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Audiência de custódia em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar: perspectivas a partir de um estudo empírico realizado na comarca de Pelotas/RS1 1 Este artigo utiliza dados obtidos pela pesquisa intitulada “Audiência de Custódia e Acesso à Justiça Penal: Perspectivas a partir da Comarca de Pelotas/RS”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), trabalho que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Custody hearing resulting from fulfillment of a cautionary arrest order: perspectives from an empirical study developed in the jurisdiction of Pelotas/RS

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar o instituto da audiência de custódia, mais precisamente o procedimento realizado em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar e seu impacto nas decisões judiciais sobre o status libertatis do cidadão custodiado. O trabalho foi elaborado através de pesquisas bibliográfica e documental, bem como de uma investigação empírica quali-quantitativa que teve como recortes a Comarca de Pelotas/RS e o ano de 2022, e examinou decisões proferidas em audiências de custódia realizadas em casos de prisão cautelar. Com base nos dados teóricos e empíricos avaliados, a conclusão apresentada no artigo é no sentido de que a audiência de custódia é um instituto de extrema importância para a democratização do processo penal brasileiro e para a preservação dos direitos humanos e fundamentais, mas, que sua inserção no ordenamento jurídico e ampla efetivação, até o presente momento, não viabilizou a redução da decretação de prisões cautelares, especialmente preventiva, muito em razão da cultura punitivista e da racionalidade inquisitória que predominam no campo processual penal.

Palavras-chaves
Audiência de Custódia; Prisão Preventiva; Processo Penal; Autoritarismo

Abstract

This article aims to analyze the institution of the custody hearing, particularly the procedure carried out in cases of provisional arrest and its impact on judicial decisions on the libertarian status of the citizen in custody. The work was prepared through bibliographical and documentary research, and through a qualitative-quantitative empirical investigation carried out in the jurisdiction of Pelotas/RS, which focused on hearings that took place in 2022 in cases of precautionary detention. Based on the theoretical and empirical data evaluated, the conclusion presented in the article is that the custody hearing is an extremely important institution for the democratization of the Brazilian criminal process and for the preservation of human and fundamental rights, but that its insertion into the legal system and broad implementation, to date, have not made it possible to reduce the number of prisons, especially preventive detention, largely due to the punitive culture and inquisitorial rationality that predominate in the criminal procedural area.

Keywords
Custody Hearings; Preventive Detention; Criminal Procedure; Authoritarianism

INTRODUÇÃO

As discussões e os protestos provocados pela positivação da audiência de custódia pela Lei nº 13.964/2019, que alterou o artigo 310 do Código de Processo Penal Brasileiro, introduzindo o instituto no sistema processual brasileiro, evidenciaram os principais fatores que lastrearam a negligência do Estado brasileiro em efetivar esse procedimento de cariz democrático preconizado nos pactos internacionais que ratificou3 3 Em que pese o ineditismo da nomenclatura utilizada no Brasil, isto é, “audiência de custódia”, a apresentação imediata da pessoa presa ao juiz é um direito previsto no ordenamento jurídico internacional desde a década de 1960. Importante reconhecer que esse direito deveria estar sendo respeitado no Brasil no mínimo há vinte anos, quando o país ratificou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, diplomas internacionais destinados à proteção dos direitos humanos que preconizam o procedimento. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi aprovado através do Decreto Legislativo nº 226/1991 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 592/1992. No que tange à apresentação da pessoa presa ao juiz, estabelece em seu artigo 9.3 que: “(...) Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi ratificada através do Decreto Legislativo nº 27/1992 e promulgada pelo Decreto Executivo nº 678/1992. Sobre a audiência de apresentação, dispõe em seu artigo 7.5 que: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. Diante da posição do Supremo Tribunal Federal (Cf. Habeas corpus 90.172 e REXT nº 466.343 – STF) de que os tratados internacionais sobre direitos humanos não incorporados na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República (incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004) têm status de norma infraconstitucional e supralegal (que é contestada por correntes doutrinárias que entendem que os tratados sobre direitos humanos estão acima ou no mesmo patamar hierárquico da Carta Magna), bem como que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através de projetos pilotos em parceria com os Tribunais Estaduais, conseguiu colocar em prática o procedimento antes mesmo de sua positivação, conclui-se que a morosidade na ampla efetivação do instituto é injustificável. . Na ocasião, a cultura punitivista e a racionalidade inquisitória mostraram sua força.

Todavia, por mais que os empresários morais tenham tentado deslegitimar o procedimento mobilizando argumentos desarrazoados e difundido narrativas completamente distorcidas e falaciosas sobre suas finalidades (por exemplo: que ele serviria para frustrar ações policiais, promover um tratamento leniente aos “delinquentes” e fomentar a impunidade), hoje, resta claro que não existiam motivos jurídicos, técnicos ou operacionais plausíveis capazes de justificar o atraso na sua inserção (SILVA, 2018SILVA, Maria Rosinete dos Reis. Audiência de Custódia. Accountability das Prisões Cautelares e da Violência Policial. Curitiba: Juruá, 2018., p. 46).

Inobstante a previsão da audiência de custódia nos tratados firmados pelo Brasil e a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à natureza jurídica e à posição hierárquica dos diplomas internacionais que versam sobre os direitos humanos, até bem pouco tempo prevalecia o entendimento de que a simples comunicação por escrito da prisão ao juiz competente seria suficiente para atestar a legalidade da prisão. Visivelmente, negava-se a vigência das normas internacionais destinadas à proteção dos direitos humanos em nome de um procedimento estruturalmente precário afastado do prisma processual acusatório (MELO, 2021MELO, Raphael. Audiências de custódia no processo penal. Conforme Resolução 213 do CNJ e Projeto de Lei do Senado 554/2011. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021.. p. 144).

Apesar do atraso e dos protestos infundados, a introdução da audiência de custódia no ordenamento brasileiro representou um passo importante na direção da democratização do processo penal. O procedimento alinha-se à perspectiva da proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais (OLIVEIRA et al., 2015OLIVEIRA et al. Audiência de Custódia: Dignidade Humana, controle de convencionalidade, prisão cautelar e outras alternativas (Lei 12.403/2011). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.; TÓPOR; NUNES, 2015TÓPOR, Klayton Augusto Martins; NUNES, Andréia Ribeiro. Audiência de Custódia: Controle jurisdicional da prisão em flagrante. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.; ZERBINI, 2017ZERBINI, Marcelo de Siqueira. Audiências de custódia. Aspectos constitucionais, penais, econômicos e iminentes. Brasília: Trampolim Jurídico, 2017.; COSTA, 2019COSTA, Anderson Silva da. Audiências de custódia. Garantismo ou simbolismo? São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019.), pois, ao possibilitar a apresentação imediata do cidadão preso (o que antes ocorria somente meses após a prisão), momento em que devem ser procedidas a avaliação das circunstâncias da detenção e a identificação da prática de maus-tratos ou da tortura, demonstra grande potencial para imprimir concretude às garantias da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência, e possibilitar a efetiva verificação da legalidade da prisão (GIACOMOLLI, 2016GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016., p. 145; OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022.. p. 55).

Dito isso, oportuno assinalar que o presente artigo tem como objeto a audiência de custódia realizada em razão do cumprimento de mandado de prisão cautelar, e, como objetivos precípuos esmiuçar a dinâmica desse procedimento e avaliar o seu impacto nas decisões sobre o status libertatis dos custodiados, especialmente no manejo da prisão preventiva. Considerando as limitações de espaço impostas pelo formato deste trabalho científico, não serão abordados todos os flancos da audiência de custódia e tampouco problematizadas com profundidade algumas questões imbricadas ao tema, como os intentos de reduzir a quantidade de presos provisórios4 4 Por estarmos tratando da audiência de custódia, é importante observar que o Brasil sempre apresentou índices elevados de presos provisórios. Segundo dados oficiais, em 2014 o percentual de presos provisórios em relação ao total da população carcerária chegou ao quantum de 40,13%. Embora o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) informe uma redução nesse percentual, que hoje (em 2023) seria de 26,57%, entendemos que a quantidade de presos cautelares ainda é elevada. Neste escrito, partimos do pressuposto que o quadro é mais grave do que parece, uma vez que essa percentagem apresentada pelo DEPEN é calculada sobre o total da população carcerária, incluindo as pessoas custodiadas em regimes mais brandos e até mesmo em prisão domiciliar. Importante sublinhar que com raras exceções em que estão em prisão domiciliar, os presos cautelares são custodiados em estabelecimentos do regime fechado. Desse modo, por estarmos tratando da audiência de custódia, que tem como um de seus principais desígnios reduzir o encarceramento em massa, entendemos ser adequado calcular a quantidade de presos provisórios utilizando como base o número total de pessoas presas em estabelecimentos do regime fechado. Observa-se nos dados publicados pelo DEPEN que, atualmente, o Estado mantém 326.803 indivíduos segregados em regime fechado, sendo que, desse quantum, 190.814 são presos provisórios. Por essa perspectiva, constata-se, então, que mais de 50% dos presos em regime fechado (que é o regime que mais causa preocupação com as violações de direitos humanos diante da superlotação, da insalubridade e das violências praticadas pelos agentes estatais e grupos criminosos que dominam os ergástulos) estão presos preventivamente. Nessa mesma perspectiva, também com base nos dados publicados pelo DEPEN, verifica-se que a situação no Rio Grande do Sul é grave, tendo em vista que das 13.844 pessoas recolhidas em regime fechado, 12.604 estão presas provisoriamente. Mesmo que muitos presos provisórios estejam ao mesmo tempo cumprindo pena, esses dados permitem concluir que a prisão preventiva vem sendo utilizada em larga escala no Estado sulista. A Comarca de Pelotas/RS, recorte da pesquisa empírica que embasa este estudo, historicamente também apresentou elevados índices de presos provisórios. Segundo o DEPEN, em 2022, ano que serviu de recorte temporal para a investigação, o Presídio Regional de Pelotas (para onde é encaminhada a maioria dos cidadãos presos na cidade – é preciso considerar que as mulheres são remetidas para o presidio de Rio Grande/RS e alguns homens, dependendo da situação, para presídios de cidades vizinhas) apresentava uma população de 501 pessoas, sendo que 160 (31,94%) delas estavam presas provisoriamente (DEPEN, 2023). e de obstar a violência policial5 5 Mesmo após a redemocratização, a violência que se materializa nas práticas de maus-tratos e da tortura revela-se como um traço constitutivo da atividade das forças de segurança pública brasileiras, sendo praticada sistematicamente (GONÇALVES, 2014; SILVEIRA, 2021a). .

Curial ressaltar que a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu artigo 136 6 Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Art. 13: “A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução. Parágrafo único: Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local”. , preconiza a realização da audiência de custódia também nos casos de prisão por mandado (incluindo a prisão preventiva e temporária), disposição que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Reclamação (RCL) 29.303, decisão que teve como fundamento o artigo 287 do CPPB7 7 Art. 287 do Código de Processo Penal Brasileiro (CPPB): “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia”. .

A audiência de custódia realizada nos casos de cumprimento de mandado de prisão cautelar suscita divergências doutrinárias em relação à finalidade de permitir a verificação da legalidade da constrição. As dissonâncias são motivadas pelo fato de que o juiz competente para presidir o ato é o mesmo que decretou a prisão cujo mandado foi cumprido. Enquanto alguns estudiosos sustentam que essa fiscalização seria inviável, na medida em que o juiz que preside a solenidade já teria verificado os pressupostos e requisitos que tecnicamente tornam a prisão legal no momento em que decretou a medida (MASSON; MARÇAL, 2016MASSON, Cléber; MARÇAL, Vinícius. É possível conciliar a audiência de custódia e a prisão por mandado?. 2016. Disponível em: <https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/e-possivel-conciliar-a-audiencia-de-custodia-e-a-prisao-por-mandado/>; Acesso em 16.out.2023.
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), outros, de modo diverso, entendem que o controle da legalidade da prisão seria possível também nessas audiências (MELO, 2021MELO, Raphael. Audiências de custódia no processo penal. Conforme Resolução 213 do CNJ e Projeto de Lei do Senado 554/2011. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021.; OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022.). Válido sublinhar que parte dos juristas que em alguma medida contestam a viabilidade da aferição da legalidade da prisão defende que, quando a audiência evidenciar a alteração do substrato fático que motivou a prisão, o decreto constritivo deverá ser revisado (ANDRADE; ALFLEN, 2016ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no processo penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.).

Dito isso, medular consignar que muitos pesquisadores, apesar de reconhecerem a importância da inclusão da audiência de custódia no ordenamento jurídico processual penal brasileiro, demonstram que o procedimento encontra resistência e ainda não alterou substancialmente o cenário caracterizado pela utilização da prisão preventiva em larga escala, situação que atribuem à tradição autoritária que norteia o campo da Justiça Criminal, sobretudo o Poder Judiciário (SILVA, 2018SILVA, Maria Rosinete dos Reis. Audiência de Custódia. Accountability das Prisões Cautelares e da Violência Policial. Curitiba: Juruá, 2018.; TEIXEIRA, 2019TEIXEIRA, Yuri Serra. Do grande encarceramento à audiência de custódia. Reflexões etnográficas sobre a seletividade penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.; COSTA, 2019COSTA, Anderson Silva da. Audiências de custódia. Garantismo ou simbolismo? São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019.; FERNANDES, 2020FERNANDES, Liciomar. Efetividade da audiência de custódia no enfrentamento da prática de tortura dos presos em flagrante. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020.).

Instigado pelos elementos expostos, este artigo tenciona responder à seguinte questão: Em que medida a audiência de custódia, com seu procedimento de essência acusatória formalmente capaz de viabilizar o exercício da ampla defesa, do contraditório e o respeito à presunção de inocência, tem impactado as decisões obre o status libertatis dos custodiados, mais precisamente no que diz respeito à manutenção ou não da prisão preventiva, quando realizada em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar?

Exposto o problema de pesquisa, cumpre esclarecer que a hipótese que guiou este artigo, elaborado por meio de revisão bibliográfica, da análise de outros estudos sobre o tema e dos dados empíricos obtidos na investigação empírica, é no sentido de que as audiências de custódia realizadas em casos de prisão por mandado não têm impactado as decisões sobre o status libertatis dos cidadãos custodiados na direção de promover a restituição da liberdade ou a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares mais brandas, e que um dos fatores que mais contribui para a permanência desse quadro é a racionalidade processual penal autoritária que predomina no campo.

No que tange à metodologia, relevante complementar que os dados empíricos cotejados neste artigo foram produzidos em uma pesquisa mais ampla, intitulada “Audiência de Custódia e Acesso à Justiça Penal: Perspectivas a partir da Comarca de Pelotas/RS”, que teve como recorte geográfico a Comarca de Pelotas/RS e como recorte temporal o ano de 2022 e foi realizada a partir do método hipotético-dedutivo, em perspectiva descritiva e analítica, e apoiada na produção e no escrutínio de dados quali-quantitativos. Os pormenores metodológicos (explicações sobre a escolha dos recortes geográfico e temporal, sobre a amostra e o material pesquisado, etc.) da investigação empírica serão descritos no início do último capitulo, onde serão apresentados e cotejados os dados produzidos pela pesquisa.

Para cumprir os objetivos propostos e também proporcionar ao leitor a melhor compreensão de seu conteúdo, o presente artigo é estruturado em três capítulos, nos quais serão analisados, respectivamente, os aspectos epistemológicos, normativos e procedimentais da audiência de custódia realizada em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar, e problematizados os dados obtidos na pesquisa empírica que examinou decisões judiciais proferidas em audiências ocorridas na Comarca de Pelotas/RS.

1. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA EM DECORRÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO CAUTELAR: ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS E NORMATIVOS

O instituto da audiência de custódia foi efetivado inicialmente pelo “Projeto Audiência de Custódia”, organizado pelo CNJ em parcerias com alguns Tribunais Estaduais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, que instituiu o procedimento por meio do Provimento Conjunto nº 3/2015; o Tribunal de Justiça do Maranhão, que instituiu a audiência de custódia através dos Provimentos ns. 14/2014 e 24/2014; o Tribunal de Justiça do Espirito Santo, que instituiu o procedimento mediante a Resolução nº 13/2015; e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que instituiu a audiência de custódia pela Resolução nº 796/2015. Pouco tempo depois, todos os demais Tribunais Estaduais colocaram em prática o procedimento.

Com os projetos pilotos em andamento, as contestações à audiência de custódia extrapolaram a esfera midiática. A inconformidade que já havia sido demonstrada em notas técnicas publicadas por associações de membros das polícias, do Ministério Público e do Judiciário, acabou sendo judicializada8 8 Cf. ADI 5.240 – STF, ajuizada pela Associação dos Delegados de Policia do Brasil (ADEPOL-BRASIL) contra o Provimento Conjunto nº 3/2015, da Presidência e da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que instituiu a audiência de custódia. Registre-se que o argumento manejado com o objetivo de barrar a implementação da audiência de custódia foi o de que a realização desse procedimento levaria o país a enfrentar uma onda de impunidade e o consequente aumento da criminalidade violenta. . Em face do poder de pressão desses entes, pode-se afirmar que, após o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347 pelo STF em setembro de 2015, o ambiente se tornou mais propício para a inserção do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. A ADPF nº 347 foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em face da situação caótica do sistema prisional brasileiro, pleiteando o reconhecimento das ilegalidades que caracterizam o sistema penitenciário, bem como a intervenção do Estado brasileiro para impedir a continuidade das violações de direitos humanos. Na ocasião, uma das providências requeridas pelo PSOL foi a implementação da audiência de custódia, justificando que a medida reduziria a quantidade de presos provisórios e, por consequência, a população prisional.

Na decisão proferida na ADPF nº 347, o STF reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” no sistema prisional e reforçou o entendimento de que as decisões sobre prisão cautelares devem ser sempre motivadas e fundamentadas. Também recomendou que nos casos que demandem a constrição da liberdade sejam privilegiadas as medidas cautelares diversas da prisão elencadas no artigo 319 do CPPB. Na mesma oportunidade, a Suprema Corte determinou a implementação da audiência de custódia em todo o país no prazo de noventa dias.

Depois, no final de 2015, amparado na decisão do STF, o CNJ publicou a Resolução n° 213, tencionando fomentar a realização e padronizar as audiências de custódia em todo o país. Como era de se esperar, a normativa também gerou críticas, tendo, inclusive, sua constitucionalidade questionada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) junto ao STF na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.448. Na ocasião, a ANAMAGES alegou que a Resolução teria criado normas abstratas e genéricas inéditas, usurpando a competência da União para legislar. No entanto, o pedido de revogação da normativa foi indeferido pela ausência de legitimidade da Associação. Independentemente do mérito da Ação não ter sido julgado, a reivindicação não teria razão de prosperar, tendo em vista que a normativa do CNJ apenas regulamentou a apresentação do preso, determinação que já se encontrava positivada em normas supralegais que já deveriam estar sendo cumpridas pelo Brasil.

Em síntese, a Resolução nº 213/2015 uniformizou o procedimento da audiência de custódia, definindo todas as regras e detalhes do procedimento. Em seu artigo 13º, a normativa estabelece que as pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar ou definitiva também devem ser submetidas ao procedimento de apresentação. Conforme antecipamos na introdução, a realização da audiência de custódia nos casos de prisão por mandado foi chancelada pelo STF no julgamento do RCL 29303 em 2023, decisão que confirmou a liminar que havia sido deferida em 2020 e se baseou no comando do artigo 287 do CPPB. Aqui, é importante alertar que, diante de tal determinação, tendo em vista que a prisão preventiva poderá ser decretada também após o oferecimento da denúncia (artigo 311 do CPP), a audiência de custódia poderá ser realizada até mesmo na fase judicial do processo e, nessa hipótese, segundo o artigo 13, parágrafo único, da Resolução 213/2015 do CNJ, também será presidida pelo magistrado que decretou a segregação (COSTA, 2019COSTA, Anderson Silva da. Audiências de custódia. Garantismo ou simbolismo? São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019., pp. 97-98-99).

A despeito da modalidade de prisão, seja nas cautelares, que exigem requisitos mais rígidos, ou na prisão em flagrante, que é estruturalmente precária, já que se desenvolve na maior parte pela via administrativa, a audiência de custódia é uma medida imprescindível pelo fato de que, em um regime democrático, qualquer medida que resulte na privação de liberdade deve ter sua legalidade averiguada pelo Estado-Juiz, crivo que se mostra mais efetivo com a presença do custodiado e quando considera a manifestação de sua defesa técnica (OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022., pp. 93-94-95).

A Resolução nº 213/2015 prescreve um roteiro sequencial que culmina na tomada de decisão do juiz sobre o status libertatis do custodiado, que poderá ter a liberdade restituída ou ser submetido às medidas cautelares (inclusive à prisão preventiva), e nos casos que envolvam violência policial, na determinação de providências que viabilizem a apuração das responsabilidades. Tal procedimento deverá ser adotado em todos os casos, incluindo os de prisão por mandado.

Passados três anos, em 2018, muito em decorrência da onda lavajatista, os intentos de recrudescer o controle penal, incluindo o processo, e de expurgar os dispositivos de essência acusatória, como a audiência de custódia, adquiriram intensidade e expressividade. As ideias processuais autoritárias que serviram de sustentáculo para o Projeto de Lei nº 882/2019 (Projeto Anticrime), apresentado ao Congresso por Sergio Fernando Moro, na época ministro da Justiça e da Segurança Pública do Governo Bolsonaro, replicaram sem muitos disfarces as orientações do tecnicismo-jurídico de matriz inquisitória que alicerçou a processualística penal do Fascismo italiano, que inspirou a elaboração do CPPB de 1941 e a cultura processual penal que predomina no Brasil desde então (GLOECKNER, 2018GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Autoritarismo e processo penal. Uma genealogia das ideias autoritárias no processo penal brasileiro. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018.; SALES, 2021SALES, José Edvaldo Pereira. Autoritarismo e Garantismo. Tensões na tradição brasileira. São Paulo: Tirant Lo Blach, 2021.; SILVEIRA, 2021bSILVEIRA, Felipe Lazzari da. Para uma crítica da razão fascista no processo penal brasileiro. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2021b.).

Curiosamente, na ciranda dos poderes, o Pacote Anticrime, que atropelou o projeto que previa a promulgação de um código de processo penal acusatório que vinha tramitando na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº 8.045/2010), acabou sendo radicalmente modificado. Apesar de terem sido mantidos inúmeros dispositivos de essência inquisitória, cujo principal exemplo é o que determina a prisão automática ainda em primeira instância no procedimento do Tribunal do Júri, muitos dispositivos de essência acusatória foram introduzidos, dentre eles a audiência de custódia.

A audiência de custódia foi introduzida no artigo 310 do CPP, que determina sua obrigatoriedade e as medidas que poderão ser adotadas pelo juiz em relação ao status libertatis do custodiado, mas não preconiza as minúcias do procedimento. O referido dispositivo legal também não estabelece as medidas a serem adotas nos casos em que o cidadão preso tenha sido vítima de maus-tratos ou tortura. Portanto, o rito da audiência segue sendo disciplinado pela Resolução nº 213/2015 do CNJ.

Gize-se que a positivação e a efetivação do controle presencial da prisão cautelar não constituíram atos de benevolência do Estado brasileiro. Frente ao que já expusemos, resta claro que o país nada mais fez do que imprimir efetividade ao disposto nos tratados internacionais que ratificou. A audiência de custódia racionaliza a inclusão de detidos no sistema prisional e pode inibir a prática de tortura por agentes estatais. Isso denota que, na prática, o procedimento ostenta potencial para tutelar os direitos humanos porque pode evitar prisões desnecessárias e ilegais, bem como assegurar a incolumidade física e psíquica dos detidos (CAMARGO, 2019CAMARGO, Rodrigo Tellini de Aguirre. Audiência de custódia e medidas cautelares pessoais. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019., p. 38).

Tecnicamente, o instituto pode tornar eficaz a proteção dos direitos humanos e fundamentais da pessoa presa porque lhe aproxima dos atores do sistema de justiça, permitindo que apresente sua versão sobre as circunstâncias da prisão, ato que será complementado pela manifestação da defesa técnica. Sem dúvidas, o procedimento é capaz de materializar de forma substancial a ampla defesa e o contraditório. Nota-se que se trata de uma dinâmica radicalmente diferente da que caracterizava o procedimento flagrancial anterior, no qual as garantias eram exercidas de modo diferido. Frise-se que, no antigo procedimento, em grande parte das vezes os acusados reservavam-se ao silêncio e acabavam se manifestando somente na audiência de instrução realizada muitos meses após a prisão (SILVA, 2018SILVA, Maria Rosinete dos Reis. Audiência de Custódia. Accountability das Prisões Cautelares e da Violência Policial. Curitiba: Juruá, 2018., pp. 125-126).

No entanto, como estamos tratando da audiência de custódia em casos de cumprimento de mandado de prisão cautelar, imprescindível mencionar que os procedimentos para a decretação da prisão preventiva e da prisão temporária seguem iguais, isto é, continuam a não contar com a participação efetiva da defesa e tampouco com a oitiva do imputado. Neste escrito, não temos a pretensão de interrogar o contraditório diferido ou a primazia do interesse público em detrimento das garantias individuais no processo penal no regime democrático. Partimos da premissa de que o fato dos decretos de prisão preventiva ou temporária serem proferidos ao arrepio das garantias da ampla defesa e do contraditório, eis que são franqueados no formato postergado, denota a importância da audiência de apresentação também nessas modalidades de constrição.

A realização da audiência de custódia nos casos de prisão por mandado é um tema que engendra interessantes discussões sobre as finalidades do procedimento. Alguns estudiosos entendem que nas prisões decorrentes de cumprimento de mandado, a solenidade não tem como escopo a avaliação da legalidade da prisão preventiva ou a prisão temporária, mas somente a averiguação da integridade física e psíquica do custodiado. Nessa esteira, Cleber Masson e Vinícius Marçal (2016, n/p)MASSON, Cléber; MARÇAL, Vinícius. É possível conciliar a audiência de custódia e a prisão por mandado?. 2016. Disponível em: <https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/e-possivel-conciliar-a-audiencia-de-custodia-e-a-prisao-por-mandado/>; Acesso em 16.out.2023.
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sustentam que nessas modalidades de prisão, por já existir um decreto preventivo idôneo, fundamentado por uma autoridade judicial competente dentro dos rigores da lei, seria ilógico que a audiência de custódia, a ser presidida pelo mesmo juiz que decidiu pela prisão, tivesse como objetivo o controle da legalidade da prisão (“escopo meritório”).

Segundo os promotores de justiça, nesses casos, a audiência teria apenas um “escopo protetivo”, isto é, de viabilizar a identificação de violências praticadas no momento da efetivação da prisão. Nessa esteira, eventuais pedidos de revogação de prisão ou de sua substituição por medidas cautelares mais brandas teriam de ser inclusive rejeitados pela incompatibilidade com o ato. Ao nosso juízo, sobretudo no que tange à rejeição automática dos pedidos de revogação da prisão cautelar, o posicionamento dos promotores de justiça é equivocado, visto que a legislação não limita requerimentos dessa natureza ou pedidos de habeas corpus.

Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen (2016, pp. 59-98)ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no processo penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. também sustentam ser incoerente que, nos casos de prisão cautelar, a audiência de custódia tencione o controle da legalidade da prisão, argumentando que, em um ordenamento jurídico democrático, é preciso partir do pressuposto de que o decreto de prisão cumprido é legal e legítimo. Todavia, entendem que em alguns casos, além do objetivo de permitir a identificação de práticas de violência, o juiz terá de reavaliar a necessidade da manutenção da prisão. Na visão dos juristas, esse tipo de decisão encontra amparo no artigo 282, §5º, do CPP, e, na prática, mostra-se viável nos casos em que, no lapso temporal entre a decretação da prisão e a sua efetivação, as situações fáticas que motivaram a decisão tenham se alterado. A única ressalva ocorreria nos casos em que o mando de prisão é cumprido em comarca diversa da de onde foi decretada. Nessa hipótese, como a Resolução nº 213/2015 preconiza que o juiz competente para presidir a audiência de custódia nos casos de prisão por mandado é o que decretou a medida, consideram que qualquer outro magistrado seria incompetente para revogar a medida, e teria como incumbência apenas identificar a violência policial.

Outros pesquisadores, de maneira diversa, defendem que, além da identificação da prática de maus tratos ou tortura, a audiência de custódia realizada em decorrência do cumprimento de mandado de prisão cautelar deve objetivar o controle da legalidade da prisão mediante a reavaliação do decreto constritivo. Nessa perspectiva, a reavaliação da decisão que decretou a prisão não é uma opção do magistrado, mas uma medida obrigatória diante do depoimento do custodiado e das manifestações das partes, que podem revelar novos elementos informativos sobre o caso. Em suma, a decisão pela manutenção da constrição deve obrigatoriamente cotejar o lastro informativo produzido pelas partes na solenidade, mesmo que ele não altere a situação fática e a decisão seja pela manutenção da medida.

Adepta dessa posição, Lorena Ocampos (2022, pp. 101-102-245)OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022. assevera que as decisões que decretam prisões preventivas, por exemplo, baseiam-se exclusivamente nos elementos constantes nos pedidos da autoridade policial ou do promotor de justiça, e são proferidas sem considerar a manifestação da defesa, ou seja, sem o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório. Na visão da professora, o contraditório diferido é insuficiente para efetivar tais garantias. Por isso, particularmente pelo fato da audiência de custódia ter como mote a oralidade, concedendo espaço às manifestações da pessoa presa e de sua defesa técnica, que pode, inclusive, levar ao conhecimento do juiz novos elementos informativos (documentos, imagens, etc.), dinâmica que pode alterar a compreensão dos fatos que motivaram a prisão, a reavaliação da necessidade e dos requisitos da prisão decretada deve ser sempre operada. Ocampos complementa que pela ótica constitucional o juiz é um garante de direito e que os artigos 282, §5º, 316 e 321 do CPPB determinam que nos casos em que os motivos e os requisitos que justificaram a prisão se mostrem ausentes, seja concedida a liberdade com ou sem medidas cautelares.

Na mesma linha, Raphael Melo (2021, pp. 203-204)MELO, Raphael. Audiências de custódia no processo penal. Conforme Resolução 213 do CNJ e Projeto de Lei do Senado 554/2011. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021. defende que, mesmo nas audiências de custódias realizadas em razão de prisão por mandado, a necessidade da manutenção da medida deverá ser reanalisada. Na visão do pesquisador, o reexame da necessidade é fundamental porque o procedimento de apresentação do custodiado, ao permitir sua oitiva e a manifestação da defesa técnica, pode revelar uma alteração no quadro que motivou a decretação da prisão, tornando-a inapropriada. Concordamos com essa posição, uma vez que, em respeito aos princípios da provisionalidade e da provisoriedade, esvaído o suporte fático que motivou o decreto constritivo, a liberdade (plena ou cumulada com medidas cautelares mais brandas) deve ser restituída.

Ante ao exposto, entendemos que a realização do procedimento deve ser obrigatória também nessa modalidade de segregação (sob pena de tornar ilegal a constrição), e que o reexame do decreto preventivo é de fundamental importância, mormente no que tange à necessidade, tendo em vista que o procedimento pode evidenciar alterações fáticas que tornem a constrição dispensável.

Em tempo, essencial pontuar que o reexame da decisão que decretou a prisão é compatível com a axiomática da normativa que disciplina o procedimento, que prioriza a liberdade e reforça a ideia de que a prisão cautelar é a ultima ratio, e não é vedado pela lei. O reexame do decreto de prisão cautelar é imperioso também porque pode evitar que a audiência de custódia se torne um procedimento meramente protocolar, burocrático, e, com isso, os desvios motivados pela racionalidade inquisitória que ainda predomina no campo.

2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE O PROCEDIMENTO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Desde a aprovação do Projeto de Lei nº 554/2011 (que, posteriormente, tramitou na Câmara dos Deputados sob o nº 6.620/2016 e acabou sendo apensado ao Projeto de Lei nº 8.045/2010, que propõe um novo Código de Processo Penal), que propôs a alteração do artigo art. 306 do CPPB, com a inclusão do parágrafo 4º, prevendo a apresentação da pessoa presa em flagrante ao juiz no prazo de 24 horas, os legisladores já justificavam o interesse na audiência de custódia na necessidade de se controlar legalidade da prisão e a ocorrência de maus tratos e/ou tortura, mas, essencialmente no objetivo de reduzir a quantidade de presos provisórios, que na época beirava 40% do total da população carcerária9 9 Cf. Senado aprova regulamentação de audiência de custódia. Senado Notícias. Brasília/DF. 30/11/2016. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/30/senado-aprova-regulamentacao-de-audiencia-de-custodia>; Acesso em 29.out.2023. .

Também a Resolução nº 213/2015 do CNJ apresenta em seu preâmbulo argumentos semelhantes, apoiados nos dados publicados nos relatórios sobre a prisão provisória nas Américas publicado pela Organização dos Estados Americanos, sobre a tortura e outros tratamentos cruéis publicados pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura e pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da Organização das Nações Unidas ONU (2014), e no diagnóstico sobre pessoas presas apresentado pelo CNJ e nos dados do Sistema INFOPEN do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), publicados, respectivamente, nos anos de 2014 e 2015, documentos que denunciaram as péssimas condições do aparelho prisional brasileiro e a grande quantidade de presos provisórios. Válido lembrar que a decisão do STF proferida na ADPF nº 347, que reconheceu a constitucionalidade da Resolução nº 213/2015, também foi motivada pelas condições indignas das prisões e pelo problema da grande quantidade de presos provisórios.

Tecnicamente, a audiência de custódia oferece proteção à liberdade porque sua estrutura procedimental requintada, ao proporcionar uma visão acurada das circunstâncias da detenção e das condições pessoais do cidadão preso, que é capaz de efetivar direitos e garantias (TEIXEIRA, 2019TEIXEIRA, Yuri Serra. Do grande encarceramento à audiência de custódia. Reflexões etnográficas sobre a seletividade penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019., pp. 93-94; LOPES JR., 2022LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022., p. 90), possibilita que o controle da legalidade da prisão e a decisão sobre a necessidade de manter a constrição da liberdade mediante a aplicação de medidas cautelares sejam mais precisos (GONÇALVES, 2020GONÇALVES, Fernando David de Melo. Audiência de Custódia. Desafios de sua implementação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2020.; p. 131; FERNANDES, 2020FERNANDES, Liciomar. Efetividade da audiência de custódia no enfrentamento da prática de tortura dos presos em flagrante. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020., p. 109).

A melhor condição de julgar decorre da materialização do direito à presença, que configura o elemento constitutivo da audiência de custódia, visto que imprime substancialidade à ampla defesa. É por isso que a sua não realização viola a garantia do devido processo legal. Além de fortalecer a dialética processual, uma vez que concede espaço não apenas para a oitiva do preso, mas também às manifestações do Ministério Público e da defesa, viabilizando o contraditório efetivo exercido pela oralidade, verifica-se que o procedimento imprime imediatidade especificamente no momento mais crítico do processo penal, aquele em que a liberdade de um inocente é efetivamente cerceada, que requer uma avaliação urgente. Sendo assim, humaniza o ato da prisão e cria condições interessantes para que o juiz avalie da melhor maneira a necessidade da manutenção da prisão (LOPES JR., 2022LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022., p. 91; OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022., pp. 23-24 e p. 125).

Assim como o artigo 310 do CPPB, que é omisso em relação ao rito da audiência de custódia decorrente de prisões em flagrante, o artigo 287 do mesmo diploma legal, apesar de prever a apresentação dos presos por mandado, também não indica o procedimento. Diante da insuficiência do texto legal sobre o procedimento da audiência de apresentação do preso, o caminho a ser percorrido nas audiências realizadas em decorrência do cumprimento de mandado de prisão deve ser também o prescrito na Resolução nº 213/2015 do CNJ.

A Resolução, além de estabelecer o prazo para realização da audiência, de tratar do juiz competente, bem como do modo como deverá ocorrer a condução do preso e de outras questões de cunho burocrático, define com clareza todas as regras procedimentais que devem ser respeitadas tanto nas apresentações dos presos em flagrante, quanto nas dos presos por mandado. A normativa disciplina, inclusive, o momento que precede à oitiva do custodiado tencionando assegurar à assistência por um advogado, direito consagrado nos artigos 5º, LXIII, e 133 da CF/88 e no artigo 185, §5º, do CPPB. Nesse sentido, em seu artigo 6º, dispõe que antes de iniciar o procedimento, o juiz assegure ao custodiado o atendimento reservado com o seu defensor, destacando que o ato não deverá contar com a presença de policiais ou outros agentes estatais.

O detalhamento procedimental da audiência de custódia está previsto no artigo 8º da Resolução nº 213/2015. De acordo com dispositivo, o primeiro momento da solenidade consistirá na entrevista do preso que, antes de prestar suas declarações, deverá ser cientificado pelo juiz de seus direitos e garantias, bem como do funcionamento da solenidade. Essa determinação é fundamental, pois mesmo que o custodiado tenha sido atendido por seu defensor, as explicações por parte do juiz, que representa o Estado, certamente imprimem segurança e, por isso, possibilitam que a participação do preso no procedimento seja efetiva e não uma mera formalidade. Com efeito, a compreensão do ato e de seus meandros por parte do preso permitirá a concretização do direito à presença (GIACOMOLLI, 2016GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016., p. 147). Segundo o inciso V do artigo 8°, é somente após realizar tais questionamentos que o magistrado deverá indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão, de modo a verificar a legalidade do ato e a ocorrência de maus tratos ou de tortura.

Será a partir dos questionamentos sobre os meandros da prisão que se iniciará o processo cognitivo que culminará na decisão a ser tomada ao final do procedimento. São os pormenores da prisão, somados às condições pessoais do custodiado, que deverão formar a convicção do juiz sobre a liberação ou a decretação/manutenção de medidas cautelares.

Em relação às perguntas a serem feitas pelo juiz, o inciso VIII do artigo 8º dispõe que o magistrado se abstenha de indagar com a finalidade de produzir provas para a investigação ou eventual ação penal. Isso indica que, mesmo na audiência realizada em decorrência de prisão por mandado, que será conduzida pelo juiz que decretou a prisão e que presidirá a instrução, os questionamentos terão de ser vinculados à finalidade do procedimento, isto é, à verificação da legalidade da prisão (especialmente da necessidade de sua manutenção) e da ocorrência de violência policial, bem como da presença dos requisitos e fundamentos para a decretação ou não de medidas cautelares. Nesse diapasão, a doutrina alerta que, além de serem incabíveis perguntas relacionadas ao mérito da causa, em nenhuma hipótese a audiência de custódia deverá mirar a confissão por parte do preso, sob pena de desviar o procedimento de suas finalidades (MELO, 2021MELO, Raphael. Audiências de custódia no processo penal. Conforme Resolução 213 do CNJ e Projeto de Lei do Senado 554/2011. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021., pp. 185-186-187; ROSA, 2021ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Estratégico. De acordo com a Teoria dos Jogos e MCDA-C. Florianópolis: Emais, 2021., p. 611).

Como precisamente assinala Aury Lopes Jr. (2022, p. 95)LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022., apesar de estarem presentes o direito de se entrevistar com o advogado e o direito ao silêncio, a entrevista do preso não é um interrogatório. Em razão disso, não devem ser admitidas perguntas de cunho meritório. Segundo o professor, a audiência de custódia desempenha função diferente da audiência de instrução e julgamento, já que visa apenas à averiguação das condições da prisão e a produção de subsídios que permitam uma decisão adequada ao caso, que poderá ser no sentido da restituição da liberdade ou da aplicação de medidas cautelares. O ato também objetiva permitir a identificação de práticas maus-tratos ou tortura pelas forças de segurança pública.

Lopes Jr. (2022, pp. 96-97) alerta, contudo, que se o custodiado fizer alegações em relação à autoria não deverá ser impedido de falar, tendo em vista que esses elementos informativos poderão influenciar a decisão sobre o status libertatis ser tomada ao final da audiência. A audiência de custódia tem como um de seus desígnios permitir a avaliação da legalidade da prisão em todos os seus flancos, até mesmo no caso da prisão cautelar, portanto, em algumas ocasiões, perguntas que tratem de questões imbricadas ao fumus comissi delicti podem ser importantes.

Ressaltamos, ainda, que, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 8º, os questionamentos realizados pelo promotor de justiça e pela defesa técnica ao final da entrevista também terão de ser compatíveis com a natureza do ato, e que o juiz deverá indeferir perguntas relativas ao mérito. Pela leitura dos dispositivos cotejados, depreende-se que essa oitiva do preso tem âmbito cognitivo restrito e não diz respeito à finalidade investigativa. Neste ponto, oportuno cogitar que sem a certeza de que as suas declarações não serão utilizadas como provas em seu desfavor na ação penal, o preso se quedará reticente em narrar todas as circunstâncias da sua detenção e não exercerá plenamente o direito de ser ouvido perante a autoridade competente. Ademais, a limitação sobre certas perguntas concretiza o direito constitucional do acusado de não produzir provas em seu desfavor (CAMARGO, 2019CAMARGO, Rodrigo Tellini de Aguirre. Audiência de custódia e medidas cautelares pessoais. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019., pp. 76-78; OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022., p. 87).

O percurso previsto no regramento da audiência de custódia deverá impreterivelmente respeitar o regramento da aplicação das medidas cautelares, e ser percorrido em consonância com os princípios e garantias democráticos consagrados na Constituição, respeitando, especialmente, a garantia da presunção de inocência. Isso significa que o juiz, também na audiência de custódia realizada em razão do cumprimento de mandado de prisão cautelar, deverá decidir sempre partindo da premissa de que a liberdade é a regra, e que a liberdade do apresentado poderá ser constringida somente em situações excepcionais, quando for necessário, isto é, quando estiverem presentes os requisitos e fundamentos das medidas cautelares, ou seja, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. O juiz não poderá se valer de justificativas estranhas aos fundamentos das medidas cautelares, genéricas ou abstratas, como gravidade genérica do delito, o clamor público e a comoção social, e tampouco aplicá-las em casos em que os crimes não sejam apenados com prisão (ROSA, 2021ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Estratégico. De acordo com a Teoria dos Jogos e MCDA-C. Florianópolis: Emais, 2021., pp. 611-612).

No que concerne à prisão preventiva, pelo que se depreende dos artigos 311 e 312 do CPPB, trata-se de uma medida cautelar que poderá ser decretada pelo juiz em qualquer fase do processo, sempre a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente ou da autoridade policial. A decretação da medida será idônea somente nas hipóteses permitidas (artigos 312 e 313 do CPPB), quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus commissi delicti) e também restar demonstrado, por fatos contemporâneos ou novos, que o imputado poderá prejudicar a instrução do processo, frustrar a aplicação da lei penal, ameaçar a ordem econômica e/ou a ordem pública (periculum libertatis). De acordo com os artigos 316 e 321 do CPPB, a constrição deverá ser revogada pelo juiz, seja de ofício ou a requerimento das partes, quando os requisitos autorizadores e os motivos ensejadores da medida não se fizerem mais presentes. Resta claro, então, que, mesmo nas audiências realizadas em casos de prisão por mandado, quando verificadas as hipóteses elencadas pelos referidos dispositivos legais, o juiz terá de rever sua decisão e conceder a liberdade ou substituir a prisão preventiva por medidas cautelares mais brandas.

Nesse diapasão, ao proceder ao reexame de sua decisão o juiz não deverá perder de vista que, de acordo com o regramento do sistema de medidas cautelares e com o princípio da presunção de inocência, a prisão preventiva é uma medida que pode ser manejada somente em casos excepcionais, quando não houver outra maneira de assegurar o deslinde e a conclusão do processo criminal. Essa é a única interpretação possível do texto do artigo 282, § 6º, do CPPB, que estabelece que prisão preventiva será cabível somente quando as medidas cautelares mais brandas previstas no artigo 319 do mesmo diploma legal não forem suficientes para assegurar o trâmite e a conclusão do processo. (WEDY, 2013WEDY, Miguel Tedesco. Eficiência e prisões cautelares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013., p. 67; LOPES JR., 2022, pp. 109 e ss.; MINAGÉ, 2017MINAGÉ, Thiago M. Prisões e medidas cautelares à luz da Constituição. O contraditório como significante estruturante do processo penal. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017., pp. 236 e ss.).

No contexto democrático, onde o processo penal deve ser norteado pelo prisma humanitário, que se concretiza somente mediante o respeito dos direitos e garantias fundamentais, tais premissas deverão balizar a decisão do juiz mesmo nas audiências de realizadas nos casos de cumprimento de mandado de prisão cautelar, momento em que o decreto que motivou a privação da liberdade terá de ser obrigatoriamente reavaliado.

3. AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA EM CASOS DE PRISÃO CAUTELAR NA COMARCA DE PELOTAS/RS: ANÁLISE EMPÍRICA

A pesquisa empírica que propiciou a produção dos dados apresentados e analisados neste tópico teve como recorte geográfico a Comarca de Pelotas/RS, e como recorte temporal o ano de 2022. A escolha do recorte geográfico levou em consideração primeiramente o fato de que, historicamente, inclusive à época, a Comarca apresentava um percentual de presos provisórios compatível com a realidade brasileira10 10 Dados sobre presos provisórios em Pelotas/RS a partir de 2018. Os percentuais foram contabilizados sobre o total de presos em regime fechado, base de cálculo que foi justificada na Introdução: - 2018: 496 presos em regime fechado, 397 (80,05%) presos provisórios; - 2019: 413 presos em regime fechado, 257 (62,23%) presos provisórios; - 2020: 454 presos em regime fechado, 2011 (46,48%) presos provisórios; - 2021: 414 presos em regime fechado, 198 (47,90%) presos provisórios; 2022: 501 presos em regime fechado, 160 (31,94%) presos provisórios; 2023: 541 presos em regime fechado, 147 (27,18%) presos provisórios (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2023). * Estes dados não incluem as mulheres que estão recolhidas no Presídio Estadual de Rio Grande e os homens que estão custodiados em ergástulos de outras cidades da Região de Pelotas ou da Região Metropolitana de Porto Alegre. , sempre acima de 30%, quantum que é considerado elevado (CIDH, 2013COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS (CIDH). Informe sobre el uso de la prisión preventiva em las Américas. OEA, 2013.). Pelotas foi eleita como recorte também por ser uma cidade de médio porte (possui 325.689 habitantes) e de grande importância na Região Sul do Rio Grande do Sul11 11 Cf. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Dados sobre os municípios brasileiros. 2022. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pelotas/panorama>; Acesso em 28.out.2022. , e por possuir diversas varas criminais que realizam audiências de custódias em revezamento. Ao nosso juízo, tais condições possibilitariam (como de fato possibilitaram) a obtenção de dados suficientes e capazes de embasar uma avaliação precisa dos meandros do procedimento na prática e de seus impactos no campo da Justiça Criminal.

A escolha do ano de 2022 como recorte temporal se deu pelo entendimento de que passados 2 (dois) anos da inserção da audiência de custódia no ordenamento jurídico, tempo suficiente para as comarcas se organizarem e padronizarem os procedimentos, lograríamos uma melhor condição para a realização da investigação. Salienta-se que os anos de 2020 e 2021 foram marcados pelas piores fases da Pandemia de Covid-19, situações que geraram problemas organizacionais em todas as comarcas do país, incluindo Pelotas, e deformidades nos procedimentos (não realização; realização apenas em determinados momentos apenas; realização por videoconferência, etc.), situações que, certamente, prejudicariam a análise pretendida. Diante disso, sequer foi cogitada a ampliação retroativa do recorte temporal até dezembro de 2019, marco da introdução da audiência de apresentação pela Lei nº 13.964/2019.

O material que serviu de base para a pesquisa empírica quali-quantitativa consistiu nos termos de audiência de custódia, os quais foram extraídos do Sistema SISTAC acessado no Foro de Pelotas/RS após a autorização da pesquisa pelo Poder Judiciário. Foram localizados ao todo 916 termos de audiência de custódia12 12 Os dados utilizados pela pesquisa estão disponíveis no Scielo Data. Cf. SILVEIRA, Felipe Lazzari, 2024, “Replication Data for: Audiência de Custódia em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar: Perspectivas a partir de um estudo empírico realizado na Comarca de Pelotas/RS. https://doi.org/10.48331/scielodata.TOTYSV . Curial justificar que o caráter quali-quantitativo da investigação reside no fato de que os dados qualitativos coletados foram organizados quantitativamente (numericamente) com o objetivo de permitir uma melhor visão do panorama e uma análise mais acurada de seus conteúdos. Entende-se que essa opção assegurou a precisão dos resultados. Em razão do pacto de confidencialidade firmado, bem como pelo entendimento de que a divulgação das varas, dos nomes dos juízes, dos nomes das partes ou dos detalhes dos casos criminais escrutinados nos termos não influenciaria os resultados da pesquisa, os dados produzidos serão apresentados sem nenhum tipo de identificação.

A amostra de termos analisados foi composta pelos termos de todas as audiências realizadas em 2022 pelas varas criminais, pela Vara da Violência Doméstica, e pelo Juízo do Plantão. Foram excluídos da amostra os termos referentes aos procedimentos realizados pelas varas de família (prisão por alimentos), pela Vara das Execuções Criminais e pela Vara da Infância e da Juventude, uma vez que a competência desses juízos apresentam peculiaridades que interfeririam na análise procedida, que teve como enfoque a dinâmica e o impacto da audiência de custódia nos casos de prisão cautelar, particularmente nas decisões sobre a manutenção ou não da medida.

Após tais exclusões, a amostra selecionada na pesquisa mais ampla13 13 A já mencionada pesquisa “Audiência de Custódia e Acesso à Justiça Penal: Perspectivas a partir da Comarca de Pelotas/RS” investigou também as audiências de custódia decorrentes de prisão em flagrante, as contribuições do procedimento para a identificação da prática de violências pelos agentes das forças de segurança pública, assim como outras questões relacionadas ao instituto da audiência de custódia, as quais não foram abordadas neste artigo. totalizou 700 termos, sendo 511 de audiências realizadas em decorrência de prisões em flagrante, e 189 de audiências realizadas em casos de prisões por mandado de prisão cautelar (187 mandados de prisão preventiva e 2 mandados de prisão temporária). Interessante destacar que, nesse universo de 700 audiências de custódia, foram decretadas ou mantidas 385 prisões preventivas (em 55% dos casos). Para a produção deste artigo, foram analisados somente os 189 termos referentes às audiências de custódia decorrentes de prisões por mandado, as quais foram realizadas pelas varas criminais e pela Vara da Violência Doméstica.

Gráfico 1
Audiências de custódia realizadas por modalidade de prisão – Pelotas/RS, 2022.

Conforme mencionamos nos tópicos anteriores, a audiência de custódia realizada em casos de prisão cautelar apresenta uma peculiaridade importante, na medida em que o juiz competente para presidir o procedimento é o mesmo que decretou a prisão cautelar nos autos do processo (seja na fase de investigação preliminar ou na fase de instrução). Diante disso, para cumprir os objetivos propostos, decidimos examinar as decisões proferidas em audiências dessa natureza, mais precisamente as motivações e os fundamentos nelas utilizados, elementos que serão expostos e problematizados neste capítulo.

De pronto, consigne-se que a investigação confirmou as expectativas de alguns estudiosos do tema de que, sendo a audiência presidida pelo mesmo juiz que decreta a prisão, imperaria a tendência da manutenção da prisão (ANDRADE; ALFLEN, 2016ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no processo penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.)14 14 Sobre os poderes do juiz na audiência de custódia, é interessante destacar, primeiramente, que segundo a Resolução nº 213/2015 do CNJ, mais precisamente seu artigo 13º, parágrafo único, a competência para a condução da audiência decorrente de prisão cautelar por mandado é do próprio juízo prolator da decisão. No entanto, verifica-se que, em alguns casos, os mandados são cumpridos em outras comarcas ou em horário de plantão (sobretudo em finais de semana), o que inviabiliza a realização da audiência perante o juízo que determinou a expedição da ordem de custódia no prazo estabelecido na normativa do CNJ. Nesses casos, a discussão sobre os poderes do juiz, sobretudo o de alterar a decisão do magistrado que decretou a prisão, é marcada por posições diversas. Em síntese, é possível inferir que alguns processualistas entendem que o juiz que realiza a prisão não teria competência para modificar a decisão, determinando a substituição da prisão pelas cautelares do artigo 319 do CPPB ou concedendo a liberdade provisória, tendo em vista que não teriam o conhecimento suficiente sobre o caso e tampouco poderiam atuar como revisores das decisões de seus pares (ANDRADE; ALFLEN, 2016). No entanto, da leitura de outros estudiosos, pode-se deduzir que o juiz, na posição de garante, poderia substituir a medida ou conceder a liberdade somente quando verificasse a alteração do quadro fático que justificou a prisão no sentido de torna-la desnecessária (LOPES JR., 2022; OCAMPOS, 2022). . Corroborou, também, os dados publicados em algumas investigações realizadas em outras regiões do país, que dão conta de que, desde sua implementação, as audiências de custódia ainda não produziram os resultados esperados no que tange à redução dos encarceramentos provisórios (SILVA, 2018SILVA, Maria Rosinete dos Reis. Audiência de Custódia. Accountability das Prisões Cautelares e da Violência Policial. Curitiba: Juruá, 2018.; TEIXEIRA, 2019TEIXEIRA, Yuri Serra. Do grande encarceramento à audiência de custódia. Reflexões etnográficas sobre a seletividade penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.; COSTA, 2019COSTA, Anderson Silva da. Audiências de custódia. Garantismo ou simbolismo? São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019.; FERNANDES, 2020FERNANDES, Liciomar. Efetividade da audiência de custódia no enfrentamento da prática de tortura dos presos em flagrante. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020.). Essa realidade condiz com o alerta feito por Andrade e Alflen (2016, p. 57)ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no processo penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. na direção de que o procedimento não solucionará o problema dos abusos no plano da prisão preventiva ou contribuirá para uma redução sensível da quantidade de presos provisórios, tendo em vista que os pressupostos e requisitos da medida permanecem iguais, e, na prática, a avaliação dos mesmos continua dependendo da interpretação de cada magistrado. De fato, isoladamente, sem o enfraquecimento da racionalidade processual inquisitória que predomina, é improvável que a implementação de um novo procedimento (mesmo que tenha essência acusatória15 15 Evidentemente, é fundamental para a sobrevivência da democracia e para garantir o respeito aos direitos humanos e fundamentais que tenhamos institutos e procedimentos acusatórios no regramento processual. No entanto, aqui devemos recordar de alguns dispositivos acusatórios que, após terem sido incluídos, tiveram a substancialidade acusatória subtraída em grande medida. Merece destaque o que ocorreu em relação à alteração do artigo 212 do CPP, que teve como escopo barrar o ativismo judicial, mas que acabou não logrando êxito nesse intento, pois muitos juízes seguiram inquirindo testemunhas de modo a produzir provas – normalmente em favor da acusação; e à introdução do juiz de garantias no CPP a partir do artigo 3º-A, que foi imediatamente suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e depois desfigurado. O caso do novo regime de medidas cautelares introduzido em 2011, cuja sistemática situou definitivamente a prisão preventiva como a ultima ratio, também é muito simbólico no que tange à cooptação autoritária dos dispositivos acusatórios, pois, a medida radical seguiu sendo utilizada em larga escala. ) possibilite a alteração do quadro marcado pela utilização banalizada das prisões cautelares.

Em relação aos dados empíricos apresentados neste artigo, cumpre registrar que em todas as 189 audiências de custódia realizadas em casos de prisão por mandado analisadas o resultado final foi a manutenção da prisão cautelar (100% das decisões foram mantidas - 187 prisões preventivas e 2 prisões temporárias), sendo que, somente em dois casos de prisão preventiva, por força do estado de saúde dos custodiados, foi autorizado o cumprimento da medida em regime domiciliar (em 1,06% do total das decisões).

Relevante registrar que dos 189 termos analisados, 111 se mostraram imprestáveis para a análise dos fundamentos da manutenção da prisão porque no campo onde deveria constar o fundamento da decisão aparecia somente que “a prisão foi mantida pelos fundamentos utilizados na sua decretação” ou outra expressão similar. Provavelmente, os fundamentos tenham sido expedidos nas decisões proferidas nos autos dos processos, documentos que não acompanham os termos de audiência alocados no SISTAC do CNJ. No que tange aos objetivos da pesquisa, observa-se que, conforme indica o Gráfico 2, o fundamento mais utilizado para a manutenção da prisão preventiva nas audiências de custódia em decorrência de prisão por mandado foi o fundamento da Garantia da Ordem Pública, previsto no artigo 312 do CPP.

Gráfico 2
Fundamentos utilizados para a manutenção da prisão preventiva nas audiências realizadas em razão de cumprimendo de mandado de prisão cautelar – Pelotas/RS, 2022.

Essencial sopesar que o fundamento da Garantia da Ordem Pública, segundo a doutrina mais crítica, é o mais problemático dos presentes no artigo 312 do CPPB, tendo em vista a sua vagueza semântica, bem como a indefinição acerca de seu próprio conceito, condição que enseja riscos ao direito fundamental à liberdade porque prejudica o rígido controle da motivação da decisão judicial que cerceia liberdade, que é indispensável em uma democracia (ROSA, 2006ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006., p. 139; LOPES JR., 2022LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022., p. 117). Diante disso, por ser muito mais um recurso retórico do que um fundamento jurídico (CÂMARA, 2011CÂMARA, Luiz Antonio. Medidas cautelares pessoais. Prisão e liberdade provisória. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011., pp. 130-131-132-133), o qual se presta a chancelar prisões que, na verdade, não têm caráter cautelar, o “fundamento” da Garantia da Ordem Pública é considerado inconstitucional por alguns processualistas (CHOUKR, 2011CHOUKR, Fauzi Hassan. Medidas cautelares e prisão processual: Comentários à Lei 12.403/2011. São Paulo: Forense, 2011., pp. 79-80; PRADO, 2011PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da prisão provisória – Comentários aos artigos 311- 318 do CPP, na redação da Lei 12.403/11. In: FERNANDES, Og. Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas. Comentários à Lei 12.403, de 04.05.2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011., pp. 138-143).

Pelo que se observa no campo, a tendência dos juízes de manterem suas próprias prisões, bem como de utilizarem a Garantia da Ordem Pública como fundamento, reflete a cultura processual predominante, fulcrada na concepção inquisitória de processo readequada pelos juristas alinhados ao tecnicismo jurídico que idealizaram o ordenamento jurídico processual penal da Itália fascista na década de 1930. Esclarecemos que o processo penal brasileiro desde sempre foi marcado pela inquisitorialidade. Porém, com a introjeção da orientação tecnicista-fascista16 16 Curial elucidar que, quando mencionamos a presença da razão fascista no processo penal brasileiro, nos reportamos à concepção de processo desenvolvida por Vincenzo Manzini, jurista alinhado ao tecnicismo-jurídico que elaborou código de processo penal do Fascismo italiano, o famigerado Codice Rocco. Medular frisar que, apesar do alegado caráter “técnico” e “neutro”, a processualística penal de Manzini nada mais fez do que readequar os paradigmas inquisitoriais preexistentes ao contexto da época, camuflando-os com uma fachada consistente na manutenção de elementos da tradição jurídica liberal completamente despidos de substancialidade, tudo em nome dos interesses persecutórios da ditadura de Mussolini (SILVEIRA, 2021). operada na década de 1940, a qual inspirou o Código de Processo Penal vigente, considerado uma “cópia mal feita” do Codice Rocco (MIRANDA COUTINHO, 2018MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nélson de. Sistema Acusatório: Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leandro Costa de; (Org.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Escritos do Prof. Jacinto Nélson de Miranda Coutinho. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018., p. 205), essa mentalidade inquisitória, por meio da atualização dos discursos securitários e punitivos, foi adequada ao contexto contemporâneo e ainda reforçada (GLOECKNER, 2018GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Autoritarismo e processo penal. Uma genealogia das ideias autoritárias no processo penal brasileiro. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018.; CHAVES, 2020CHAVES, Paulo Victor Leôncio. Os paladinos da ordem pública. Juízes e a (re)produção dos discursos legitimadores do encarceramento dos indesejados. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020.; SALES, 2021SALES, José Edvaldo Pereira. Autoritarismo e Garantismo. Tensões na tradição brasileira. São Paulo: Tirant Lo Blach, 2021.; SILVEIRA, 2021SILVEIRA, Felipe Lazzari da. A tortura continua. O regime militar e a institucionalização da violência e do autoritarismo nas instituições de segurança pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021a.). Não por acaso ela seguiu norteando o campo processual penal mesmo após a redemocratização, tanto no âmbito da produção legislativa quanto no das práticas.

Visando evidenciar o descompasso da prática com a essência cautelar das prisões processuais, pareceu-nos relevante verificar e mapear as motivações associadas ao fundamento da Garantia da Ordem Pública nas decisões pela manutenção da prisão preventiva proferidas nas audiências de custódia realizadas em decorrência de prisões por mandado. Pelo que se observa nos resultados explicitados no diagrama abaixo, as motivações mais utilizadas claramente não correspondem à natureza cautelar da prisão preventiva, isto é, não possuem relação com o êxito do trâmite ou com a conclusão do processo. Esclareça-se que as motivações utilizadas associadas ao fundamento da ordem pública apresentadas no Gráfico 3 superam a quantidade de 32 decretações de prisões com base em tal fundamento porque em muitos casos foram usados em conjunto.

Gráfico 3
Motivações associadas ao fundamento da Garantia da Ordem Pública nas decisões pela manutenção da constrição proferidas nas audiências realizadas em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar - Pelotas, 2022.

Outro dado medular produzido pela pesquisa é o que se refere aos tipos penais que mais ensejaram a manutenção da prisão cautelar nas audiências de custódia realizadas em casos de prisões por mandado. Conforme se observa no gráfico 4, os delitos que mais aparecem correspondem aos que mais culminam no encarceramento no Brasil, conforme se verifica nos dados disponibilizados no SISDEPEN do DEPEN. Tratam-se dos “crimes de rua”, compreendidos como os mais violentos, cujas práticas normalmente são atribuídas aos indivíduos estereotipados como “inimigos”, modalidades que mais preocupam e causam medo à população e, por conseguinte, mais mobilizam a classe política e os agentes estatais, e influenciam na elaboração das políticas criminais (KARAM, 2020KARAM, Maria Lúcia. Pela abolição do Sistema Penal. In: PASSETI, Edson (Org.). Curso livre de abolicionismo penal. 2. ed. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Revan, 2020., pp. 75 e ss.). Esclarecemos que o número de tipos penais apresentados supera o número do total de decisões analisadas, que somam 189, pelo fato de que muitas vezes foram praticados de forma cumulativa, em concurso ou em continuidade.

Gráfico 4
Tipos penais que mais ensejaram as prisões por mandado submetidas à audiência de custódia – Pelotas/RS.

Tal fator, somado a utilização em larga escala do fundamento da Garantia da Ordem Pública, cujas peculiaridades comentamos, corrobora a dedução de que, em muitos casos, as prisões cautelares vêm sendo decretadas ou mantidas para fins político-criminais e não cautelares, como se o Judiciário estivesse atuando como um braço das agências de segurança pública, performance que não coaduna com o prisma democrático, que tem o juiz como um garantidor de direitos do cidadão, mas que encontra amparo na cultura punitivista e na racionalidade processual penal dominante.

É fatal para qualquer problematização descurar de que, apesar dos disfarces democráticos (por exemplo: previsão de princípios, garantias e institutos de natureza acusatória despidos de substancialidade), de acordo com a razão tecnicista-fascista, que possui essência inquisitória, o processo penal tem como escopo a defesa social e não a tutela dos direitos e garantias do cidadão acusado. É por isso que sua instrumentalização de forma autoritária é vista com bons olhos na conjuntura atual, que é altamente securitária. Reconhecer esses fatores auxilia a compreender os motivos pelos quais a audiência de custódia, procedimento de cariz acusatório que ostenta grande potencial de evitar violações de direitos, especialmente do direito à liberdade, ainda não produziu os resultados esperados (tanto nos procedimentos realizados em razão de prisões em flagrante, quanto em decorrência do cumprimento de mandado de prisão cautelar) ou em considerável medida sucumbe ao legado autoritário, desviando-se de seus objetivos.

CONCLUSÕES

Em razão de seu procedimento estruturalmente acusatório, capaz de permitir a concretização das garantias processuais, a audiência de custódia ostenta grande potencial de evitar prisões desnecessárias e outros tipos de violações de direitos humanos. Em tese, esse potencial não deveria ser reduzido nas audiências realizadas em casos de cumprimento de mandado de prisão cautelar, tendo em vista que a solenidade tende a viabilizar a produção de uma série de informações que podem alterar o quadro fático que motivou a prisão, as quais, na maioria das vezes, não eram de conhecimento do juiz no momento em que decretou a constrição nos autos.

Os dados referentes às audiências de custódia realizadas na Comarca de Pelotas/RS no ano de 2022 evidenciam que todas as prisões cautelares submetidas ao crivo do judiciário no procedimento de apresentação foram mantidas (100% dos casos). Partindo da premissa de que vivemos em um regime democrático, no qual os juízes devem (ou pelo menos deveriam) decretar prisões cautelares dentro da técnica processual democrática, ou seja, somente em situações excepcionais, quando estiverem presentes os pressupostos e requisitos da medida, é incontestável que existe uma tendência de que os mesmos mantenham suas decisões pela segregação nas audiências.

Contudo, considerando as conclusões de outros pesquisadores do tema que cotejamos no trabalho, e os dados obtidos na investigação empírica apresentada, verificamos que, no plano prático, o quadro brasileiro é caracterizado por um exagero na manutenção das prisões cautelares, particularmente da prisão preventiva. No caso da Comarca de Pelotas/RS, por exemplo, os casos examinados demonstraram que muitas das prisões mantidas, pela ótica da técnica processual democrática (especialmente pelo regramento das medidas cautelares), poderiam ter sido revogadas ou substituídas por medidas cautelares menos restritivas.

A análise procedida no presente artigo, que levou em conta, principalmente, os dados referentes às fundamentações e motivações utilizadas nas decisões que mantiveram as prisões, os tipos penais supostamente praticados pelos custodiados e também outros elementos imbricados, permitiu inferir que as audiências de custódia realizadas por ocasião do cumprimento de mandados de prisões cautelares não viabilizaram a restituição da liberdade de nenhum dos custodiados muito por força da cultura punitivista e da racionalidade inquisitória arraigadas no campo. Ao nosso juízo, o constatado uso vulgarizado do problemático (e vago) fundamento da Garantia da Ordem Pública, na maioria das vezes motivado por fatores estranhos à natureza cautelar da medida, é emblemático nesse sentido.

Por derradeiro, concluímos que, para que as audiências de custódia realizadas em razão do cumprimento de mandado de prisões cautelares produzam impactos positivos, isto é, possibilitem decisões adequadas ao prisma processual penal democrático, e, por consequência, a redução da manutenção de prisões provisórias, faz-se necessária uma mudança cultural e de mentalidade. Em outras palavras, é preciso o substituir o legado da processualística tecnicista-fascista introjetada a partir da década de 1940, na ocasião da promulgação do CPPB, por uma racionalidade processual acusatória, que compreende o processo como um instrumento destinado à tutelar e liberdade do cidadão e não como um dispositivo securitário, voltado à defesa social (instrumentalidade autoritária - o grande legado inquisitorial). Sem dúvidas, trata-se de um desafio bastante complexo e dificultoso. Mas, ao nosso juízo, é o único caminho possível.

Em suma, o potencial acusatório/democrático da audiência de custódia será viável somente se o processo penal for realmente compreendido como um instrumento destinado à tutelar e liberdade do cidadão e não como um dispositivo policialesco voltado à defesa social (traço medular da instrumentalidade autoritária - o grande legado inquisitorial). Do contrário, para além de não cumprir as finalidades que motivaram sua implementação, o procedimento correrá o risco de ser cooptado pela racionalidade inquisitória predominante, distorcido, e utilizado para legitimar prisões desnecessárias (e, portanto, ilegais) que materializam o autoritarismo no sistema de justiça criminal.

  • 3
    Em que pese o ineditismo da nomenclatura utilizada no Brasil, isto é, “audiência de custódia”, a apresentação imediata da pessoa presa ao juiz é um direito previsto no ordenamento jurídico internacional desde a década de 1960. Importante reconhecer que esse direito deveria estar sendo respeitado no Brasil no mínimo há vinte anos, quando o país ratificou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, diplomas internacionais destinados à proteção dos direitos humanos que preconizam o procedimento. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi aprovado através do Decreto Legislativo nº 226/1991 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 592/1992. No que tange à apresentação da pessoa presa ao juiz, estabelece em seu artigo 9.3 que: “(...) Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi ratificada através do Decreto Legislativo nº 27/1992 e promulgada pelo Decreto Executivo nº 678/1992. Sobre a audiência de apresentação, dispõe em seu artigo 7.5 que: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. Diante da posição do Supremo Tribunal Federal (Cf. Habeas corpus 90.172 e REXT nº 466.343 – STF) de que os tratados internacionais sobre direitos humanos não incorporados na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República (incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004) têm status de norma infraconstitucional e supralegal (que é contestada por correntes doutrinárias que entendem que os tratados sobre direitos humanos estão acima ou no mesmo patamar hierárquico da Carta Magna), bem como que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através de projetos pilotos em parceria com os Tribunais Estaduais, conseguiu colocar em prática o procedimento antes mesmo de sua positivação, conclui-se que a morosidade na ampla efetivação do instituto é injustificável.
  • 4
    Por estarmos tratando da audiência de custódia, é importante observar que o Brasil sempre apresentou índices elevados de presos provisórios. Segundo dados oficiais, em 2014 o percentual de presos provisórios em relação ao total da população carcerária chegou ao quantum de 40,13%. Embora o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) informe uma redução nesse percentual, que hoje (em 2023) seria de 26,57%, entendemos que a quantidade de presos cautelares ainda é elevada. Neste escrito, partimos do pressuposto que o quadro é mais grave do que parece, uma vez que essa percentagem apresentada pelo DEPEN é calculada sobre o total da população carcerária, incluindo as pessoas custodiadas em regimes mais brandos e até mesmo em prisão domiciliar. Importante sublinhar que com raras exceções em que estão em prisão domiciliar, os presos cautelares são custodiados em estabelecimentos do regime fechado. Desse modo, por estarmos tratando da audiência de custódia, que tem como um de seus principais desígnios reduzir o encarceramento em massa, entendemos ser adequado calcular a quantidade de presos provisórios utilizando como base o número total de pessoas presas em estabelecimentos do regime fechado. Observa-se nos dados publicados pelo DEPEN que, atualmente, o Estado mantém 326.803 indivíduos segregados em regime fechado, sendo que, desse quantum, 190.814 são presos provisórios. Por essa perspectiva, constata-se, então, que mais de 50% dos presos em regime fechado (que é o regime que mais causa preocupação com as violações de direitos humanos diante da superlotação, da insalubridade e das violências praticadas pelos agentes estatais e grupos criminosos que dominam os ergástulos) estão presos preventivamente. Nessa mesma perspectiva, também com base nos dados publicados pelo DEPEN, verifica-se que a situação no Rio Grande do Sul é grave, tendo em vista que das 13.844 pessoas recolhidas em regime fechado, 12.604 estão presas provisoriamente. Mesmo que muitos presos provisórios estejam ao mesmo tempo cumprindo pena, esses dados permitem concluir que a prisão preventiva vem sendo utilizada em larga escala no Estado sulista. A Comarca de Pelotas/RS, recorte da pesquisa empírica que embasa este estudo, historicamente também apresentou elevados índices de presos provisórios. Segundo o DEPEN, em 2022, ano que serviu de recorte temporal para a investigação, o Presídio Regional de Pelotas (para onde é encaminhada a maioria dos cidadãos presos na cidade – é preciso considerar que as mulheres são remetidas para o presidio de Rio Grande/RS e alguns homens, dependendo da situação, para presídios de cidades vizinhas) apresentava uma população de 501 pessoas, sendo que 160 (31,94%) delas estavam presas provisoriamente (DEPEN, 2023DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL - DEPEN. SISDEPEN. Dados estatísticos do Sistema Penitenciário. Disponível em: <https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/servicos/sisdepen>; Acesso em 22 out.2023.
    https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/...
    ).
  • 5
    Mesmo após a redemocratização, a violência que se materializa nas práticas de maus-tratos e da tortura revela-se como um traço constitutivo da atividade das forças de segurança pública brasileiras, sendo praticada sistematicamente (GONÇALVES, 2014GONÇALVES, Vanessa Chiari. Tortura e cultura policial no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.; SILVEIRA, 2021aSILVEIRA, Felipe Lazzari da. A tortura continua. O regime militar e a institucionalização da violência e do autoritarismo nas instituições de segurança pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021a.).
  • 6
    Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Art. 13: “A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução. Parágrafo único: Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local”.
  • 7
    Art. 287 do Código de Processo Penal Brasileiro (CPPB): “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia”.
  • 8
    Cf. ADI 5.240 – STF, ajuizada pela Associação dos Delegados de Policia do Brasil (ADEPOL-BRASIL) contra o Provimento Conjunto nº 3/2015, da Presidência e da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que instituiu a audiência de custódia. Registre-se que o argumento manejado com o objetivo de barrar a implementação da audiência de custódia foi o de que a realização desse procedimento levaria o país a enfrentar uma onda de impunidade e o consequente aumento da criminalidade violenta.
  • 9
    Cf. Senado aprova regulamentação de audiência de custódia. Senado Notícias. Brasília/DF. 30/11/2016. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/30/senado-aprova-regulamentacao-de-audiencia-de-custodia>; Acesso em 29.out.2023.
  • 10
    Dados sobre presos provisórios em Pelotas/RS a partir de 2018. Os percentuais foram contabilizados sobre o total de presos em regime fechado, base de cálculo que foi justificada na Introdução: - 2018: 496 presos em regime fechado, 397 (80,05%) presos provisórios; - 2019: 413 presos em regime fechado, 257 (62,23%) presos provisórios; - 2020: 454 presos em regime fechado, 2011 (46,48%) presos provisórios; - 2021: 414 presos em regime fechado, 198 (47,90%) presos provisórios; 2022: 501 presos em regime fechado, 160 (31,94%) presos provisórios; 2023: 541 presos em regime fechado, 147 (27,18%) presos provisórios (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2023DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL - DEPEN. SISDEPEN. Dados estatísticos do Sistema Penitenciário. Disponível em: <https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/servicos/sisdepen>; Acesso em 22 out.2023.
    https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/...
    ). * Estes dados não incluem as mulheres que estão recolhidas no Presídio Estadual de Rio Grande e os homens que estão custodiados em ergástulos de outras cidades da Região de Pelotas ou da Região Metropolitana de Porto Alegre.
  • 11
    Cf. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Dados sobre os municípios brasileiros. 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Dados sobre os municípios brasileiros. 2022. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pelotas/panorama>; Acesso em 28.out.2022.
    https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pe...
    . Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pelotas/panorama>; Acesso em 28.out.2022.
  • 12
    Os dados utilizados pela pesquisa estão disponíveis no Scielo Data. Cf. SILVEIRA, Felipe Lazzari, 2024SILVEIRA, Felipe Lazzari. Replication Data for: Audiência de Custódia em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar: Perspectivas a partir de um estudo empírico realizado na Comarca de Pelotas/RS, 2024. https://doi.org/10.48331/scielodata.TOTYSV
    https://doi.org/10.48331/scielodata.TOTY...
    , “Replication Data for: Audiência de Custódia em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar: Perspectivas a partir de um estudo empírico realizado na Comarca de Pelotas/RS. https://doi.org/10.48331/scielodata.TOTYSV
  • 13
    A já mencionada pesquisa “Audiência de Custódia e Acesso à Justiça Penal: Perspectivas a partir da Comarca de Pelotas/RS” investigou também as audiências de custódia decorrentes de prisão em flagrante, as contribuições do procedimento para a identificação da prática de violências pelos agentes das forças de segurança pública, assim como outras questões relacionadas ao instituto da audiência de custódia, as quais não foram abordadas neste artigo.
  • 14
    Sobre os poderes do juiz na audiência de custódia, é interessante destacar, primeiramente, que segundo a Resolução nº 213/2015 do CNJ, mais precisamente seu artigo 13º, parágrafo único, a competência para a condução da audiência decorrente de prisão cautelar por mandado é do próprio juízo prolator da decisão. No entanto, verifica-se que, em alguns casos, os mandados são cumpridos em outras comarcas ou em horário de plantão (sobretudo em finais de semana), o que inviabiliza a realização da audiência perante o juízo que determinou a expedição da ordem de custódia no prazo estabelecido na normativa do CNJ. Nesses casos, a discussão sobre os poderes do juiz, sobretudo o de alterar a decisão do magistrado que decretou a prisão, é marcada por posições diversas. Em síntese, é possível inferir que alguns processualistas entendem que o juiz que realiza a prisão não teria competência para modificar a decisão, determinando a substituição da prisão pelas cautelares do artigo 319 do CPPB ou concedendo a liberdade provisória, tendo em vista que não teriam o conhecimento suficiente sobre o caso e tampouco poderiam atuar como revisores das decisões de seus pares (ANDRADE; ALFLEN, 2016ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no processo penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.). No entanto, da leitura de outros estudiosos, pode-se deduzir que o juiz, na posição de garante, poderia substituir a medida ou conceder a liberdade somente quando verificasse a alteração do quadro fático que justificou a prisão no sentido de torna-la desnecessária (LOPES JR., 2022LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.; OCAMPOS, 2022OCAMPOS, Lorena. Audiência de Custódia. A presença como direito fundamental. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2022.).
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    Evidentemente, é fundamental para a sobrevivência da democracia e para garantir o respeito aos direitos humanos e fundamentais que tenhamos institutos e procedimentos acusatórios no regramento processual. No entanto, aqui devemos recordar de alguns dispositivos acusatórios que, após terem sido incluídos, tiveram a substancialidade acusatória subtraída em grande medida. Merece destaque o que ocorreu em relação à alteração do artigo 212 do CPP, que teve como escopo barrar o ativismo judicial, mas que acabou não logrando êxito nesse intento, pois muitos juízes seguiram inquirindo testemunhas de modo a produzir provas – normalmente em favor da acusação; e à introdução do juiz de garantias no CPP a partir do artigo 3º-A, que foi imediatamente suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e depois desfigurado. O caso do novo regime de medidas cautelares introduzido em 2011, cuja sistemática situou definitivamente a prisão preventiva como a ultima ratio, também é muito simbólico no que tange à cooptação autoritária dos dispositivos acusatórios, pois, a medida radical seguiu sendo utilizada em larga escala.
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    Curial elucidar que, quando mencionamos a presença da razão fascista no processo penal brasileiro, nos reportamos à concepção de processo desenvolvida por Vincenzo Manzini, jurista alinhado ao tecnicismo-jurídico que elaborou código de processo penal do Fascismo italiano, o famigerado Codice Rocco. Medular frisar que, apesar do alegado caráter “técnico” e “neutro”, a processualística penal de Manzini nada mais fez do que readequar os paradigmas inquisitoriais preexistentes ao contexto da época, camuflando-os com uma fachada consistente na manutenção de elementos da tradição jurídica liberal completamente despidos de substancialidade, tudo em nome dos interesses persecutórios da ditadura de Mussolini (SILVEIRA, 2021SILVEIRA, Felipe Lazzari da. Para uma crítica da razão fascista no processo penal brasileiro. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2021b.).

Acknowledgement

Este trabalho contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), após a aprovação do projeto no Edital ARDHOC nº 10/2021.

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How to cite (ABNT Brazil):

  • SILVEIRA, Felipe Lazzari da. Audiência de custódia em decorrência de cumprimento de mandado de prisão cautelar: perspectivas a partir de um estudo empírico realizado na comarca de Pelotas/RS. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 10, n. 2, e974, mai./ago. 2024. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v10i2.974
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    Este artigo utiliza dados obtidos pela pesquisa intitulada “Audiência de Custódia e Acesso à Justiça Penal: Perspectivas a partir da Comarca de Pelotas/RS”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), trabalho que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

REFERÊNCIAS

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  • Editor-in-chief: 1 (VGV)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2024
  • Revisado
    20 Fev 2024
  • Revisado
    07 Fev 2024
  • Revisado
    19 Fev 2024
  • Revisado
    18 Abr 2024
  • Corrigido
    03 Maio 2024
  • Aceito
    02 Jun 2024
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