Resumo
Como pessoas LGBTI+ têm sido consideradas nas pesquisas em Educação Matemática? Para responder esta pergunta, realizamos uma pesquisa bibliográfica do tipo Estado da Arte. Nosso corpus de análise incluiu teses, dissertações, artigos em periódicos e anais de eventos nacionais e internacionais. Identificamos 55 produções, publicadas a partir de 1995 – data da primeira publicação encontrada –, as quais interpretamos com inspiração na Análise de Conteúdo. Emergiram, na análise, quatro categorias: Formação de Professories de Matemática; Relações de Pessoas LGBTI+ com Matemática; Educação Básica e Avaliações de Larga Escala; e Discussões Teóricas e Pesquisas Bibliográficas. Percebemos uma concentração de pesquisas com objetivo de investigar as relações de pessoas LGBTI+ com a Matemática na Educação Básica, que interpretamos como uma tentativa de les autories em romper com a (re)produção de cis-heteronormas pela Matemática no âmbito das pesquisas e do contexto escolar. Como encaminhamentos, sugerimos pesquisas que analisem estratégias para um ensino de Matemática que visibilize, respeite e valorize pessoas LGBTI+; articulações entre a Educação Matemática e os estudos queer; compreensões sobre práticas de docentes de Matemática autoidentificades LGBTI+ e suas trajetórias; pesquisas que não apenas incluam pessoas LGBTI+, mas que questionem a natureza do conhecimento e da aprendizagem matemática dessas pessoas, considerando que os ambientes educacionais costumam ser opressores para elas. Precisamos tensionar a (Educação) Matemática, tornando-a um meio pelo qual muitas pessoas, que, historicamente, são subalternizadas também por ela, possam se ver representadas e adentrar seus espaços.
Palavras-chave:
Pessoas LGBTI+; Pesquisa em Educação Matemática; Estudo Bibliográfico
Abstract
How have LGBTI+ people been considered in mathematics education research? To address this question, we conducted a bibliographic inquiry usually referred as State of the Art. Our corpus of analysis includes theses, dissertations, papers in journals and proceedings of national and international events. We identified 55 productions, published from 1995 – the year of the first publication found – onwards, which we analyzed through a Content-Analysis-based framework. Four categories emerged from the analysis: Mathematics Teacher Training; Relationships established by LGBTI+ People with Mathematics; Basic Education and Large-Scale Assessments; and Theoretical Discussions and Bibliographic Research. We noticed that there is a concentration of research focused on the investigation of the relationships LGBTI+ people establish with mathematics during Basic Education, which we interpret as an attempt to break with the production and reproduction of cisgender and heterosexual norms through mathematics within the scope of research and school context. As takeaways, we suggest further research that proposes strategies for a mathematics teaching process that makes LGBTI+ people visible, respected, and valued; articulations between mathematics education and queer studies; understandings about the practices of self-identified LGBTI+ mathematics teachers and their trajectories; and research that not only includes LGBTI+ people, but that also questions the nature of knowledge and mathematical learning processes of these people, considering that educational environments are often oppressive for them. We need to tense mathematics (education), making it a means by which many people, who have historically been oppressed by it, feel represented and able to enter those spaces.
Keywords:
LGBTI+ People; Researches in Mathematics Education; Bibliographic Study
1 Introdução
A (in)visibilidade de pessoas LGBTI+1 1 Sigla utilizada para referenciar pessoas que desviam das normas de sexualidade e gênero estabelecidas pela sociedade em que estamos inserides, referindo-se a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexos e demais identidades. “[…] Diferentes pesquisadories fazem uso de diferentes siglas, reduzindo ou acrescentando letras. No MatematiQueer [grupo de pesquisa e extensão ao qual pertencem os autores deste artigo], adotamos apenas letras que representam identidades de gênero ou sexuais, em conformidade com grande parte dos movimentos sociais que lutam pela causa no país. Não há, na literatura ou nos movimentos sociais, um consenso a respeito, tampouco reconhecemos necessidade de normatização da sigla. As escolhas de uso são, de modo geral, políticas.” (ESQUINCALHA, 2022, p. 19). Enquanto pesquisadories que se debruçam sobre os Estudos Queer, entendemos o termo “Queer” em uma perspectiva de estranhamento das normas, mais do que isso, como uma política pós-identitária (LOURO, 2004), em detrimento do sentido identitário, por muitas vezes adotado socialmente. Sendo assim, optamos por não incluir a letra “Q” na sigla utilizada em nossas produções. Com relação às outras possibilidades de letras na sigla, entendemos que toda pessoa cuja sexualidade ou gênero desvia das normas deve ser representada, porém, não é possível utilizarmos uma sigla que visibilize todas as múltiplas formas de dissidências existentes, sendo esse o papel atrelado ao “+”. Disto isto, temos utilizado a sigla “LGBTI+” por observarmos a adoção mais recorrente desta em pesquisas do campo e por movimentos sociais. em ambientes educacionais formais tem trazido consigo a demanda de mudanças na forma como pensamos sobre questões escolares, acadêmicas, definições de famílias e outras questões e atitudes que envolvam essas pessoas (WIMBERLY, 2015WIMBERLY, G. L. LGBTQ Issues in Education: Advancing a Research Agenda. Washington, DC: American Educational Research Association, 2015.).
Gestores de escola, professores, familiares e formuladores de políticas precisam de informações e conhecimentos para compreender os fatores sociais, psicológicos, estruturais e escolares que afetam estudantes LGBTQ e outros. no nível individual (nível micro) e para entender como questões LGBTQ afetam o currículo da escola e sua estrutura (nível macro). As descobertas e discussões da pesquisa em educação acadêmica podem ajudar as escolas a se expandirem para atender a todos os estudantes e se tornarem lugares para aprender sobre e investigar pessoas LGBTQ e suas comunidades (WIMBERLY, 2015WIMBERLY, G. L. LGBTQ Issues in Education: Advancing a Research Agenda. Washington, DC: American Educational Research Association, 2015., p. 1, tradução nossa).
Apesar dos estudos sobre educação em gêneros e sexualidades existirem há algumas décadas, o tema ainda é pouco discutido nos cursos de formação docente em Matemática (GUSE; WAISE; ESQUINCALHA, 2020GUSE, H. B. A compreensão das representações sociais de professores(as) de matemática LGBT+ sobre diversidade sexual e de gênero por meio de narrativas. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 24., 2020, Cascavel. Anais […] Cascavel, PR: PPGECEM – UNIOESTE, 2020, p. 1-12.). Esta é uma discussão necessária no campo da Educação Matemática, principalmente ao considerarmos que a aula da disciplina também é um espaço que pode perpetuar desigualdades ou contribuir para a (re)produção de preconceitos e discriminações em nossa sociedade (LERMAN, 2019LERMAN, S. Theoretical aspects of doing research in mathematics education: an argument for coherence. In: KAISER, G.; PRESMEG, N. Compendium for early career researchers in mathematics education. ICME-13 Monographs: Springer International Publishing, 2019. p. 309-324.) e, consequentemente, afetar pessoas LGBTI+.
Atualmente, podemos observar algumas vertentes no campo da Educação Matemática que buscam romper com o paradigma de neutralidade do conhecimento matemático, como, por exemplo, as ideias de Educação Matemática Crítica (SKOVSMOSE, 2001SKOVSMOSE, O. Educação Matemática Crítica: a questão da democracia. Campinas: Papirus, 2001.) e de Matemática para Justiça Social/Ler e Escrever o Mundo com Matemática (GUTSTEIN, 2003GUTSTEIN. E. Teaching and learning mathematics for social justice in an urban, Latino school. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 34, n. 1, p. 37-73, 2003., 2006GUTSTEIN. E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York, NY: Routledge, 2006.). Dessa forma, pesquisadories2 2 Adotamos, ao longo do trabalho, a linguagem binária para nos referirmos às pessoas das quais conhecemos a identidade de gênero e a linguagem não-binária – “Sistema elu” (VALENTE, 2020) – quando a pessoa não é explicitada conforme seu gênero, demarcando um posicionamento político de visibilizar pessoas historicamente invisibilizadas e também de substituir o masculino genérico. Para aquelus que desejam conhecer mais sobre o sistema, recomendamos a seguinte leitura de “O ‘x’ e o ‘@’ não são a solução: Sistema Elu e Linguagem Neutra em Género” (VALENTE, 2020). Disponível em: www.is.gd/sistemaelu. têm discutido a Educação Matemática de grupos que foram historicamente marginalizados pela sociedade. No entanto, pessoas que se dedicam à Educação Matemática não têm considerado pessoas LGBTI+ em suas investigações (WAID, 2020WAID, B. E. Supporting LGBTQ+ Students in K-12 Mathematics. Mathematics Teacher: Learning & Teaching PK-12, Reston, v. 113, n. 11, p. 874-886, 2020.). Apesar do quantitativo de pesquisas sobre essas pessoas ter crescido nos últimos anos, podemos observar uma crescente discussão com foco apenas em gênero e, em sua maioria, centrada no binário cis-masculino/cis-feminino (LEYVA, 2017LEYVA, L. A. Unpacking the Male Superiority Myth and Masculinization of Mathematics at the Intersections: A Review of Research on Gender in Mathematics Education. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 48, n. 4, p. 397-433, 2017.), ou seja, considerando apenas homens cisgêneros e mulheres cisgêneras em suas discussões. Além disso, poucos são os estudos que discutem sobre a sexualidade dessas pessoas ou gêneros que desviam da norma estabelecida pela sociedade (RUBEL, 2016RUBEL, L. H. Speaking Up and Speaking Out about Gender in Mathematics. Mathematics Teacher, Reston, v. 109, n. 6, p. 434-439, 2016.).
O campo da Matemática tem sido historicamente dominado por homens brancos, cisgêneros, que se identificam como heterossexuais, e isso limita os tipos de soluções criadas para resolver problemas que marginalizam outras pessoas. Quando a população LGBTI+ não está representada nos grupos que estão resolvendo os problemas e/ou não é convidada a colocar suas demandas na sociedade, um senso de urgência pode não existir por parte de pesquisadories (YODER; MATTHEIS, 2015YODER, J. B.; MATTHEIS, A. Queer in STEM: Workplace experiences reported in a national survey of LGBTQA individuals in science, technology, engineering, and mathematics careerss. The Journal of Homosexuality, Filadelfia, v. 63, n. 1, p. 1-27, 2015.), educadories, docentes e formuladories de políticas públicas para produzir uma solução de visibilização dessas pessoas.
Partindo dessa premissa, fazemos o seguinte questionamento: do que tratam as pesquisas envolvendo pessoas LGBTI+ no campo da Educação Matemática? Essa inquietação se dá quando nós, autores deste trabalho, identificamos uma necessidade de discutir sobre a temática e percebemos uma dificuldade em encontrar pesquisas que lidem com o assunto, primordialmente no âmbito nacional, mas também em âmbito internacional. Acrescentamos, ainda, uma necessidade de investigar quais aspectos e dimensões vêm sendo destacados nas pesquisas do âmbito da Educação Matemática ao debaterem sobre pessoas LGBTI+, uma vez reconhecido o caráter (cis-hetero) normativo que estrutura, cultural, histórica e politicamente, o campo (DETONI; GUSE; WAISE, 2022DETONI, H. dos R.; GUSE, H. B.; WAISE, T. D. Um olhar queer para a Educação Matemática. In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2022, p. 159-186.).
Destarte, o objetivo deste trabalho é movimentar sentidos a respeito da temática LGBTI+ a partir de um estudo bibliográfico de pesquisas nacionais e internacionais no campo da Educação Matemática, tendo como corpus teses, dissertações, artigos de periódicos e anais de alguns eventos nacionais e internacionais.
2 Percurso da pesquisa
Devido ao crescimento quantitativo de produções acadêmicas que ocorrem em diversos campos, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que apontem os caminhos que essas produções têm tomado e quais aspectos são abordados dentro de determinada área do conhecimento. Nesse contexto, buscando suprir esses objetivos, emergem-se pesquisas do tipo Estado da Arte. Segundo Romanowski e Ens (2006ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo "Estado da Arte" em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006., p. 39):
Estados da Arte podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada.
Com isso, pesquisas do tipo Estado da Arte tratam de conhecer o que já foi construído e produzido academicamente, examinando produções e as analisando de modo a categorizá-las e divulgar seus múltiplos enfoques, lacunas e perspectivas (ROMANOWSKI; ENS, 2006ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo "Estado da Arte" em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006.).
Nesta investigação, além de identificar, localizar e descrever as produções envolvendo pessoas LGBTI+ no campo da Educação Matemática, também investigamos, com base na Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Edição Revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2016.), seus principais resultados, bem como pontuamos lacunas e sugerimos pesquisas futuras.
Debater e analisar as produções de um determinado tema é desafiador, mas, simultaneamente, motivador, devido à necessidade de conhecermos as pesquisas sobre o assunto. Dessa forma, esta investigação pode contribuir na constituição deste campo teórico, uma vez que um Estado da Arte possibilita uma visão geral da produção científica; identifica os referenciais teóricos, metodológicos e as estratégias para produção e análise de dados; aponta restrições sobre o campo e pontua lacunas, de forma a orientar futuras pesquisas; reconhece contribuições na constituição de propostas; indica a atenção (ou não) que as pessoas responsáveis pelas pesquisas dão à temática; e direciona, de certa forma, o trabalho de pesquisadories iniciantes na área. Em resumo, o “Estado da Arte” é “um mapa que nos permite continuar caminhando” (ROMANOWSKI; ENS, 2006ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo "Estado da Arte" em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006., p. 259).
Para oferecermos uma visão panorâmica sobre a temática, acreditamos ser necessário analisar teses, dissertações e artigos publicados em periódicos e em anais de eventos, uma vez que optamos por nos inspirarmos em uma pesquisa bibliográfica do tipo Estado da Arte e, quando nos restringimos a apenas um tipo de publicação, o que temos é um Estado do Conhecimento (ROMANOWSKI; ENS, 2006ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo "Estado da Arte" em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006.).
A fim de delinearmos as etapas do percurso da revisão realizada, buscamos inspiração em Romanowski (2002)ROMANOWSKI, J. P. As licenciaturas no Brasil: um balanço das teses e dissertações dos anos 90. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. para estabelecermos o processo. Em um primeiro momento, delimitamos o campo a ser pesquisado. Posteriormente, com o objetivo de encontrarmos as produções acadêmicas que discorressem sobre o tema, definimos os descritores de busca separados em dois grupos. O primeiro grupo capturava as pesquisas em Educação Matemática, sendo composto pelos termos “matemática”, “educação matemática” e “ensino de matemática”. Já o segundo grupo capturava as pesquisas que envolviam pessoas LGBTI+, sendo assim, utilizamos as palavras “GLS”, “LGBT*3 3 O uso de asterisco no descritor é com o objetivo de recuperar as variações da sigla LGBT nos repositórios. ”, “Transexual”, “Transfobia”, “Homofobia”, “Bifobia”, “Transgênero”, “Não-binário”, “Travesti”, “Heterossexual”, “Heteronorm*”, “Homossexual”, “Bissexual”, “Pansexual”, “Lésbica”, “Gay”, “Orientação Sexual”, “Sexualidade”, “Queer”, “Identidade sexual”, “Diversidade sexual”. As palavras também foram pesquisadas em língua inglesa, com suas respectivas variações, quando as buscas eram realizadas em bases internacionais.
Devido à multiplicidade de descritores que podem abordar discussões do segundo grupo, optamos por pesquisar aqueles mais usuais e que, normalmente, aparecem em livros sobre diversidade de gênero e sexual no campo da Educação. Inicialmente, realizamos a busca incluindo o descritor “gênero”, porém, além de capturar pesquisas que utilizavam a palavra em diversos contextos, aquelas que continham esse descritor e que, ao mesmo tempo, tratavam de diversidade de gênero e sexual, sem a aparição de nenhum dos outros descritores citados, restringiam-se a estudos sobre a mulher ou o homem heterossexuais e cisgêneros, ou a comparativos entre os dois. Dessa forma, optamos pela retirada do referido termo.
A busca pelos descritores, com o objetivo de encontrar dissertações, teses e artigos, foi realizada entre março e dezembro de 2021, utilizando as seguintes bases nacionais e internacionais: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); Catálogo de Teses e Dissertações da Capes; Portal de Periódicos da Capes; Open Acces Theses and Dissertations (OATD); Academic Search Premier (EBSCO); e Educational Resources Information Center (ERIC). Além dessas plataformas, ao final, buscamos os descritores no Google Acadêmico, objetivando verificar se encontraríamos novos itens. Reconhecemos uma possível limitação nos resultados internacionais por nos limitarmos à língua inglesa e por analisarmos apenas artigos, teses e dissertações de acesso aberto.
Essa etapa de busca resultou em 11744 4 Neste quantitativo não estamos incluindo a busca realizada no Google Acadêmico devido ao número expressivo de resultados que o mecanismo abrange. resultados que incluíam, devido à utilização de conectores booleanos, os descritores dos grupos um e dois, simultaneamente, em seus títulos, resumos e/ou palavras-chave. Com a leitura dos resumos dos trabalhos, apenas 42 foram selecionados. Como critérios de exclusão dos textos, adotamos os seguintes: trabalhos duplicados; presença dos termos descritos, mas não no sentido desejado, resultando em fuga da área de interesse; abordagens centradas em gênero que se limitavam ao binário cis-feminino/cismasculino; discussão não voltada para Educação Matemática; abordagem centrada em uma perspectiva biológica; uso de procedimentos matemáticos como ferramenta de investigação; discussões centradas em diversas áreas, como as STEM, que não traziam debates sobre o campo da Educação Matemática.
Após a leitura integral das 42 teses, dissertações e artigos selecionados, cinco trabalhos foram removidos por se incluírem em um dos tópicos de exclusão citados ou por, apesar de terem um dos termos do segundo grupo no resumo, não discutirem efetivamente sobre o assunto ao longo do trabalho. Além disso, realizamos fichamentos e usamos planilhas eletrônicas para organização e análise, por meio de criação de colunas com informações como: ano, autore, título do trabalho, resumo, palavras-chave, local de publicação, questão de investigação, objetivo(s) da pesquisa, objeto investigado, fundamentação teórica, procedimentos metodológicos, considerações finais e referências.
Apesar de não ser um interesse desta revisão, foi possível observar uma literatura bem estabelecida que observa a desconexão entre a experiência de alunes cis-masculinos e cisfemininos com Matemática, além de pesquisas centradas na discussão sobre gênero que, apesar de não darem ênfase no debate sobre pessoas que desviam das normas de gênero, buscaram ressaltar que estas estavam sendo visibilizadas em suas pesquisas (GLAUDELL, 2020GLAUDELL, R. Women* in Physics, Math and Astronomy at Caltech: Supporting Women in STEM, In: IEEE CONFERENCE ON PHOTOVOLTAIC SPECIALISTS, 47., 2020, Calgary. Proceedings […] Calgary: IEEE, 2020. p. 2147-2150.).
Finalizada a organização e sistematização de teses, dissertações e artigos selecionados, buscamos textos em anais de eventos que foram escolhidos devido à sua importância no campo da Educação Matemática, ou pelo fato de nos depararmos com algumas citações ao longo da leitura das produções analisadas. A saber, pesquisamos os descritores do segundo grupo nos anais dos seguintes eventos: Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática (EBRAPEM); Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM); Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM); International Congress on Mathematical Education (ICME); Mathematics Education and Society (MES); Conference of the International Group for the Psychoogy of Mathematics Education (PME); e North America Chapter of the International Group for the Psychology of Mathematics Education (PME-NA). Destacamos que a escolha do EBRAPEM se deu pelo fato de percebermos um recente interesse de uma pequena parte da comunidade brasileira dedicada a estudos sobre a Educação Matemática de pessoas LGBTI+, com pesquisas de pós-graduação ainda em andamento. Ademais, alguns trabalhos de outros eventos foram considerados para esta pesquisa por aparecerem na busca do Google Acadêmico.
Esta etapa de busca encontrou 26 resultados, dos quais oito foram descartados por se tratarem de trabalhos que descreviam grupos de pesquisa e resumos de simpósio. Após realizada a leitura, na íntegra, dos textos selecionados e realizada as etapas descritas, aqueles elegidos foram acrescentados à planilha construída para as produções já selecionadas e analisadas, possibilitando uma identificação de relações e tendências das pesquisas, bem como a validação das categorias pré-elaboradas.
Segundo Bardin (2016)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Edição Revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2016., existem diferentes critérios de categorização. Para esta pesquisa, adotamos um critério semântico, que se baseia em categorias temáticas, buscando trabalhos que apresentem tema similar ou que se aproximem.
Na próxima seção, apresentaremos e discutiremos as produções sob duas dimensões de análise: uma descritiva, contemplando aspectos como tipo de publicação, ano, origem da produção, natureza da pesquisa etc.; e outra interpretativa, em que discutiremos sobre as categorias estabelecidas. É importante destacar que, das leituras dos textos selecionados para o corpus desta revisão, emergiram quatro categorias a serem debatidas, a saber: Formação de Professories de Matemática; Relações de Pessoas LGBTI+ com Matemática; Educação Básica e Avaliações de Larga Escala; e Discussões Teóricas e Pesquisas Bibliográficas.
3 Contextualizando as produções: uma análise descritiva
Para uma melhor compreensão da análise descritiva dos trabalhos, apresentamos as produções com suas respectivas informações nos quadros abaixo, acompanhadas de uma breve análise descritiva de tais dados. As primeiras produções apresentadas são teses e dissertações, e, em seguida, os artigos publicados em periódicos e em anais de eventos.
Dentre as teses e dissertações selecionadas, cinco produções são nacionais, produzidas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Já com relação às produções internacionais, estas se encontram em instituições de distintas regiões dos Estados Unidos da América. Além disso, há uma concentração das produções sendo publicadas nos últimos cinco anos, principalmente no âmbito nacional, que ocorrem a partir de 2019. Com relação aos artigos, encontramos 25 produções, das quais apenas nove são nacionais, conforme podemos observar no quadro abaixo.
Observamos 15 publicações realizadas em revistas voltadas para o campo da Educação Matemática, enquanto as demais foram publicadas em periódicos das áreas de Educação, Inclusão e Educação Sexual. Com relação aos anos de publicação, verificamos produções desde 1995 no âmbito internacional, contudo, no Brasil, só encontramos publicações a partir de 2017.
A análise de trabalhos publicados em anais de eventos nos retornou 18 publicações, sendo o MES e o EBRAPEM os eventos com os maiores números de publicações. Além disso, não encontramos publicações sobre o tema no ENEM e ICME, maiores eventos, respectivamente, nacional e internacional em Educação Matemática.
Todas as publicações nacionais foram encontradas em congressos realizados a partir de 2014, enquanto as internacionais foram encontradas a partir de 2012. Todavia, como ressaltamos anteriormente, no PME e PME-NA encontramos referências a grupos de pesquisa e resumos de simpósios voltados para nosso objeto de interesse, que mostram um crescimento internacional no quantitativo de pessoas dedicadas a pesquisas com interesse nessa temática.
A partir de um olhar geral sobre todas as produções selecionadas, percebemos uma maior concentração das produções a partir de 2019, totalizando 37 das 55 analisadas. Se direcionarmos nosso olhar para as produções nacionais, quase todas se concentram no referido período. Ademais, temos que a primeira produção encontrada data de 1995, evidenciando que a preocupação de pesquisadores com o tema é antiga, porém não visibilizada, nem viabilizada.
Em relação à abordagem metodológica das produções analisadas, a maioria das pesquisas relatadas são qualitativas e utilizam como instrumentos para produção de dados questionários, entrevistas e observações, além de alguns estudos de caso. Quanto às estratégias para análise de dados, não é possível delinear uma que seja mais aparente devido à diversidade de métodos utilizados.
4 As discussões das produções: uma análise interpretativa
Conforme apontamos, após a leitura exaustiva das produções consideradas para análise, emergiram quatro categorias: Formação de Professories de Matemática; Relações de Pessoas LGBTI+ com Matemática; Educação Básica e Avaliações de Larga Escala; e Discussões Teóricas e Pesquisas Bibliográficas.
A categoria Formação de Professories de Matemática é composta por trabalhos cujo objetivo principal é o de analisar a formação inicial de futures professories de Matemática, no que diz respeito ao preparo para trabalhar assuntos que se articulam com pessoas LGBTI+ em aulas de Matemática, além de trabalhos com propostas de formação continuada para docentes da disciplina.
Nessa categoria, observamos trabalhos que têm entre seus objetivos levar licenciandes em Matemática a refletirem sobre a possibilidade de abordagens multiculturais, com reflexões sobre alunes LGBTI+ em aulas de Matemática (BARBOSA; GIRALDO; COSTA NETO, 2021BARBOSA, G. S.; GIRALDO, V. A.; COSTA NETO, C. D. C. Etnomatemática e pedagogia decolonial na licenciatura em matemática: uma experiência com estudantes LGBTQI+. Revista de Educação da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, v. 11, n. 24, p. 393-425, 2021.; COSTA NETO; BARBOSA; GIRALDO, 2018COSTA NETO, C. D. C.; BARBOSA, G. S.; GIRALDO, V. A. Formação inicial de professores de matemática: crianças sobre ensino e empoderamento junto à população LGBTQI. Perspectivas da Educação Matemática, Pioneiros, MS: PPGEDUMAT, v. 11, n. 27, p. 605-627, 2018.). Além destes, um dos artigos tem como foco investigar discursos preconceituosos de futures professories de Matemática (ROSS, 2019ROSS, A. S. “Don't say gay. We say dumb or stypid”: Queering prospective Mathematics's teacher discussions. 2019. Thesis (Master of Arts) – Brigham Young University, Provo, 2019.), evidenciando como esses preconceitos podem refletir na trajetória de alunes historicamente marginalizades. Ross (2019)ROSS, A. S. “Don't say gay. We say dumb or stypid”: Queering prospective Mathematics's teacher discussions. 2019. Thesis (Master of Arts) – Brigham Young University, Provo, 2019. pontua quatro problemáticas consequentes desses preconceitos: baixa expectativa docente em relação a estudantes marginalizades; impacto na motivação de estudantes em querer se destacar em aula; baixo desempenho discente; afastamento de interesse desses discentes em Matemática, fazendo com que não se matriculem em cursos de Matemática no nível superior. Ademais, ressalta-se a importância de discutir sobre esses preconceitos no processo de formação docente.
A produção de Taveira e Peralta (2021)TAVEIRA, F. A. L.; PERALTA, D. A. Gênero, Sexualidade e Formação Inicial de Professores de Matemática: um estudo comparativo entre Brasil e Chile. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 8., 2021. Uberlândia. Anais […] Uberlândia: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2021, p. 562-571. busca discutir sobre o currículo de formação inicial de professories de Matemática e o provimento de formação para as questões e relações de gênero e sexualidade de países latino-americanos que passaram por reformas curriculares nas últimas três décadas, em particular Brasil e Chile. Como se trata de uma pesquisa introdutória, les autories apontam, como resultados iniciais, uma reconstrução temporal das propostas curriculares para a formação inicial dessus professories. Já as produções de Martins (2019MARTINS, I. M. A travessia de gênero e sexualidade na formação inicial de professores de matemática das Universidades Estaduais Paulistas. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23., 2019, São Paulo. Anais […] São Paulo: UNICSUL – Campus Amália Franco, 2019, p. 1-10., 2020MARTINS, I. M. Gênero e sexualidade na formação de professores: uma análise curricular do curso de licenciatura em matemática da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). 2020. Dissertação (Mestre em Ensino e Processos Formativos) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2020.) e Martins, Gonçalves e Dias (2021)MARTINS, I. M.; GONÇAVELS, H. J. L.; DIAS, A. L. B. Para além das aparências: as configurações de gênero e sexualidades em um currículo de formação inicial de professores/as de matemática. Revista Enfoque Educacionales, Santiago, v. 18, p. 123-143, 2021., centradas em uma análise dos documentos curriculares de um curso de licenciatura em Matemática no Brasil, evidenciam a necessidade de um currículo que articule discussões sobre diversidade de gênero e sexual na formação inicial de professories de Matemática. Assim também pontuam Guse, Waise e Esquincalha (2020)GUSE, H. B.; WAISE, T. S.; ESQUINCALHA, A. C. O que pensam licenciando(as) em matemática sobre sua formação para lidar com a diversidade sexual e de gênero em sala de aula? Revista Baiana de Educação Matemática, Juazeiro, v. 1, p. 1-25, 2020. e Waise (2021aWAISE, T. S. Cenários de Reconhecimento em Contextos de Minorias Sexuais e de Identidades de Gênero na Aula e na Formação Inicial de Docentes de Matemática. 2021. 145f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021a.; 2020GUSE, H. B.; WAISE, T. S.; ESQUINCALHA, A. C. O que pensam licenciando(as) em matemática sobre sua formação para lidar com a diversidade sexual e de gênero em sala de aula? Revista Baiana de Educação Matemática, Juazeiro, v. 1, p. 1-25, 2020.) em suas pesquisas com licenciandes em Matemática, uma vez que as pessoas participantes dos estudos relatam não ter um preparo para discutir sobre a temática. Além disso, percebemos uma interseção da pesquisa de Guse, Waise e Esquincalha (2020)GUSE, H. B.; WAISE, T. S.; ESQUINCALHA, A. C. O que pensam licenciando(as) em matemática sobre sua formação para lidar com a diversidade sexual e de gênero em sala de aula? Revista Baiana de Educação Matemática, Juazeiro, v. 1, p. 1-25, 2020. com a pesquisa de Ross (2019)ROSS, A. S. “Don't say gay. We say dumb or stypid”: Queering prospective Mathematics's teacher discussions. 2019. Thesis (Master of Arts) – Brigham Young University, Provo, 2019., ao verificarmos discursos de repreensão à discussão sobre sexualidade e gênero em aulas de Matemática, carregados por preconceitos.
Com um olhar para a formação continuada de professories sobre a temática de gênero e sexualidade, Rodrigues (2021)RODRIGUES, J. B. Cyberformação queer com professores/professoras/professories de matemática por meio de desenvolvimento de podcasts matemáticos. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 25., 2021, Campina Grande. Anais […] UEPB/Campina Grande: PPGECEM, 2021. p. 1-9 enseja propor um curso de extensão que oportunize intervenções e reflexões em torno de conceitos, por meio da concepção humanizadora na ação docente, com tecnologias digitais, para se desenvolver a criticidade como foco e promover práticas de ensino de Matemática regidas por equidade e justiça social.
Na segunda categoria, Relações de Pessoas LGBTI+ com Matemática, abarcamos as produções que têm o intuito de investigar relações de pessoas LGBTI+ com a Matemática, sem olharem especificamente para le professore de Matemática ou para as aulas na Educação Básica.
Algumas pesquisas nessa categoria realizam suas investigações analisando graduações que contêm disciplinas em comum com a licenciatura em Matemática (BERNIER, 2020BERNIER, J. Understanding social factors in small group work in undergraduate mathematics classrooms. 2015. Thesis (Master of Science in Teaching) – B S. University of Maine, Maine, 2020.; CASSIDAY, 2021CASSIDAY, C. D. On the Mathematical Narration by Trans-Spectrum University Students. Teaching and Learning Excellence through Scholarship, Baltimore, v. 1, n. 1, p. 17-27, 2021., 2019CASSIDAY, C. D. On the Math-Experiences of Trans-Spectrum University Students. 2019. Dissertation (Doctor of Education) – Morgan State University, Morgan, 2019.; GOTTFRIED; ESTRADA; SUBLETT, 2015GOTTFRIED, M.; ESTRADA, F.; SUBLETT, C. STEM Education and Sexual Minority Youth: Examining Math and Science Coursetaking Patterns among High School Students. The High School Journal, Chapel Hill, v. 9, n. 1, p. 66-87, 2015.; KERSEY; VOIGT, 2020KERSEY, E.; VOIGT, M. Finding community and overcoming barriers: experiences of queer and transgender postsecondary students in mathematics and Other STEM fields. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 733-756, 2020.; VOIGT, 2020KERSEY, E.; VOIGT, M. Finding community and overcoming barriers: experiences of queer and transgender postsecondary students in mathematics and Other STEM fields. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 733-756, 2020.), como os cursos de Engenharia, ou, ainda, pessoas LGBTI+, de uma forma geral, buscando analisar suas relações com a Matemática (BARROS, 2019BARROS, D. D. Leitura e escrita do mundo com a matemática: os movimentos sociais e a representatividade. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23., 2019, São Paulo. Anais […] São Paulo: UNICSUL – Campus Amália Franco, 2019, p. 1-12., 2021aBARROS, D. D. Da comunidade LGBT+ para as aulas de matemática: que interlocuções são possíveis? Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 11, n. 2, p. 91-14, 2021a., 2021bBARROS, D. D. Critical mathematics education and social movements: Possibilities in an LGBT+ host house. In: INTERNATIONAL MATHEMATICS EDUCATION AND SOCIETY CONFERENCE, 11., 2021, Klagenfurt. Proceedings […] Klagenfurt: Tredition GmbH, 2021b. p. 284-290.; 2021cBARROS, D. D. Leitura e escrita do mundo com a matemática e a comunidade LGBTI+: as lutas e a representatividade de um movimento social. 2021. 283 f. Tese (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2021c.; FISCHER, 2013FISCHER, D. J. Out 4 Math: The Intersection of Queer Identity and Mathematical Identity. 2013. Dissertation (Doctor of Philosophy) – Education Leadership and Learning Technologies, Filadélfia, 2013.; HALL; ROBINSON; JAO, 2020HALL, J.; ROBINSON, T.; JAO, L. Non-Binary People's Views of Gender and Mathematics. In: ANNUAL MEETING OF THE NORTH AMERICAN CHAPTER OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 42., 2020, Mazatlán. Proceedings […]. Mazatlán: AMIUTEM, 2020. p. 546-550.). Também observamos uma produção que busca olhar para as pesquisas no campo sobre estudantes LGBTI+, em todas as áreas STEM, para compreender suas experiências e as estruturas de poder em aulas oferecidas por departamentos da Matemática no Ensino Superior (VOIGT; REINHOLZ, 2021VOIGT, M.; REINHOLZ, D. L. Calculating Queer Acceptance and Visibility: A Literature Synthesis on Queer Identity in Mathematics. Charlottesville: OSF Preprint, 2021.).
Dos trabalhos que investigam cursos que contenham disciplinas comuns à graduação em Matemática, a maioria realiza sua pesquisa diretamente com pessoas LGBTI+, com exceção de Bernier (2020)BERNIER, J. Understanding social factors in small group work in undergraduate mathematics classrooms. 2015. Thesis (Master of Science in Teaching) – B S. University of Maine, Maine, 2020., que não conseguiu participantes que se identificassem dessa forma. Nesse contexto, percebemos duas visões distintas. A primeira delas pontua que algumas pessoas ressaltam uma visão de irrelevância dada às pessoas LGBTI+ nessas disciplinas, com a finalidade de minimizar sua identidade (GOTTFRIED; ESTRADA; SUBLETT, 2015GOTTFRIED, M.; ESTRADA, F.; SUBLETT, C. STEM Education and Sexual Minority Youth: Examining Math and Science Coursetaking Patterns among High School Students. The High School Journal, Chapel Hill, v. 9, n. 1, p. 66-87, 2015.; KERSEY; VOIGT, 2020KERSEY, E.; VOIGT, M. Finding community and overcoming barriers: experiences of queer and transgender postsecondary students in mathematics and Other STEM fields. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 733-756, 2020.; VOIGT, 2020KERSEY, E.; VOIGT, M. Finding community and overcoming barriers: experiences of queer and transgender postsecondary students in mathematics and Other STEM fields. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 733-756, 2020.). Todavia, não há uma associação entre as habilidades matemáticas das pessoas com o fato de serem LGBTI+ após o ingresso na universidade. A segunda, por sua vez, ressalta um enfretamento de discriminações e microagressões em torno das aulas de Matemática (CASSIDAY, 2021CASSIDAY, C. D. On the Mathematical Narration by Trans-Spectrum University Students. Teaching and Learning Excellence through Scholarship, Baltimore, v. 1, n. 1, p. 17-27, 2021., 2019CASSIDAY, C. D. On the Math-Experiences of Trans-Spectrum University Students. 2019. Dissertation (Doctor of Education) – Morgan State University, Morgan, 2019.).
As pesquisas que buscam analisar as relações de pessoas LGBTI+ com a Matemática adotam estratégias distintas de investigação. Hall, Robinson e Jao (2020)HALL, J.; ROBINSON, T.; JAO, L. Non-Binary People's Views of Gender and Mathematics. In: ANNUAL MEETING OF THE NORTH AMERICAN CHAPTER OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 42., 2020, Mazatlán. Proceedings […]. Mazatlán: AMIUTEM, 2020. p. 546-550. buscam problematizar a falta de pesquisas sobre pessoas que se identificam com a identidade de gênero não-binária5 5 Não se limitam às categorias “masculino” ou “feminino”. no campo da Educação Matemática. Nesse contexto, les autories pontuam que as pessoas nãobinárias entrevistadas, em sua maioria, frisam não perceber uma relação entre Matemática e a identidade de gênero. Por outro caminho, a pesquisa de Fischer (2013)FISCHER, D. J. Out 4 Math: The Intersection of Queer Identity and Mathematical Identity. 2013. Dissertation (Doctor of Philosophy) – Education Leadership and Learning Technologies, Filadélfia, 2013. verifica de que maneira a identidade queer e a identidade matemática são expressas simultaneamente por pessoas autoidentificadas como LGBTI+.
Nos estudos de Fischer (2013)FISCHER, D. J. Out 4 Math: The Intersection of Queer Identity and Mathematical Identity. 2013. Dissertation (Doctor of Philosophy) – Education Leadership and Learning Technologies, Filadélfia, 2013., o conceito de identidade queer é usado em substituição às identidades que representam pessoas LGBTI+, compreendendo esta(s) identidade(s) como baseadas em discursos, ou seja, baseadas naquilo que as pessoas LGBTI+ falam sobre si próprias e o que outras pessoas falam sobre suas vidas. Para explorar a concepção de identidade matemática, Fischer (2013)FISCHER, D. J. Out 4 Math: The Intersection of Queer Identity and Mathematical Identity. 2013. Dissertation (Doctor of Philosophy) – Education Leadership and Learning Technologies, Filadélfia, 2013. se apoia em autories que a compreendem como: constituída por meio do desempenho de uma pessoa com a Matemática, um aspecto que, para o autor, ajuda a definir como a pessoa se vê em relação à Matemática; e por estudos que se concentram diretamente em uma definição de identidade matemática baseada no discurso, ou seja, que se referem à percepção que a pessoa tem de sua capacidade de fazer Matemática. Em seus resultados, o autor conclui que o apoio à identidade queer pode levar a um maior desempenho acadêmico.
Ainda considerando as produções que analisam as relações de pessoas LGBTI+ com a Matemática, Barros (2019BARROS, D. D. Leitura e escrita do mundo com a matemática: os movimentos sociais e a representatividade. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23., 2019, São Paulo. Anais […] São Paulo: UNICSUL – Campus Amália Franco, 2019, p. 1-12., 2021BARROS, D. D. Da comunidade LGBT+ para as aulas de matemática: que interlocuções são possíveis? Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 11, n. 2, p. 91-14, 2021a., 2021aBARROS, D. D. Da comunidade LGBT+ para as aulas de matemática: que interlocuções são possíveis? Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 11, n. 2, p. 91-14, 2021a., 2021bBARROS, D. D. Critical mathematics education and social movements: Possibilities in an LGBT+ host house. In: INTERNATIONAL MATHEMATICS EDUCATION AND SOCIETY CONFERENCE, 11., 2021, Klagenfurt. Proceedings […] Klagenfurt: Tredition GmbH, 2021b. p. 284-290., 2021cBARROS, D. D. Leitura e escrita do mundo com a matemática e a comunidade LGBTI+: as lutas e a representatividade de um movimento social. 2021. 283 f. Tese (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2021c.) investiga as interlocuções possíveis entre a comunidade LGBTI+ e as aulas de Matemática, vivenciando as diferentes realidades em que essas pessoas estão imersas. O autor conclui, em suas produções, que a Educação Matemática para justiça social se mostra como tendo potência para discutir a questão das diferenças em aulas da disciplina, além de promover o rompimento do entendimento da Matemática como uma ciência neutra.
Essas produções também nos (re)lembram que pessoas LGBTI+ que puderam ter acesso à Educação Básica vivenciaram aulas de Matemática em um período de suas vidas em que poderiam ter servido como um espaço de (re)produção de discriminações ou de visibilização de suas identidades. Nesse sentido, é necessário pensarmos em estratégias que nos aproximem dessa visibilização em detrimento de atitudes preconceituosas ou discriminatórias nas aulas de Matemática.
A categoria Educação Básica e Avaliações de Larga Escala é composta por produções que discutem sobre a aula de Matemática na Educação Básica, realizada de modo a contribuir com a promoção da visibilização de pessoas LGBTI+, ou que levam à reflexão sobre componentes como o currículo e/ou livros didáticos, além de avaliações de larga escala (inter)nacionais. Dessa forma, a categoria foi dividida nas seguintes subcategorias: Personagens da Escola, composta por produções voltadas para ou sobre le professore de Matemática e suas práticas ou outre profissional que atue no espaço escolar; e Reflexões sobre o Ensino, abarcando trabalhos que propõem estratégias de ensino em aulas de Matemática no contexto estabelecido, ou que refletem sobre componentes que as estruturam, além de avaliações de larga escala (inter)nacionais.
Duas produções na subcategoria Personagens da Escola focam seus estudos em docentes LGBTI+ de Matemática, com o intuito de analisar como suas autoidentificações impactam em suas habilidades de criar espaços que visibilizem pessoas LGBTI+ nas escolas e, além disso, como visualizam o fato de servirem como modelos para algumes alunes LGBTI+ (GUSE, 2020GUSE, H. B. A compreensão das representações sociais de professores(as) de matemática LGBT+ sobre diversidade sexual e de gênero por meio de narrativas. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 24., 2020, Cascavel. Anais […] Cascavel, PR: PPGECEM – UNIOESTE, 2020, p. 1-12.; WHIPPLE, 2018WHIPPLE, K. S. LGBTQ Secondary Mathematics Educators: Their Identities and Their Classrooms. 2018. Dissertation (Doctor of Philosophy) – University of Minnesota, Minnesota, 2018.). Verifica-se, aqui, que professories LGBTI+ de Matemática buscam promover uma aula inclusiva (WHIPPLE, 2018WHIPPLE, K. S. LGBTQ Secondary Mathematics Educators: Their Identities and Their Classrooms. 2018. Dissertation (Doctor of Philosophy) – University of Minnesota, Minnesota, 2018.). Ademais, um dos trabalhos dessa subcategoria busca compreender vestígios do colonialismo operando racismo, sexismo e heterossexismo a partir da visão de professories de Matemática (SILVA, 2020SILVA, E. M. Para uma epistemologia outra na educação matemática: entre sussurros e navalhas na carne, a porta do armário de abriu…. 2020. 150 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2020.; SILVA; GUIDA, 2019SILVA, E. M.; GUIDA, A. M. A matemática, mira e atira nos corpos e identidades matáveis? In: SEMINÁRIO SUL-MATO-GROSSENSE DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 13., 2019, Campo Grande. Anais […] Campo Grande: UFMS, 2019. p. 227-235.), sob um olhar para o Caderno Escola Sem Homofobia6 6 O kit “Escola Sem Homofobia” é um material do “Projeto Escola Sem Homofobia”, do programa “Brasil Sem Homofobia”, lançado em 2004 pelo Governo Federal. Trata-se um programa de combate à violência e à discriminação contra as pessoas LGBTI+ e de promoção da cidadania homossexual. . Outro estudo verifica como se caracteriza a ação de pessoas que trabalham na escola, incluindo professories, em relação ao lugar das diferenças culturais no currículo de Matemática (CONRADO, 2019CONRADO, A. L. Diversidade, Diferença e Currículo de Matemática: relações entre macropolíticas e o tempo dos atores na escola, 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.). Entretanto, neste último, percebemos que, apesar das intenções da autora em discutir sobre a temática, poucas vezes o tema da sexualidade se fez presente em sua análise, revelando uma possível invisibilização dessas questões no espaço escolar.
Quanto à subcategoria Reflexões sobre o Ensino, encontramos pesquisas que sugerem discussões, atividades e práticas de aula que possibilitem a visibilização de pessoas LGBTI+ e/ou promovam uma aprendizagem crítica (CÂMARA; BORGES; LACERDA NETO, 2014CÂMARA, B. C.; BORGES, L. G.; LACERDA NETO, J. C. N. L. Homossexualidade e homofobia: uma abordagem contextualizada da matemática. In: ESCOLA DE INVERNO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 4., 2014. Anais […]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2014, p. 1-10.; ESMONDE; TAKEUCHI; DOOKIE, 2009ESMONDE, I.; TAKEUCHI, M. A.; DOOKIE, L. Social Identities and Opportunities to Learn: Student Perspectives on Group Work in an Urban Mathematics Classroom. Journal Of Urban Mathematics Education, Atlanta, v. 2, n. 2, p. 18-45, 2009.; FLACH; KOPZINSKI, 2016FLACH, V. F.; KOPZINSKI, S. D. Saberes matemáticos produzidos em um projeto interdisciplinar sobre educação sexual: análise de uma experiência pedagógica o 7º ano do ensino fundamental. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO, 15., 2016, Novo Hamburgo. Anais […] Novo Hamburgo: Univesidade Feevale, 2016. p. 1-15.; KELLERMEIER, 1995KELLERMEIER, J. Queer Statistics: Using Lesbigay Word Problem Content in Teaching Statistics. NWSA Journal, Baltimore, v. 7, n. 1, p. 98-108, 1995., 2002KELLERMEIER, J. Statistics in social context: using issues of lesbians, gays, bisexuals and transsexuals in teaching statistics. Transformations: The Journal of Inclusive Scholarship and Pedagogy, State College, v. 13, n. 2, p. 27-46, 2002.; PENNEL, 2016PENNELL, S. M. Queering the curriculum: critical literacy and numeracy for social justice. 2016. Dissertation (Doctor of Philosophy) – University of North Carolina, Chapel Hill, 2016.; RANDS, 2009RANDS, K. Mathematical Inqu[ee]ry: beyond ‘Add-Queers-and-Stir’ elementar mathematics education. Sex Education, Filadelfia, v. 9, n. 2, p. 181-191, 2009., 2013RANDS, K. Supporting Transgender and Gender-Nonconforming Youth Through Teaching Mathematics for Social Justice. Journal of LGBT Youth, Filadelfia, v. 10, p. 106-126, 2013.; ROSA, 2021ROSA, M. Teoria Queer, números binários e educação matemática: estranhando a matemática em prol de uma héxis política. Educação Matemática em Revista, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 2, n. 22, p. 70-87, 2021.; RUBEL, 2016RUBEL, L. H. Speaking Up and Speaking Out about Gender in Mathematics. Mathematics Teacher, Reston, v. 109, n. 6, p. 434-439, 2016.; WAID, 2020WAID, B. E. Supporting LGBTQ+ Students in K-12 Mathematics. Mathematics Teacher: Learning & Teaching PK-12, Reston, v. 113, n. 11, p. 874-886, 2020.), e outras que buscam interrogar marcas cis-heteronormativas7 7 Neste contexto, marcas cis-heteronormativas podem ser entendidas como contextualizações no currículo de Matemática que consideram apenas pessoas cisgêneras e heterossexuais em suas representações. no currículo de Matemática, representadas na linguagem dos livros didáticos e em avaliações de larga escala (inter)nacionais (FORGASZ, 2021FORGASZ, H. Gender: A dilemma for large-scale studies in mathematics classroom. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 631-640, 2021.; PARISE, 2021PARISE, M. M. Gender, sex, and heteronormativity in high school statistics textbook. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 757-785, 2021.; SMESTAD, 2021SMESTAD, B. Researching representation of diversity in mathematics pedagogical texts: Methodological considerations. In: INTERNATIONAL MATHEMATICS EDUCATION AND SOCIETY CONFERENCE, 11., 2021, Klagenfurt. Proceedings […] Klagenfurt: Tredition GmbH, 2021, p. 937-946.; SOUZA; SILVA, 2017aSOUZA, D. M. X. B; SILVA, M. A. Questões de Gênero no Currículo de Matemática: Atividades do Livro Didático. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 374-392, 2017a., 2017bSOUZA, D. M. X. B; SILVA, M. A. Heteronormatividade demarcada por um currículo de matemática: uma linguagem para multiplicar sentidos. In: 7º SEMINÁRIO BRASILEIRO DE ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO E 4º SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO, 2017, Canoas. Anais […] Canoas: ULBRA, UFRGS, 2017b, p. 1-14.).
Uma das pesquisas ressalta a importância de trabalhos em grupos heterogêneos de alunes, com um papel ativo de professories na mediação, a fim de evitar uma manutenção de preconceitos e discriminação nos grupos estabelecidos (ESMONDE; TAKEUCHI; DOOKIE, 2009ESMONDE, I.; TAKEUCHI, M. A.; DOOKIE, L. Social Identities and Opportunities to Learn: Student Perspectives on Group Work in an Urban Mathematics Classroom. Journal Of Urban Mathematics Education, Atlanta, v. 2, n. 2, p. 18-45, 2009.). Essa pesquisa em particular, apesar de não tecer muitas discussões sobre pessoas LGBTI+, traz um relato marcante de uma aluna que expõe sua bissexualidade no espaço escolar e sofre preconceitos e discriminações que, possivelmente, a levaram a deixar a escola.
Ainda na subcategoria Reflexões sobre o Ensino,Lima (2021)LIMA, L. F. (Des)Invisibilização: reflexões sobre diversidade sexual na formação de professores de matemática. Zetetike, Campinas, v. 29, p. 1-21, 2021. busca refletir, por meio de sua narrativa, sobre o processo de invisibilização de pessoas de orientação sexual desviante da heteronormativa ao longo da Educação Básica e como este processo pode prejudicar, por exemplo, a aprendizagem de Matemática. A partir de suas vivências, o autor evidencia a necessidade da criação de ambientes acolhedores e respeitosos em aulas de Matemática, uma vez que a falta destes ambientes afeta diretamente nos processos de ensino e de aprendizagem da disciplina.
Em outras produções, percebemos também uma preocupação em mostrar que é possível promover discussões sobre pessoas LGBTI+ em aulas de Matemática, por meio de uma (des)construção de enunciados que (in)visibilizem essas pessoas, principalmente, mas não exclusivamente, quando trabalhamos conteúdos de estatística e/ou probabilidade. No entanto, ressalta-se que não devemos nos limitar à mera inclusão dessas pessoas e questões que as visibilizem em estruturas existentes (RANDS, 2009RANDS, K. Mathematical Inqu[ee]ry: beyond ‘Add-Queers-and-Stir’ elementar mathematics education. Sex Education, Filadelfia, v. 9, n. 2, p. 181-191, 2009.). É preciso que ocorra uma desconstrução e um interrompimento das normas educacionais vigentes voltadas para o padrão cisheteronormativo, bem como torna-se fundamental imaginar novas possibilidades de perspectivas não excludentes permeando a Matemática e o mundo. Um exemplo de trabalho nessa perspectiva foi o elaborado por Rosa (2021)ROSA, M. Teoria Queer, números binários e educação matemática: estranhando a matemática em prol de uma héxis política. Educação Matemática em Revista, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 2, n. 22, p. 70-87, 2021., no qual o autor propõe “uma reflexão didático-pedagógica sobre números binários […] a fim de suscitar a compreensão da ampliação das tipologias de gênero no mundo, em consonância com o respeito às diferenças” (ROSA, 2021ROSA, M. Teoria Queer, números binários e educação matemática: estranhando a matemática em prol de uma héxis política. Educação Matemática em Revista, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 2, n. 22, p. 70-87, 2021., p. 70).
A última categoria, denominada Discussões Teóricas e Pesquisas Bibliográficas, é compreendida por pesquisas cujo foco está na articulação de teorias ou discussões sobre pessoas LGBTI+ e (Educação) Matemática, além de trabalhos que visavam revisar as pesquisas existentes no campo, para tecerem suas articulações (DUBBS, 2016DUBBS, C. A queer turn in mathematics education research: centering the experience of marginalized queer students. In: ANNUAL MEETING OF THE NORTH AMERICAN CHAPTER OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 38., 2016, Arizona. Proceedings […] Tucson, AZ: The University of Arizona, 2016, p. 1041-1048.; ESMONDE, 2011ESMONDE, I. Snips and Snails and Puppy Dogs’ Tails: Genderism and Mathematics Education. For the learning of mathematics, Alberta, v. 31, n. 2, p. 27-31, 2011.; GUSE, 2021GUSE, H. B. Visibilizando corpos desviantes das cis-heteronormas na pesquisa em Educação Matemática. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 25., 2021, Campina Grande. Anais […] Campina Grande: PPGECEM, 2021. p. 1-10.; MOORE, 2020MOORE, A. S. Queer identity and theory intersections in mathematics education: a theoretical literature review. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 651-687, 2020.; RANDS, 2012RANDS, K. Reframing research on gender and mathematics education considerations from transgender studies. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 36., 2012, Taipei. Proceedings […] Taipei: PME, 2012. p. 337-344., 2009RANDS, K. Mathematical Inqu[ee]ry: beyond ‘Add-Queers-and-Stir’ elementar mathematics education. Sex Education, Filadelfia, v. 9, n. 2, p. 181-191, 2009.; SHELDON, 2019SHELDON, J. Mathematics Teacher Identity, Teacher Identity, and Intersectional Identities: an overview and recommendation for further research. In: INTERNATIONAL MATHEMATICS EDUCATION AND SOCIETY CONFERENCE, 10., 2019, Hyderabad. Proceedings […] Hyderabad: India, 2019. p. 784-793.; WAISE, 2021bWAISE, T. S. Reconhecimento de pessoas LGBT+: reflexões a partir da leitura e escrita do mundo com matemática. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 8., 2021, Uberlândia. Anais […] Uberlandia: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2021b, p. 2786-2798.; WIEST, 2021WIEST, L. R. Prying open the closet door: a call for research on sexual identity and mathematics education. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 36, n. 4, p. 641-650, 2021.).
Os trabalhos, em sua maioria, apoiam-se na Teoria Queer, havendo outros que expandem a abordagem usando lentes das discussões sobre gênero. As principais referências utilizadas nas pesquisas para a Teoria Queer – teoria esta que reflete sobre o sujeito abjeto, as normas sociais vigentes, a desconstrução das naturalizações culturais, e a reflexão sobre aquelas pessoas que foram silenciadas pela História – são da professora e psicanalista Deborah Britzman, para articular discussões com a Educação, e de le filósofe pós-estruturalista estadunidense Judith Butler, que se identifica como não-binárie. Além disso, podemos observar algumes autories que buscam trazer interlocuções dessa teoria para o campo da Educação Matemática, propondo um olhar queer para futuras pesquisas no campo, ou seja, um olhar que problematize e questione algumas estruturas normativas que constituem a (Educação) Matemática (DUBBS, 2016DUBBS, C. A queer turn in mathematics education research: centering the experience of marginalized queer students. In: ANNUAL MEETING OF THE NORTH AMERICAN CHAPTER OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 38., 2016, Arizona. Proceedings […] Tucson, AZ: The University of Arizona, 2016, p. 1041-1048.; GUSE, 2021GUSE, H. B. Visibilizando corpos desviantes das cis-heteronormas na pesquisa em Educação Matemática. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 25., 2021, Campina Grande. Anais […] Campina Grande: PPGECEM, 2021. p. 1-10.; MOORE, 2020MOORE, A. S. Queer identity and theory intersections in mathematics education: a theoretical literature review. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 651-687, 2020.; RANDS, 2009RANDS, K. Mathematical Inqu[ee]ry: beyond ‘Add-Queers-and-Stir’ elementar mathematics education. Sex Education, Filadelfia, v. 9, n. 2, p. 181-191, 2009.; ROSA, 2021ROSA, M. Teoria Queer, números binários e educação matemática: estranhando a matemática em prol de uma héxis política. Educação Matemática em Revista, Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), v. 2, n. 22, p. 70-87, 2021.).
Podemos observar que muitas das pesquisas utilizam como referência as produções de pesquisadories como Kai Rands e Christopher Dubbs, cujos trabalhos se encontram nesta revisão, mas também autories como Damarin e Erchick (2010)DAMARIN, S.; ERCHICK, D. B. Research Commentary: Toward Clarifying the Meanings of Gender in Mathematics Education Research. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 41, n. 4, p. 310-323, 2010. e Leyva (2017)LEYVA, L. A. Unpacking the Male Superiority Myth and Masculinization of Mathematics at the Intersections: A Review of Research on Gender in Mathematics Education. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 48, n. 4, p. 397-433, 2017. que, apesar de não estarem nesta revisão, problematizam as conceituações de gênero em suas pesquisas. Dessa forma, esses estudos se descrevem em favor de uma Matemática que questiona “[…] as tarefas, as estratégias, as próprias formas de pensar e fazer matemática, bem como a forma como a matemática é usada para interpretar e mover o mundo” (RANDS, 2009RANDS, K. Mathematical Inqu[ee]ry: beyond ‘Add-Queers-and-Stir’ elementar mathematics education. Sex Education, Filadelfia, v. 9, n. 2, p. 181-191, 2009., p. 186, tradução nossa), buscando o questionamento e a investigação de processos normativos.
Alguns trabalhos dessa categoria, como o de Wiest (2021)WIEST, L. R. Prying open the closet door: a call for research on sexual identity and mathematics education. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 36, n. 4, p. 641-650, 2021., apesar de não se apoiarem explicitamente em nenhuma teoria específica, tecem suas discussões ressaltando a importância de pesquisas sobre as identidades sexuais e de gênero dissidentes, de estudantes, em relação às experiências escolares com a Matemática, defendendo que pesquisadories busquem estudos em outros campos para que se informem e passem a trazer essas discussões para a Educação Matemática.
Além dos trabalhos dessa categoria, vale ressaltar que as demais produções também se fundamentavam teoricamente para respaldar suas discussões. Nesse sentido, podemos também ressaltar o caráter interseccional que algumas produções buscavam apresentar em suas pesquisas, tendo como principal referência Kimberlé Crenshaw – defensora norte-americana dos direitos civis e uma das principais estudiosas da Teoria Crítica da Raça –, lentes sociopolíticas embasadas nos textos de Eric Gutstein – importante pesquisador no campo da Educação Matemática para justiça social – e, no âmbito nacional, fundamentações baseadas nas discussões de obras de Guacira Lopes Louro, referência na área dos estudos que tratam sobre gênero, sexualidade e Educação, considerada uma precursora da Teoria Queer no Brasil.
Acreditamos ser importante destacar que, das pesquisas analisadas, oito centram sua discussão na perspectiva de gênero rompendo com a visão binária, embora algumas apenas questionem e reflitam sobre a necessidade de discussões sobre pessoas que escapam desse binário (ESMONDE, 2011ESMONDE, I. Snips and Snails and Puppy Dogs’ Tails: Genderism and Mathematics Education. For the learning of mathematics, Alberta, v. 31, n. 2, p. 27-31, 2011.; RUBEL, 2016RUBEL, L. H. Speaking Up and Speaking Out about Gender in Mathematics. Mathematics Teacher, Reston, v. 109, n. 6, p. 434-439, 2016.), ao passo que outras concentram suas pesquisas diretamente em pessoas transgêneras, inclusive as não-binárias (CASSIDAY, 2021CASSIDAY, C. D. On the Mathematical Narration by Trans-Spectrum University Students. Teaching and Learning Excellence through Scholarship, Baltimore, v. 1, n. 1, p. 17-27, 2021., 2019CASSIDAY, C. D. On the Math-Experiences of Trans-Spectrum University Students. 2019. Dissertation (Doctor of Education) – Morgan State University, Morgan, 2019.; HALL; ROBINSON; JAO, 2020HALL, J.; ROBINSON, T.; JAO, L. Non-Binary People's Views of Gender and Mathematics. In: ANNUAL MEETING OF THE NORTH AMERICAN CHAPTER OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 42., 2020, Mazatlán. Proceedings […]. Mazatlán: AMIUTEM, 2020. p. 546-550.; KERSEY; VOIGT, 2020KERSEY, E.; VOIGT, M. Finding community and overcoming barriers: experiences of queer and transgender postsecondary students in mathematics and Other STEM fields. Mathematics Education Research Journal, Australasia, v. 33, p. 733-756, 2020.; RANDS, 2013RANDS, K. Supporting Transgender and Gender-Nonconforming Youth Through Teaching Mathematics for Social Justice. Journal of LGBT Youth, Filadelfia, v. 10, p. 106-126, 2013., 2012RANDS, K. Reframing research on gender and mathematics education considerations from transgender studies. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 36., 2012, Taipei. Proceedings […] Taipei: PME, 2012. p. 337-344.), sinalizando a importância das pesquisas se alinharem com concepções contemporâneas de gênero.
Ademais, vale acrescentar que algumas pesquisas publicadas em anais de eventos, como Guse (2020GUSE, H. B. A compreensão das representações sociais de professores(as) de matemática LGBT+ sobre diversidade sexual e de gênero por meio de narrativas. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 24., 2020, Cascavel. Anais […] Cascavel, PR: PPGECEM – UNIOESTE, 2020, p. 1-12.; 2021GUSE, H. B. Visibilizando corpos desviantes das cis-heteronormas na pesquisa em Educação Matemática. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 25., 2021, Campina Grande. Anais […] Campina Grande: PPGECEM, 2021. p. 1-10.), Rodrigues (2021)RODRIGUES, J. B. Cyberformação queer com professores/professoras/professories de matemática por meio de desenvolvimento de podcasts matemáticos. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 25., 2021, Campina Grande. Anais […] UEPB/Campina Grande: PPGECEM, 2021. p. 1-9, Waise (2020)GUSE, H. B.; WAISE, T. S.; ESQUINCALHA, A. C. O que pensam licenciando(as) em matemática sobre sua formação para lidar com a diversidade sexual e de gênero em sala de aula? Revista Baiana de Educação Matemática, Juazeiro, v. 1, p. 1-25, 2020., Barros (2019)BARROS, D. D. Leitura e escrita do mundo com a matemática: os movimentos sociais e a representatividade. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23., 2019, São Paulo. Anais […] São Paulo: UNICSUL – Campus Amália Franco, 2019, p. 1-12., Martins (2019)MARTINS, I. M. A travessia de gênero e sexualidade na formação inicial de professores de matemática das Universidades Estaduais Paulistas. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23., 2019, São Paulo. Anais […] São Paulo: UNICSUL – Campus Amália Franco, 2019, p. 1-10. e Silva e Guida (2019)SILVA, E. M.; GUIDA, A. M. A matemática, mira e atira nos corpos e identidades matáveis? In: SEMINÁRIO SUL-MATO-GROSSENSE DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 13., 2019, Campo Grande. Anais […] Campo Grande: UFMS, 2019. p. 227-235., são recortes de dissertações em andamento. Dessa forma, os trabalhos foram alocados em categorias levando-se em consideração a proposta que les autories tinham para sua pesquisa de dissertação naquele momento.
5 Considerações finais
Em nossa investigação, buscamos identificar e analisar produções envolvendo pessoas LGBTI+ no campo da Educação Matemática. Para apresentar um panorama geral, optamos por realizar um estudo bibliográfico do tipo Estado da Arte, ao incluir em nosso corpus de análise teses, dissertações, artigos publicados em periódicos e anais dos eventos EBRAPEM, ENEM, SIPEM, ICME, MES, PME e PME-NA, além de trabalhos publicados em anais de outros encontros e simpósios, encontrados nos resultados do Google Acadêmico.
Das 55 produções analisadas, percebemos uma concentração das publicações a partir dos anos 2019, havendo 37 produções neste intervalo de tempo. Todavia, é importante verificarmos a presença de publicações especificamente em 1995 e 2002 que exploram a contextualização de conteúdos de estatística com discussões sobre pessoas LGBTI+. Entendemos a concentração dessas pesquisas nesse intervalo temporal em função da virada sociopolítica que vem acontecendo no campo da Educação Matemática (GUTIÉRREZ, 2013GUTIÉRREZ, R. The sociopolitical turn in mathematics education. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 44, n. 1, p. 37-68, 2013.). Muites estudioses passaram a investigar questões associadas a marcadores sociais de diferença como raça, gênero, classe, dentre outros, evidenciando, em seus resultados, como o ensino e a aprendizagem de Matemática (re)produz normas sociais que servem para sustentar estruturas opressoras (MENDICK, 2006MENDICK, H. Masculinities in mathematics. Maidenhead: Open University Press, 2006.). Nesse sentido, essa crescente nos últimos anos pode ser em função de um olhar também para pessoas que desviam das cis-heteronormas.
Em relação às instituições de origem das autorias, há predominância da região sudeste no âmbito nacional. Dessa forma, além da sugestão de desenvolvimento de mais produções voltadas para o tema em questão em todo o Brasil, articulando-as com diferentes realidades e culturas regionais, motivamos uma maior participação de pesquisadories das regiões norte, nordeste, sul e centro-oeste.
No que tange às abordagens metodológicas, as pesquisas são, em sua maioria, qualitativas, sem um método recorrente. De modo geral, entendemos uma predominância do caráter qualitativo nessas pesquisas, uma vez que são marcadas pelo caráter subjetivo de ou sobre pessoas LGBTI+. No entanto, pesquisas quantitativas também podem contribuir para os estudos da temática, trazendo subsídios concretos para uma compreensão de fenômenos educacionais e “[…] contribuindo para a produção/enfrentamento de políticas educacionais, para planejamento, administração/gestão da educação, podendo ainda orientar ações pedagógicas de cunho mais geral ou específico” (GATTI, 2004GATTI, B. A. Estudos quantitativos em educação. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 30, p. 11-30, 2004., p. 26) voltadas para pessoas LGBTI+. Nesse sentido, Guse, Waise e Esquincalha (2020)GUSE, H. B.; WAISE, T. S.; ESQUINCALHA, A. C. O que pensam licenciando(as) em matemática sobre sua formação para lidar com a diversidade sexual e de gênero em sala de aula? Revista Baiana de Educação Matemática, Juazeiro, v. 1, p. 1-25, 2020. contribuem com um diagnóstico do perfil de licenciandes em Matemática das instituições públicas do estado do Rio de Janeiro em relação a vivências e percepções sobre a diversidade de gênero e sexual nas aulas de Matemática da Educação Básica e em sua formação docente.
Verificamos que, internacionalmente, as pesquisas sobre a temática proposta no campo da Educação Matemática têm se desenvolvido há mais tempo, enquanto no Brasil ainda estão em caráter seminal. Assim, pontuamos a necessidade de que pesquisadories brasileires estejam também atualizades em relação à literatura internacional que trata do tema.
Há uma concentração em pesquisas cujo foco seja em práticas docentes na Educação Básica que visibilizem pessoas LGBTI+, principalmente focadas em estratégias de ensino, trazendo atividades e posturas visibilizadoras que podem permear as aulas de Matemática e contribuir com o rompimento da (re)produção de preconceitos e discriminações em nossa sociedade.
Reconhecemos essa concentração de pesquisas, principalmente com um olhar para práticas docentes e estratégias de ensino, como uma tentativa, pelas pessoas que realizam os estudos, de romper com a (re)produção de cis-hetonormas pela Matemática (DETONI; GUSE; WAISE, 2022DETONI, H. dos R.; GUSE, H. B.; WAISE, T. D. Um olhar queer para a Educação Matemática. In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2022, p. 159-186.), não apenas no âmbito das pesquisas, mas também nas aulas de Matemática em um contexto escolar. Esse movimento é importante, uma vez que, no contexto brasileiro, por exemplo, vivenciamos exigências sociais estruturadas por argumentos que supõem uma “ideologia de gênero” e a “doutrinação” de um ensino, que deveriam ser contrapostas por práticas, em particular de Matemática (MENDES; REIS; ESQUINCALHA, 2022MENDES, L. C.; REIS, W. S. dos; ESQUINCALHA, A. da C. Por que algumas pessoas se incomodam com a pesquisa em gênero e sexualidades no campo da Educação Matemática? In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2022, p. 23-45.), ilusoriamente neutras e que, na verdade, excluem e marginalizam pessoas que escapam do padrão dominante da sociedade (ODARA, 2020ODARA, T. Pedagogia da Desobediência: travestilizando a educação. Salvador: Editora Devires, 2020.).
Percebemos, em muitas pesquisas, uma ênfase na falta de interlocuções ao longo da formação inicial que possibilitem a docentes de Matemática refletirem sobre a questão e promoverem aulas que visibilizem pessoas LGBTI+. Além disso, também observamos uma grande concentração de pesquisas de caráter investigativo, com o objetivo de delinear possíveis interfaces entre o campo da educação matemática e os estudos envolvendo pessoas LGBTI+, uma vez que les pesquisadories observam a falta de orientações ou pesquisas a respeito.
Com relação a esses resultados, questionamos: Que corpos são autorizados a cursar Matemática? Que corpos podem ser representados nas pesquisas no campo da Educação Matemática? Qual Matemática deve ser ensinada e pesquisada? Para quem essa Matemática é voltada? Somos educades para ensinar Matemática? Se somos, quem pode aprender nossos ensinamentos? A ausência de discussões acerca dessa temática na formação inicial de professories de Matemática, além da dificuldade de pesquisadories em encontrarem orientações ou pesquisas a respeito, reforça a ideia de que a Matemática não é direcionada a todes, mas para uma parcela seletiva da sociedade, cujos corpos não perturbam o sistema devido à sua simples existência.
As pesquisas, em sua maioria, tratam sobre pessoas LGBTI+ com discussões mais amplas ou focadas na pessoa cuja sexualidade difere do padrão heteronormativo. Porém, em algumas produções internacionais, observamos a preocupação com estudos que focassem em pessoas que desviam das normas de gênero e na cisgeneridade, principalmente englobando pessoas transgêneras, inclusive não-binárias. No Brasil, não encontramos nenhuma produção com discussões relacionadas a essas pessoas. Dessa forma, é necessário que centremos nossos debates para problematizarem não apenas a heteronormatividade, mas também a cisgeneridade, pois, assim como expõe Rosa (2020)ROSA, E. B. P. R. Cisheteronormatividade como instituição total. Cadernos PET Filosofia, Curitiba, v. 18, n. 2, p. 59-103, 2020., a heteronormatividade “[…] só pode ter esse título porque antes é cisheteronormatividade. Todo o sistema de relações de poder baseadas na heterossexualidade dos corpos pressupõe, antes, que esses corpos são cisgêneros” (ROSA, 2020ROSA, E. B. P. R. Cisheteronormatividade como instituição total. Cadernos PET Filosofia, Curitiba, v. 18, n. 2, p. 59-103, 2020., p. 68). Precisamos que les educadories “[…] busquem linhas de questionamento sobre as diferenças de gênero na matemática quando o gênero é conceitualizado além de um binário” (CASSIDAY, 2021CASSIDAY, C. D. On the Mathematical Narration by Trans-Spectrum University Students. Teaching and Learning Excellence through Scholarship, Baltimore, v. 1, n. 1, p. 17-27, 2021., p. 18, tradução nossa).
Em relação às limitações, temos ciência de que nossa investigação é dotada da subjetividade de quem analisa os textos. Temos ciência, também, que relatos de pesquisas publicados em anais de eventos não explorados, periódicos não indexados nas bases escolhidas e/ou produções de acesso restrito não foram encontrados para análise. Ademais, sabemos que já é possível encontrar, na literatura nacional recente, alguns capítulos de livros que versem sobre a educação matemática de pessoas LGBTI+, por exemplo, além da obra Estudos de Gênero em Educação Matemática (ESQUINCALHA, 2022DETONI, H. dos R.; GUSE, H. B.; WAISE, T. D. Um olhar queer para a Educação Matemática. In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2022, p. 159-186.), que compõe a Biblioteca do Educador da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. No entanto, ressaltamos que livros e capítulos não estavam em nosso escopo.
A partir de nossa análise, identificamos que ainda estamos dando os primeiros passos nos estudos envolvendo pessoas LGBTI+ no campo da Educação Matemática. Há muitos aspectos que ainda precisam ser desbravados e podem se colocar como temas de futuras investigações, principalmente no âmbito nacional. Necessitamos tensionar a própria Matemática (DETONI; GUSE; WAISE, 2022DETONI, H. dos R.; GUSE, H. B.; WAISE, T. D. Um olhar queer para a Educação Matemática. In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2022, p. 159-186.) e a forma pela qual ela é produzida, ensinada e aprendida, criando espaços para novas formas de pensamentos e desafiando premissas que até então são tidas como naturais e rígidas na própria Matemática.
Como sugestões para pesquisas futuras, temos: análise de estratégias para um ensino de Matemática que visibilize pessoas LGBTI+; reflexões sobre a formação de professories de Matemática visando a discussões sobre diversidade sexual e de gênero; estudos que abarquem pessoas que desviam das normas de gênero no contexto da Educação Matemática; interface entre a identidade profissional de quem ensina Matemática e as identidades queer; compreensões sobre práticas de professories de Matemática autoidentificades LGBTI+ e suas trajetórias; pesquisas que não apenas incluam pessoas LGBTI+, mas que questionem a natureza do conhecimento e da aprendizagem matemática (BRITZMAN, 1995BRITZMAN, D. P. Is there a queer pedagogy? Or, stop reading straight. Educational Theory, Illinois, v. 45, n. 2, p. 151-165, 1995.) dessas pessoas, expondo e rompendo as hierarquias de poder da Educação, questionando o conhecimento e as formas de aprendizagem que internalizamos tanto dentro quanto fora das aulas de Matemática.
Precisamos, como classe de educadories matemátiques, nos posicionar em relação à pseudoneutralidade da Matemática quanto a discussões sobre gênero e sexualidade, pois, assim como afirma Aguirre et al. (2017AGUIRRE. J.; HERBEL-EISENMANN, B.; CELEDÓN-PATTICHIS, S.; CIVIL, M.; WILKERSON, T.; STEPHAN, M.; PAPE, S.; CLEMENTS, D. H. Equity within mathematics education research as a political act: Moving from choice to intentional collective professional responsability. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 48, n. 2, p. 124-147, 2017., p. 138, tradução nossa), “[…] embora não sejamos culpados pelos sistemas [desiguais], contribuímos para eles se decidirmos não fazer algo a respeito, uma vez que estamos cientes de que existem”. Essas são discussões políticas que atravessam a vida e a formação escolar de todas as pessoas e, naturalmente, impactam na aprendizagem matemática e na relação de estudantes (LGBTI+ ou não) com essa disciplina.
Pessoas LGBTI+ precisam ser explicitamente consideradas em nossas pesquisas e nos planejamentos de nossas aulas. O apoio precisa ser articulado por meio de nossas interações diárias em aulas de Matemática, ser refletido em nosso currículo e nossa formação e contribuir, de uma maneira mais ampla, para uma Educação que possibilite o bem de todes, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme proclama a Constituição Federal em seu Art. 3° (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico, 1988.), e que les alunes, professories, pesquisadories e todes aquelus que compõem a sociedade sejam promotories da transformação do Brasil em um país respeitoso, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as diferenças. Precisamos tornar a Matemática um meio pelo qual muitas pessoas que, historicamente, são subalternizadas por ela possam se ver representadas e adentrar seus espaços. É necessário que criemos brechas em nossas pesquisas e práticas docentes na tentativa de estranhar os processos de ensino e de aprendizagem, os currículos, as práticas pedagógicas e a própria Matemática, visando enfraquecer a força das (cis-hetero)normas que, por séculos, têm marcado as vidas de pessoas dissidentes.
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Sigla utilizada para referenciar pessoas que desviam das normas de sexualidade e gênero estabelecidas pela sociedade em que estamos inserides, referindo-se a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexos e demais identidades. “[…] Diferentes pesquisadories fazem uso de diferentes siglas, reduzindo ou acrescentando letras. No MatematiQueer [grupo de pesquisa e extensão ao qual pertencem os autores deste artigo], adotamos apenas letras que representam identidades de gênero ou sexuais, em conformidade com grande parte dos movimentos sociais que lutam pela causa no país. Não há, na literatura ou nos movimentos sociais, um consenso a respeito, tampouco reconhecemos necessidade de normatização da sigla. As escolhas de uso são, de modo geral, políticas.” (ESQUINCALHA, 2022DETONI, H. dos R.; GUSE, H. B.; WAISE, T. D. Um olhar queer para a Educação Matemática. In: ESQUINCALHA, A. C. (org.). Estudos de Gênero e Sexualidades em Educação Matemática: tensionamentos e possibilidades. Brasília: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2022, p. 159-186., p. 19). Enquanto pesquisadories que se debruçam sobre os Estudos Queer, entendemos o termo “Queer” em uma perspectiva de estranhamento das normas, mais do que isso, como uma política pós-identitária (LOURO, 2004LOURO, G. L. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.), em detrimento do sentido identitário, por muitas vezes adotado socialmente. Sendo assim, optamos por não incluir a letra “Q” na sigla utilizada em nossas produções. Com relação às outras possibilidades de letras na sigla, entendemos que toda pessoa cuja sexualidade ou gênero desvia das normas deve ser representada, porém, não é possível utilizarmos uma sigla que visibilize todas as múltiplas formas de dissidências existentes, sendo esse o papel atrelado ao “+”. Disto isto, temos utilizado a sigla “LGBTI+” por observarmos a adoção mais recorrente desta em pesquisas do campo e por movimentos sociais.
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Adotamos, ao longo do trabalho, a linguagem binária para nos referirmos às pessoas das quais conhecemos a identidade de gênero e a linguagem não-binária – “Sistema elu” (VALENTE, 2020VALENTE, P. O “x” e o “@” não são a solução: Sistema Elu e Linguagem Neutra em Género. Medium - @pedrosttv, 13 de abr. 2020. Disponível em: https://medium.com/@pedrosttv/sistema-elu-linguagem-neutra-em-g%C3%A9nero-pt-pt-9529ed3885cf. Acesso em: 21 mai. 2022.
https://medium.com/@pedrosttv/sistema-el... ) – quando a pessoa não é explicitada conforme seu gênero, demarcando um posicionamento político de visibilizar pessoas historicamente invisibilizadas e também de substituir o masculino genérico. Para aquelus que desejam conhecer mais sobre o sistema, recomendamos a seguinte leitura de “O ‘x’ e o ‘@’ não são a solução: Sistema Elu e Linguagem Neutra em Género” (VALENTE, 2020VALENTE, P. O “x” e o “@” não são a solução: Sistema Elu e Linguagem Neutra em Género. Medium - @pedrosttv, 13 de abr. 2020. Disponível em: https://medium.com/@pedrosttv/sistema-elu-linguagem-neutra-em-g%C3%A9nero-pt-pt-9529ed3885cf. Acesso em: 21 mai. 2022.
https://medium.com/@pedrosttv/sistema-el... ). Disponível em: www.is.gd/sistemaelu. -
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O uso de asterisco no descritor é com o objetivo de recuperar as variações da sigla LGBT nos repositórios.
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Neste quantitativo não estamos incluindo a busca realizada no Google Acadêmico devido ao número expressivo de resultados que o mecanismo abrange.
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Não se limitam às categorias “masculino” ou “feminino”.
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O kit “Escola Sem Homofobia” é um material do “Projeto Escola Sem Homofobia”, do programa “Brasil Sem Homofobia”, lançado em 2004 pelo Governo Federal. Trata-se um programa de combate à violência e à discriminação contra as pessoas LGBTI+ e de promoção da cidadania homossexual.
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Neste contexto, marcas cis-heteronormativas podem ser entendidas como contextualizações no currículo de Matemática que consideram apenas pessoas cisgêneras e heterossexuais em suas representações.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Dez 2022 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2022
Histórico
-
Recebido
23 Jan 2022 -
Aceito
06 Jun 2022