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Relatório da 3ª sessão do I Encontro Brasileiro de Publicações Feministas

DOSSIÊ

Relatório da 3a sessão do I Encontro Brasileiro de Publicações Feministas

Luiza Bairros

Universidade de São Paulo

Coordenadora: Simone Pereira Schmidt (REF, UFSC)

Apresentações:Leila Linhares (CEPIA),Fabiana Paranhos (ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), Jacira Melo (Instituto Patrícia Galvão), Adriana Buarque de Holanda (SOS Corpo),Vera Soares (AGENDE)

Debatedora: Miriam Pillar Grossi (REF, UFSC)

Relatora: Luiza Bairros (Conselho Editorial da REF)

As publicações geralmente são pensadas como parte de projetos desenvolvidos pelas organizações, não constituindo, portanto, um objetivo central da ação. Assim, projetos em áreas tais como saúde, direitos reprodutivos, violência, justiça e direitos humanos, e políticas públicas geram publicações de diferentes formatos, os quais são definidos de acordo com alguns objetivos específicos:

(i) visibilizar a pesquisa produzida pelas pessoas que compõem a ONG;

(ii) registrar a memória de iniciativas consideradas importantes;

(iii) reunir material para cursos de formação e de capacitação;

(iv) instigar o debate sobre gênero em áreas especificas;

(v) informar os movimentos populares e, particularmente, o movimento de mulheres.

De uma maneira geral, e a depender dos objetivos, os tipos de publicação poderiam ser classificados como:

(i) ferramentas - para facilitar e qualificar a ação dos indivíduos ou de organizações: cartilhas, guias, metodologias para oficinas, cursos, etc.;

(ii) registro de resultados - pesquisas e estudos, memória de seminários e oficinas: cadernos, livros (coleções);

(iii) acompanhamento da conjuntura: boletins impressos ou eletrônicos.

Cada um dos tipos pode ser periódico ou avulso, ou seja, quando não obedece a um planejamento prévio ou que não seja ligado a projetos de mais longo prazo da ONG.

Os Conselhos Editoriais são formados pelas pessoas que dirigem as ONGs e, em alguns casos, também incorporam pessoas do meio acadêmico ou de outras organizações. É importante notar que existe uma participação mais significativa de acadêmicas nas publicações das ONGs do que nas publicações acadêmicas. Ainda que desiguais, essas trocas resultam de relações que se formaram dentro dos movimentos de mulheres e feministas, reconhecidos como fundamentais para a existência de todas as publicações.

A existência de publicações periódicas força as ONGs a se qualificarem naquilo que fazem, contribuindo para renovar tanto os discursos como a intervenção. Isso, contudo, não significa que o processo de elaboração das publicações esteja se profissionalizando. São raros e isolados os casos de parceria com editoras comerciais, por exemplo, e parece não haver uma tendência no sentido de especializar pessoas apenas para o trabalho nessa área (revisão, acompanhamento de gráfica, etc.).

O que tem sido produzido pelas ONGs impressiona pela quantidade e variedade de formatos em que são publicados. Mas a surpresa de muitas com o que está sendo feito também aponta para o fato de que as produções são pouco conhecidas mesmo entre as que atuam no movimento de mulheres. As ONGs, embora até se encontrem, não se comunicam entre si.

Nesse sentido, esse Encontro é mais do que oportuno porque, além de possibilitar um balanço do que tem sido feito desde o início dos anos 1990, levanta preocupações de outra ordem, que vão além de um certo sentimento de heroísmo e do uso das publicações apenas para dar visibilidade às ONGs. Importa, portanto, assinalar questões que devem ser enfrentadas para romper o isolamento em dois níveis: entre as organizações do movimento de mulheres e em relação ao público em geral.

Problemas principais

A distribuição aparece em todas as falas como o problema central das publicações de ONGs. Isso envolve questões de custos de postagem, e atualização e abrangência das malas diretas (mesmos nomes constam de diferentes listas). Entretanto, é importante notar que os problemas de distribuição, embora mais aparentes, apenas escondem debilidades que estão colocadas desde o início e no meio do processo de elaboração de uma publicação.

O ponto de partida é entender o ato de publicar como ação política, que também exige profissionalização e que deveria ser realizado com base em um projeto editorial que envolva tanto a cartilha como o livro. Daí a necessidade de planejar dando conta de aspectos interligados que antecedem a distribuição, tais como:

- definição de pauta - existe uma carência generalizada de informação e de conhecimento dentro e fora dos movimentos sociais, mas não se sabe exatamente se os assuntos tratados são aqueles que a militância ou o público em geral gostaria ou necessitaria ter publicado. Ou seja, as publicações supõem necessidades, mas não há mecanismos que assegurem que elas estão sendo supridas;

- definição do público-alvo - necessidade de precisar melhor a quem as diferentes publicações são dirigidas. De acordo com algumas opiniões, o público potencial para as publicações, tal como são concebidas hoje, talvez não seja tão amplo como se imagina;

- avaliação - não há qualquer investimento na avaliação. Aqui não se trata de uma avaliação feita por quem produziu a publicação que, na maioria das vezes, tende a ser generosa com o trabalho que realizou com as melhores intenções. Trata-se, isto sim, de avaliar na ponta, entre as pessoas que supostamente consomem as publicações. Há instrumentos de avaliação utilizados na grande imprensa que, se adaptados, poderiam ser utilizados com proveito pelas ONGs. Dentro disso, também caberia considerar o que está sendo veiculado em termos de padrões estéticos. É preciso avaliar até que ponto as publicações têm sido capazes de comunicar uma estética feminista;

- divulgação - é preciso criar interesse pelas publicações. Como isso tem sido feito? Como a questão da saturação da informação em certos meios pode dificultar a divulgação?

Todos esses aspectos devem ser incluídos no orçamento de projetos que envolvam publicações. O que leva à questão do financiamento. A maioria das publicações depende de um limitado número de agências internacionais, particularmente da Fundação Ford, Fundação MacArthur, NOVIB, FNUAP e UNIFEM. Isso pode torná-las vulneráveis em caso de corte ou redirecionamento da ajuda internacional para outras regiões ou temáticas, ao mesmo tempo que levanta questões quanto a exigências no uso de recursos que podem não corresponder aos interesses priorizados pelas ONGs.

Ao contrário do que ocorre com publicações acadêmicas financiadas pelo CNPq, as de ONGs não podem ser vendidas. Entretanto, em um quadro que parece anunciar a crescente diminuição do apoio internacional, é preciso, desde já, pensar formas alternativas de sustentabilidade das publicações. Por um lado, isso exigiria considerar um caráter mais comercial, o que inclui desde o contrato com livreiros (mesmo sabendo que as condições são desvantajosas), passa pela possibilidade de regularização de periodicidade para poder garantir assinaturas, e vai até a parceria com empresas, no contexto de crescimento do debate sobre responsabilidade social. Por outro lado, implicaria a necessidade de explorar melhor as parcerias entre ONGs e entre estas e os núcleos acadêmicos. Desse ponto de vista, a sustentabilidade também envolve o fortalecimento do diálogo entre todas as organizações que publicam, a fim de que se possa definir um projeto coletivo. Isso pode ser mais difícil para as que atuam no meio acadêmico, mas deveria ser encarado como propósito para o movimento de mulheres, especialmente diante da iminência de escassez de recursos internacionais.

Na linha das preocupações com a sustentabilidade, cabe ressaltar a experiência da ANIS, que na sua área de Informação criou uma editora, a LetrasLivres, que busca alternativas para a atuação comercial no contexto de uma ONG, que se caracteriza por não ter fins lucrativos.

Propostas de ação conjunta

- Divulgar cronogramas de publicações via lista de discussão.

- Estimular a formação de parcerias nas edições.

- Formar um pool para avaliação das publicações.

- Participar da Feira do Livro proposta pelo SOS Corpo, assim como de outras feiras já consagradas, como a de Porto Alegre, a de Ribeirão Preto e a Bienal do Livro.

- Explorar melhor as possibilidades de uso da internet, acoplando, sempre que possível, essas iniciativas a outras de capacitação de mulheres no uso de produtos disponíveis em meio eletrônico.

- Pensar um projeto para uma publicação compatível com a venda em bancas de revista, tendo em vista suprir a ausência de publicações para os segmentos populares.

- Traduzir os temas tratados nas publicações para veiculação em outros meios mais acessíveis para a maioria das mulheres, como o rádio.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
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