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O processo legislativo revisional na política urbana e seus fundamentos: democracia e sustentabilidade

Resumo

Este artigo tem como tema a legislação urbanística, com análise da determinação exposta no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001, art. 40, § 3º) que trata da revisão periódica do Plano Diretor a cada dez anos. O problema do artigo é resumido da seguinte forma: O que é e quais são as relações entre o processo legislativo revisional e as diretrizes da política urbana de gestão democrática e do direito a cidades sustentáveis? E quais são suas possibilidades e limites para a política urbana? Os objetivos da pesquisa são relacionar tal característica com elementos específicos da dogmática jurídica urbanística e indicar a existência de um direito difuso ao processo legislativo revisional como instrumento de aprimoramento da política urbana, do que resulta a pertinência do reconhecimento do princípio do revisionismo legislativo. A pesquisa foi desenvolvida com a aplicação do método dedutivo e da técnica bibliográfica, relacionando as características do processo legislativo revisional com as teorias democráticas e o Direito Ambiental. Como resultado, verificou-se que o reconhecimento de tal vínculo apresenta-se fundamental para a compreensão das relações da legislação urbanística com a dinâmica temporal dos espaços urbanos, o respeito à deliberação democrática e ao planejamento sustentável.

Palavras-chave:
cidades sustentáveis; democracia; processo legislativo; planejamento urbano

Abstract

The article’s theme is urban legislation, with an analysis of the resolution from the City Statute (Law n. 10.257/2001) which deals with the periodic review of the Master Plan every ten years. The problem of the article is summarized as follows: What is the revisional legislative process and how does it relate to the guidelines of urban policy for democratic management and the right to sustainable cities? And what are its possibilities and limits for urban policy? The objectives of the research are to relate this characteristic with specific elements of urban legal dogmatics and indicate the existence of a diffuse right to the revisional legislative process as an instrument for improving urban policy instruments. The research was developed with the application of the deductive method and bibliographic technique, relating the characteristics of the revisional legislative process with democratic theories and Environmental Law. As a result, it was found that the recognition of such a link is fundamental for understanding the relationships between urban legislation and the temporal dynamics of urban space, respect for democratic deliberation, and sustainable planning.

Keywords
democracy; legislative process; sustainable cities; urban planning

Resumen

El tema de este artículo es la legislación urbanística, analizando la determinación establecida en el Estatuto de la Ciudad (Ley n.10.257/2001, art. 40, § 3) que trata de la revisión periódica del Plan Director cada diez años. El problema del artículo se resume de la siguiente manera: ¿Cuál es la relación entre el proceso legislativo revisional y las directrices de política urbana de la gestión democrática y el derecho a ciudades sostenibles? ¿Y cuáles son sus posibilidades y límites para la política urbana? Los objetivos de la investigación son relacionar tal característica con elementos específicos de la dogmática jurídica urbana e indicar la existencia de un derecho difuso al proceso legislativo revisional como instrumento de mejora de la política urbana, lo que se traduce en la pertinencia de reconocer el principio del revisional legislativo. La investigación se realizó utilizando el método deductivo y la técnica bibliográfica, relacionando las características del proceso legislativo de revisión con las teorías democráticas y el derecho ambiental. Como resultado, se constató que el reconocimiento de ese vínculo es fundamental para comprender la relación entre la legislación urbana y la dinámica temporal de los espacios urbanos, el respeto a la deliberación democrática y la planificación sostenible.

Palabras clave:
ciudades sostenibles; democracia; proceso legislativo; planificación urbana

Introdução

Esta pesquisa é desenvolvida em campo interdisciplinar que envolve o Direito Urbanístico, as Teorias Democráticas e o Direito Ambiental. Nesse contexto, este trabalho tem como tema a legislação urbanística, com foco no estabelecimento de prazos máximos para que sejam feitos processos legislativos revisionais no Plano Diretor e em suas leis correlatas.

Trata-se de uma característica rara quando o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) estabelece prazos revisionais para as normas vigentes, diferentemente da regra do Direito Público, segundo a qual as leis são elaboradas com a observância de técnicas legislativas de generalidade, que visam a sua permanência no tempo, de modo que uma lei é revogada apenas se for incompatível com a norma posterior ou haja previsão devidamente expressa sobre isso.

A partir disso, é possível apresentar a seguinte formulação do problema principal e dos problemas acessórios deste artigo: o que significam e quais são as relações entre os processos legislativos revisionais, as diretrizes de gestão democrática e a garantia do direito a cidades sustentáveis? Quais são as possibilidades e os limites dessa característica para a política urbana brasileira após a Constituição Federal de 1988? É possível reconhecer o processo legislativo revisional como um direito de natureza difusa com vistas à proteção da ordem urbanística?

Como hipótese considera-se que as diretrizes de política urbana previstas no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001, art. 2), tais como a gestão democrática e a garantia do direito a cidades sustentáveis, podem ser reconhecidas como fundamentos desses processos legislativos revisionais, que são singulares ao campo do Direito Urbanístico. Acrescenta-se a isso que os processos legislativos revisionais precisam ser destacados em sua especificidade, da qual resulta a pertinência do reconhecimento do direito aos processos legislativos revisionais como um direito de natureza difusa.

Visando à explicação de tais hipóteses, no decorrer deste trabalho apontar-se-á que a relação entre o processo legislativo revisional e a diretriz da gestão democrática implica a pertinência do reconhecimento do vínculo do Direito Urbanístico com as teorias democráticas contemporâneas, com destaque para as que se referem às sociedades pluralistas, que concebem as instituições contemporâneas como modelos de gestão da incerteza no processo de tomada de decisão.

Posteriormente, a pesquisa apresentará as diretrizes da política urbana de garantia do direito a cidades sustentáveis e do planejamento sustentável, expondo-as como fundamentos e justificativas da necessidade de revisão periódica da legislação urbanística, sobretudo pela característica intergeracional que é inerente ao conceito de sustentabilidade.

Por fim, proposto o reconhecimento dessas duas diretrizes, presentes no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), como fundamentos do processo legislativo revisional, destacar-se-á a instituição do dever de revisão periódica do Plano Diretor e legislação correlata como um direito de natureza difusa necessário à proteção da ordem urbanística.

A justificativa para tal empreendimento resulta dos seguintes fatores: o primeiro de viés sociológico; o segundo refere-se ao desenvolvimento da pesquisa nas áreas do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental; e, por fim, com relação aos modelos institucionais possíveis nos regimes democráticos. Do ponto de vista sociológico, destaca-se que o Direito brasileiro é caracterizado como positivista, e não é incomum a ocorrência de situações nas quais a redação da norma jurídica se confunde com a sua efetivação, o que também acontece no campo do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental, sendo pertinentes as análises que apontam os desafios para a efetivação de conteúdos normativos já dispostos na legislação. Por fim, uma justificativa institucionalista indica a necessidade de a literatura se deparar com desafios decorrentes da normatividade democrática. Assim, à medida que a legislação urbanística dispõe tais diretrizes gerais supracitadas, tornam-se necessárias as análises sobre os desdobramentos desses postulados na legislação urbanística.

Assim, na primeira parte deste trabalho, serão expostos os processos legislativos revisionais e os princípios jurídicos do Direito Urbanístico. Em seguida, haverá uma correlação entre essa característica e as diretrizes gerais de gestão democrática e a garantia a cidades sustentáveis, como estratégia de melhor fundamentação e reflexão para o aperfeiçoamento da política urbana.

1 Processos legislativos revisionais e princípios do direito urbanístico

A revisão periódica do Plano Diretor e de instituições correlatas encontra-se diretamente associada às relações da legislação urbanísticas com as diretrizes da gestão democrática e a garantia a cidades sustentáveis. Além de ser relevante o reconhecimento desse vínculo, isso pode potencializar a identificação do processo legislativo revisional como um direito de natureza difusa e ressaltar a sua contribuição para maior legitimidade democrática e adequação ambiental da legislação urbanística.

A questão trata de um ponto fundamental ao direito e à democracia, com relação ao processo de tomada de decisão e a passagem do tempo, elemento que dificulta decisões definitivas e peremptórias por parte da geração do presente, em consideração do risco desse fato ocasionar a supressão da possibilidade revisional dessas decisões pelas gerações futuras ( Santos; Oliveira, 2022 SANTOS, S. M.; OLIVEIRA, C. L. Pré-compromisso constitucional e democracia: uma análise conceitual a partir das obras de John Elster, Stephen Holmes e Jeremy Waldron. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 38, n. 1, p. 214-232, jan./jun. 2022. Disponível em: https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/471/360 . Acesso em: 5 dez. 2023.
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; Consani, 2018CONSANI, C. F. O paradoxo da democracia constitucional: uma análise da tensão entre o direito e a política a partir da filosofia política e constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. ).

A determinação legislativa de revisão periódica do Plano Diretor e da legislação correlata precisa ser concebida como um desafio aos legisladores e aos juristas, com vistas ao aperfeiçoamento dessas legislações. Nesse ponto, torna-se pertinente a concepção difundida por Schumpeter ( 2017Schumpeter, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Unesp, 2017. ), que reconhece a democracia como um método político, um arranjo institucional para chegar a decisões políticas, do que resulta a pertinente questão colocada pelo autor. Se todo o poder emana do povo por determinação constitucional, “como é tecnicamente possível o povo governar?” ( Schumpeter, 2017, p. 333Schumpeter, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Unesp, 2017. ).

O tema proposto possibilita a análise para além da generalidade do formalismo previsto no texto constitucional e no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), e enfoca os necessários modelos institucionais que precisam ser desenvolvidos para a implementação daquele conteúdo previsto genericamente. Ora, entre as formulações teóricas da gestão democrática das políticas urbanas e as técnicas legislativas e administrativas para a sua implementação pode haver inúmeros riscos que apenas uma análise cuidadosa será capaz de destacar ( Bucci, 2021BUCCI, M. P. D. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. ).

A questão formulada também remete à necessidade de uma mudança de perspectiva na análise do processo legislativo, a ser concebido para além de um conjunto de procedimentos, mas como âmbito institucional de interação entre a Sociedade Civil e os órgãos estatais, que contêm em sua pluralidade fenômenos indicativos de disputas sobre projetos a respeito da cidade, bem como soluções alcançadas, ainda que temporárias. Assim, fica a questão: como equacionar tal postulado de revisão legislativa periódica com os princípios do Direito Urbanístico?

Silva ( 2018SILVA, J. A. Direito urbanístico brasileiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. ) aponta a existência dos seguintes princípios do Direito Urbanístico: 1) princípio de que o urbanismo é uma função pública; 2) princípio da conformação da propriedade urbana; 3) princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas; 4) princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanização; e 5) princípio da justa distribuição e dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística.

Nesta pesquisa será feita a proposta de reconhecimento de um princípio do Direito Urbanístico, o princípio do revisionismo legislativo. Trata-se de um postulado normativo que estabelece critérios de legitimidade democrática e adequação ambiental ao processo legislativo revisional, de modo a diferenciá-lo dos outros, em consideração das suas especificidades e dos seus fundamentos. 1 1 O debate propositivo que se pretende iniciar no texto diz respeito à pertinência do reconhecimento do processo legislativo revisional como uma espécie de processo legislativo especial. Um exemplo que também encontra tratamento diferenciado no ordenamento jurídico brasileiro é o processo legislativo das leis orçamentárias, no qual considera-se que o processo legislativo revisional da legislação urbanística também deveria receber tratamento processual diferenciado.

Considerando o elenco apresentado por Silva ( 2018SILVA, J. A. Direito urbanístico brasileiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. ), certamente a análise se aproxima do denominado princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, cuja eficácia encontra-se basicamente em conjuntos normativos (procedimentos), não em normas isoladas. Ainda que o princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas seja correlato ao debate em exposição, acredita-se haver especificidades de caráter institucional, dogmático e procedimental que justificam a pertinência do reconhecimento de um princípio fundante à parte, distinto dos já existentes.

No mesmo sentido, no elenco apresentado por Oliveira Filho ( 2006OLIVEIRA FILHO, J. T. A dimensão jurídico-normativa e constitucional da regulação urbanística: elementos para a caracterização do Direito Urbanístico Constitucional. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 1, n. 2, p. 57-78, 2006. ), são dispostos os seguintes princípios do Direito Urbanístico: interdisciplinaridade; defesa da doutrina igualitarista; especialidade das suas normas; democratização dos seus procedimentos; mobilidade de suas normas; compromisso com o meio ambiente; caráter discriminatório e desigualitário do planejamento urbano; e complexidade das normas jurídicas.

Destaca-se o princípio da mobilidade das normas de Direito Urbanístico, que certamente converge com o debate agora proposto, sem que as duas expressões possam ser consideradas sinônimas, visto que o princípio da mobilidade proposto por Oliveira Filho ( 2006OLIVEIRA FILHO, J. T. A dimensão jurídico-normativa e constitucional da regulação urbanística: elementos para a caracterização do Direito Urbanístico Constitucional. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 1, n. 2, p. 57-78, 2006. ) se encontra mais relacionado à possibilidade de mudança das leis urbanísticas do que, necessariamente, às diretrizes da gestão democrática e do direito à garantia a cidades sustentáveis.

Assim, de modo propositivo, este artigo pretende relacionar os processos legislativos revisionais determinados pela legislação urbanística com as diretrizes gerais de gestão democrática e garantia a cidades sustentáveis, visando indicar que a necessidade de revisão periódica do Plano Diretor é uma singularidade desse campo do Direito, sendo tal identificação fundamental para a sua compreensão, bem como para o reconhecimento de suas possibilidades e de seus limites.

O princípio do revisionismo legislativo traz densidade normativa para os momentos de revisão da legislação urbanística, primeiro com relação à sua legitimidade democrática, depois com relação aos seus parâmetros de sustentabilidade, seja para a avaliação da legislação vigente, seja para projeções futuras. Não se trata, portanto, de mais uma aprovação legislativa ordinária, mas sim de uma revisão condicionada a um conjunto normativo amplo e criterioso, conforme será apresentado a seguir.

2 O processo legislativo revisional e a diretriz da gestão democrática da política urbana

A redemocratização brasileira trouxe a oportunidade inédita de participação popular no processo legislativo constitucional. De acordo com Bassul ( 2010 BASSUL, J. R. Estatuto da Cidade: a construção de uma lei. In: CARVALHO, C. S.; ROSSBACH, A. C. (org.). O Estatuto da Cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades, Aliança das Cidades, 2010. p. 71-90. Disponível em: https://www.citiesalliance.org/sites/default/files/CA_Images/CityStatuteofBrazil_Port_Ch5.pdf . Acesso em: 3 dez. 2023.
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), a Emenda Popular da Reforma Urbana foi uma das 83 emendas populares que atenderam às exigências regimentais e foram consideradas adequadas para votação no processo constituinte.

Tal emenda foi elaborada pela Federação Nacional dos Engenheiros, pela Federação Nacional dos Arquitetos e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, além de ter contado com a organização da Articulação Nacional do Solo Urbano, da Coordenação dos Mutuários do BNH e do Movimento em Defesa do Favelado. A emenda teve ainda o apoio de 48 associações locais ou regionais e obteve 131.000 assinaturas ( Bassul, 2010 BASSUL, J. R. Estatuto da Cidade: a construção de uma lei. In: CARVALHO, C. S.; ROSSBACH, A. C. (org.). O Estatuto da Cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades, Aliança das Cidades, 2010. p. 71-90. Disponível em: https://www.citiesalliance.org/sites/default/files/CA_Images/CityStatuteofBrazil_Port_Ch5.pdf . Acesso em: 3 dez. 2023.
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).

O resultado é que a Constituição Federal de 1988 foi pródiga com relação aos direitos urbanístico e ambiental, sendo inclusive denominada Constituição Verde. Foi ainda a primeira Constituição Brasileira a ter capítulo específico sobre política urbana e ambiental. Deve-se destacar que a discussão entre esses dois campos do Direito no Brasil sempre causou muita resistência política, sobretudo por incidir na regulação do instituto jurídico da propriedade.

Com isso, os movimentos sociais assumiram importante função na luta pela reforma urbana, passando a difundir esses conteúdos pelos diversos movimentos populares e segmentos sociais, bem como por meio do Fórum Nacional pela Reforma Urbana, para organização em universidades, ONGs e outras formas de mobilização social. O resultado legislativo desse debate foi instituído no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), legislação considerada um avanço por especialistas da área, sendo a lei dividida em dois pilares, um formado por uma natureza principiológica e de definição de diretrizes gerais, outro constituído de dispositivos de política urbana a serem instrumentalizados em cada município a partir de suas condições ( Maricato, 2017MARICATO, E. Impasses da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2017. ).

Desse modo, é possível assinalar que no Brasil o Direito Urbanístico tem relação intrínseca com a democracia, pois a pauta da reforma urbana foi um elemento agregador de esforços durante a transição democrática ocorrida na década de 1980, embora até hoje seja possível indicar dificuldades para a efetivação da legislação ambiental e urbanística ( Lopes; Di Bernardi, 2022 LOPES, G. B. D. B.; DI BERNARDI, J. C. Legislação ambiental e urbanística brasileira: conflitos ambientais dos grandes empreendimentos imobiliários em Florianópolis. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 19, n. 44, p. 209-229, maio/ago. 2022. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2286 . Acesso em: 10 out. 2022.
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; Santos; Morales, 2019 SANTOS, S. M.; MORALES, A. M. M. Gestão democrática da política urbana e cultura política não democrática: uma análise da aprovação do Plano Diretor de Florianópolis (2006-2009). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO, X, 2019. Anais […]. Palmas, 22 a 24 out. 2019. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/xcbdu/177206-gestao-democratica-da-politica-urbana-e-cultura-politica-nao-democratica\--uma-analise-da-aprovacao-do-plano-diret/ . Acesso em: 5 dez. 2023.
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; Dummel; Santos, 2018DUMMEL, M.; SANTOS, S. M. Direito à Cidade e movimentos sociais urbanos: reforma urbana e legislação urbanística no contexto da transição democrática. In: CARVALHO, C.; GRASSI, K.; SOBRINHO, S. F. C. G. Vidas urbanas e as vidas nas cidades: regramentos urbanos, ambientais, seletividade e violências. Caxias do Sul: Educs, 2018. p. 153-168. ).

Ao considerar esses elementos, faz-se pertinente a seguinte pergunta para o período posterior à Constituição Federal de 1988, em interpretação constitucionalmente adequada: que concepção de democracia é contributiva aos ditames do Direito Urbanístico? Isso porque o conceito de democracia é plurívoco, com grande variação de seus significados, de modo que, a depender do marco teórico adotado, a concepção de democracia para análise de tal diretriz da política urbana pode ser altamente variável.

Considerando o surgimento do Direito Urbanístico, marcadamente no século XX, e suas características inclusivas e igualitaristas, torna-se imperioso reconhecer sua relação direta com a concepção do Estado de Bem-Estar Social. Trata-se de um modelo no qual a disputa pela construção de consensos é inerente ao funcionamento das instituições políticas, pois o pluripartidarismo e a alta complexidade social dificultam decisões definitivas a respeito do bem comum ( Przeworski, 1994PRZEWORSKI, A. Democracia e mercado: no Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. ; Justen Filho, 2023JUSTEN FILHO, M. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2023. (e-book) ).

Nessa toada, faz-se necessário questionar: qual é a concepção de democracia predominante nesse modelo institucional? Visando a uma caracterização, é possível assinalar que a ampliação dos direitos políticos e sociais teve impacto na elaboração do conceito de democracia pluralista. Segundo Silva ( 2022, p. 143 SANTOS, S. M.; OLIVEIRA, C. L. Pré-compromisso constitucional e democracia: uma análise conceitual a partir das obras de John Elster, Stephen Holmes e Jeremy Waldron. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 38, n. 1, p. 214-232, jan./jun. 2022. Disponível em: https://revista.fdsm.edu.br/index.php/revistafdsm/article/view/471/360 . Acesso em: 5 dez. 2023.
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):

O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categoriais sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O problema do pluralismo está precisamente em construir o equilíbrio entre as tensões múltiplas e por vezes contraditórias, em conciliar a sociabilidade e o particularismo, em administrar os antagonismos e evitar divisões irredutíveis.

A ordem constitucional instituída no Brasil em 1988 é claramente influenciada pela concepção de democracia pluralista, sendo que de seu texto preambular e vários outros capítulos consta o princípio do pluralismo político como fundamento da república, sendo inclusive essencial no campo do Direito Urbanístico.

Neste trabalho, adotou-se como referencial teórico Przeworski ( 1984 PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 36-46, jul. 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5308723/mod_resource/content/1/03_ama_a_incerteza.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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), em artigo já clássico sobre o tema intitulado “Ama a incerteza e serás democrático”, o autor indica de que modo o regime democrático tem um elemento que lhe é referencial na incerteza dos participantes em relação aos resultados do processo decisório.

Numa democracia, os resultados do processo político são, em certa medida, indeterminados no que diz respeito às posições que os participantes ocupam no conjunto das relações sociais, incluindo as relações de produção e as relações políticas. […] O ponto saliente é que numa democracia ninguém pode ter a certeza de que seus interesses sairão vencedores em última instância

( Przeworski, 1984, p. 37 PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 36-46, jul. 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5308723/mod_resource/content/1/03_ama_a_incerteza.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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).

O trabalho de Przeworski ( 1984 PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 36-46, jul. 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5308723/mod_resource/content/1/03_ama_a_incerteza.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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) pode ser considerado um desdobramento de análises institucionalistas, com o acréscimo da identificação da gestão da incerteza como elemento característico dos regimes políticos democráticos. No entanto, a incerteza ora referida não é absoluta, mas restrita a um conjunto de resultados institucionalmente delimitados, sendo esse fator de previsibilidade dos resultados, ainda que incertos, que torna o modelo democrático atrativo para ser adotado por vários grupos políticos com posicionamentos distintos.

Assim, visando evitar uma intepretação exclusivamente formal da democracia e concebê-la de modo que esta seja passível de utilização para solução de questões complexas em sua operação, Przeworski ( 1984 PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 36-46, jul. 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5308723/mod_resource/content/1/03_ama_a_incerteza.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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) afasta-se de uma concepção substantiva de democracia, visto que isso inviabilizaria compromissos entre grupos com grande variedade entre si. Przeworski ( 1984, p. 38 PRZEWORSKI, A. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 36-46, jul. 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5308723/mod_resource/content/1/03_ama_a_incerteza.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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) explica ainda que “uma razão pela qual a democracia não pode ser resultado de um compromisso substantivo decorre tautologicamente da definição de democracia: numa democracia, os compromissos substantivos não vinculam as partes como num contrato”.

Nessa perspectiva, os atores políticos envolvidos tendem a cooperar com o regime político democrático, pois, em cálculo estratégico, eles consideram que é mais vantajoso contribuir com um regime sobre o qual não têm controle da decisão final que perder esse ganho procedimental que a institucionalidade democrática proporciona e aventurar-se por competições de força nas quais os resultados, além de incertos, podem ser absolutamente imprevisíveis.

Na análise de Przeworski ( 1994PRZEWORSKI, A. Democracia e mercado: no Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. ), as legislações demasiadamente substantivas perdem o potencial de atratividade dos vários atores políticos presentes em um regime democrático, isso porque invariavelmente a delimitação de políticas públicas em acordo ao interesse de determinado grupo remeteria aos grupos que lhes são oponentes para o não cumprimento dessas normas, ou à constante tentativa da alteração dessa legislação desde a sua publicação. Nesse sentido, uma perspectiva de consolidação da democracia para Przeworski ( 1994, p. 46PRZEWORSKI, A. Democracia e mercado: no Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. ) apresenta as seguintes características:

Uma democracia está consolidada quando, dentro de determinadas condições econômicas e políticas, um sistema específico de instituições torna-se regra geral, quando ninguém consegue imaginar-se agindo fora das instituições democráticas e quando tudo o que os perdedores desejam é tentar outra vez, no quadro das mesmas instituições sob as quais acabaram de ser derrotados. Uma democracia está consolidada quando se faz respeitar espontaneamente, isto é, quando todas as forças políticas relevantes acreditam que é melhor para elas continuar subordinando seus interesses e valores à interação incerta das instituições.

E qual a relação disso com o dever dos órgãos estatais na implementação dos processos legislativos revisionais (Lei n. 10.257/2011, art. 40, § 3º)? E a diretriz da gestão democrática para a política urbana prevista no art. 2º do Estatuto da Cidade?

As cidades são marcadas por altíssimo grau de pluralidade dos atores políticos que atuam na deliberação e implementação da política urbana. Sobretudo nas cidades brasileiras, que são caracterizadas por profundas desigualdades materiais, exclusões de todo o tipo dos grupos mais vulneráveis, e uma ampla gama de projetos sobre o futuro das cidades em disputa.

Nesse contexto urbano complexo e plural, as referências formais à gestão democrática se apresentam insuficientes para dar oportunidade às expectativas de legitimidade democrática da legislação urbanística. Isso porque a concepção de gestão democrática como diretriz da política urbana pode levar a crer na possibilidade de uma deliberação com formação de consenso majoritário a respeito das decisões fundamentais sobre a cidade ( Carvalho; Casimiro; Machado, 2023 CARVALHO, H. S.; CASIMIRO, L. M. S. M; MACHADO, R. R. C. Building sustainable cities along the dimensions of Democracy. Sequência, Florianópolis, v. 44, n. 93, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/92618 . Acesso em: 2 dez. 2023.
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).

Uma perspectiva adequada de gestão democrática inserida em sociedades capitalistas, desiguais, com formação tardia, alto grau de pluralismo e com uma legislação de forte cunho interventivo para a garantia dos direitos sociais básicos nos espaços urbanos, remete à necessidade de compreensão mais complexa da diretriz de gestão democrática da política urbana. Nesse contexto, o entendimento sobre a gestão democrática da cidade envolve a reflexão sobre as relações entre modelos institucionais e o conflito político, que é inerente em sociedades com tais características ( Miguel, 2017MIGUEL, L. F. Consenso e conflito na democracia contemporânea. São Paulo: Unesp, 2017. ).

Além da pluralidade dos atores políticos, dos interesses e das propostas em relação às cidades, também é importante destacar que o critério majoritário típico de regimes democráticos é caracterizado pela sua volatilidade. Isto é, se um projeto de cidade for aprovado em um Plano Diretor em 2023 por determinada maioria composta de alianças entre atores políticos específicos, este não será necessariamente mantido daqui a dez anos, em 2033, portanto, visto que essa correlação de forças poderá ser alterada.

Perante tamanha pluralidade, um projeto de cidade com forte cunho igualitarista pode ser derrotado por uma concepção mais próxima de uma cidade projetada para grandes eventos e mobilizada para receber investimentos do capital, sem que isso esteja vinculado à melhoria das condições de vida de seus moradores. Trata-se, portanto, de um risco inerente a um regime que se submete a deliberações majoritaristas ( Dahl, 2012DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. ).

Outra variável possível é uma alteração no comportamento das maiorias por decorrência do processo de aprendizagem e erro das decisões pretéritas. Assim, mesmo uma maioria que adota uma concepção de planejamento urbano instituído no Plano Diretor pode, no futuro, julgar equivocada sua decisão, ou esta apresentar consequências não previstas em um primeiro momento, o que resultaria a possibilidade desse consenso majoritário mudar seu posicionamento sobre determinada questão fundamental.

Com relação à política urbana no Brasil, também é necessário reconhecer que as cidades condensam em sua realidade espacial todos os reflexos de uma sociedade desigual, e disso resulta que o debate sobre a gestão democrática precisa considerar não apenas as maiorias presentes na deliberação, mas também identificar aquelas que serão afetadas por determinada política urbana. Torna-se necessário reconhecer que a desigualdade e a vulnerabilidade que assolam grupos sociais impedem a sua participação mais efetiva nos processos deliberativos, colocando sob suspeita a própria concepção majoritária de gestão democrática.

Assim, visando evitar gestões democráticas formais 2 2 Desde a implementação do Estatuto da Cidade, é possível identificar situações em que a Administração Pública municipal não apresentou condições de verificação do cumprimento da diretriz da gestão democrática no implemento da política urbana. Um caso emblemático ocorreu no município de Florianópolis/SC entre os anos de 2004 e 2018, em que a ausência de efetivação da gestão democrática foi causa de pedir ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de n. 5021653-98.2013.404.7200/SC ( Santos; Morales, 2019 ). ou deliberações majoritárias que apresentam uma pseudoparticipação ( Arnstein, 2002 ARNSTEIN, S. R. Uma escada da participação cidadã. Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação – PARTICIPE, Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 2, p. 4-13, 2 jan. 2002. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5122659/mod_resource/content/1/arnstein_uma_escada_da_participacao_cidada.pdf . Acesso em: 5 dez. 2023.
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), uma interpretação material da gestão democrática da política urbana implica a obrigação de a Administração Pública desenvolver metodologias que propiciem e estimulem a participação na elaboração das políticas urbanas por grupos com obstáculos formais ou materiais de acesso ao processo decisório.

Ao ter em vista esse objetivo, é importante destacar a existência de metodologias e desenhos institucionais que podem minorar as desigualdades sociais e de participação nos processos deliberativos da política urbana. Em importante trabalho analítico e comparativo, Fung ( 2004FUNG, A. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências. In: COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teorias democráticas e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: 34, 2004. p. 173-209. ) destaca opções institucionais disponíveis para a Administração Pública que impactam positivamente em caso de aumento de qualidade da deliberação política. Tais desenhos consideram o tamanho do grupo a implementar a deliberação, os conteúdos a serem debatidos e as formas de composição para a tomada das decisões mais relevantes.

A primeira consequência de tal implementação será um aumento da pluralidade de grupos representados no debate sobre política urbana, e junto a isso um aumento dos projetos de cidade a serem considerados. Outra consequência provável é o aumento da disputa política em torno do projeto de cidade vencedor desse processo legislativo, além dos conflitos resultantes dessa variedade de projetos.

É preciso enfatizar que em uma concepção de democracia pluralista que reconhece o conflito como um elemento que lhe é inerente, identificando que decisões fundamentais sobre a cidade não serão passíveis de um consenso majoritário, haverá consensos possíveis, com permanentes dissensos nesse processo deliberativo.

Se por um lado a aproximação do Direito Urbanístico das teorias democráticas pode parecer demasiadamente relativista, por outro o afastamento da concepção exclusivamente formal da diretriz da gestão democrática pode indicar importantes elementos de aperfeiçoamento das metodologias deliberativas sobre a política urbana, possibilitando um avanço em sua efetivação e maior prevenção de seus eventuais limites e riscos.

Nesse sentido, a identificação do processo legislativo revisional e do seu fundamento na diretriz da gestão democrática tem grande potencial de avanço na compreensão do Direito Urbanístico e das suas características, já que estabelece uma possibilidade de relação entre o desenho institucional legislativo e as características necessárias à ampliação da legitimidade e aperfeiçoamento da política urbana.

3 O processo legislativo revisional e a garantia do direito às cidades sustentáveis

Entre as diretrizes da política urbana, o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001, art. 2, I) dispõe sobre a garantia do direito a cidades sustentáveis. Conforme se pretende desenvolver, tal diretriz pode ser identificada como um fundamento da necessidade de revisão periódica do planejamento instituído na legislação urbanística. Nos termos do art. 2 ( Brasil, 2001 BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm . Acesso em: 2 dez. 2023.
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):

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

O objetivo deste tópico é destacar o conceito de cidade sustentável e apresentar seus elementos constitutivos como fundamentos do dever de revisão periódica do Plano Diretor, direcionado aos órgãos estatais, e direito de natureza difusa da sociedade civil.

O problema formulado pode ser resumido nos seguintes questionamentos: qual a relação entre a característica revisional da legislação urbanística e a garantia do direito a cidades sustentáveis? Quais são os aspectos positivos e negativos dessa relação no que se refere ao processo legislativo do planejamento urbano?

Segundo Choguill ( 2003CHOGUILL, C. L. Cidades sustentáveis e política urbana: considerações sobre a política urbana nacional no Brasil. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 67-82, 2003. ), o conceito de cidades sustentáveis é recente, o que dificulta a sua delimitação. Uma das fontes explicativas de tal formulação decorre da proximidade temática entre o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental, mesmo que isso não deva significar a possibilidade de transposição automática da ideia de sustentabilidade ambiental para o conceito de cidades sustentáveis.

Um marco no reconhecimento do princípio do desenvolvimento sustentável no Direito Ambiental foi o Relatório Brundtland , elaborado pela Comissão Mundial de Meio Ambiente, com publicação em 1987.

O conceito de desenvolvimento sustentável é encontrado em muitos tratados ambientais e em outros instrumentos, incluindo vários concluídos no período anterior à publicação do Relatório Brundtland em 1987. No entanto, o referido relatório é comumente visto como o ponto em que o desenvolvimento sustentável se tornou um amplo objetivo da política global e definiu a comunidade internacional no caminho que levou ao “direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável”

( SANDS et al. , 2012, p. 9 SANDS, P. et al. Principles of International Environmental Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. , tradução livre) 3 3 “The concept of sustainable development is found in many environmental treaties and other instruments, including several concluded in the period prior to the publication of the Brundtland Report in 1987. Nevertheless, the Brundtland Report is commonly viewed as the point at which sustainable development became a broad global policy objective and set the international community on the path that led to ‘international law in the field of sustainable development’” ( Sands et al. , 2012, p. 9 ). .

O Relatório Brundtland define desenvolvimento sustentável como “desenvolvimento que atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades” ( Brundtland et al. , 1987, p. 16 BRUNDTLAND, G. H. et al. Our common future: by world commission on environment and development. Oxford: Oxford University Press, 1987. ). O princípio da sustentabilidade tem como característica destacada o reconhecimento da limitação dos bens naturais disponíveis para a utilização e exploração humana. Nesse sucinto conceito há dois pontos que merecem uma análise detalhada, possibilitando a sua divisão em três partes, duas polarizadas no presente e uma terceira parte que diz respeito à eventual tensão do presente com relação ao futuro.

Contém dentro de dois conceitos: (1) o conceito de “necessidades”, em particular as necessidades essenciais dos pobres do mundo, às quais deve ser dada prioridade absoluta; e (2) a ideia de limitações impostas, pelo estado da tecnologia e organização social, à capacidade do ambiente de atender às necessidades presentes e futuras

( Sands et al. , 2012, p. 206 SANDS, P. et al. Principles of International Environmental Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. , tradução livre) 4 4 “It contains within it two concepts: (1) the concept of ‘needs’, in particular the essential needs of the world’s poor, to which overriding priority should be given; and (2) the idea of limitations imposed, by the state of technology and social organization, on the environment’s ability to meet present and future needs” ( Sands et al. , 2012, p. 206 ). .

O primeiro aspecto, isto é, a equação entre desenvolvimento e necessidade, pode apresentar obstáculos substantivos para a sua superação. Obviamente que o questionamento deve se dirigir à identificação dos destinatários desse desenvolvimento e, posteriormente, à resposta a esta importantíssima pergunta: a qual necessidade o conceito se refere?

A tensão entre desenvolvimento e necessidade é recorrente e se apresenta em várias esferas. O termo “desenvolvimento” está inserido no debate sobre desenvolvimento econômico, que tem nos bens naturais fontes de constante exploração. Vale destacar que a concepção de sustentabilidade não se encontra em oposição ao desenvolvimento, mas visa estabelecer-lhe limites e prudência na sua exploração. Os grupos que promovem o desenvolvimento, geralmente, não são coincidentes com os grupos que apresentam necessidades vitais em relação à natureza, pois existe nesse ponto uma tensão de caráter social e econômico. Se por um lado o princípio do desenvolvimento sustentável tem uma dimensão limitadora do desenvolvimento aos exploradores dos bens naturais, por outro os grupos caracterizados pela vulnerabilidade encontram no mesmo princípio de desenvolvimento sustentável a garantia de legitimidade para a exploração dos bens naturais para o suprimento das necessidades apresentadas.

A segunda parte existente no princípio do desenvolvimento sustentável diz respeito à polarização entre a exploração do presente e a garantia de que tais bens naturais também estarão disponíveis em relação ao futuro, expressamente prevista no art. 2 do Estatuto da Cidade. Trata-se do debate intergeracional, que identifica as futuras gerações como credoras do bem jurídico protegido, seja o meio ambiente, sejam as cidades sustentáveis. Justamente em função da sua característica intergeracional, o princípio do desenvolvimento sustentável não tem caráter definitivo, o que evita uma interpretação estanque do princípio do desenvolvimento sustentável, sob pena da interpretação do presente sequestrar possibilidades de interpretação do princípio pelas gerações futuras.

Aqui importa apresentar alguns elementos da noção de sustentabilidade no âmbito do Direito Ambiental. De acordo com Machado ( 2013, p. 71MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. ),

a noção de sustentabilidade funda-se em pelo menos dois critérios: primeiro, as ações humanas passam a ser analisadas quanto à incidência de seus efeitos diante do tempo cronológico, pois esses efeitos são estudados no presente e no futuro; segundo, ao se procurar fazer um prognóstico do futuro, haverá de ser pesquisado que efeitos continuarão e quais as consequências de sua duração.

Conforme exposição clara de Machado ( 2013MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. ), o princípio da sustentabilidade encontra-se diretamente relacionado ao transcorrer do tempo, pois a aferição da garantia de sustentabilidade precisa levar em consideração as relações entre o passado, o presente e o futuro. Além disso, cabe destacar que o conceito de sustentabilidade surgiu como referência ao uso prolongado no tempo de determinado bem, sem esgotar o seu potencial, sendo atrelado posteriormente à ideia de desenvolvimento sustentável, como um desafio a ser implementado pelas sociedades contemporâneas. Assim, segundo Machado ( 2013, p. 76MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. ), entende-se que:

O princípio do desenvolvimento sustentável é uma combinação de diversos elementos ou princípios: a integração da proteção ambiental e o desenvolvimento econômico (princípio da integração); a necessidade de preservar os recursos naturais para o benefício das gerações futuras (equidade intergeracional); o objetivo de explorar os recursos naturais de forma sustentável (uso sustentável) e, por último, o uso equitativo dos recursos (equidade intrageracional).

Como é possível perceber sobre o conceito supracitado, o princípio da sustentabilidade apresenta relação intrínseca com o conceito de intergeracionalidade, quando determinado bem jurídico é identificado como de titularidade das gerações presentes, bem como das gerações futuras. 5 5 Tal como no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), pesquisadores da área do Direito utilizam-se da expressão “cidades sustentáveis”. Por outro lado, urbanistas utilizam-se mais frequentemente da expressão “planejamento sustentável”, no sentido de evitar a conotação de uma cidade sustentável como algo pronto e acabado, para dar preferência ao conceito de planejamento sustentável como projeção da intervenção humana e estatal no espaço urbano a partir de uma programação que considerou a sustentabilidade na sua elaboração. Propriamente, o conceito de cidade sustentável foi, segundo Gomes e Zambam ( 2018, p. 324 ), instituído internacionalmente a partir das Conferências do HABITAT (I – Canadá/1976; II – Istambul/1996; III – Nova Yorque – Comitê preparativo/2001). O debate sobre intergeracionalidade tem significativa complexidade para o Direito e as teorias democráticas, pois há interesse em garantir o poder de decisão e de uso das gerações do presente. Em contrapartida, também deve haver o cuidado de que esse poder não seja utilizado de modo a suprimir a esfera deliberativa das gerações futuras, o que resultaria em inevitável prejuízo democrático.

E qual a relação entre o conceito de cidades sustentáveis, sustentabilidade e o dever de revisão do Plano Diretor dentro do lapso temporal definido em lei? A resposta passa pela dificuldade de definições peremptórias da política urbana, pois os parâmetros de sustentabilidade de decisão sobre o que venha a ser o direito a cidades sustentáveis precisam ser definidos a cada geração. Essa relação apresenta a necessidade de revisão periódica da legislação urbanística, tratando-se de uma característica peculiar de tal campo jurídico, de inegável sofisticação legislativa, mas que pode ensejar insegurança jurídica.

Se em um primeiro momento não houve conexão entre sustentabilidade e meio ambiente, depois tal aproximação foi notória, e assim ocorreu importante vínculo entre o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental, sobretudo no que se refere ao conceito de planejamento urbano sustentável, que considera as demandas atuais dos espaços urbanos e os aspectos intergeracionais como elementos a serem considerados na implementação da política urbana.

Todos os direitos relacionados ao desenvolvimento urbano, bem como o processo de formação de cidades sustentáveis, devem ter em vista não somente a geração presente, mas também, e principalmente, as gerações futuras. Em termos de ordem urbanística e da evolução das cidades, pode-se afirmar, sem receio de errar, que o presente voa, e em cada momento presente já se deve vislumbrar o futuro. O que serve para o presente possivelmente não servirá para o futuro. Essa é a necessidade de que o Poder Público anteveja a proteção de que também são merecedoras as gerações futuras, e isso só se faz, é óbvio, com um bom planejamento

( Carvalho Filho, 2013, p. 47–48CARVALHO FILHO, J. S. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 566 p. , adaptado).

No âmbito do Direito Urbanístico, a difícil relação entre desenvolvimento e sustentabilidade apresenta-se claramente quando a diretriz urbanística expõe a necessidade de garantia das cidades sustentáveis entendidas como aqueles espaços que ensejam o acesso ao direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as gerações presentes e futuras.

Aqui, outro conceito correlato e marcante é a noção de um desenvolvimento ecologicamente equilibrado, que é um típico conceito jurídico aberto e indeterminado, para que o intérprete possa fazer a devida adjudicação da realidade concreta para a norma ou os princípios jurídicos.

Ora, a locução ecologicamente equilibrada é um típico conceito jurídico indeterminado, concebido de forma ambígua para ensejar a maior plasticidade possível da norma, como instrumento de abertura constitucional. A inexatidão da norma é, portanto, funcional para que esta possa se adaptar às novas contingências técnicas, históricas e sociais. De qualquer sorte, essa indeterminação, ao contrário de conduzir o intérprete a uma paralisia, o torna um agente ativo na concretização do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois terá que identificar os valores que em cada situação se adequam ao preceito constitucional

( Rodrigues, 2009, p. 2.349RODRIGUES, G. A. Do meio ambiente. In: BONAVIDES, P.; MIRANDA, J.; AGRA, W. de M. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 2.343-2.369. , adaptado).

A expressão “ecologicamente equilibrado” tem a função de exemplificar o afastamento das certezas, pois é muito difícil definir qual é a prática considerada ecologicamente equilibrada de forma definitiva. Isso porque não é possível ignorar a passagem do tempo, como uma possibilidade de correção das análises anteriormente tomadas, além do surgimento de novos critérios analíticos que o debate científico e o desenvolvimento tecnológico podem ensejar.

A concepção de ambiente ecologicamente equilibrado serviu de fundamento para o desenvolvimento do princípio do desenvolvimento sustentável, cujo conceito pode ser identificado como uma derivação do objetivo de manutenção de uma relação entre o ser humano, a sociedade e a natureza de forma ecologicamente equilibrada para as atuais e futuras gerações.

No âmbito do Direito Urbanístico, o impacto do princípio da sustentabilidade não pode ser considerado adjetivo, ao contrário, o conceito exerce função principiológica e de diretriz fundante na legislação urbanística, justificando-se, assim, referência expressa no Estatuto da Cidade e impactos na necessidade de revisão periódica da legislação urbanística.

O princípio do desenvolvimento sustentável deve ser equacionado com o Direito à Cidade, pois a tensão entre o desenvolvimento e a necessidade de exploração do potencial da cidade apresenta exemplos específicos no âmbito do Direito Urbanístico, uma vez que a ausência de desenvolvimento pode ser fatal para a atividade econômica do município. E o caráter intergeracional da cidade sustentável também se apresenta de difícil equação, entre os interesses de exploração da cidade no presente, e as dificuldades da sua garantia para as cidades futuras.

Não basta o desenvolvimento urbano isoladamente considerado, pois há providências que apenas aparentemente espelham desenvolvimento, porém não trazem qualquer benefício à coletividade, e às vezes até lhe causam sérios gravames. Por outro lado, o bem-estar tem que ser geral, coletivo, não se pode aquinhoar pequenos grupos com o benefício de sua exclusiva comodidade em detrimento do desenvolvimento da cidade. A cidade sustentável é exatamente a que observa o mencionado equilíbrio ( Carvalho Filho, 2013CARVALHO FILHO, J. S. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 566 p. ).

Assim, é preciso reconhecer que a garantia do direito às cidades sustentáveis não é elaboração voluntariosa e de fácil alcance, uma vez que envolve tantas questões relacionadas ao processo de tomada de decisão sobre o uso da cidade no presente, e quais recursos os habitantes terão à disposição no futuro. Desse modo, caminha bem a análise de Foladori ( 2001FOLADORI, G. Controvérsias sobre a sustentabilidade: La coevolución sociedad-naturaleza. Zacatecas: Universidad Autonoma de Zacatecas, 2001. ), ao indicar as controvérsias em torno do conceito de sustentabilidade, por decorrência da complexa dinâmica entre as formas de exploração do meio ambiente e os potenciais de recuperação que também são desenvolvidos. Outro elemento trazido pelo autor tem a ver com as mudanças das concepções sociais e humanas a respeito das relações da sociedade com a natureza, e de que modo o reconhecimento dos limites físicos dos bens naturais impactam a definição e a extensão da concepção de sustentabilidade e, para o tema que nos interessa neste trabalho, com relação ao direito à garantia das cidades sustentáveis.

Tais características corroboram para o dever de revisão legislativa do Plano Diretor no prazo de dez anos, pois nesse lapso temporal muitas variáveis podem surgir e deverão ser consideradas para a garantia do direito às cidades sustentáveis. Ora, se o assunto é complexo e inafastável, apenas a deliberação democrática há de dar conta da necessidade de legitimação do processo decisório sobre o Plano Diretor.

Assim, se o desafio é grande e seu implemento possível, a diretriz exposta serve de referência analítica do conteúdo do Plano Diretor aprovado. Nesse sentido, é imperiosa a referência ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que elaborou a Agenda 2030, em vigor desde 2016, cujo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS 11) dispõe as seguintes justificativas para a necessidade de garantia a cidades e comunidades sustentáveis:

Mais da metade da população do planeta vive em áreas urbanas. Em 2050, esse número chegará a 6,5 bilhões de pessoas – dois terços de toda a humanidade. O desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado sem uma transformação significativa na forma de construir e gerenciar os espaços urbanos.

O rápido crescimento das cidades no mundo em desenvolvimento, junto ao aumento da migração rural para a área urbana, levou a uma expansão das cidades. Em 1990, havia dez megacidades com mais de 10 milhões de habitantes ou mais. Em 2014, já havia 28 megacidades, que abrigavam mais de 453 milhões de pessoas.

A pobreza extrema é frequentemente concentrada em espaços urbanos e governos nacionais e locais sofrem para acomodar a população crescente nessas áreas. Tornar as cidades mais seguras e sustentáveis significa garantir o acesso a moradias adequadas e a preços acessíveis e melhorar a qualidade de áreas degradadas, principalmente das favelas. Também envolve investimento em transporte público, criação de espaços verdes e melhoria no planejamento urbano e no gerenciamento de forma participativa e inclusiva

( Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2016 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD. Objetivo 11: Cidades e comunidades sustentáveis. Brasília, DF: PNUD Brasil, 2016. Disponível em: https://www.undp.org/es/sustainable-development-goals/ciudades-comunidades-sostenibles . Acesso em: 9 dez. 2023.
https://www.undp.org/es/sustainable-deve...
, grifo nosso).

A ODS 11 serviu de base para a elaboração do documento resultante da Conferência Habitat III da Organização das Nações Unidas ocorrida na cidade de Quito, Equador, em 2016, cujo relatório final foi denominado Nova Agenda Urbana , com foco no conceito de cidades sustentáveis, em que é possível destacar os seguintes artigos:

9. A Nova Agenda Urbana reafirma nosso compromisso global com a promoção do desenvolvimento urbano sustentável como um passo decisivo para a concretização do desenvolvimento sustentável de maneira integrada e coordenada nos níveis global, regional, nacional, subnacional e local, com a participação de todos os atores relevantes. A implementação da Nova Agenda Urbana contribui para a implementação e a localização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de maneira integrada e para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e de suas metas, inclusive o ODS 11 de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

10. A Nova Agenda Urbana reconhece que a cultura e a diversidade cultural são fontes de enriquecimento para a humanidade e constituem uma contribuição importante para o desenvolvimento sustentável das cidades, assentamentos humanos e cidadãs e cidadãos, para exercer um papel ativo e único em iniciativas de desenvolvimento. A Nova Agenda Urbana reconhece também que a cultura deve ser considerada na promoção e implementação de novos padrões de consumo e produção sustentáveis que contribuam para o uso responsável dos recursos e que enfrentem os impactos adversos das mudanças climáticas.

11. Compartilhamos uma visão de cidades para todos e todas, aludindo ao uso e ao gozo igualitários de cidades e assentamentos humanos, com vistas a promover a inclusão e a assegurar que todos os habitantes, das gerações presentes e futuras, sem discriminação de qualquer ordem, possam habitar e produzir cidades e assentamentos humanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis física e economicamente, resilientes e sustentáveis para fomentar a prosperidade e a qualidade de vida para todos e todas. Registramos os esforços empenhados por alguns governos nacionais e locais no sentido de integrar esta visão, conhecida como “direito à cidade”, em suas legislações, declarações políticas e estatutos

( Organização das Nações Unidas, 2017ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Nova Agenda Urbana: Declaração de Quito sobre cidades e assentamento urbanos para todos. São Paulo: ONU, 2017. ).

Percebe-se que, levando em consideração os consensos expressos nesses documentos globais, a concepção de cidades sustentáveis aproxima-se não apenas do reconhecimento dos desafios inerentes a uma perspectiva de garantia da estrutura urbana a uma população em crescimento, mas também da preservação desse bem jurídico para as populações futuras.

Com isso, a diretriz da política urbana do direito às cidades sustentáveis pode ser compreendida como justificativa ao revisionismo legislativo do Plano Diretor, de modo que o difícil equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade dos recursos dos espaços urbanos possa ser passível de fruição e garantia para as presentes e futuras gerações, a partir de um processo de deliberação democrática periódica, mesmo que seja pelo reconhecimento do seu acerto e pela manutenção do seu conteúdo.

4 Princípio do revisionismo legislativo: aspectos positivos e negativos

Como já exposto, desde a promulgação do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), a legislação urbanística se utiliza recorrentemente de um método que possibilita a revisão periódica dos institutos de política urbana. No âmbito urbanístico, conforme será exposto a seguir, é comum, em várias leis correlatas, o estabelecimento de revisões sobre o conteúdo das respectivas legislações. Este trabalho tem foco no Estatuto da Cidade (Lei n. 1.057/2001), mas também é possível citar a Política Nacional do Saneamento Básico (Lei n. 11.445/2007, art. 15, § 4º) 6 6 Seção II Do Plano Nacional de Resíduos Sólidos Art. 15. A União elaborará, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo: § 4º Os planos de saneamento básico serão revistos periodicamente, em prazo não superior a 4 (quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual ( Brasil, 2007 ). , a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010, art. 15) 7 7 Seção II Do Plano Nacional de Resíduos Sólidos Art. 15. A União elaborará, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo ( Brasil, 2010 ). , a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei n. 12.587/2012, art. 24, § 3º, XI) 8 8 Política Nacional de Mobilidade Urbana – Lei n. 12.587/2012. Art. 24. O Plano de Mobilidade Urbana é o instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes desta Lei, bem como: § 3º O Plano de Mobilidade Urbana será compatibilizado com o Plano Diretor Municipal, existente ou em elaboração, no prazo máximo de sete anos, contado da data de entrada em vigor desta Lei (Redação dada pela Medida Provisória n. 818, de 2018). XI – a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a 10 (dez) anos ( Brasil, 2012 ). , entre outras. Conforme é possível perceber, ao contrário da tendência à manutenção do conteúdo da lei até a sua revogação por outra norma posterior, a legislação urbanística estabelece prazos revisionais.

Considerando a especificidade desse regramento, e visando evitar que este tenha um efeito negativo ao aperfeiçoamento da política urbana, apresentam-se pertinentes as análises sobre aspectos positivos e negativos decorrentes dessa característica.

Como aspecto positivo, é necessário destacar a sofisticação de tal instituto urbanístico, que diferencia esses momentos legislativos do debate sobre questões ordinárias. Nesse aspecto, a fundamentação dos processos legislativos revisionais nas diretrizes da gestão democrática das cidades e a garantia do direito às cidades sustentáveis servem de aporte normativo a respeito das mudanças e ratificações que ocorrerão no Plano Diretor. Além disso, se a revisão é um dever dos órgãos estatais, como prevê a lei, constitui-se em verdadeiro direito de natureza difusa da sociedade civil, para o aprimoramento da política urbana.

No aspecto negativo, destaca-se a possibilidade de insegurança jurídica, pois a periódica de reformulação do conteúdo do Plano Diretor, do Plano de Mobilidade, do Plano de Saneamento, entre outros, pode aferir sensação de instabilidade e incerteza institucional, o que prejudicaria uma das funções da lei nas sociedades contemporâneas.

A insegurança jurídica tem sido recorrentemente utilizada em detrimento à organização dos espaços urbanos. Essa instabilidade enseja uma atuação predatória dos potenciais das cidades por parte de grupos não comprometidos com o seu melhor planejamento. Nesse sentido, muito bem apontou Maricato ( 2017MARICATO, E. Impasses da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2017. ), ao reconhecer que apenas um aparato legislativo não é suficiente para o aprimoramento da política urbana, pois sua execução deve ocorrer sob constante debate público e fiscalização.

Em um sentido macro, a ser desenvolvido em trabalhos futuros, tais aspectos positivos e negativos dos processos legislativos revisionais podem ser relacionados a técnicas legislativas sobre a matéria urbanística com vistas a potencializar suas qualidades e minorar seus riscos. Neste artigo, o reconhecimento da existência dessa singularidade e de suas características é uma proposta de contribuição para o avanço no debate sobre a dogmática jurídica do Direito Urbanístico.

Considerações finais

O artigo teve como tema a legislação urbanística, visando à indicação de uma especificidade caracterizada pela necessidade de sua revisão periódica. Propôs-se a denominação de tal característica como princípio do revisionismo legislativo, que pode ser conceituado como a garantia de revisão periódica do planejamento urbano instituído na legislação urbanística, que tem como fundamentos as diretrizes da gestão democrática e a garantia do direito às cidades sustentáveis.

Como resultado, o trabalho possibilita a conclusão de que a hipótese de justificação do princípio do revisionismo na diretriz da gestão democrática encontra fortes argumentos no que se refere à legitimação do processo decisório, bem como na possibilidade de maior amplitude dos grupos que poderão participar do processo de planejamento urbano.

A respeito da diretriz do direito à garantia às cidades sustentáveis, a revisão do planejamento urbano apresenta-se fundamental para a aferição do difícil equilíbrio entre dispor do acesso à terra urbana, à moradia e ao saneamento ambiental no presente e a preservação da infraestrutura urbana para as gerações futuras.

Mais importante que ser reconhecido como um princípio da dogmática jurídica, o revisionismo deve ser afirmado como um direito dos moradores das cidades, como garantia de participação na análise periódica do planejamento urbano, e uma prevenção à sua inoperância em decorrência da passagem do tempo.

Assim, se a revisão periódica é um dever para os órgãos estatais, para a sociedade civil trata-se de um direito de natureza difusa, que traz elementos normativos relevantes para esses momentos de revisão e debate sobre a legislação urbanística, sendo, inclusive, suscetível de proteção com base na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985). São muitas as consequências de tal reconhecimento, por exemplo, a instituição do processo legislativo revisional não ser concebida como decisão arbitrária dos órgãos estatais, bem como as deliberações estarem condicionadas a elementos normativos decorrentes das diretrizes da gestão democrática e da garantia a cidades sustentáveis.

Por outro lado, a desconsideração desse aporte de interpretação principiológica do dever de revisão periódica da legislação urbanística encontra risco na insegurança jurídica, que pode decorrer das constantes revisões legislativas nos mais variados âmbitos da legislação, o que resulta em decisões casuísticas que dificultam o desenvolvimento de uma política urbana mais qualificada.

Em sociedade democráticas altamente plurais, cuja a passagem do tempo afeta diretamente as configurações dos espaços urbanos, torna-se necessário o reconhecimento desses elementos da legislação urbanística, que ao instituir o dever de revisão periódica da legislação destaca a natureza específica desses processos legislativos, com fundamento na gestão democrática e na garantia das cidades sustentáveis, como elementos relevantes para o aprimoramento da política urbana, com legitimidade democrática e planejamento sustentável.

Referências

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  • 1
    O debate propositivo que se pretende iniciar no texto diz respeito à pertinência do reconhecimento do processo legislativo revisional como uma espécie de processo legislativo especial. Um exemplo que também encontra tratamento diferenciado no ordenamento jurídico brasileiro é o processo legislativo das leis orçamentárias, no qual considera-se que o processo legislativo revisional da legislação urbanística também deveria receber tratamento processual diferenciado.
  • 2
    Desde a implementação do Estatuto da Cidade, é possível identificar situações em que a Administração Pública municipal não apresentou condições de verificação do cumprimento da diretriz da gestão democrática no implemento da política urbana. Um caso emblemático ocorreu no município de Florianópolis/SC entre os anos de 2004 e 2018, em que a ausência de efetivação da gestão democrática foi causa de pedir ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de n. 5021653-98.2013.404.7200/SC ( Santos; Morales, 2019 SANTOS, S. M.; MORALES, A. M. M. Gestão democrática da política urbana e cultura política não democrática: uma análise da aprovação do Plano Diretor de Florianópolis (2006-2009). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO, X, 2019. Anais […]. Palmas, 22 a 24 out. 2019. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/xcbdu/177206-gestao-democratica-da-politica-urbana-e-cultura-politica-nao-democratica\--uma-analise-da-aprovacao-do-plano-diret/ . Acesso em: 5 dez. 2023.
    https://www.even3.com.br/anais/xcbdu/177...
    ).
  • 3
    “The concept of sustainable development is found in many environmental treaties and other instruments, including several concluded in the period prior to the publication of the Brundtland Report in 1987. Nevertheless, the Brundtland Report is commonly viewed as the point at which sustainable development became a broad global policy objective and set the international community on the path that led to ‘international law in the field of sustainable development’” ( Sands et al. , 2012, p. 9 SANDS, P. et al. Principles of International Environmental Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. ).
  • 4
    “It contains within it two concepts: (1) the concept of ‘needs’, in particular the essential needs of the world’s poor, to which overriding priority should be given; and (2) the idea of limitations imposed, by the state of technology and social organization, on the environment’s ability to meet present and future needs” ( Sands et al. , 2012, p. 206 SANDS, P. et al. Principles of International Environmental Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. ).
  • 5
    Tal como no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), pesquisadores da área do Direito utilizam-se da expressão “cidades sustentáveis”. Por outro lado, urbanistas utilizam-se mais frequentemente da expressão “planejamento sustentável”, no sentido de evitar a conotação de uma cidade sustentável como algo pronto e acabado, para dar preferência ao conceito de planejamento sustentável como projeção da intervenção humana e estatal no espaço urbano a partir de uma programação que considerou a sustentabilidade na sua elaboração. Propriamente, o conceito de cidade sustentável foi, segundo Gomes e Zambam ( 2018, p. 324GOMES, D; ZAMBAM, N. J. Sustentabilidade do espaço urbano: novas tecnologias e políticas públicas urbanístico-ambientais. Revista do Direito a Cidade, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 310-334, 2018. ), instituído internacionalmente a partir das Conferências do HABITAT (I – Canadá/1976; II – Istambul/1996; III – Nova Yorque – Comitê preparativo/2001).
  • 6
    Seção II
    Do Plano Nacional de Resíduos Sólidos
    Art. 15. A União elaborará, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo:
    § 4º Os planos de saneamento básico serão revistos periodicamente, em prazo não superior a 4 (quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual ( Brasil, 2007 BRASIL. Lei n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei n. 6.528, de 11 de maio de 1978. Brasília, DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm . Acesso em: 2 dez. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).
  • 7
    Seção II
    Do Plano Nacional de Resíduos Sólidos
    Art. 15. A União elaborará, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo ( Brasil, 2010 BRASIL. Lei n. 12305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm . Acesso em: 15 dez. 2020.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).
  • 8
    Política Nacional de Mobilidade Urbana – Lei n. 12.587/2012.
    Art. 24. O Plano de Mobilidade Urbana é o instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes desta Lei, bem como:
    § 3º O Plano de Mobilidade Urbana será compatibilizado com o Plano Diretor Municipal, existente ou em elaboração, no prazo máximo de sete anos, contado da data de entrada em vigor desta Lei (Redação dada pela Medida Provisória n. 818, de 2018).
    XI – a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a 10 (dez) anos ( Brasil, 2012 BRASIL. Lei n. 12.587, de 3 janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; revoga dispositivos dos Decretos-Leis n. 3.326, de 3 de junho de 1941, e n. 5.405, de 13 de abril de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e das Leis n. 5.917, de 10 de setembro de 1973, e n. 6.261, de 14 de novembro de 1975; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm . Acesso em: 2 dez. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).
  • Como citar este artigo (ABNT):
    SANTOS, S. O processo legislativo revisional na política urbana e seus fundamentos: democracia e sustentabilidade. Veredas do Direito , Belo Horizonte, v. 21, e212459, 2024. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2459 . Acesso em: dia mês. ano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2022
  • Aceito
    14 Dez 2023
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