Acessibilidade / Reportar erro

QUALIDADE DA ÁGUA EM PROPRIEDADES LEITEIRAS COMO FATOR DE RISCO À QUALIDADE DO LEITE E À SAÚDE DA GLÂNDULA MAMÁRIA* * Trabalho financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

WATER QUALITY IN DAIRIES AS A RISK FACTOR TO MILK QUALITY AND HEALTH OF MAMMARY GLAND

RESUMO

Com os objetivos de avaliar o risco que a qualidade da água utilizada na produção de leite pode representar para a qualidade do produto e para a saúde da glândula mamária foram analisadas amostras de água das fontes de abastecimento, saída do reservatório e do estábulo em 30 propriedades leiteiras. Verificou-se que 90,0% das amostras das fontes 86,7% dos reservatórios e 96,7% dos estábulos encontravam-se fora dos padrões microbiológicos de potabilidade. Os resultados mostraram o isolamento de Staphylococcus spp. em 80,0%, 63,3% e 66,7% das amostras de água das fontes, reservatórios e estábulo, respectivamente. Foram isolados Staphylococcus aureus nas amostras de água dos 3 pontos amostrados sendo que 100% das amostras isoladas da água utilizada no estábulo foram capazes de produzir enterotoxinas. Os resultados obtidos mostraram que a água utilizada em propriedades leiteiras pode representar risco a qualidade do leite e à saúde da glândula mamaria.

PALAVRAS-CHAVE:
Água; produção de leite; estafilococos; enterotoxina.

ABSTRACT

Water samples from supply sources, reservoir and stable outlets in 30 dairies were analyzed to evaluate risk in milk quality and in the health of the mammary gland which may depend on water quality in milk production. Ninety percent of water source, 86.7% of reservoir and 96.7% of stables samples failed to comply with microbiological standards. Results showed Staphylococcus spp. in 80.0%, 63.3% and 66.7% of water source, reservoir and stable samples respectively. Staphylococcus aureus was isolated in water samples from the 3 sites, and all samples (100%) of water from the stables were able to produce enterotoxins. Results showed that water used in dairies may be harmful to the health of the mammary gland and jeopardize milk quality.

KEY WORDS:
Water; milk production; Staphylococcus; enterotoxin.

INTRODUÇÃO

No Brasil, de modo geral, o leite é obtido em más condições higiênico-sanitárias, apresentando contagens altas de microrganismos, constituindo-se em risco à saúde pública, principalmente, quando consumido cru, sem tratamento térmico (CERQUEIRA, 1994CERQUEIRA, M.M.O.P. Surto epidêmico de toxinfecção alimentar envolvendo queijo tipo Minas Frescal em Pará de Minas. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., v.46, n.6, p.723728, 1994.).

O leite, pela sua riqueza nutritiva, constitui excelente meio de cultura para o desenvolvimento de microrganismos podendo ser responsável pela transmissão de importantes zoonoses ao homem. Torna-se necessário que o leite produzido, processado e comercializado para o consumo humano seja seguro e não apresente risco para a saúde pública (BARRET, 1989Barret, N.J. Milkborne disease in England and Wales in the 1980‘s. J. Soc. Technol. v.42, p.4-6, 1989.).

Vários são os fatores que podem contribuir para a contaminação das águas subterrâneas, principais fontes de água utilizada em propriedades leiteiras, dentre os quais destaca-se a ubiqüidade de determinados microrganismos, especialmente, daqueles pertencentes ao grupo dos coliformes e aos dos gêneros Staphylococcus e Pseudomonas (ROBINSON, 1987ROBINSON, R.K. Microbiologia lactológica. Zaragoza: Acribia, 1987. p.230.; FILIP et al., 1988FILIP, A.; KADDU-MALINDWAB, D.; MILD, G. Survival and adhesion of the facultative patogenic microorganisms in groundwater.Water Sci. Technol., v.19, p.1189, 1988.; SCHUKKEN et al., 1991SCHUKKEN, Y.H.; G ROMMER, F.J.; VAN DER GREER, D. Risk factors for clinical mastitis in herds with low bulk milk somatic cell count. 2-Risk factors for Escherichia coli and Staphylococcus aureus. J. Dairy Sci., v.74, p.826-832, 1991.).

A mastite bovina constitui-se numa das enfermidades mais importantes do rebanho leiteiro, capaz de determinar consideráveis perdas econômicas pela redução da quantidade e pelo comprometimento da qualidade do leite produzido, ou até pela perda total da capacidade secretora (NICOLAU et al., 1992).

A bactéria Staphylococcus aureus é, provavelmente, o agente patogênico mais freqüente isolado de casos de mastite bovina em todo o mundo (FERREIRO, 1978FERREIRO, L. Agentes etiológicos e terapêutica da mastite bovina no Brasil. Arq. Fac. Vet. Univ. Fed. Rio Grande Sul, v.6, p.77-88,1978.). FAGLIARI et al., (1990)FAGLIARI , J.J.; LUCAS, S.A.; FERREIRA NETO, J.M. Mamite bovina: comparação entre os resultados obtidos no California Mastitis teste o exame bacteriológico. Cienc. Vet., v.4, n.1, p.4-5, 1990. detectaram S. aureus em 54,0% amostras de leite de animais com mastite clínica e em 40,7% das amostras de animais com mastite subclínica na região de Ilha Solteira, SP. O S. aureus foi o agente mais isolado (28,9%) em amostras de leite de vacas mastíticas na região de Itaguaí, RJ (VIANNI & NADER FILHO, 1989VIANNI, M.C.E. & NADER FILHO, A. Eficiência do C.M.T. na estimativa do número de células somáticas do leite bovino. Ciênc. Vet. , v.3, n.2, p.5-6,1989.).

Os Staphylococcus coagulase negativa e o Corynebacterium bovis foram considerados no passado como não patogênicos e excluídos de dados de muitos estudos sobre a etiologia da mastite bovina (HARMON et al., 1986HARMON, R.J.; CRIST, W.L.; HEMKEN, R.W.; LANGLOIS, B.E. Prevalence of minor udder pathogens after intramammary dry treatment. J. Dairy Sci., v.69, n.3, p.843-849, 1986.). TIMMIS & SCHULTZ (1987)TIMMIS, L.L. & SCHULTZ, L.H. Dynamics and significance of coagulase-negative staphylococcal intamammary infections. J. Dairy Sci., v.70, p. 2648 -2657, 1987. referem que alta incidência, longa duração, mudança na composição do leite e queda na produção de leite pela infecção da glândula mamária por Staphylococcus coagulase negativa, justificam a atenção a estes microorganismos como causadores de mastite bovina. Juntamente com S. aureus, os Staphylococcus coagulase negativa foram os agentes mais isolados de infecções subclínicas do úbere (LAFI et al.,1994LAFI, S.Q.; AL-RAWASHDEH, K.I.; EREIFEJ, K.I.; HAILAT, N.Q. Incidence of clinical mastitis and prevalence of subclinical udder infections in Jordanian dairy cattle. Prev. Vet. Med., v.18, n.2, p.89-98, 1994.).

Os microrganismos do gênero Staphylococcus também constituem risco à população consumidora do leite mastítico, uma vez que algumas cepas podem produzir toxinas termoestáveis e provocar intoxicação alimentar, desencadeando severos processos de gastroenterites principalmente em crianças e idosos (MELCHÍADES et al., 1993MELCHÍADES, L.E.A.; VEIGA, V.M.O.; RIBEIRO, M.T.; DUTRA, I.S. Produção de enterotoxinas por Staphylococcus isolados de mastite subclínica bovina. Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, v.48, n.288, p.80-81, 1993.). A esse respeito, FURLANETTO et al. (1987)FURLANETTO, S.P.M.; NADER FILHO, A.; WILSON, D.; SCHOCKENITURRINO, R.P. Staphylococcus aureus enterotoxigênicos isolados a partir de leite de vacas mastíticas. Rev. Microbiol., v.18, n.2, p.38-143, 1987., constataram a presença de cepas de S. aureus produtoras de enterotoxinas A e B em 2 amostras de leite mastítico num total de 468 examinadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Colheita de amostras

As amostras de água foram colhidas de 3 pontos: fonte, saída do reservatório e estábulo em 30 propriedades leiteiras, sorteadas ao acaso, pertencentes à bacia leiteira do Município de Franca, Estado de São Paulo.

Determinação do NMP de coliformes totais e E. coli. (APHA, 1992bAMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA. Standard methods for examination of water and wastewater . 18. ed., New York: APHA, 1992.b)

As amostras foram submetidas às determinações dos NMP de coliformes totais e Escherichia coli. Estas determinações foram realizadas utilizando-se a técnica do substrato cromogênico para coliformes totais e E. coli a partir de volumes de 100 mL de cada amostra de água, ou de suas diluições decimais em água peptonada a 0,1%.

Contagem de Staphylococcus aureus e Staphylococcus coagulase negativa (APHA, 1992aAMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA. Compendium for the microbiological examination of foods. 3.ed., Washington: APHA, 1992a. 1219p.)

Essas determinações foram realizadas utilizando-se a técnica da membrana filtrante e ágar BairdParker. As colônias características foram submetidas aos testes da catalase e OF/Glicose (MAC FADDIN, 1976MAC FADIN, J.F. Biochemical tests for identification of medical bacteria. Baltimore: Williams & Wilkins, 1976.). Foram consideradas coagulase negativa as colônias que não coagularam o plasma de coelho em incubação a 37º C por até 24h.

Os Staphylococcus que apresentaram reação positiva na prova da coagulase foram submetidos às provas da termonuclease, fermentação do manitol em anaerobiose e produção de acetoína para a confirmação da espécie S. aureus (Sneath et al., 1986SNEATH, P.H.A.; MAIR, N.S.; SHARPE, M.E.; HOLT, I.G. Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology. Baltimore: Williams & Wilkins, 1986.).

Pesquisa de cepas de Staphylococcus aureus enterotoxigênicos

As cepas de S. aureus isoladas foram testadas para capacidade de produzirem enterotoxinas através da utilização do Staphylococcal Enterotoxin Visual Immuossay (Tecra Diagnostics), teste esse aprovado pela AOAC e Ministério da Agricultura do Brasil.

Determinação do perfil de sensibilidade “in vitro” das cepas de Staphylococcus aureus enterotoxigênicos isoladas. (BAUER et al., 1966BAUER, A.W.; K IRBY, W.M.; SHERRIS, J.C.; TURCK, M. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. Am. J. Clin. Pathol., v.45, n.4, p.493-496, 1966)

Para a realização deste método, 3 a 5 colônias de Staphylococcus aureus entero-toxigênicos isoladas das amostra de água, foram semeadas em caldo TSB e incubadas a 35º C por 18 a 20h. Em seguida, alícotas dessa cultura foram gotejadas em solução salina esterilizada, até a obtenção da turvação idêntica à solução de cloreto de bário. Em seguida, utilizando-se zaragatoa a cultura foi semeada sobre a superfície de ágar Mueller-Hinton e colocados os discos impregnados com os princípios a serem testados. A leitura foi realizada após a incubação a 35º C por 24h, sendo os resultados obtidos na mensuração dos halos de inibição comparados com os da tabela fornecida pelo laboratório fabricante.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta o número e a porcentagens de amostras de água das fontes (poços e nascentes), reservatórios e dos estábulos, segundo os padrões microbiológicos de potabilidade (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 518, de 25 mar. 2004. Norma de qualidade para água de consumo humano. Diário Oficial da União, Brasília, n.59, 26 mar. 2004.; BRASIL, 1997BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Regulamento de inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal - RIISPOA. Brasília: 1997.).

A Tabela 2 mostra os números médios de coliformes totais e E. coli nas amostras da água utilizada nas propriedades leiteiras. Verifica-se que os coliformes totais foi o grupo de microrganismos que se apresentaram com valores maiores que os padrões em todas amostras analisadas.

Tabela 1
Números e porcentagens de amostras de água das fontes de abastecimento, reservatórios e dos estábulos, das propriedades leiteiras, dentro e fora dos padrões microbiológicos estabelecidos pela Portaria nº 518 de 25/ 3/2004 do Ministério da Saúde e RIISPOA, 97.

A Tabela 3, mostra os números e as porcentagens das amostras de água de em que foram isolados Staphylococcus spp., S. aureus e S. aureus enterotoxigênicos.

Na Tabela 4 estão apresentadas as porcentagens de cepas de S. aureus enterotoxigênicos resistentes a diferentes antimicrobianos. Verifica-se que a tetraciclina e penicilina foram os princípios ativos aos quais as cepas foram mais resistentes.

DISCUSSÃO

Verifica-se nas Tabela 1 elevadas porcentagens de amostras de águas das fontes de abastecimento fora dos padrões microbiológicos de potabilidade para água de consumo humano e para utilização na produção de alimentos. Os resultados obtidos no presente estudo foram semelhantes aos obtidos por VIANA et al. (1973) citados por SOUZA et al. (1983)SOUZA, L.C.; IARIA, S.T.; PAIM, G.V.; LOPES, C.A. Bactérias coliformes totais e coliformes de origem fecal em águas usadas na dessedentação de animais. Rev. Saúde Pública, v.17, n.2, p.112-122, 1983. que analisaram amostras de água oriundas de fontes localizadas no meio rural, no Estado de Minas Gerais, e verificaram que 87,2% das águas de poços rasos e 87,5% das águas de minas estavam em desacordo com os padrões microbiológicos de potabilidade.

Sob o aspecto de Saúde Pública a água utilizada na produção de leite com qualidade higiênico-sanitária insatisfatória, como é o caso das amostras analisadas na presente pesquisa, pode veicular microrganismos ao leite que sendo um excelente meio para o desenvolvimento de diversos microrganismos pode potencializar a contaminação veiculada, transformando-se em um produto de risco à saúde dos consumidores. A esse respeito GALBRAITH & PUSEY (1984)GALBRAITH, N.S. & PUSEY, J.J. Milkborne infections disease in England and Wales 1938-1982. In: FREED, D.L.J. (Ed.). Health hazards of milk. London: Bailliere Tindall,1984. relatam, na Inglaterra, a ocorrência de 10 surtos de doenças transmitidas pelo leite contaminado pela água durante o processo de produção.

No que se refere à saúde animal, vale citar ROBINSON (1987)ROBINSON, R.K. Microbiologia lactológica. Zaragoza: Acribia, 1987. p.230. afirma que as águas utilizadas na lavagem de úbere quando intensamente contaminadas por coliformes pode ser responsabilizada por surtos de mastite por esses microrganismos.

Na Tabela 2, pode-se destacar, na água utilizada para o consumo humano e no estábulo, a presença de E. coli, este fato é muito relevante, pois esse microrganismo é considerado como o mais importante indicativo de poluição fecal das águas (BAUDISOVA, 1997BAUDISOVA, D. Evaluation of E. coli as the main indicator of faecal pollution. Water Sci. Technol., v.35, n.11, p.333, 1997.) e, portanto, de risco à saúde quando se consome água em que esta bactéria está presente. KRAVITZ et al. (1999)KRAVITZ, J.D.; NYAPHISI , M.; MENDEL, R.; PETERSEN, E. Quantitative bacterial examination of domestic water supplies in the Lesotho Highlands: water quality, sanitation and village health. Bull. World Health Organ., v.77, n.10, p.829-836, 1999. consideram a E. coli como o principal indicador de potabilidade para águas não tratadas.

Ressalta-se ainda, a possível presença de cepas de Escherichia coli causadoras de diarréias em seres humanos sendo, portanto, nesse caso não indicadora de risco, mas agente patogênico, a esse respeito, SATO et al. (1983)SATO, M.I.; SANCHEZ, P.S.; MARTINS, M.T. Isolation of enterotoxigenic Escherichia coli in water and sewage in São Paulo, Brazil. Rev. Microbiol., v.14, n.4, p.276-81, 1983. isolaram amostras de E. coli produtora de enterotoxina termolábil em amostras de água para dessedentação humana.

Tabela 2
Valores médios de coliformes totais e Escherichia coli, nas amostras de água de abastecimento das propriedades leiteiras, segundo a origem da água.
Tabela 3
Números e porcentagens de cepas de Staphylococcus spp., Staphylococcus aureus e Staphylococcus aureus enterotoxigênicos isoladas das amostras da água, utilizadas em propriedades leiteiras, nos diferentes pontos de amostragem.
Tabela 4
Porcentagens de cepas de Staphylococcus aureus enterotoxigênicos, isolados das amostras de água utilizada nos estábulos, resistentes aos diferentes antimicrobianos testados.

Verifica-se na Tabela 3 que foram isoladas bactérias do gênero Staphylococcus nas amostras de todos os pontos amostrados. ADESIYUN et al. (1997)ADESIYUN, A.A.; WEBB, L.A.; ROMAIN, H.I. Relatedness of Staphylococcus aureus strains isolated from milk and human handlers in dairy farms in Trinidad. J. Vet. Med., v.44, n.9, p.551-556, 1997. citam que a água utilizada na lavagem de equipamentos de ordenha quando contaminada é uma importante fonte de Staphylococcus para o leite, fato esse de suma importância sob o aspecto de saúde pública, pois uma vez no leite, caso exista condição de temperatura e a presença de S.s aureus produtores de enterotoxinas, esses microrganismos podem se multiplicar e atingir números que produzem uma quantidade de toxina capaz de produzir intoxicação. Ressalta-se que a toxina estafilocócica é termoresistente, não sendo destruída durante o processo de pasteurização do leite, causando severos casos de gastroenterites em crianças e idosos (MELCHÍADES et al. 1993MELCHÍADES, L.E.A.; VEIGA, V.M.O.; RIBEIRO, M.T.; DUTRA, I.S. Produção de enterotoxinas por Staphylococcus isolados de mastite subclínica bovina. Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, v.48, n.288, p.80-81, 1993.).

Pode-se observar, ainda, na Tabela 3, que foram isoladas das amostras de água das propriedades rurais cepas de S. aureus produtoras de enterotoxinas, em percentagens de 41,7% das amostras isoladas. Este resultado foi bem superior ao verificado por LECHEVALLIER & SEIDLER (1980)LECHEVALLIER, M.W. & SEIDLER, R.J. Staphylococcus aureus in rural drinking water. Appl. Environ. Microbiol., v.39, n.4, p.739-742, 1980. que verificaram capacidade enterotoxigênica em 4,0% das cepas de S. aureus isolados de amostras de água.

Sob o aspecto de Saúde Pública é importante ressaltar que a água das propriedades representam uma importante fonte de S. aureus para o leite o que é agravado pelo fato de que uma grande percentagem das cepas de S. aureus isoladas, em especial as isoladas das amostras de água utilizada na produção de leite (41,7%) foram capazes de produzir enterotoxinas, sendo que podem chegar ao leite e assim representar risco à saúde dos consumidores desse produto. Um exemplo que pode ilustrar essa afirmação anterior é o trabalho realizado por EVESON et al. (1988)EVENSON, M.L.; HINDS, W.; BERNSTEIN, R.S.; BERGDOLL, M.S. Estmation of human dose of staphylococcal enterotoxin A for a large outbreak of staphylococcal food poisoning. Int. J. Food Microbiol., v.7, n.4, p.311316, 1988., nos Estados Unidos, que investigaram um surto de intoxicação causado por leite achocolatado não sendo isolado S. aureus do leite, mas foram detectadas enterotoxinas A e B no produto. Os autores atribuíam a presença das toxinas no leite já pasteurizado a falhas na produção e resfriamento do leite cru, antes do processamento térmico.

No que se refere à saúde animal, os resultados do presente estudo mostram que a água utilizada na produção de leite pode ser uma fonte importante desses microrganismos para o úbere, principalmente, considerando-se que a bactéria S. aureus é, provavelmente, o agente patogênico mais freqüente isolado de casos de mastite bovina em todo o mundo (FERREIRO, 1978FERREIRO, L. Agentes etiológicos e terapêutica da mastite bovina no Brasil. Arq. Fac. Vet. Univ. Fed. Rio Grande Sul, v.6, p.77-88,1978.). Os Staphylococcus spp. foram considerados no passado como não patogênicos e excluídos de dados de muitos estudos (HARMON et al., 1986HARMON, R.J.; CRIST, W.L.; HEMKEN, R.W.; LANGLOIS, B.E. Prevalence of minor udder pathogens after intramammary dry treatment. J. Dairy Sci., v.69, n.3, p.843-849, 1986.). TIMMIS & SCHULTZ, (1987)TIMMIS, L.L. & SCHULTZ, L.H. Dynamics and significance of coagulase-negative staphylococcal intamammary infections. J. Dairy Sci., v.70, p. 2648 -2657, 1987. refere que alta incidência, longa duração, mudança na composição do leite e queda na produção pela infecção por Staphylococcus coagulase negativa, justificam a atenção a estes microorganismos como causadores de mastite bovina.

Verifica-se que as cepas de S. aureus enterotoxigênicos isoladas das amostras de água utilizada nos estábulos apresentaram, para alguns antimicrobianos, bastante utilizados no tratamento da mastite bovina, principalmente, eritromicina e penicilina, elevados percentuais de resistência, o que poderia levar ao insucesso no tratamento com essas drogas, caso essas cepas fossem veiculadas pela água para a glândula mamária dos animais causando mastite e chegando ao leite, por serem enterotoxigênicas, gerar risco à saúde do consumidor. MCDONALD & ANDERSON (1981)MCDONALD, J.S. & ANDERSON, A.J. Antibiotic sensibility of Staphylococcus aureus and coagulase negative staphylococci isolated from infected bovine mamary glands.Cornell Vet., v.71, p.391-396, 1981., verificaram, também, alta resistência de cepas S. aureus isolados de casos de mastite com percentuais de 72,4% e 74,4% para ampicilina e penicilina, respectivamente.

Dessa observação pode-se extrair dois pontos importantes: a necessidade do tratamento da água, garantindo sua qualidade microbiológica minimizando o risco da veiculação de Staphylococcus para o leite e para o úbere e a importância do teste de sensibilidade dos agentes mastitogênicos frente a antibióticos e quimioterápicos, para maximizar o sucesso no tratamento da mastite bovina causada por esses agentes.

CONCLUSÃO

A água utilizada em propriedades leiteiras pode ser veículo de microrganismos patogênicos para o leite e para a glândula mamária. Portanto, existe a necessidade da desinfecção e controle da qualidade da água utilizada na produção de leite com os objetivos de minimizar os riscos à saúde humana e saúde animal.

  • *
    Trabalho financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ADESIYUN, A.A.; WEBB, L.A.; ROMAIN, H.I. Relatedness of Staphylococcus aureus strains isolated from milk and human handlers in dairy farms in Trinidad. J. Vet. Med, v.44, n.9, p.551-556, 1997.
  • AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA. Compendium for the microbiological examination of foods. 3.ed., Washington: APHA, 1992a. 1219p.
  • AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA. Standard methods for examination of water and wastewater . 18. ed., New York: APHA, 1992.b
  • Barret, N.J. Milkborne disease in England and Wales in the 1980‘s. J. Soc. Technol. v.42, p.4-6, 1989.
  • BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Regulamento de inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal - RIISPOA. Brasília: 1997.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 518, de 25 mar. 2004. Norma de qualidade para água de consumo humano Diário Oficial da União, Brasília, n.59, 26 mar. 2004.
  • BAUDISOVA, D. Evaluation of E. coli as the main indicator of faecal pollution. Water Sci. Technol, v.35, n.11, p.333, 1997.
  • BAUER, A.W.; K IRBY, W.M.; SHERRIS, J.C.; TURCK, M. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. Am. J. Clin. Pathol, v.45, n.4, p.493-496, 1966
  • CERQUEIRA, M.M.O.P. Surto epidêmico de toxinfecção alimentar envolvendo queijo tipo Minas Frescal em Pará de Minas. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot, v.46, n.6, p.723728, 1994.
  • EVENSON, M.L.; HINDS, W.; BERNSTEIN, R.S.; BERGDOLL, M.S. Estmation of human dose of staphylococcal enterotoxin A for a large outbreak of staphylococcal food poisoning. Int. J. Food Microbiol, v.7, n.4, p.311316, 1988.
  • FAGLIARI , J.J.; LUCAS, S.A.; FERREIRA NETO, J.M. Mamite bovina: comparação entre os resultados obtidos no California Mastitis teste o exame bacteriológico. Cienc. Vet, v.4, n.1, p.4-5, 1990.
  • FERREIRO, L. Agentes etiológicos e terapêutica da mastite bovina no Brasil. Arq. Fac. Vet. Univ. Fed. Rio Grande Sul, v.6, p.77-88,1978.
  • FILIP, A.; KADDU-MALINDWAB, D.; MILD, G. Survival and adhesion of the facultative patogenic microorganisms in groundwater.Water Sci. Technol, v.19, p.1189, 1988.
  • FURLANETTO, S.P.M.; NADER FILHO, A.; WILSON, D.; SCHOCKENITURRINO, R.P. Staphylococcus aureus enterotoxigênicos isolados a partir de leite de vacas mastíticas. Rev. Microbiol, v.18, n.2, p.38-143, 1987.
  • GALBRAITH, N.S. & PUSEY, J.J. Milkborne infections disease in England and Wales 1938-1982. In: FREED, D.L.J. (Ed.). Health hazards of milk London: Bailliere Tindall,1984.
  • HARMON, R.J.; CRIST, W.L.; HEMKEN, R.W.; LANGLOIS, B.E. Prevalence of minor udder pathogens after intramammary dry treatment. J. Dairy Sci, v.69, n.3, p.843-849, 1986.
  • KRAVITZ, J.D.; NYAPHISI , M.; MENDEL, R.; PETERSEN, E. Quantitative bacterial examination of domestic water supplies in the Lesotho Highlands: water quality, sanitation and village health. Bull. World Health Organ, v.77, n.10, p.829-836, 1999.
  • LAFI, S.Q.; AL-RAWASHDEH, K.I.; EREIFEJ, K.I.; HAILAT, N.Q. Incidence of clinical mastitis and prevalence of subclinical udder infections in Jordanian dairy cattle. Prev. Vet. Med, v.18, n.2, p.89-98, 1994.
  • LECHEVALLIER, M.W. & SEIDLER, R.J. Staphylococcus aureus in rural drinking water. Appl. Environ. Microbiol, v.39, n.4, p.739-742, 1980.
  • MCDONALD, J.S. & ANDERSON, A.J. Antibiotic sensibility of Staphylococcus aureus and coagulase negative staphylococci isolated from infected bovine mamary glands.Cornell Vet, v.71, p.391-396, 1981.
  • MAC FADIN, J.F. Biochemical tests for identification of medical bacteria Baltimore: Williams & Wilkins, 1976.
  • MELCHÍADES, L.E.A.; VEIGA, V.M.O.; RIBEIRO, M.T.; DUTRA, I.S. Produção de enterotoxinas por Staphylococcus isolados de mastite subclínica bovina. Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, v.48, n.288, p.80-81, 1993.
  • NICOLAU, E.S.; NADER FILHO, A.; AMARAL, L.A. influência da mastite subclínica estafilocócica sobre a produção láctea dos quartos afetados. Ars Vet, v.8, p.118-124, 1982.
  • ROBINSON, R.K. Microbiologia lactológica Zaragoza: Acribia, 1987. p.230.
  • SATO, M.I.; SANCHEZ, P.S.; MARTINS, M.T. Isolation of enterotoxigenic Escherichia coli in water and sewage in São Paulo, Brazil. Rev. Microbiol, v.14, n.4, p.276-81, 1983.
  • SCHUKKEN, Y.H.; G ROMMER, F.J.; VAN DER GREER, D. Risk factors for clinical mastitis in herds with low bulk milk somatic cell count. 2-Risk factors for Escherichia coli and Staphylococcus aureus. J. Dairy Sci, v.74, p.826-832, 1991.
  • SNEATH, P.H.A.; MAIR, N.S.; SHARPE, M.E.; HOLT, I.G. Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology Baltimore: Williams & Wilkins, 1986.
  • SOUZA, L.C.; IARIA, S.T.; PAIM, G.V.; LOPES, C.A. Bactérias coliformes totais e coliformes de origem fecal em águas usadas na dessedentação de animais. Rev. Saúde Pública, v.17, n.2, p.112-122, 1983.
  • TIMMIS, L.L. & SCHULTZ, L.H. Dynamics and significance of coagulase-negative staphylococcal intamammary infections. J. Dairy Sci, v.70, p. 2648 -2657, 1987.
  • VIANNI, M.C.E. & NADER FILHO, A. Eficiência do C.M.T. na estimativa do número de células somáticas do leite bovino. Ciênc. Vet , v.3, n.2, p.5-6,1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2004

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2004
  • Aceito
    23 Dez 2004
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br