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O estigma do pecado: a lepra durante a Idade Média

Le stigmate du p éché: la l épre au Moyen-Âge

The stigma of sin: leprosy in the Middle Ages

Resumos

O percurso da lepra e dos leprosos durante o período medieval constitui um objeto privilegiado para o estudo do impacto de uma doença sobre determinada sociedade e dos mecanismos sociais envolvidos na percepção, delimitação e destino das doenças, pois ela atingiu o Ocidente medieval em um momento em que este se definia de forma excludente em relação à alteridade. Os dispositivos que a Idade Média criou para superar a desestruturação trazida pelo advento da lepra, excluindo os leprosos do convívio social e encerrando-os em um universo à parte, o qual despertava, ao mesmo tempo, medo, desconfiança e ódio, tiveram uma enorme aceitação social. Assim, a segregação e o confinamento que se cristalizaram em tomo dos leprosos, apareceram, por muito tempo, no tratamento que a sociedade ocidental dispensou aos seus párias; além disso, a própria medicina ocidental os incorporou como base da ação terapêutica, em que o isolamento dos doentes passou a ser uma via obrigatória para a cura.


Le parcours de la lépre et des lépreux durant la période médieval constitue un sujet privilégié pour l' étude d'une maladie sur une société determiné et des mécanismes sociaux engagés dans la perception, delimitation et destin des maladies, car elle a atteint l' occident medieval a un moment ou celui-ci se précise de façon à exclure tout changement. Les dispositifs que le Moyen-Âge a crée pour surmonter la destructuration apporté par l' avénement de la lépre, excluant les lépreux de la fréquentation sociale et les enfermant dans un univers à part, en éveillant, en même temps, peur, méfiance et haine, ont eu une énorme acceptation sociale. Ainsi, la ségrégation et le confinement qui se sont cristallisés autour des lepreux, se sont présentés, pendant longtemps, dans le traitement que la société occidentale a accordé a ses parias; de plus, la médicine occidentale les a incorporé comme base d'action terapeutique, ou l'isolement des maladies est devenu un chemin obligatoire vers la cure.


The trajetory of leprosy and lepers in the Medieval period is a special subject to the study of the impact of a disease on a determined society, and of the social mechanisms implicated on the perception, delimitation, and destiny of the diseases, for it achieved the Medieval Occident in a time when it was defining itself in an excluding way in relation to a change. The mechanisms that the Middle Ages created to overcome the desestabilization caused by the forthcoming of leprosy, keeping the lepefs away from the social contact, and locking them in a world apart, that caused fear, suspicion, and hate at the same time, were very well accepted by the society. Therefore, during a long time, the segregation, and confinment that were fixed around the lepers appeared in the treatment that occidental society gave to its social outcasts; moreover, the occidental medicine itself incorporated them as base for the therapeutic action, in which the segregation of pacients became the compulsory way to cure.


O estigma do pecado: a lepra durante a Idade Média

The stigma of sin: leprosy in the Middle Ages

Le stigmate du p éché: la l épre au Moyen-Âge

Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto

Bacharel e licenciado em História pela UFF, médico formado pela UFRJ, mestrando em Saúde Coletiva no IMS/UERJ

RESUMO

O percurso da lepra e dos leprosos durante o período medieval constitui um objeto privilegiado para o estudo do impacto de uma doença sobre determinada sociedade e dos mecanismos sociais envolvidos na percepção, delimitação e destino das doenças, pois ela atingiu o Ocidente medieval em um momento em que este se definia de forma excludente em relação à alteridade.

Os dispositivos que a Idade Média criou para superar a desestruturação trazida pelo advento da lepra, excluindo os leprosos do convívio social e encerrando-os em um universo à parte, o qual despertava, ao mesmo tempo, medo, desconfiança e ódio, tiveram uma enorme aceitação social. Assim, a segregação e o confinamento que se cristalizaram em tomo dos leprosos, apareceram, por muito tempo, no tratamento que a sociedade ocidental dispen­sou aos seus párias; além disso, a própria medicina ocidental os incorporou como base da ação terapêutica, em que o isolamento dos doentes passou a ser uma via obrigatória para a cura.

ABSTRACT

The trajetory of leprosy and lepers in the Medieval period is a special subject to the study of the impact of a disease on a determined society, and of the social mechanisms implicated on the perception, delimitation, and destiny of the diseases, for it achieved the Medieval Occident in a time when it was defining itself in an excluding way in relation to a change.

The mechanisms that the Middle Ages created to overcome the desestabili­zation caused by the forthcoming of leprosy, keeping the lepefs away from the social contact, and locking them in a world apart, that caused fear, suspicion, and hate at the same time, were very well accepted by the society. Therefore, during a long time, the segregation, and confinment that were fixed around the lepers appeared in the treatment that occidental society gave to its social outcasts; moreover, the occidental medicine itself incorporated them as base for the therapeutic action, in which the segregation of pacients became the compulsory way to cure.

RESUMÉ

Le parcours de la lépre et des lépreux durant la période médieval constitue un sujet privilégié pour l' étude d'une maladie sur une société determiné et des mécanismes sociaux engagés dans la perception, delimitation et destin des maladies, car elle a atteint l' occident medieval a un moment ou celui-ci se précise de façon à exclure tout changement.

Les dispositifs que le Moyen-Âge a crée pour surmonter la destructuration apporté par l' avénement de la lépre, excluant les lépreux de la fréquentation sociale et les enfermant dans un univers à part, en éveillant, en même temps, peur, méfiance et haine, ont eu une énorme acceptation sociale. Ainsi, la ségrégation et le confinement qui se sont cristallisés autour des lepreux, se sont présentés, pendant longtemps, dans le traitement que la société occidentale a accordé a ses parias; de plus, la médicine occidentale les a incorporé comme base d'action terapeutique, ou l'isolement des maladies est devenu un chemin obligatoire vers la cure.

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1 Apesar de a considerarmos válida, não utilizaremos aqui a distinção que Rodney M. Coe faz entre enfermidade, "processo biológico, cujo resultado é um estado físico alterado do indivíduo", e doença, "avaliação subjetiva, pelo indivíduo, de que algo ruim o acomete como indivíduo [...] sob a forma de uma redução de sua capacidade para realizar as funções sociais", uma vez que ela não atende aos objetivos deste texto. Ver R. M. Coe, Socioiogía de ia Medicina, Madri, Alianza, 1973, p.140.

.2 J. Revel e J. P. Peter, "O Corpo: O Homem Doente e sua História", in J. Le Goff e P. Nora, eds., História: Novos Objetos, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, p. 144.

3. G. Duby, O Ano Mil, Lisboa, Ed. 70,1986, pp. 145-5l.

4. F. Béniac, "O Medo da Lepra", in J. Le Goff, org., As Doenças Têm História, Lisboa, Terramar, s/d, pp. 127-8.

5. A. T. Sousa, Curso de História da Medicina, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 240.

6. F. Béniac, "O Medo...", op. cit., p. 129.

7. M. Foucault, História da Loucura, São Paulo, Perspectiva, 1987,.pp. 5-6.

8. A. T. Sousa, Curso de ..., op. cit, p. 241.

9. M. Rouche, "Alta Idade Média Ocidental", in História da Vida Privada, Lisboa, Afrontamento, 1989, voI. 1, pp. 441-2.

10. A. T. Sousa, Curso de ..., op. cit., p. 177.

11. Idem, pp. 184-6.

12. F. Béniac, "O Medo...", op. cit., pp. 130-1.

13. Apud F. Béniac, "O Medo...", op. cit., p.132.

14. F. Béniac, "O Medo...", op. cit., p. 133.

15. A. T. Sousa, Curso de ..., op. cit., p. 241.

16. F. Béniac, "O Medo...", op. cit., p. 132.

17. B. Geremek, ..~ Marginal", in J. Le Goff, org., L'Homme Médiéval, Paris, Seuil, 1989, p. 407.

18. F. Béniac, "O Medo...", op. cit., p. 135.

19. B. Geremek, "Le MarginaL", op. cit., p. 407.

20. Apud J. Le Goff, A Civilização do Ocidente Medieval, Lisboa, Estampa, 1984, vol. 2, p. 77.

21. Apud A. Lagarde e L. Michard. Moyer Âge, Paris. Bordas. 1975, pp. 124-5.

22. J. Le Goff, A Civilização op. cit., pp. 76-7.

23. F. Béniac, "O Medo... op. cit.. pp. 129-35.

24. M. Foucault. História da.. op. cit.. p. 3.

25. F. Béniac. "O Medo.. , op. cit.. p. 141.

26. J. Le Goff, A Civilização.. op. cit.. vol. 2. p. 82.

27. C. Ginzburg. História Noturna. São Paulo. Cia. das Letras. 1991. p. 45.

28. B. Geremek. "Le Marginal op. cit.. p. 407.

29. F. Béniac. "O Medo op. cit.. p. 136.

30. Idem. pp. 139-40.

31. C. Ginzburg, História Noturna..., op. cit., p. 43.

32. Idem, p. 44.

33. Idem, p. 66.

34. Idem, ibidem.

35. A. Saunier, "A Vida Quotidiana nos Hospitais da Idade Média", in J. Le Goff, org.,As Doenças..., op. cit., p. 219.

36. M. Foucault, História da Loucura..., op. cit., pp. 6-8.

  • 2 J. Revel e J. P. Peter, "O Corpo: O Homem Doente e sua História", in J. Le Goff e P. Nora, eds., História: Novos Objetos, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, p. 144.
  • 3. G. Duby, O Ano Mil, Lisboa, Ed. 70,1986, pp. 145-5l.
  • 4. F. Béniac, "O Medo da Lepra", in J. Le Goff, org., As Doenças Têm História, Lisboa, Terramar, s/d, pp. 127-8.
  • 5. A. T. Sousa, Curso de História da Medicina, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 240.
  • 7. M. Foucault, História da Loucura, São Paulo, Perspectiva, 1987,.pp. 5-6.
  • 9. M. Rouche, "Alta Idade Média Ocidental", in História da Vida Privada, Lisboa, Afrontamento, 1989, voI. 1, pp. 441-2.
  • 17. B. Geremek, ..~ Marginal", in J. Le Goff, org., L'Homme Médiéval, Paris, Seuil, 1989, p. 407.
  • 20. Apud J. Le Goff, A Civilização do Ocidente Medieval, Lisboa, Estampa, 1984, vol. 2, p. 77.
  • 21. Apud A. Lagarde e L. Michard. Moyer Âge, Paris. Bordas. 1975, pp. 124-5.
  • 27. C. Ginzburg. História Noturna. São Paulo. Cia. das Letras. 1991. p. 45.
  • 35. A. Saunier, "A Vida Quotidiana nos Hospitais da Idade Média", in J. Le Goff, org.,As Doenças..., op. cit., p. 219.
  • 36. M. Foucault, História da Loucura..., op. cit., pp. 6-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    1995
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