundidade feliz, da simultaneidade e da multiplicidade controladas".( 30 30 Claudie VOISENAT, 1985, p. 65. ) Signo de um excesso de fecundidade, a gemeidade contrapõe-se simbolicamente à esterilidade - relação cuja lógica simbólica é desvelada por inúmeros ritos que cercam o nascimento de gêmeos, como o existente entre os Moundang, por exemplo, para os quais os nascimentos múltiplos atrairiam, pelo excesso que implica, a esterilidade e a aridez, perigos conjurados por meio de complexos rituais que apelariam um excesso contrário, capaz de anular o primeiro.( 31 31 Alfred ADLER, 1973. ) Constituindo para os Nyamwezi um signo de morte ao nascerem, os gêmeos, que não são rejeitados como contrários à vida, precisam, entretanto, ser transformados em 'ancestrais domesticados': "ao nascerem, os gêmeos representam um risco de seca; ao renascerem no pátio, eles são uma garantia ancestral de fertilidade".( 32 32 Serge TCHERKÉZOFF, 1986, p. 91-113. Cf. HÉRITIER, 1996, p. 87 et seq. acerca da relação simbólica entre esterilidade-aridez-seca em oposição à umidade-fertilidade em diferentes cosmologias; e Luna, 2004, p. 77 et seq. quanto às metáforas que opõem imagens de umidade fecunda e aridez estéril nos discursos simbólicos sobre a esterilidade entre mulheres usuárias de serviços de fertilidade em hospitais do Rio de Janeiro e São Paulo. )

Nessa perspectiva, a declaração de Cronenberg - que, aludindo às "inumeráveis implicações psicológicas e metafóricas" da gemeidade, explicaria que seu interesse em abordar o tema só teria surgido ao defrontar-se com "gêmeos ginecologistas cujo destino é morrerem juntos" - parece adquirir um novo sentido, se considerarmos que, para os heróis de Gêmeos, mórbida semelhança, na ginecologia, é justamente a esterilidade que os fascina. Na trama, como vimos, pelas mãos de Bev/Elly, a ciência transmuta-se em magia: o poder demiúrgico desses gêmeos que insuflam vida na matriz manipulando ritualmente seus instrumentos mágicos (instrumentos fálicos, em sentido próprio e figurado, posto que fazem sexo com suas pacientes) é ressaltado pelos figurinos, cujas cores, segundo o diretor, "lembram a púrpura dos cardeais", e pelos cenários "expressionistas".

Na avaliação de Cronenberg, se, para os heróis, a ginecologia constitui uma "vocação religiosa", um "verdadeiro sacerdócio", é válido notar que o interesse nesse sacerdócio parece um tanto restrito: como explicaria, os gêmeos não estão interessados "na gravidez, no nascimento, no marido...", questões demasiado complicadas para esses "monstros" encerrados no "aquário".( 33 33 Enclausuramento potencializado pela própria mise-en-scène, concebida para criar uma atmosfera asfixiante. A maioria das sequências foi filmada em interiores, com planos fixos e pouca profundidade de campo, o que reforça a sensação de confinamento das personagens. Há pouquíssimas cenas de exteriores e nenhum plano rodado com luz natural e câmera na mão. Tampouco há muitos planos gerais ou closes, predominando os planos próximos e médios, filmados com movimentos de câmera suaves. Como diria Cronenberg (STARFIX, 1988, n. 66) "[...] a claustrofobia está em toda parte. E isso conduz naturalmente a um efeito de encerramento, de aquário, com o sentimento de que monstros nos observam e nós os observamos". Nesta "estética do estreitamento", a montagem imprime um ritmo mais lento (em relação aos cânones hollywoodianos) - um ritmo que, em seu escoamento do tempo, intensifica a inexorabilidade da sorte reservada aos heróis. ) Para essas criaturas que têm uma vida "hermeticamente estanque", o foco para onde converge seu interesse, e de onde emanam todos os males é, definitivamente, a esterilidade da matriz.

Para Bev/Elly, de fato, no exercício da ginecologia, isto é, nesse confronto com a alteridade representada pelo sexo oposto, trata-se de dissecar as entranhas desse "ser bizarro"; observar o modo como o corpo desse "problema matemático" funciona; analisar em quê, exatamente, essa carne consiste. Nessa "ginecologia metafísica", destrinçar o mistério da esterilidade constituiria um meio de conjurar a desordem mediante o controle da matriz: "se não conseguimos compreender as mulheres podemos dissecá-las", ou então, "se não podemos manter com elas relações no plano pessoal, tenhamos relações que as colocarão sob o nosso controle", diria Cronenberg comentando a lógica de seus heróis.( 34 34 CRONENBERG, 1988, n. 66. p. 47. ) Controle esse que facultaria a preservação da "exclusividade da fórmula da carne", nas palavras reveladoras de Pompon e Véronneau:

Ser ginecologista é voltar a ser o peixe dos primeiros tempos, reencontrar a água interiorizada e fertilizá-la. É, sobretudo, conservar a exclusividade da fórmula da carne que suas pacientes inférteis, como amnésicas que perderam seu instinto de procriação, tentam reencontrar entre suas mãos expertas.(35)

Para esses críticos, em Gêmeos, mórbida semelhança, a ginecologia constituiria o ponto de partida para uma "reflexão obsedante" sobre a questão da origem, consistindo o ofício dos gêmeos uma "resposta ao fantasma de retorno à origem". De modo geral, esta seria a visão partilhada nas apreciações da crítica especializada. Assim, para Dadoun, o filme descortinaria um "extraordinário efeito gynéco", que colocaria em cena o "fantasma originário do homem". O olhar "penetrante" e "fortemente instrumentalizado" que os gêmeos lançam ao interior do corpo feminino os remeteria ao "seu próprio interior", e desta feita, o que não passaria de uma "interrogação técnica, empírica" - "o que há dentro do corpo da mulher, ginecologicamente falando?" - transformar-se-ia em uma "interrogação filosófica primordial": "o que afinal o homem tem dentro do ventre?".( 36 36 Roger DADOUNIN, 1989, n. 337. )

Ao considerarmos essa indagação, vale a pena inverter os seus termos e questionar: já uma "interrogação técnica, empírica" acerca da especificidade da função reprodutiva masculina poderia se transformar em uma "interrogação filosófica primordial" acerca do feminino? Essa inversão soaria provavelmente um tanto bizarra ao crítico considerando-se não apenas a assimetria fundamental entre os sexos no plano da reprodução, como também o fato de que, na construção simbólica da diferença masculino/feminino, o primeiro é o termo não marcado que engloba o segundo. Nesse sentido, a análise empreendida por Fabíola Rodhen das teses apresentadas à antiga Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no transcorrer do século XIX, ilustra bem a atualização dessa simbólica no discurso médico; como nota a autora, enquanto a mulher figura nesses discursos como estando "eminentemente presa à função sexual/reprodutiva", o homem, ao contrário, não é concebido em função da reprodução.( 37 37 Fabíola ROHDEN, 2004. )

"Bev, ultrapassando a fronteira do incesto, penetra seu irmão".( 38 38 RAMASSE, 1989, p. 32. )

Pode-se dizer que essa observação, feita pelo crítico Ramasse ao descrever uma das últimas sequências do filme - na qual um gêmeo eviscera o outro e mira finalmente suas entranhas - se não destrinça o "mistério extremo e visceral da gemeidade", ao menos ilumina esse "segredo tão difícil de descobrir" que assombra os Mantle. Especialmente quando contraposta a uma observação do próprio cineasta ao comentar as inúmeras modificações realizadas na adaptação cinematográfica do romance:

Apesar de os autores terem declarado que o romance não tinha nenhuma relação com os gêmeos Marcus, e apesar de ser uma versão romanceada desse caso verídico, eu tinha a impressão de que o livro mostrava o que não deveria mostrar. Ele explorava possibilidades que eu me recusava considerar. Por exemplo, um dos gêmeos era homossexual. Além do mais, eles mantinham relações sexuais. Isso me parecia psicologicamente falso, não soava verdadeiro. Eu não acreditava nisso. Eu podia imaginar dois gêmeos homossexuais ou dois gêmeos heterossexuais, mas não essa distinção. E acrescentar a isso o incesto, aí já era demais, já era sensacionalismo.(39)

Como explicaria o diretor, a distinção homo/heterossexual introduzia, em sua ótica, uma diferença demasiado grande entre os gêmeos - "e eu estava fascinado pela semelhança, não pela diferença...", conforme admitiria.

O notável é que não obstante essa recusa categórica de "sensacionalismo", o motivo do incesto, no filme, aparece em filigrana desde o início na trama, ainda que transmutado em sua forma. De fato, do livro ao longa-metragem, assistimos a um significativo deslocamento na representação desta temática: enquanto, no primeiro, o incesto se concretiza por via direta, através de uma relação homossexual entre os irmãos, no segundo, ele ocorre mediante a partilha por ambos de um mesmo parceiro sexual, constituindo a atriz o termo mediador que opera a conjunção entre os gêmeos. Assim, ao "inventar" os seus gêmeos, o cineasta nos translada de um incesto de primeiro tipo em segundo grau em colateralidade - nesse caso homossexual, posto que a relação ocorre entre irmãos de mesmo sexo que, ademais, coabitaram simultaneamente a mesma matriz, forma extrema de cúmulo do idêntico -, para um incesto de segundo tipo também em segundo grau em colateralidade, por intermédio de terceiros. Em ambos os casos, se considerarmos o incesto nos termos propostos por Héritier, trata-se de um curto-circuito (o encontro, potencialmente perigoso, de substâncias idênticas) causado por propagação (o intercâmbio de fluidos) e contágio (os humores de um investindo e contaminando o outro).( 40 40 HÉRITIER, 1994. )

Embora transmutado no filme, o incesto continua o motivo central da trama: como vimos, a mulher que opera a mediação incestuosa entre os irmãos constitui o fator de desordem que causará a ruína dos gêmeos. Ao fazer com que as substâncias desses seres tão indistintos e solidários se toquem por seu intermédio, a atriz provoca um curto-circuito que suprime as já tênues fronteiras da alteridade que caracteriza a figura dos gêmeos em nossa tradição cultural. A singular conformação de seu útero, sob esse aspecto, condensa simbolicamente o indizível da relação gemelar: a trifurcação desse órgão, excessiva e estéril, desvela não apenas o incesto - o perigo de se encontrarem os dois na mesma (m)atriz - como também uma assimetria fundamental (três não é par, em princípio), que vai de encontro ao universo idealmente estático e simétrico dos gêmeos. Mais: se a trifurcação desse útero que opera a conjunção entre os gêmeos constitui uma negação da díade, é preciso convir que a sua esterilidade hiperbólica condensa simbolicamente a esterilidade dessa entidade especular que funciona socialmente como uma mônada. Nessa perspectiva, compreende-se melhor a observação do crítico Dadoun, para o qual o longa-metragem seria "prenhe" de esterilidade:

O filme é prenhe, se ouso dizer, de esterilidade: esterilidade do duo fraterno, autárquico; esterilidade superlativa da atriz, que tem um útero com três entradas e não pode gerar; esterilidade das clientes, que consultam por essa razão (e um dos irmãos confessa seu horror à obstetrícia, que concerne o nascimento); esterilidade dos instrumentos, deslocados de sua função para se transformarem seja em objetos estéticos, seja em utensílios de morte...(41)

Não por acaso, de seu ponto de vista à questão "o que afinal o homem tem dentro do ventre?", enunciada em sua apreciação da obra, o filme avançaria uma sombria resposta: "ilusão ou vazio".

4 Epílogo

Uma mulher, dois irmãos e um útero trifurcado, pois - e irremediavelmente estéril.

Em Gêmeos, mórbida semelhança, efetivamente, a esterilidade diz algo mais sobre essa gemeidade que procura, no universo fantasmático do incesto, congelar o tempo e deter o fluxo contínuo das gerações.( 42 42 O incesto responderia a um desejo de imortalidade 'para si', e não, como no culto aos ancestrais, que celebra na sucessão das gerações a memória dos antepassados, de imortalidade 'em si'. Para satisfazer imediata e não mediatamente o desejo de imortalidade, haveria duas soluções, segundo Héritier (2000): a dos mitos - "que seja o de Édipo, que expõe seu filho, isto é, que o renega para conjurar a morte, ou o de Cronos, que come seus filhos à medida que os engendra a fim de curto-circuitar a fuga do tempo e de eludir a morte" - ou então a passagem propriamente dita ao ato incestuoso - "que significa guardar a criança em seu seio para que ela não cresça jamais, para que não seja prometida à morte e proteja por tabela seus pais" (guardar indefinidamente a criança para si ou, como ocorre com nossos heróis, prolongar indefinidamente a infância, sem procriar). A segunda opção, que materializa perigosamente o fantasma que anima tantos mitos, romances e filmes, corresponderia, segundo nossos xamãs, a uma fantasia de morte. Cf. Jacques ANDRÉ, 2001; KEHL, 1990; e RAZON, 1996. )

Para Cronenberg - cineasta cujos filmes versariam, em sua ótica, sobre a questão da "identidade", de sua "fragilidade" - o motivo dos gêmeos explorado no filme constituiria uma variação sobre esse tema reivindicado como central em sua obra:

De fato, a questão da gemeidade recorta a da identidade e individualidade. Porque não somos nada mais do que nossos próprios corpos. Não podemos ser outra pessoa porque não podemos fisicamente ser outra pessoa, mesmo se somos o gêmeo de alguém. No entanto, existe apesar de tudo um laço, essa comunidade de corpo e de espírito [...].(43)

Em Gêmeos, mórbida semelhança, a incerteza quanto ao estatuto da identidade que evoca toda narrativa gemelar é exaustivamente explorada através da permutabilidade de posição efetuada por esses seres que, havendo coabitado a mesma matriz, partilham, mais do que quaisquer outros em nosso imaginário, essa "comunidade de corpo e espírito". "Quem é?", perguntaria a personagem feminina na penúltima sequência da trama. A pergunta fatídica não obteria resposta: ao escutar a voz da atriz ao telefone, sem saber o que responder, Beverly repõe o fone no gancho e retorna ao edifício, onde jaz o irmão.

Na última sequência do filme, vemos um gêmeo dobrado sobre si mesmo, em posição fetal, segurando nos braços o outro. Ao considerar esse melancólico final, pode-se dizer que o longa-metragem representa o "drama de uma paixão interdita", como definiria um crítico a trama, mas não, como supõe, "por causa de um irmão gêmeo" - e sim, justamente, por serem os gêmeos (esses "indivíduos escandalosamente idênticos", segundo expressão de Zazzo), um para o outro, o objeto dessa paixão.

A relação excessiva desses irmãos com si próprios, figurada pelo compartilhamento da mesma matriz excessivamente estéril, configura uma espécie de abuso de identidade: "aquele que se recusa teimosamente ao contato social é então retratado como um monstro e adquire, tal qual Narciso, os contornos de um ser que, de certa forma, se alimenta de si próprio".( 44 44 José Carlos Gomes da SILVA, 1989, p. 29. ) De fato, vivendo sob o signo do mesmo Bev/Elly funcionam em circuito fechado, se não como Jean-Paul de LesMétéores, que em seus "amores ovais" nutrem-se do próprio sêmen, ao menos procurando fundir-se na mesma matriz. Nessa paixão imoderada por si, se os heróis não se devoram em sentido próprio, como o rei de Camaaloth, que consome as próprias mãos, eles o fazem em sentido figurado: ao eviscerar o irmão, idêntico a si próprio, pode-se dizer que Beverly devora com os olhos suas próprias entranhas.

Ter uma relação incestuosa, segundo a definição dos Iqwaye, é fazer amor consigo mesmo.( 45 45 Bernard JUILLERAT, 2000, p. 405. ) Ao adicionar o mesmo ao mesmo, o incesto só saberia ser, simbólica e socialmente, estéril. Nesse reino do mesmo, universo idealmente estático dos Mantle, o desejo de imortalidade espelha singularmente a morte: "há mármore e eternidade nos amores ovais, alguma coisa monótona e estática que se assemelha à morte", divagaria Jean-Paul em Les Météores.( 46 46 "Il y a du marbre et de l'éternité dans les amours ovales, quelque chose de monotone et d'immobile qui ressemble à la mort". )

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  • 1
    Nicole BELMONT, 1993.
  • 2
    Cf. Debora BREDER (2008), para uma análise de certos aspectos da trajetória social de David Cronenberg no campo cinematográfico e do contexto de produção e recepção desse longa-metragem. Salvo indicação contrária, os termos entre aspas duplas constituem categorias utilizadas pela crítica especializada. As traduções ao longo do texto foram realizadas pela autora deste.
  • 3
    David CRONENBERG, 1988.
  • 4
    Serge GRÜNBERG, 2000, p. 102.
  • 5
    Claudie VOISENAT, 1985, p. 136. Corresponderiam a esses três pares de gêmeos definidos por sua similitude e simbiose três formas de excesso - nos atos, na aparência e nas atitudes psicológicas -; três tipos de desordem - contra o poder divino, as leis da natureza e as regras do amor humano -; e três condenações à morte ministradas pela mão divina de Apolo, Artemis ou Merodis, todos os três, cabe notar, gêmeos dissociados e separados.
  • 6
    Em 1975, os gêmeos Stewart e Cyril Marcus, famosos ginecologistas que possuíam uma clínica para tratamento de infertilidade, foram encontrados mortos em seu apartamento em decorrência de uma overdose. O caso foi retratado no livro Twins (1977), de Bari Wood e Jack Geasland. O roteiro do filme, escrito pelo próprio Cronenberg e por Norman Snider, constitui uma adaptação livre desse romance.
  • 7
    CRONENBERG, 1989, p. 34.
  • 8
    CRONENBERG, 1988, p. 47.
  • 9
    Tais como Mulheres de Areia, novela de Ivani Ribeiro, na qual as gêmeas Ruth e Raquel (interpretadas pelas atrizes Eva Wilma - TV Tupi/1973 - e por Glória Pires - TV Globo/1993) disputam o amor de um mesmo homem; Paraíso Tropical, novela de Gilberto Braga, na qual as gêmeas Paula e Thaís (interpretadas pela atriz Alessandra Negrini - TV globo/2006-7) também se confrontam; ou Viver a vida, de Manoel Carlos, na qual os gêmeos antagônicos Jorge e Miguel (interpretados pelo ator Mateus Solano - TV Globo/2009), apaixonam-se pela mesma mulher.
  • 10
    Piers HANDLING e Pierre VÉRONNEAU, 1990, p. 154.
  • 11
    Chang e Eng, gêmeos xifópagos, nasceram em 1811, no antigo Sião, atual Tailândia, e faleceram em 1874, nos EUA. Chang faleceu em decorrência de uma pneumonia, e Eng poucas horas depois, enquanto aguardava a cirurgia que o separaria de seu irmão. Os "siameses" se tornariam célebres nos EUA e na Europa, constituindo não apenas um objeto de estudo para médicos e naturalistas, como também objeto de curiosidade pública em feiras e exposições, onde apresentavam um número burlesco no circo Barnum. Cf. Mylène HUBIN-GAYTE, 1998, p. 48-9.
  • 12
    Charles TESSON, 1989, p. 11.
  • 13
    Cf. René ZAZZO, 1960.
  • 14
    Victor TURNER, 1990, p. 54.
  • 15
    Géraldine POMPON e Pierre VÉRONNEAU, 2003, p. 126.
  • 16
    Danielle BOHLER, 1995, p. 233. Motivo específico à cultura medieval, a gemeidade metafórica constituiria uma nova representação sobre a gemeidade - fundada não na consanguinidade, mas constituída mediante a palavra empenhada em um pacto.
  • 17
    Françoise FRONTISI-DUCROUX, 1992, p. 248-49. Cf. também Bernard SERGENT, 1992, sobre a complementaridade entre gêmeos míticos indo-europeus cujas afinidades e/ou talentos opõem, por exemplo, o mundo celeste ao mundo terrestre, ou animais de guerra a animais de uso não militar etc.
  • 18
    CRONENBERG, 1989, n. 337, p. 38.
  • 19
    CRONENBERG, 1988, n. 66, p. 47.
  • 20
    François RAMASSE, 1989, p. 29.
  • 21
    Françoise HÉRITIER, 1996, p. 87. Ao analisar as representações sobre esta "etiqueta infamante" que denota transgressões, voluntárias ou não, Héritier observa que, nas mais variadas culturas, a esterilidade é espontaneamente declinada no feminino, revelando, por conseguinte, algo das relações de gênero.
  • 22
    HÉRITIER, 1996, p. 79.
  • 23
    Eliane VARGAS, 1999, p. 105.
  • 24
    Cf. HÉRITIER, 1996; Thomas LAQUEUR, 2001. Estas constituiriam as principais categorias na tradição cultural da Grécia Antiga, juntamente com as do seco/úmido: o masculino seria associado ao quente e ao seco, e o feminino ao frio e ao úmido. Nessas oposições cujos termos são diferentemente marcados, as diferenças transformam-se em valores: enquanto os humores frios e úmidos da mulher seriam relacionados à "mentira", à "mutação", à "instabilidade", os humores quentes e secos do homem o seriam à "honra", à "bravura", à "fortaleza geral de corpo e espírito".
  • 25
    Marie CEGARRA, 2004, p. 349.
  • 26
    CEGARRA, 2004, p. 350.
  • 27
    POMPON e VÉRONNEAU, 2003, p. 133.
  • 28
    Michel BEAUCHAMP, 1989, p. 75, grifos nossos.
  • 29
    CRONENBERG, 1989, n. 143. p. 11.
  • 30
    Claudie VOISENAT, 1985, p. 65.
  • 31
    Alfred ADLER, 1973.
  • 32
    Serge TCHERKÉZOFF, 1986, p. 91-113. Cf. HÉRITIER, 1996, p. 87 et seq. acerca da relação simbólica entre esterilidade-aridez-seca em oposição à umidade-fertilidade em diferentes cosmologias; e Luna, 2004, p. 77 et seq. quanto às metáforas que opõem imagens de umidade fecunda e aridez estéril nos discursos simbólicos sobre a esterilidade entre mulheres usuárias de serviços de fertilidade em hospitais do Rio de Janeiro e São Paulo.
  • 33
    Enclausuramento potencializado pela própria mise-en-scène, concebida para criar uma atmosfera asfixiante. A maioria das sequências foi filmada em interiores, com planos fixos e pouca profundidade de campo, o que reforça a sensação de confinamento das personagens. Há pouquíssimas cenas de exteriores e nenhum plano rodado com luz natural e câmera na mão. Tampouco há muitos planos gerais ou closes, predominando os planos próximos e médios, filmados com movimentos de câmera suaves. Como diria Cronenberg (STARFIX, 1988, n. 66) "[...] a claustrofobia está em toda parte. E isso conduz naturalmente a um efeito de encerramento, de aquário, com o sentimento de que monstros nos observam e nós os observamos". Nesta "estética do estreitamento", a montagem imprime um ritmo mais lento (em relação aos cânones hollywoodianos) - um ritmo que, em seu escoamento do tempo, intensifica a inexorabilidade da sorte reservada aos heróis.
  • 34
    CRONENBERG, 1988, n. 66. p. 47.
  • 35
    POMPON; VÉRONNEAU, 2003, p. 133.
  • 36
    Roger DADOUNIN, 1989, n. 337.
  • 37
    Fabíola ROHDEN, 2004.
  • 38
    RAMASSE, 1989, p. 32.
  • 39
    Michel CIMENT, 1989, p. 33, grifos nossos.
  • 40
    HÉRITIER, 1994.
  • 41
    DADOUN, 1989, p. 50.
  • 42
    O incesto responderia a um desejo de imortalidade 'para si', e não, como no culto aos ancestrais, que celebra na sucessão das gerações a memória dos antepassados, de imortalidade 'em si'. Para satisfazer imediata e não mediatamente o desejo de imortalidade, haveria duas soluções, segundo Héritier (2000): a dos mitos - "que seja o de Édipo, que expõe seu filho, isto é, que o renega para conjurar a morte, ou o de Cronos, que come seus filhos à medida que os engendra a fim de curto-circuitar a fuga do tempo e de eludir a morte" - ou então a passagem propriamente dita ao ato incestuoso - "que significa guardar a criança em seu seio para que ela não cresça jamais, para que não seja prometida à morte e proteja por tabela seus pais" (guardar indefinidamente a criança para si ou, como ocorre com nossos heróis, prolongar indefinidamente a infância, sem procriar). A segunda opção, que materializa perigosamente o fantasma que anima tantos mitos, romances e filmes, corresponderia, segundo nossos xamãs, a uma fantasia de morte. Cf. Jacques ANDRÉ, 2001; KEHL, 1990; e RAZON, 1996.
  • 43
    CRONENBERG, 1988, p. 46.
  • 44
    José Carlos Gomes da SILVA, 1989, p. 29.
  • 45
    Bernard JUILLERAT, 2000, p. 405.
  • 46
    "Il y a du marbre et de l'éternité dans les amours ovales, quelque chose de monotone et d'immobile qui ressemble à la mort".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2013
  • Revisado
    17 Dez 2014
  • Aceito
    05 Fev 2015
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