Resumo
Com base no poema “O dialeto” este trabalho pretende analisar a dicção poética de João Cabral de Melo Neto, a fim de compreender como se configura a possível recusa do “dialeto-família” utilizado pelo primo Gilberto Freyre. Pensando nos versos “Nele nunca soube escrever: deve escrever-me um superego”, a poesia de João Cabral será vista como uma espécie de hiato entre o discurso da Casa-grande e a expressão cultural de grupos populares, como os cassacos de Engenho para quem o poeta foi leitor de romances de cordel, durante a sua infância.
Palavras-chave: Literatura brasileira; poéticas da modernidade; João Cabral de Melo Neto; Gilberto Freyre; textos inéditos
Abstract
Based on the poem “O dialeto” [The Dialect”], this paper intends to analyze the poetic diction of João Cabral de Melo Neto, aiming at understanding how the likely rejection of the “family-dialect” used by his cousin Gilberto Freyre was developed. Reflecting upon his verses “Nele nunca soube escrever: deve escrever-me um superego” (“I never knew how to write them: a superego must be writing me”, in direct translation), João Cabral's poetry is perceived as the space between the typical “Casa-grande” discourse and the cultural expression of popular groups, such as the plantation workers for whom the poet read cordel literature during his childhood.
Keywords: Brazilian literature; poetics of modernity; João Cabral de Melo Neto; Gilberto Freyre; unpublished texts
Résumé
À partir du poème "O dialeto" ["Le dialecte"], ce texte propose d'analyser la diction poétique de João Cabral de Melo Neto afin de comprendre comment se configure l'éventuel refus du « dialecte-famille » [dialeto-família] de son cousin Gilberto Freyre. Si l’on considère les vers « Nele nunca soube escrever: deve escrever-me um superego » [En lui je n’ai jamais su écrire : il doit m’écrire un surmoi], la poésie de João Cabral est ici vue comme une sorte de décalage entre le discours de la classe dominante et l'expression culturelle de groupes populaires, à l’exemple des ouvriers des moulins à sucre pour qui le poète était un lecteur de romans de cordel durant son enfance.
Mots-clés: Littérature brésilienne; poétiques de la modernité; João Cabral de Melo Neto; Gilberto Freyre; inédits
“O mais importante é o povo que fala e depois
o escritor que cristaliza essa maneira de falar.”
João Cabral de Melo Neto
In: Félix Athayde, 1998, p. 54
O poeta João Cabral de Melo Neto é descendente de famílias tradicionais de Pernambuco. Destacam-se tanto pela posse de engenhos de cana-de-açúcar quanto por atividades intelectuais e artísticas. A referência aos parentes ilustres pode ser observada em entrevistas concedidas pelo poeta e ao longo de sua obra, como demonstram estes versos do poema “Os primos”:
Meus primos todos em pedra, na praça comum, no largo de nome indígena. (MELO NETO, 2020. p. 64)João Cabral tinha um interesse incomum pela sua genealogia. Buscava mapear sua origem, passando por Gilberto Freyre, primo pelo lado materno, Manuel Bandeira e Mauro Mota, pelo paterno, até “seu possível parentesco com antigos portugueses como, imagine-se, o próprio descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral, ou como Jerónimo de Albuquerque, que dizia ser seu décimo quinto avô”, conforme sublinha Arnaldo Saraiva (2020, p. 9).
Ainda, sobre essa temática, entre os documentos inéditos de João Cabral destaca-se o “Poema genealógico”1. Trata-se de um texto dividido em seis partes, no qual o sujeito poético conjectura a hipótese de galhos africanos ou indígenas terem sido podados da sua árvore genealógica, porque “Os Institutos têm Arquivos/ não lâminas de sangue vivo”. As partes finais do poema sintetizam tais dúvidas:
Mas que trago deles, pergunto? A média? ou tudo isso junto? Terei da índia concubina do décimo quinto avô de Olinda, Jerônimo (Albuquerque) ou terei de uma angolana que não sei? (e se alguém sabe não dirá: muito Recife implicará). * Jerônimo (Albuquerque), avô, décimo quinto: alguém contou quantos quinze avós são precisos para pôr de pé o homem, vivo? Pois mais de sessenta e dois mil são necessários para um mim, que o genealogista peneira de pretos, judeus, rameiras. (MELO NETO, 2020, p. 836-837)É importante destacar que, ao longo da poesia cabralina, não se nota esse tipo de questionamento, nem mesmo em poemas mais críticos sobre a sua condição de herdeiro de Senhores de Engenho, como “Autobiografia de um só dia” e “Descoberta da literatura”, de A escola das facas (1980), por exemplo. Além do “Poema genealógico”, os inéditos “O cabocó” e “O dialeto” também refletem sobre a origem ilustre de João Cabral. Neles, o sujeito poético, a partir da sua posição privilegiada, questiona a estrutura social brasileira, principalmente as precárias condições dos cassacos de Engenho. Assim, este trabalho pretende demonstrar como a linguagem do poeta pode ser considerada uma espécie de hiato entre o discurso da Casa-grande e a cultura popular de grupos marginalizados.
Dialeto-família
O espólio documental de João Cabral reserva muitas possiblidades a seus pesquisadores. Entre materiais nunca publicados em livros que integram o segmento de Produção Intelectual destacam-se mais de cinquenta poemas publicados na nova edição de Poesia completa de João Cabral (2020), Organizada por Antonio Carlos Secchin, contou com a minha colaboração nas seções de Inéditos e Dispersos. Assuntos pouco abordados em livros publicados pelo poeta são notáveis entre esses textos, como a própria família, colegas do Itamaraty, guerras e a cidade do Rio de Janeiro.
A capital fluminense - mencionada brevemente nos poemas “Conversa em Londres, 1952”, de Agrestes (1985), e em “Frei Caneca no Rio de Janeiro”, de Museu de tudo (1975) - surge nos inéditos “O dialeto”, “Rio de Janeiro” e “A Deus, natural do Rio, São Paulo e do Centro-Sul”. Nos dois últimos, prevalecem críticas à hegemonia política, cultural e socioeconômica da região Sudeste no cenário nacional. Em “O dialeto”2, ao expor seu dilema com variedades linguísticas, deixa escapar uma alfinetada no “esperanto carioca”:
No Recife havia um dialeto- família, o Gonsalves de Melo. Nele falava minha mãe e escrevia seu primo Gilberto. Ele me aflora quando falo distraidamente ou sem ecos. Nele nunca soube escrever: deve escrever-me um superego. * Depois de anos-luz de outras falas, de viver de línguas alheias, por exemplo, o esperanto carioca, que menos que fala, canteia, caio de volta no dialeto com oito dias no Recife: volta na fala, que na escrita o superego não desiste. (MELO NETO, 2020, p. 830)3A poesia de João Cabral caracteriza-se pela reiteração de temas e de recursos estéticos, em torno das “vinte palavras sempre as mesmas/ de que conhece o funcionamento,/ a evaporação, a densidade/ menor que a do ar” (MELO NETO, 2020. p. 73). Do ponto de vista formal, “O dialeto” apresenta alguns traços comuns a essa poética: poema em quadras, versos curtos de sete ou oito sílabas métricas e o assunto apresentado em dois atos. O uso de elementos gráficos para separar o subtema das duas primeiras estrofes - a existência de um dialeto exclusivo da família materna do poeta -do que será tratado nas últimas - seu dilema em conviver com várias línguas estrangeiras, em função da profissão de diplomata, e o retorno do “dialeto-família” apenas na fala -, lembra formas dípticas e o espelhamento de poemas de A educação pela pedra.
Em relação ao conteúdo, o jogo com ideias díspares amplia o horizonte do leitor em relação ao conceito de variação linguística. No primeiro segmento, o sujeito poético apresenta um dialeto exclusivo dos Gonsalves de Melo. Referências a descendentes dessa família nota-se também nos poemas “Cento-e-sete” - de A escola das facas (1980) - e no disperso “Para Ana Cecília”4. Gilberto Freyre, lembrado em “O dialeto”, é tema do poema “Casa-grande & senzala, quarenta anos”, de Museu de tudo (1975), que será citado e analisado mais adiante.
Enfatiza-se que o primo Gilberto escrevia de acordo com regras linguísticas exclusivas dos Gonsalves de Melo. A mãe do poeta - Carmem Carneiro Leão - também usava a mesma variante, mas apenas na fala, assim como João Cabral, em momentos de distração. No seu processo de criação poética, porém, o poeta sugere contar com o auxílio de um superego que o impede de escrever no “dialeto-família”.
Dialeto e mais
Para que possamos compreender como marcas linguísticas de um grupo familiar adquirem status de dialeto, torna-se necessário rever tal conceito. A etimologia desse termo provém do grego diálektos com um sentido próximo à conversa, discussão. A partir daí justifica-se associá-lo a vocábulos como: linguagem, idioma, língua ou conversação. Diálektos chega ao latim dialéctós ou dialéctus, com significações originais da língua grega, mas com valor mais específico de linguagem particular de um país ou modo de falar. Na língua portuguesa o termo aparece desde o século XVII, vindo do francês dialecte.
Entre as propostas de se conceituar um termo de caráter bastante plural, destaca-se a definição formulada por Eduardo Carlos Pereira, na Grammatica Histórica do Português (1915): “chama-se dialecto a differenciação regional de uma língua, e ao processo lento dessa diferenciação dá-se o nome de dialectação.” (PEREIRA apudSAMU, 2013, p. 356). Desde casos de dialetação - que, no decurso de 2000 anos, levaram dialetos do latim a se transformarem nos idiomas português, espanhol, francês e italiano - às diferenças dialetais entre o português brasileiro e o lusitano, Pereira relaciona a rapidez nas mudanças de uma língua a práticas literárias menos conservadoras. Embora admita que o conceito seja vago e de difícil definição, considera como dialeto: “qualquer differenciação de linguagem no fallar de uma região ou de uma classe social. Deste ponto de vista, temos não só os dialectos continental, insulano e ultramarino, no seio do portuguez, mas ainda o dialecto literário, o dialecto popular, etc.” (PEREIRA apudSAMU, 2013, p. 356). Portanto, movimentos dialetais são atividades natas de uma língua, sendo o dialeto um ponto de confluência entre as mudanças lexicais e as formas da Gramática.
Desde a conceituação feita por Pereira, que permanece contundente após mais de um século de publicação, novas perspectivas teóricas abordaram esse assunto para além de aspectos linguísticos. Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1984), por exemplo, indica a necessidade de se considerar fatores extralinguísticos, de ordem psíquica, social e política, a fim de definir critérios que auxiliem na classificação dos dialetos e subdialetos de uma língua.
Ferdinand Saussure, ao associar o surgimento da escrita a uma maneira de unificar a diversidade linguística de uma nação, acrescenta aspectos políticos que levam à escolha de determinada variedade como padrão. Segundo ele, “uma vez se dá preferência ao dialeto da região onde a civilização é mais avançada, outras ao da província que tem a hegemonia política e onde está sediado o poder central; outras, é uma corte que impõe seu falar à nação” (SAUSSURE, 1971, p. 226). Portanto, as relações de poder são decisivas no processo de oficialização de qual dialeto deverá se sobrepor aos demais. O ato da escrita passa a ser visto como sinônimo de civilidade, por estar vinculado a um dialeto usado por grupos mais influentes político, econômico ou culturalmente.
As considerações de Saussure ajudam a compreender o “dialeto-família” como sinônimo da linguagem da classe dominante de Pernambuco. Com o desenvolvimento da Sociolinguística, surgem perspectivas teóricas e termos como idioleto - referente às variedades individuais de cada falante - e socioleto - referente às variações particulares de determinados grupos sociais - que podem abarcar aquilo que João Cabral nomeia como “dialeto-família”. Torna-se problemático, contudo, o fato de que essas definições da Sociolinguística se voltam mais à oralidade e o poeta alude ao uso do “dialeto-família” na escrita. A institucionalização de uma língua oficial para a escrita representa uma tentativa de driblar a diversidade de dialetos e, assim, expandir regras dominadas por quem possui mais influência política, cultural ou econômica aos demais falantes. Como justificar, então, que, em vez de escrever na variedade padrão da língua portuguesa, Gilberto Freyre faz uso de marcas linguísticas próprias da sua família?
Com “O dialeto” João Cabral suscita questionamentos sobre variações linguísticas que ultrapassam aspectos regionais e o binarismo entre fala e escrita. Apresenta-se uma marca linguística exclusiva de uma família tradicional de Pernambuco, sugerindo, assim, o privilégio de um grupo que, falando ou escrevendo, continua proferindo o discurso dominante. É curioso que João Cabral se apressa em esclarecer que a sua escrita não recorre à variante do primo Gilberto e demais membros da família Gonsalves de Melo. Se o autor de O cão sem plumas, ou seu superego, afirma não seguir às regras senhoriais, qual seria a linguagem usada na escrita de seus versos?
“Descoberta da literatura”
A tentativa de se distanciar da origem ilustre aparece, principalmente, em alguns poemas de A escola das facas (1980), o livro de João Cabral mais inclinado a reminiscências. Em “Descoberta da literatura” nota-se o conflito entre o menino João, leitor de romances de cordel para os cassacos de engenho, e a proibição dos adultos daquela corte:
(E acabaria, não fossem contar tudo à Casa-grande: na moita morta do engenho; um filho-engenho, perante cassacos do eito e de tudo, se estava dando ao desplante de ler letra analfabeta de corumba, no caçanje próprio dos cegos de feira, muitas vezes meliantes.) (MELO NETO, 1980, p. 75)Mesmo sem divisão de estrofes, o poema se passa em três momentos: 1º alguém conta ao menino, em segredo, que saiu um novo romance; 2º o franzino João assume o papel de leitor do “folheto guenzo”; 3º a denúncia e a proibição por parte dos adultos da Casa-grande. O trecho em que se apresenta a interrupção da leitura dos romances de cordel aparece destacado entre parênteses. Esse traço sugere que a maneira de pensar do sujeito poético diverge das orientações de seus familiares.
Entre os motivos para a censura, aponta-se o “desplante de ler letra analfabeta/ de corumba, no caçanje”. Trata-se de uma língua crioula de base portuguesa, falada por grupos étnicos oriundos de Angola. De acordo com Houaiss e Vilar (2009, p. 351), por extensão de sentido, o vocábulo “caçanje” passou a ser usado, pejorativamente, como “português errado, mal falado”. Demonstra-se, assim, a preocupação de que a linguagem do menino, alfabetizado na variedade padrão da língua portuguesa, pudesse se “contaminar” por variantes liguísticas de menos prestígio. A recusa ao dialeto-família, após se tornar um escritor consagrado, pode ser vista como um gesto de rebeldia e, ao mesmo tempo, de reafirmação de que, embora seja um “filho-engenho”, ele segue comprometido com aquela literatura descoberta durante a infância.
A respeito desse poema, Antonio Carlos Secchin indica que o discurso cabralino se constrói entre a literatura de cordel e a fala do menino letrado que serve de alto-falante aos trabalhadores de engenho. Na sua estruturação, nota-se certa contradição entre a tentativa de transmitir os rituais do cordel e a impossibilidade de fazer o seu texto ecoar como uma narrativa da tradição oral. De acordo com Secchin, “essa dualidade entre o popular e o erudito acompanhará toda a obra do poeta, através de sistemas paralelos e eventualmente cruzados de dicções em entrechoque: a poesia de Cabral nunca desistiu de ser também a poesia do João” (SECCHIN, 2014, p. 413).
Embora o sujeito poético insista em convencer o leitor de que o “dialeto-família” não determina o discurso da poesia cabralina, não se pode perder de vista que João Cabral também pertence à Casa-grande, como aparece nesta entrevista concedida a Oswaldo Amorim, em 1972:
Minha intenção, escrevendo este [Morte e vida severina] e outros poemas que tratam do nordeste brasileiro, não foi denunciar as suas estruturas feudais. Familiarmente, estou ligado aos beneficiários dessas estruturas feudais. Minha sinceridade ao denunciá-las não poderia ser completa. Mas também não creio que seja um poema cristão. Apenas escrevi a minha experiência, isto é, o que vi e vivi. A solução não é a mim que compete apresentá-la. (MELO NETO, 1972, n.p.)
Ao longo da sua obra, notam-se alusões a suas vivências nos Engenhos da família, como indicam “Menino de três engenhos” e o inédito “O cabocó”:
Usineiros bem conhecia. Havia muitos na família. Seus primos, os Cabral da Costa, que deviam ser Melo Costa, se as leis da genealogia se seguissem como deviam. Todos eles eram netos de um João. Como achar neles um dragão? (MELO NETO, 2020, p. 829)Ao descobrir, por meio “da gente serviçal”, que “no Engenho Poço havia um poço”, o menino João pôs se a imaginar eventos sobrenaturais ocorridos naquele lugar misterioso. De novo, infrige as regras da corte e vai sozinho, antes que toda a gente do Engenho acordasse e “o visse ante a porta do Demo”. Na quinta seção do poema, reproduzida acima, o sujeito imagina-se diante de algum usineiro, possivelmente guardião do “Cabocó”, que lhe repreende: “Jó,/ que estás fazendo por aqui?/ Ainda mais sozinho e sem Gí?”. O “Jó” pode ser a maneira carinhosa de se referir ao menino João e “Gí” ao seu irmão mais velho, Virgínio, que já havia lhe delatado no episódio da “Descoberta da literatura”. Voltando da imaginação, os últimos versos revelam a decepção do menino ao descobrir que o cabocó “era só uma boca de lixo,/ onde Jó jogou seu pouco místico.”
A postura de subversão de valores determinados por classes e regiões mais abstadas se veem representadas nas questões levantadas por “O dialeto”. As ressalvas do sujeito poético em relação ao “dialeto-família” e ao “esperanto carioca”, ambas consideradas variantes privilegiadas dentro da língua portuguesa, ultrapassa o binarismo entre fala e escrita. De um lado, o “dialeto-família” demarca a relevância da linguagem dos senhores de Engenho e de seus descendentes. Do outro, o “esperanto carioca” simboliza o Rio de Janeiro e, de certa forma, toda a Região Sudeste, apontada no poema “Conversa em Londres, 1952”, de Agrestes (1985), como a coroa da qual os estados do Nordeste seriam colônias. Portanto, ao refutar variantes linguísticas de prestígio, João Cabral ensaia um distanciamento da linguagem da classe dominante.
“Prosa de sesta”
Gilberto Freyre, além de ser mencionado no inédito “O dialeto” e em “O circo”, de Crime na Calle Relator (1987), será tema de “Casa-grande & senzala, quarenta anos”, publicado em Museu de tudo (1975). Esse é o livro de João Cabral mais inclinado à poesia de circunstância e ao cunho metalinguístico, simultaneamente. Quase metade dos oitenta poemas versa sobre literatos e artistas de diferentes nacionalidades e diversas épocas. Menos de dez desses textos homenageiam escritores brasileiros, muitos deles amigos do poeta, como Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Marques Rebelo, por exemplo.
Apesar do grau de parentesco e do afeto mútuo5, não há registro de diálogos mais estreitos entre os autores de Casa-grande & senzala e de Morte e vida severina. Se houve troca de correspondências, o material se perdeu, conforme sugere a ausência de registros no inventário analítico do espólio documental de João Cabral, doado pela família à Fundação Casa de Rui Barbosa. Há uma curiosidade envolvendo a publicação do livro de estreia de João Cabral: “A edição foi de pequena tiragem num total de duzentos exemplares, cinquenta deles considerados de luxo por serem impressos em sobras de papel alemão de uma edição do Guia de Olinda recentemente publicado por Gilberto Freyre” (FÉLIX ATHAYDE apudVASCONCELOS, 2009, p. 247).
Além de João Cabral, outros poetas do Modernismo brasileiro também escreveram poemas sobre o livro mais conhecido de Gilberto Freyre, como Manuel Bandeira, com “Casa-grande & senzala”, e Carlos Drummond de Andrade, com “A Gilberto Freyre”. Os três poemas figuram em algumas das edições do livro do sociólogo, demonstrando, assim, a relevância do diálogo entre os escritores. O poema de João Cabral, no entanto, traz uma homenagem inusitada, que poderia muito bem ser precedida pelo prefixo “anti-”, como sugerem estes versos:
Ninguém escreveu em português no brasileiro de sua língua: esse à vontade que é o da rede, dos alpendres, da alma mestiça, medindo sua prosa de sesta, ou prosa de quem se espreguiça. (MELO NETO, 2020, p. 467)Não se destaca a figura do primo Gilberto, o que poderia revelar laços familiares ou aspectos comezinhos, mas os quarenta anos de publicação da obra-prima de Gilberto Freyre. Esse evento, contudo, serve de pretexto para o sujeito poético analisar Casa-grande & senzala (1933). Nessa controversa homenagem, questiona-se a “prosa de sesta, ou prosa de quem se espreguiça” em que se apresenta a relação de donos de engenho com trabalhadores escravizados no Brasil. A “prosa de sesta”, criticada no poema de Museu de tudo, guarda similaridades com o “dialeto-família”, do inédito “O dialeto”.
O seguinte fragmento de O cão sem plumas também questiona o comportamento de segmentos privilegiados da sociedade pernambucana:
(É nelas, mas de costas para o rio, que “as grandes famílias espirituais” da cidade chocam os ovos gordos de sua prosa. Na paz redonda das cozinhas, ei-las a revolver viciosamente seus caldeirões de preguiça viscosa.) (MELO NETO, 2020, p. 103)Esse livro é bastante significativo na trajetória poética de João Cabral. Dedicado “A Joaquim Cardozo, poeta do Capibaribe”, é a primeira publicação de João Cabral que se volta, de maneira explícita, a temáticas pernambucanas. Mais precisamente, às precárias condições de vida dos homens nordestinos, que “as famílias espirituais” da cidade do Recife seguem ignorando.
Segundo o próprio poeta6, não havia escrito sobre a sua terra natal até ler, no jornal O observador econômico, que a expectativa de vida em Pernambuco era de apenas 28 anos. Essa informação impressionou o pernambucano letrado, diplomata e descendente de Senhores de Engenhos, cuja idade coincidia com os conterrâneos das estatísticas d’O observador. Decidiu que, se na sua terra havia homens vivendo em tais condições, a sua poesia deveria comprometer-se em mostrá-las aos leitores.
Desde então, as mazelas humanas passaram a ser objetivadas pela obra cabralina, sobretudo na tríade que se inicia com O cão sem plumas (1950) - com sua alegoria entre o cão, o rio e o homem -, passa pelo Rio (1954) e culmina na saga do retirante em Morte e vida severina (1956). Destacam-se, ainda, Dois parlamentos7 (1961) e o inconcluso A casa de farinha8. Mesmo em livros menos inclinados a esse mote, o interesse do poeta por assuntos ligados ao homem e ao seu tempo não se esvai de todo. Essa temática continua a ser abordada de modo diluído até nos livros considerados mais cerebrais, como ilustra “Os reinos do amarelo”, de A educação pela pedra (1966). Entre os inéditos, “A Deus, natural do Rio, São Paulo e do Centro-Sul” e “Congresso sobre o sol” retomam algumas críticas do poeta à estrutura social brasileira.
No excerto de O cão sem plumas, citado anteriormente, o uso de parênteses no meio do poema - traço que se observa também em “Descoberta da literatura” - é bastante significativo. Pode ser visto como uma maneira de as famílias abastadas de Pernambuco se distanciarem de problemas sociais e ambientais. Como se, à maneira das informações entre parênteses que se separam dos demais versos do poema, essa elite também se isolasse em suas respectivas castas. A imagem das “grandes famílias espirituais” chocando os ovos gordos da sua prosa lembra a “prosa de sesta, de casarões de alpendre” com a qual Gilberto Freyre apresenta a sua Casa-grande & senzala e o “dialeto-família” de que João Cabral busca se distanciar.
Os substantivos compostos que aparecem nos poemas de João Cabral - “dialeto-família” e “filho-engenho” - lembram alguns termos cunhados por Freyre, entre os quais o “filho-família” que aparece nesta polêmica passagem do livro de 1933: “Já houve quem insinuasse a possibilidade de se desenvolver das relações íntimas da criança branca com a ama de leite negra muito do pendor sexual que se nota pelas mulheres de cor no filho-família dos países escravocratas” (FREYRE, 2006, p. 367). O “dialeto-família” que, segundo João Cabral, era usado por Freyre na escrita pode ser associado ao termo “filho-família”, com o qual o sociólogo busca diferenciar os descendentes dos Senhores de Engenhos de outros seres humanos que ali “trabalhavam”. Dessa maneira, pode-se afirmar que João Cabral recorre a expressões e conceitos do próprio Freyre para criticar a postura de quem se dispõe a escrever sobre o patrimonialismo enquanto repousa nas redes ou nos alpendres da Casa-grande.
Para Silviano Santiago, a partir de 1950, a poesia de João Cabral empenha-se em rever a ideia de um Pernambuco regionalista, que levou à compreensão conservadora do homem e da história transmitida nas obras escritas por José Lins do Rego, na ficção, e por Gilberto Freyre, no ensaio, durante a década de 1930. Trata-se de “uma cosmovisão embasada pelos valores sociais e econômicos tradicionais, que são desfrutados pelos nhozinhos nos alpendres da casa grande” (SANTIAGO, 2006, p. 45).
A imagem dos alpendres dos casarões como símbolo de poder instituído por oligarquias políticas aparece também nos poemas “Uma mineira em Brasília” e “A mesma mineira em Brasília”, de A educação pela pedra (1966):
Com os palácios daqui (casas-grandes) por isso a presença dela assim combina: dela, que guarda no corpo e receptivo e o absorvimento de alpendre de Minas. (MELO NETO, 2020, p. 394)Evidencia-se o contraste entre a arquitetura da nova capital brasileira e os hábitos dos velhos políticos que habitarão a cidade planejada. Critica-se, portanto, o descompasso entre o projeto de modernização urbanística e a ausência de renovação no campo político e ideológico. O estado de Minas Gerais praticamente não é lembrado na poesia cabralina. Conforme artigo de minha autoria, nesse par de poemas, do livro de 1966, seus habitantes e costumes são evocados de maneira alegórica. “A imagem de Minas, consensualmente vista como um símbolo da tradição, associa-se às capitais planejadas, Belo Horizonte e Brasília, lançando dúvidas sobre um moderno projeto de urbanização que não envolve os âmbitos cultural, social e político” (RIBEIRO, 2017, p. 21).
Entre “prosa de sesta” e “dialeto-família” é possível deduzir que o discurso de Casa-grande & senzala é perpassado pela linguagem do grupo privilegiado. Nessa tentativa de conceituar a alma mestiça do povo brasileiro predomina o discurso de quem repousa sobre os alpendres dos casarões, enquanto observa, de longe, a lida dos trabalhadores no Engenho.
Hiato
Por meio de uma inusitada homenagem ao livro Casa-grande & senzala, João Cabral questiona uma obra de referência sobre o patrimonialismo no Brasil. É relevante destacar que, se por um lado, o autor de O cão sem plumas também poderia se sentar nos alpendres dos casarões, por outro, tenta se distanciar da “prosa de sesta” e do “dialeto-família” utilizados pelo primo Gilberto. Com sua poesia seca, aprendiz de faca, de pedra e de cacto, recorre a uma linguagem que desloque a situação de “filho-engenho” e reafirme uma dicção própria, ou seja, o dialeto-cabralino. O fato de ter um dialeto exclusivo implica alguns riscos, entre os quais a possibilidade de se encerrar em um solilóquio.
Acerca de certo ilhamento ou orfandade de João Cabral na poesia brasileira, Antonio Carlos Secchin afirma que não há uma linguagem em que a poesia cabralina possa se instalar, de maneira confortável. Todavia, a condição de “autor-ilha” não torna a sua trajetória criadora isenta da história, pois,
[...] uma ilha só se percebe em referência ao continente. Em face desse continente literário, com suas famílias e genealogias bem assentadas, a ilha cabralina é uma poesia encharcada de silêncio por todos os lados. Autor situado no tempo, mas não sitiado por ele, capaz, portanto, de grafar-lhe as marcas da recusa, da negação, da dissonância. (SECCHIN, 2014, p. 399)
Entre as marcas de recusa e negação que esse autor-ilha é capaz de grafar, destaca-se a desaprendizagem do “dialeto-família”. Essa tentativa de apagar o que deveria ser nato de um “filho-engenho” pode ser associado à inserção de temáticas pertinentes à realidade dos menos favorecidos e consequente valorização de manifestações da cultura popular.
Como um dos escritores brasileiros mais cosmopolitas, na poesia de João Cabral há referência ao cânone, desde Quevedo a Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo. Contudo, obras e artistas consagrados misturam-se a expressões e relatos advindos da cultura popular. No poema “A imaginação do pouco” - cujos versos de Marianne Moore, “imaginary gardens with real toads in them...”, figuram como epígrafe - a tradição de contar histórias se apresenta, mais uma vez, como uma das referências culturais do menino João:
Siá Floripes veio do Poço para Pacoval, Dois Irmãos, para seguir contando histórias de dormir, a mim, meu irmão. [...] Marianne Moore a admiraria. Pois, se seus jardins eram vagos, eram altos: o céu rasteiro era o meu, parco imaginário. (MELO NETO, 2020, p. 537 e 538)A reverência à cultura popular pode ser conferida também na sua prosa ensaística. Em A poesia brasileira - conferência inédita, escrita no Recife, em 1954, conforme caligrafia do próprio autor no original datilografado -, João Cabral critica o distanciamento da nossa poesia do leitor comum. Conclui o seu texto apontando a literatura popular do Nordeste como um possível caminho de aproximação entre o poeta moderno e o público:
já que estou falando do Recife, cidade maior de uma região que ainda conserva uma literatura popular viva, com seus poetas, seus editores, seus estilos, (literatura menos artificial na vida brasileira que a literatura requintada dos poetas eruditos), permito-me terminar com uma pergunta: por que não conciliar as formas dessa poesia narrativa com aqueles temas de local humanidade que fizeram a grandeza dos romancistas do nordeste? (MELO NETO, 1954, p. 175)
Dessa maneira, a dicção de João Cabral, sobretudo quando se dispõe a dar a ver as demandas dos marginalizados, pode ser vista como uma interposição entre o discurso da Casa-grande e expressões culturais do povo, vinculadas aos cassacos de Engenho. Assim, a obra cabralina, ao escrever-se numa linguagem própria, revela o seu dialeto como uma espécie de hiato entre o popular e o erudito.
DOCUMENTO INÉDITO
Fac-símile do poema inédito “O dialeto”. O original pertence ao espólio documental de João Cabral de Melo Neto, sob os cuidados do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa. 9
Referências
- ATHAYDE, Félix de. Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
- CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA: João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996
- CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de linguística e gramática 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
- FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51ª ed. São Paulo: Global, 2006.
- HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
- Inventário analítico de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Arquivo-Museu de Literatura Brasileira: Fundação Casa de Rui Barbosa.
- MAMEDE, Zila. Civil Geometria: Bibliografia crítica, analítica e anotada de João Cabral de Melo Neto, 1942-1982. São Paulo: Nobel, 1987.
- MELO NETO, João Cabral de. Poesia completa Organização, estabelecimento de texto, prefácio e notas Antonio Carlos Secchin; com a colaboração de Edneia R. Ribeiro. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020.
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- VASCONCELOS, Selma. João Cabral de Melo Neto: retrato falado do poeta. Recife: Ed. do Autor, 2009.
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Durante minha pesquisa de doutorado, foram descobertos - no espólio documental de João Cabral doado pela família para a Fundação Casa de Rui Barbosa - cerca de 30 artigos de jornal e programas de rádio, uma conferência inédita e mais de cinquenta poemas, até então inéditos, em livros publicados por João Cabral.
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A versão fac-similar pode ser conferida ao final deste trabalho.
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Divulgado pela primeira vez no jornal O Globo, em 4 de janeiro de 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/ineditos-de-joao-cabral-de-melo-neto-serao-publicados-para-marcar-centenario-leia-um-1-24170995?versao=amp Acesso em 12/11/2020.
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Publicado na seção de Dispersos da Poesia completa e prosa (2008), organizada por Antonio Carlos Secchin.
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“Muito mais por essa dor de não rever os amigos como Gilberto Freyre, com quem conversei muito nas tardes do Recife, que pela surpresa de ver como a cidade mudou, sinto dificuldades de voltar a Pernambuco”. (Entrevista concedida a Rinaldo Gama, em 9/9/1994. In: Cadernos de Literatura Brasileira, 1996, p. 129)
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Entrevista concedida a Margarida Autran. “O imortal que tem medo da morte”. Fatos & Fotos. Rio de Janeiro [396]: 41-43, 5 set. 1968. In: MAMEDE, 1987, p. 138-139.
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“Em Dois parlamentos, um parlamento é um grupo de senadores sulistas visitando a seca do Nordeste, e tem um pedaço que um diz: ‘O jeito é consagrar cemitério à região’, e é todo assim. É todo gozando a seca. É uma gozação da seca feita por sulistas, e por isso eu ponho sotaque sulista. E o outro é um grupo de filhinhos de papai na casa-grande do engenho dando uma vaia no cassaco de engenho - o cassaco é o trabalhador braçal do engenho -, eles estão dando uma vaia no cassaco, gozando a aparência do cassaco, por isso eu botei sotaque nordestino.” (Entrevista concedida a Bebeto Abranches em 1999. In: Sibila, n. 13, 2009)
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Iniciado em 1966, seria um auto, criticando condições dos trabalhadores em fabriquetas de farinha nordestinas. Em 2013, a Alfaguara lançou uma versão fac-similar dos manuscritos, acompanhada de transcrições feitas pela organizadora, Inez Cabral, com o título Notas sobre a possível A casa de Farinha. Após algumas alterações efetuadas por Antonio Carlos Secchin, o texto foi incluído nos Apêndices da Poesia completa de João Cabral (2020).
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Registro meus agradecimentos aos representantes legais de João Cabral de Melo Neto - Agência Riff e Editora Alfaguara - pela autorização para uso de fac-símile inédito.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Out 2021 -
Data do Fascículo
May-Aug 2021
Histórico
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Recebido
18 Dez 2020 -
Aceito
19 Mar 2021