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Salário, câmbio e a competitividade das exportações brasileiras

Wages, exchange and competitiveness in the Brazilian exports

RESUMO

O objetivo deste artigo é investigar empiricamente o papel dos salários nas exportações brasileiras no período de maior preocupação com o front externo, i. e., entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1980. Descobrimos que os salários têm contribuído para que nossas exportações cheguem aos mercados externos.

PALAVRAS-CHAVE:
Balança comercial; política industrial; determinação dos salários

ABSTRACT

The aim of this paper is to investigate empirically the role of wages on Brazilian exports over the period of major concern with the external front, i. e., between the late 1960s and mid-1980s. We found that wages have contributed to our exports getting in the external markets.

KEYWORDS:
Trade balance; industrial policy; wages determination

1. INTRODUÇÃO

Do final da década de 60 até, pelo menos, 1985, as autoridades brasileiras se ocupavam quase que exclusivamente com o front externo. A estratégia era produzir crescentes superávits na balança comercial. Limitou-se as importações através da instituição de cotas, de controles cambiais, de leis de compra de produtos nacionais, entre outras medidas. As exportações, por outra parte, recebiam incentivos de toda sorte, inclusive da política salarial praticada no período - o governo monitorava os salários para que crescessem menos que os preços (Lozardo, 1987LOZARDO, E. (1987) “Déficit público e política cambial”. In E. Lozardo (org.) Déficit Público Brasileiro: política econômica e ajuste estrutural, Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 37).

Os findings de Braga et al. (1985BRAGA, H.C.; CASTELO BRANCO, F.; MALAN, P. (1985) “Balança comercial, preços relativos e a relação câmbio/salário no Brasil: 1973/83”, Pesquisa e Planjamento Econômico, nº 15, pp. 73-106.), por exemplo, não confirmam que os salários jogaram um papel-chave na determinação das exportações brasileiras nesse período. Este artigo, por outro lado - a partir de uma equação obtida da solução do problema de maximização de lucros por empresas competitivas, com uma função de produção que exibe rendimentos constantes de escala, para uma economia aberta-, mostra que não se pode rejeitar o fato de que os salários praticados nas últimas décadas favoreceram a competitividade do comércio no exterior, propiciando uma maior penetração das exportações brasileiras nos mercados internacionais, que, por sinal, no período 1965- 1985, superaram a performance do comércio mundial, Tabela 1.

TABELA 1
Taxa de Crescimento Real Médio das Exportações: Brasil e Mundo 1965-1985

O artigo se divide em quatro seções. A seção que se segue apresenta o modelo teórico que respalda a análise. Na terceira seção, discute-se os resultados obtidos com a estimação desse modelo. E, finalmente, a última seção contém comentários finais.

2. SALÁRIO E CÂMBIO: RELAÇÃO TEÓRICA

Suponha uma economia que produza um único produto Y, empregando capital K, mão-de-obra N e insumos importados M, de acordo com a função de produção de curto prazo:

[1] Y = K M α N β ;

onde a e b são, respectivamente, constantes que nos informam sobre a importância relativa da matéria-prima importada e do trabalho no processo produtivo. O fator K engloba os efeitos do estoque de capital e da tecnologia conhecidos.

Tomando o logaritmo de [1] obtemos:

[2] y = k + α m + β n ;

onde, por exemplo, y = logeY.

Designemos por W o salário nominal, P* o preço em moeda estrangeira do insumo importado; E a taxa de câmbio nominal e P o preço do produto doméstico.

O lucro da empresa é a diferença entre receita e custo. As condições de maximização de lucro num mercado competitivo exigem (em logaritmos):

[3] e + p * p = l o g α + y m ;

[4] w p = l o g β + y n .

Combinando as equações [3] e [4] com a função de produção [2] e arrumando os termos para conseguir:

1 1 Esta equação pode ser vista como uma função de oferta para uma economia aberta.

[5] ( e + p * p ) = c - 1 a + b c - 1 ( p w ) c - 1 y ; o u

[5a] e = c - 1 a + b c - 1 ( p w ) c - 1 y ;

onde a = (k+αlogα+βlogβ)+ {1 (α+β)},b = ~+ {1 (α+β)}e c = α÷ {1 (α+β)}.

Os determinantes da taxa de câmbio real e são real things e aumenta, ou deprecia quando os salários reais caem. As exportações, se respondem positivamente aos movimentos da taxa de câmbio real, beneficiam-se com a queda dos salários reais. Há inúmeras evidências que mostram que as exportações brasileiras respondem positivamente às variações em e (ver e.g.Garcia & Martner, 1989GARCIA, E. & MARTNER, R. (1989) Modelo MACROBRAS II, Comissão Econômica para América Latina e Caribe, CEPAL, mimeo. e Zini Jr., 1993ZINI JR., A. (1993) Taxa de câmbio e política cambial no Brasil. São Paulo, Edusp., capítulo 3).

3. SALÁRIO E CÂMBIO: RELAÇÃO EMPÍRICA

O modelo que estimamos é do tipo correção-de-erros, ECM:

[6] Δ ε = a 0 a 1 Û - 1 + d e f a s a g e n s [ Δ ( p w ) , Δ y ] + Z ;

onde ∆ é o operador de primeira diferença, Û -1 é o resíduo defasado da regressão de e em (p-w), y e um termo constante e Z é um ruído branco.

Isso porque a taxa real de câmbio, o salário real e o produto real, são variáveis não-estacionárias, como já demonstrado por Pereira (1988PEREIRA, P. L. V (1988) “Co-integração: uma resenha com aplicações a séries brasileiras”. Revista de Econometria, nº 2, pp. 7-29.) e Rocha (1995ROCHA, C. H. (1995) “Sobre a função demanda por importações: o caso do Brasil”. Archétypon, nº 10, pp. 87-94.) e, também, porque são cointegradas, como indicado abaixo.

As séries utilizadas foram anuais, período 1965- 1985. A amostra abrange boa parte do período em que o governo brasileiro mais se ocupou com o front externo. A taxa de câmbio foi construída a partir das séries: taxa média de câmbio nominal cruzeiro-dólar; e índices de preços no atacado nos Estados Unidos e no Brasil. Foram empregadas duas séries de salários: índice do salário industrial (equação I, Tabela 2); e índice do salário mínimo (equação II, Tabela 2).2 2 Essas séries, inclusive a série do produto potencial, foram extraídas de Garcia & Martner (1989).

TABELA 2
Δ ε = a 0 a 1 U ^ - 1 + a 2 Δ ( p w ) a 3 Δ y - 2 + Z

A Tabela 2 apresenta os resultados da estimação da equação [6], por mínimos quadrados simples. Da estatística R2, constata-se que a aderência do ECM aos dados é relativamente melhor quando usado o índice do salário industrial. O sinal do coeficiente a 2 de Δ(p-w) foi o esperado e revelou-se estatisticamente significativo a 5% e 10%. O coeficiente a3 da variável Δy-2 apresentou sinal correto, porém é significante apenas na equação I. A significância do coeficiente a 1 indica que as variáveis ε, (p-w) e y são cointegradas, validando a equação [6].

η1 é a estatística de Godfrey para se testar correlação serial dos resíduos de primeira ordem, cuja distribuição é uma F(1,13)” η2 é a estatística de RESET de Ramsey para se testar a forma funcional, cuja distribuição é uma F(1,16) Pelos valores destas estatísticas não se pode rejeitar que os resíduos de ambas equações sejam independentes e que a forma funcional esteja correta.3 3 O valor crítico, a 5%, da distribuição F com 1 e 13 graus de liberdade é 4,67 e com 1 e 16 graus de liberdade é 4,49.

Pode-se dizer, então, que entre 1965 e 1985 os salários explicaram os movimentos da taxa cambial e contribuíram para o desempenho das exportações brasileiras nesse período, dado que as exportações variam com a taxa real de câmbio. Ainda que o período amostral tomado aqui seja relativamente pequeno, os resultados não são desprezíveis.

4. COMENTÁRIOS FINAIS

O objetivo deste artigo foi analisar o papel dos salários na expansão das exportações brasileiras durante o período em que o governo mais se ocupou com a frente externa, que vai desde o final da década de 60 até meados dos anos 80. Conclui-se que os baixos salários ajudaram as exportações brasileiras a penetrar nos mercados internacionais.

A redução dos salários reais possibilitou o incremento na compra de nossos produtos por estrangeiros, mas deixou parcela expressiva da população brasileira empobrecida. Hoje, algo inaceitável. Organizações internacionais no mínimo franzem as sobrancelhas para o uso de tal subterfúgio - elevar a competitividade nos mercados mundiais às custas do empobrecimento da classe assalariada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BRAGA, H.C.; CASTELO BRANCO, F.; MALAN, P. (1985) “Balança comercial, preços relativos e a relação câmbio/salário no Brasil: 1973/83”, Pesquisa e Planjamento Econômico, nº 15, pp. 73-106.
  • GARCIA, E. & MARTNER, R. (1989) Modelo MACROBRAS II, Comissão Econômica para América Latina e Caribe, CEPAL, mimeo.
  • LOZARDO, E. (1987) “Déficit público e política cambial”. In E. Lozardo (org.) Déficit Público Brasileiro: política econômica e ajuste estrutural, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • PEREIRA, P. L. V (1988) “Co-integração: uma resenha com aplicações a séries brasileiras”. Revista de Econometria, nº 2, pp. 7-29.
  • ROCHA, C. H. (1995) “Sobre a função demanda por importações: o caso do Brasil”. Archétypon, nº 10, pp. 87-94.
  • ZINI JR., A. (1993) Taxa de câmbio e política cambial no Brasil. São Paulo, Edusp.
  • 1
    Esta equação pode ser vista como uma função de oferta para uma economia aberta.
  • 2
    Essas séries, inclusive a série do produto potencial, foram extraídas de Garcia & Martner (1989GARCIA, E. & MARTNER, R. (1989) Modelo MACROBRAS II, Comissão Econômica para América Latina e Caribe, CEPAL, mimeo.).
  • 3
    O valor crítico, a 5%, da distribuição F com 1 e 13 graus de liberdade é 4,67 e com 1 e 16 graus de liberdade é 4,49.
  • 4
    JEL Classification: F14; J31; J38.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1997
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