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Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica1 1 Este artigo corresponde ao texto completo do resumo apresentado no painel inaugural do X Congresso Argentino e Xlll Congresso Latino-Americano de Terapia Ocupacional, na cidade de Tucumán, Argentina, em setembro de 2019. ,2 2 A redação deste artigo assume a perspectiva dos direitos humanos e da diversidade sexual e de gênero estabelecida no Manual de Mobilização da Diversidade da Anistia Internacional, que indica que na redação de um texto “[...] a letra x é utilizada para propor uma linguagem, isso inclui todas as pessoas que se identificam com as várias expressões e identidades de gênero” (Amnistía Internacional, 2019, p. 3).

Resumo

Reflete, a partir de uma leitura da filosofia política crítica, a emergência de uma variedade de novos conceitos na terapia ocupacional do centro-norte. Nesta proliferação de uma nova gramática tecnocrática, a ideia de Justiça Ocupacional (JO) tem sido amplamente incidente nesse cenário, bem como noutros espaços da periferia do sistema global da profissão, particularmente na academia. Mantenho que a ideia de Justiça Ocupacional (JO) se tornou uma nova forma de colonização epistémica e cognitiva da profissão, que funciona sob pressupostos universalistas, essencialistas e liberais, típicos da moderna racionalidade eurocêntrica. Esta ideia de uma justiça única e homogénea, associada à noção de ocupação, permitiria à terapia ocupacional (TO) cumprir metodologicamente a sua tarefa profissional e disciplinar estruturada sob os pressupostos científicos e assim responder adequadamente às novas complexidades do seu fazer. No desenvolvimento do texto, a ideia de justiça é reconhecida como uma noção derivada da filosofia política. É feita uma distinção entre o que é justo e as teorias de justiça derivadas dessa definição neste campo filosófico, nos seus aspectos liberais e comunitários. Delimitada na ideia de Justiça Ocupacional e nas suas implicações coloniais, propõe-se uma ideia de Justiça baseada num critério ético-político crítico, não instrumental técnico, sustentada na ideia de um bom viver no plural, sob uma lógica pluricultural, de ordem anticapitalista, comunitária e que materializa uma expressão de direitos humanos situados, baseada no reconhecimento da diferença.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Política; Justiça Social; Colonialismo; América Latina

Abstract

Based on a critical political philosophy position, this is a reflection of the emergence of a variety of new concepts in North-Eurocentric occupational therapy. In this new prolific and technocratic grammar, the idea of ​​Occupational Justice (OJ) has largely resulted in this scenario, as well as in other spaces on the periphery of the global world system of the profession, particularly in academia. I maintain that the idea of ​​Occupational Justice (OJ) has become a new form of epistemic and cognitive colonization of the profession, which operates under universalist, essentialist, liberal assumptions, typical of modern Eurocentric rationality. This idea of ​​a single, homogeneous justice, associated with the notion of occupation would allow occupational therapy (OT) to methodologically fulfill its professional and disciplinary work structured under scientific assumptions and respond appropriately to the new complexities of its work. In the development of the text, the idea of ​​justice is recognized as a notion that derives from political philosophy. The definition of justice and fairness is presented, according to political philosophy in its liberal and communitarian aspects. The scope of the idea of ​​OJ and its colonial implications are delimited, an idea of ​​Justice is proposed based on a critical ethical-political criterion, not an instrumental technical one, based on the idea of good living, under a pluricultural logic, of an anti-capitalist, communitarian order and that it materializes an expression of situated human rights, based on the recognition of difference.

Keywords:
Occupational Therapy; Politics; Social Justice; Colonialism; Latin America

Resumen

Se reflexiona, desde una lectura de la filosófica política crítica, la emergencia de una variedad de nuevos conceptos en la terapia ocupacional nor-eurocéntrica. En esta prolífera nueva gramática tecnocrática, la idea de Justicia Ocupacional (JO) ha resultado ampliamente incidente en dicho escenario, así como en otros espacios de la periferia del sistema mundo global del oficio, en particular en la academia. La idea de Justicia Ocupacional (JO), sostengo, se ha constituido en una nueva forma de colonización epistémica y cognitiva de la profesión, la que opera bajo supuestos universalistas, esencialista, liberales, propios de la racionalidad moderna eurocéntrica. Esta idea de una justicia única, homogénea, asociada a la noción de ocupación permitiría a la terapia ocupacional (TO) cumplir metodológicamente su quehacer profesional y disciplinar estructurado bajo los supuestos científicos y así responder de manera apropiada a las nuevas complejidades de su quehacer. En el desarrollo del texto, se reconoce la idea de justicia como una noción que deriva de la filosofía política. Se distingue qué es lo justo y las teorías de justicia derivadas de dicha definición en este campo filosófico, en sus vertientes liberales y comunitaristas. Delimitados los alcances en la idea de JO y sus implicancias coloniales, se propone una idea de Justicia basada en un criterio ético político crítico, no técnico instrumental, sustentado en la idea de buenos vivires, bajo una lógica pluricultural, de orden anticapitalista, comunitarista y que materialice una expresión de derechos humanxs situados, fundamentados en el reconocimiento de la diferencia.

Palabras clave:
Terapia Ocupacional; Política; Justicia Social; Colonialismo; América Latina

1 A Título de Introdução

No X Congresso Argentino e XIII Congresso Latino-Americano de Terapia Ocupacional, em 2019, debateu-se a proposta “Vivendo com a Diversidade, construindo a Justiça do Trabalho desde a América Latina”.

Este manuscrito é um ponto de vista possível de análise, pois certamente pode haver muitos. A intenção é estabelecer diálogos, mas também polêmicas no sentido de confluência de vozes dissidentes (Díaz, 2020Díaz, M. (2020). Controversias y debates contemporáneos en comunidades de terapeutas ocupacionales de América Latina entre los años 2010-2018: rastreando puntos de convergencia y divergencia y sus conexiones con procesos históricos situados (Manuscrito no publicado). Universidad Humanismo Cristiano, Universidad Federal de San Carlos.) diante da ideia de Justiça do Trabalho. Esse ponto de vista está disponível a partir de um lugar particular, aquele que tenho assumido no meu desenvolvimento pessoal, como na minha trajetória profissional e acadêmica desde os anos 1980, que remete a uma práxis ética, política, reflexiva e crítica da profissão no campo dos direitos humanos (DDHH). Assumo essa perspectiva desde o fundamento histórico materialista, como aquela tradição filosófica política que, traduzida para o campo das ciências sociais, entende que a produção da vida é o resultado de condições relações sociais concretas de existência e que a humanidade, a liberdade e, nesse caso, a justiça só são possíveis na medida em que o sistema mundial atualmente dominante é superado - no sentido de transformação. É aqui que se albergam o sofrimento humano, as iniquidades, a violência, o não direito à boa vida e a uma pluralidade cultural da justiça. Implica que o trabalho exercido a partir de um cargo é fundamentalmente ético e político, que antecede e ao mesmo tempo determina o trabalho profissional e disciplinar. Articulo essa opção crítica com as chamadas perspectivas do Sul, em particular com leituras descoloniais latino-americanas.

Feita essa abrangência, é interessante pensar o que a Justiça pode ser na Terapia Ocupacional, uma vez que abre a possibilidade de debater o ético e o político na profissão, dimensões que já foram abordadas há vários anos na região da América Latina e, particularmente, na América do Sul. Prova disso é o XV Congresso Mundial de Terapia Ocupacional realizado no Chile em 2010, referente aos direitos humanos, nas contribuições levantadas pela TO Social, nos desdobramentos conceituais e práticos do chamado TO Crítico, no TO Comunitário, bem como nas várias expressões práticas e teóricas da terapia ocupacional com base nos direitos humanos em vários contextos e períodos: terrorismo de Estado, migrações, reforma psiquiátrica, pobreza, exclusão social nas suas várias expressões, na reabilitação de base comunitária, saúde coletiva, entre outras. Em todos eles, a questão da justiça esteve em jogo3 3 Nesse sentido, há uma produtividade regional muito interessante que tece em seus escritos o tema da justiça, dos direitos humanos, da terapia ocupacional em diferentes situações da realidade social. Na vasta lista de textos, destaco aqui alguns: Simó et al. (2016), Lopes & Malfitano (2016), Navarrete et al. (2015), Santos & Donatti (2014), Grupo Ocupación y Realización Humana (2011), Oyarzun et al. (2012), Paganizzi (2007). Faço menção especial na temática de direitos humanos, justiça e terapia ocupacional, ao trabalho desenvolvido no Centro de Saúde Mental e Direitos Humanos - CINTRAS, entre 1984 até o momento, no que é o atendimento às vítimas da repressão política. durante a ditadura cívico-militar no Chile, os danos transgeracionais e os traumas da violência política e social no período pós-ditadura. Muitos dos artigos escritos, capítulos de livros e monografias podem ser encontrados em Centro de Salud Mental y Derechos Humanos (2020). .

A ideia de justiça tem sido implantada explicitamente ou dentro de outras noções, principalmente em relação aos direitos humanos e naquelas correntes que se estruturaram, nas palavras de Habermas, sob a ideia de interesse emancipatório, vinculado à autodeterminação e autonomia perante qualquer potência estrangeira que queira submissão (Habermas, 1982Habermas, J. (1982). Conocimiento e interés. Madrid: Taurus.). Aquela TO que reflete não só na questão do poder, mas na transformação social como premissa para a liberdade e emancipação, considerando necessariamente, desde o nosso lugar latino-americano, as ideias de colonialidade, racialização, gênero, classe e interculturalidade.

Nesse campo prático e teórico da TO com orientação crítica, a ideia de justiça tem sido entendida, assumida e designada sem adjetivo, desde a sua substantividade, como Justiça. Da mesma forma e sem se desfazer dessa substantividade, são utilizados conceitos que incidem sobre determinados cenários de conflito social, mas que não apontam para uma determinada profissão, mas para dimensões da realidade social que precisam ser enfrentadas, desconstruídas, estudadas a partir de várias disciplinas ou usadas para a politização da tarefa transformadora. TO crítica refere-se em sua práxis à justiça social, justiça cognitiva, justiça cidadã, entre outras, mas não como uma categoria equivalente a um objeto de estudo que define um ofício, uma profissão, uma tarefa que pode ser chamada de científica, como é o caso de ocupação, mas como categoria política para a ação política da profissão.

Então, vale a pena perguntar: por que justiça ocupacional (JO), e não apenas justiça? Ou por que JO na América Latina?

A questão é localizar historicamente as categorias para compreender seu contexto de significado e uso, visto que, para o mundo anglo-saxão, o conceito de JO como produção situada provavelmente explica seus próprios processos socio-históricos como terapeutas ocupacionais. Nesse sentido, parece necessário refletir sobre sua relevância para aqueles de nós que assumem perspectivas críticas latino-americanas na TO e discutir seus fundamentos e implicações do uso do conceito de JO em contextos históricos como o nosso. Vale a pena nos perguntar se devemos ou não abraçar essas novas noções.

2 Algumas Reflexões Sobre a Ideia de Justiça

Referir-se à Justiça é considerar uma ideia do que é justo. Uma noção que vem da filosofia política, que estuda a relação entre o sujeito e o social, poder, liberdade, igualdade, democracia (Swift, 2016Swift, A. (2016). ¿Qué es y para que sirve la filosofía política? Argentina: XXI Siglo Veintiuno Editores.). Tudo isso fortemente ligado ao ético. Essas ideias de filosofia política variaram de acordo com os períodos históricos, dependendo das condições concretas de produção social. Ou seja, sua fundação se sustenta a partir de uma práxis social concreta, situada e histórica, que busca dar uma resposta de como podemos conviver em sociedade.

A partir da filosofia política moderna, de uma forma muito geral, foi colocado em jogo - como tema central da ideia de justiça - se os deveres e os direitos recaem sobre o indivíduo ou a comunidade. No primeiro, como dignidade moral individual, que se traduz no que se denomina individualismo metodológico4 4 Refere-se às coletividades compostas por indivíduos. “Todos têm que ser entendidos em termos das partes que os compõem - e as sociedades são feitas de indivíduos. Os eventos e estados que são objeto de estudo na sociedade são, em última análise, formados por eventos e estados dos componentes individuais” (Taylor, 1990, p. 178). no comunitário, que entende a dignidade como um bem comum. Assim, a ideia do que é justo se materializará principalmente como liberdades individuais ou como qualquer liberdade individual que ocorra no âmbito do pertencimento a uma comunidade (Rodríguez, 2010Rodríguez, B. (2010). Liberalismo y comunitarismo: un debate inacabado. Revista de Humanidades, 16, 201-229.), respectivamente. Por sua vez, a partir da filosofia política crítica, foram feitas propostas de outra ordem sobre a ideia de justiça que implicam uma ruptura com a racionalidade eurocêntrica moderna, de uma ordem liberal e individual e que se baseia em uma ética de libertação e em uma práxis emancipatória (Dussel, 2001Dussel, E. (2001). Hacia una filosofía política crítica. Bilbao: Editorial Desclée.).

O que é justo? O que é injusto? Nada menos que a avaliação moral de estarmos bem juntos, sendo essa avaliação fundamentalmente de natureza ético-ideológica. Ou seja, o justo como indeterminado que se baseia em ideias de mundo, em um sistema de crenças que constitui racionalidades. Essas ideias do que é justo, delimitadas em suas fronteiras, em seu alcance, vão se traduzir em ideias de justiça. Como aponta Taylor, existe uma distinção entre conceito e conceituação (Donoso, 2003Donoso, C. (2003). Charles Taylor: una crítica comunitaria al liberalismo político. Polis, 6, 1-22. Recuperado el 27 de julio de 2020, de http://journals.openedition.org/polis/6775
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). O que é justo é o conceito, as conceituações possíveis são variadas e, portanto, as ideias de justiça são variadas.

Em outras palavras, não existe uma única ideia de justiça. A filosofia política moderna em suas controvérsias levantou uma variedade de teorias de justiça, desde o liberalismo individual, liberalismo social até teorias comunitárias, pluralismo jurídico, entre outras. Cada uma é baseada em um sistema de crenças de justiça, poder e liberdade, igualdade, desigualdade, comunidade e sujeito.

3 Sobre a Ideia de Justiça Ocupacional

Em relação à ideia de JO, a primeira coisa é apontar que é um neologismo que articula justiça e ocupação, propondo as ideias de justiça e ocupação como universais. Em outras palavras, ocupação é uma noção transversal, generalizada a todos os lugares, tempos e condições de prática de TO. A fundação, seguindo o discurso da lei e da justiça, também assume uma condição natural e funcional da ocupação.

Porém, nesta reflexão, não apontarei para a ideia de ocupação, mas para a de justiça ocupacional, entendendo que ambas as noções articuladas partem de uma proposição universalista e de caráter essencialista.

Dito isso, a proposta é compreender o conceito de Justiça do Trabalho como um ato de fala de um palestrante. E todo ato de fala tem um caráter performático, ou seja, produz a realidade no ato de ser enunciada. Este enunciado, JO, só tem significado em TO. Fora do campo discursivo do ofício, isso não faz sentido. A JO nada mais é do que um significante que significa, no marco de um lugar de fala que constitui o conceito. Esse lugar de fala - significante - é a TO Norte/Eurocêntrico, predominantemente anglo-saxão, com isso quero dizer “europeu” no sentido indicado por Grosfoguel (2007, citado por Montes & Busso, 2007Montes, A., & Busso, H. (2007). Entrevista a Ramón Grosfoguel. Polis, 18, 1-13. Recuperado el 27 de julio de 2020, de http://journals.openedition.org/polis/4040
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, p. 18):

[...] não à população do território que conhecemos como “Europa”, refere-se a uma posição num sistema de classificação racial numa hierarquia étnico-racial global onde quem for classificado como “euro” terá privilégios e acumulação de riqueza superiores a quem ser classificado como não europeu” [...] um certo tipo de pensamento fundamentalista-eurocêntrico que não reconhece em pé de igualdade outras epistemologias que não as suas e que não vê nenhuma outra epistemologia ou cosmologia como normal exceto a sua própria, produz um racismo epistemológico onde apenas a verdade e a justiça estão do lado ocidental, uma vez que o conhecimento não ocidental é considerado inferior.

A partir dessa concepção, entendo a TO Norte/Eurocêntrica como aquela que se encontra em uma posição de superioridade política, cultural, epistemológica, sustentada em uma das suas dimensões, no desenvolvimento técnico-científico dos países ricos, que não reconhecem outras formas culturais de saber em um plano de equivalência e supõem uma superioridade da ciência baseada em fatos e evidências (na lógica do sujeito-objeto), em que a realidade é o produto da ciência e a TO, como parte dela, é uma só, delimitada com fronteiras. “Se a ciência nos diz como é o mundo, então a civilização que a produziu é, à força, superior à civilização que não a produziu e ficou com os mitos” (Montes, 2017Montes, S. (2017, Junio 5). Pensar la ciencia desde lo latinoamericano: de Bunge a Kush. Diario Contexto. Recuperado el 27 de julio de 2020, de https://www.diariocontexto.com.ar/2017/06/05/pensar-la-ciencia-desde-lo-latinoamericano-de-bunge-a-kusch/
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, s.p). A consequência é que tudo o que não seja essa forma de entender o mundo é deixado de fora, negado, como uma zona do não ser (Fanon, 1999Fanon, F. (1999). Los condenados de la tierra. Navarra: Txalaparte.). O Norte/eurocêntrico é territorialmente distribuído de forma global, como o mundo ocidental moderno, com centro e periferia. Na nossa região também existe TO Norte/Eurocêntrico, como na Europa territorial também existe a prática Crítica de TO.

Voltando à ideia de lugar de fala da TO Norte/Eurocêntrica, assume desde a sua condição histórica o lugar do conhecimento e a partir daí constrói categorias, novas gramáticas universalistas que supõem o SABER para o ofício como um todo. Nessa ação, ele nega a existência de outros lugares de fala, outras vozes, pluralidades e dissidentes, que no marco de suas realidades históricas formulam outras compreensões da ideia de justiça e da não necessidade de categorias como JO.

Como diz Immanuel Wallerstein, no sistema mundial capitalista não há homogeneidade em nenhuma dimensão da vida social, seja ela cultural, econômica ou política (Grosfoguel, 2006Grosfoguel, R. (2006). Del final del sistema mundo capitalista hacia un nuevo sistema histórico alternativo: la utopística de Immanuel Wallerstein. Revista Nomadas, 25, 44-52.). O que acontece é um centro de poder dominante e hegemônico, que estabelece profundas diferenças, mas que, além disso, instala uma hegemonia, um poder que nega o multiculturalismo, sistemas normativos e jurídicos que não sejam os do direito positivo liberal moderno. Esse sistema normativo, derivado da ideia de justiça individual, sustentada em bases atomísticas, é aquele com o qual o projeto civilizador moderno operou e continua operando até hoje. A partir da mera ideia da propriedade como fato natural, a autopropriedade dos libertários, no utilitarismo e, mais tarde, no igualitarismo liberal, expressa-se como equalização de oportunidades. Em todos eles, a colonialidade é sua matriz.

Analisada sob essa perspectiva, a ideia de JO produzida pelas terapias ocupacionais Norte/Eurocêntricas correspondem ao centro capitalista, no caso um centro deslocalizado, um centro de vários lugares ao mesmo tempo: Canadá, Reino Unido, Austrália. Nesse contexto, é uma superação do centro único e homogêneo da Europa. No entanto, são novos centros caracterizados por outras historicidades próprias dos países ricos, principalmente extrativistas, brancos, patriarcais, com uma racionalidade universalista e homogênea, colonizando países que têm se sustentado no discurso evolucionário do progresso e da civilização.

Em artigo publicado em 2004 (Townsend & Wilcock, 2004Townsend, E., & Wilcock, A. (2004). Occupational Justice and client-centered practice: a dialogue in progress. Canadian Journal of Occupational Therapy, 71(2), 75-87.), os problemas da justiça descritos pela ideia de JO estão relacionados a processos referentes a migrações derivadas de guerras nas quais os próprios países imperialistas fizeram parte, o refúgio, grupos rurais, pessoas e comunidades marginalizadas, comunidades chamadas de experiências aborígenes ou TO em países da periferia ou chamados anos atrás de terceiro mundo.

A ideia do JO, que se materializou por volta do ano 2000, no mundo Norte/Eurocêntrico, é fortemente determinada, a meu ver, pela expressão cada vez mais crescente da desigualdade e da injustiça global derivada da extrema acumulação de riquezas em consequência do capitalismo selvagem e neoliberalismo. Tem o efeito de aumentar a desigualdade de comunidades, grupos e indivíduos pertencentes ao sistema mundial periférico. As grandes migrações da periferia para o centro, por motivos de empobrecimento e precariedade decorrentes do extrativismo selvagem em países de história colonial, a chamada desregulamentação econômica e financeirização da economia, a redução forçada do aparelho de Estado, fruto dos acordos de Washington determinados pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, a queda do mundo socialista, com as consequentes guerras civis no Leste Europeu (a periferia da Europa), acarretaram para os países do centro do poder econômico um ajuste forçado de suas políticas social sob a ideia de reduzir a desigualdade social (justiça social) a partir de uma lógica liberal, com papel subsidiário do Estado. Esse contexto desafia as profissões e disciplinas a adaptar as suas categorias e metodologias para intervir na nova questão social5 5 “[...] uma aporia fundamental (problema de difícil solução) em que a sociedade vive o enigma de sua coesão e tenta evitar o risco de sua fratura. É um desafio que interroga, põe em causa a capacidade de uma sociedade (o que em termos políticos se denomina nação) existir como um grupo ligado por relações de interdependência” (Castel, 1999, p. 16-17). . Diante dos novos males e sofrimentos sociais (pobreza, exclusão, dor, doença, miséria, desigualdade, injustiça, indignidade), as velhas e as novas profissões (TO entre elas), como tecnologias das formas de governo, devem adaptar seus instrumentos conceituais e práticos para o seu desempenho. A TO, com sua origem política e não primordialmente técnica, está fortemente entrelaçada com o desenvolvimento de políticas públicas e sociais. As políticas públicas não têm sido apenas o contexto material pelo qual se desdobra o atual sistema neoliberal e a sociedade de mercado, mas também articulam e configuram tecnicamente as práticas intervencionistas implantadas na grande maioria das profissões. A TO não ficou imune a isso. Ou seja, as novas formas de abordagem da nova questão social (que a TO Norte/Eurocêntrica chamou de privação ocupacional, marginalização ocupacional, injustiça ocupacional, alienação ocupacional, entre outras), a partir das políticas públicas, têm operado de forma significativa nos aspectos técnico e conceitual das ações em TO (Guajardo Córdoba, 2016Guajardo Córdoba, A. (2016). Lecturas y relatos históricos de la terapia ocupacional en suramérica: una perspectiva de reflexión crítica. Revista Ocupación Humana, 16(2), 110-117. http://dx.doi.org/10.25214/25907816.141.
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). Não estamos mais relacionados à doença, mas à questão social e seu vínculo com a saúde. Problemas têm se transformado em objetos sociais de TO, estudos, pesquisas e construção de novos conceitos (justiça ocupacional) e modelos (Marco de Trabalho da Justiça Ocupacional).

Na proposição da JO, entende-se que cada indivíduo possui capacidades intrínsecas (talento), que podem ser favorecidas ou perturbadas pelas condições sociais. Portanto, a ideia de justiça é proporcionar oportunidades e capacidades iguais para cada pessoa decidir individualmente o que quer para sua vida (mérito e autonomia no sentido estritamente individual). Diante disso, o caminho proposto será o treinamento de habilidades e competências que, na ideia de JO, tem sido denominado empoderamento e influenciado aqueles determinantes sociais que a TO Norte/Eurocêntrica chama de determinantes ocupacionais e que se expressam na injustiça privação, alienação, marginalização, desequilíbrio, todos eles “ocupacionais”. Nessa interação, a participação em ocupações justas teria impacto na boa saúde. Subjacente a essa proposta conceitual-metodológica, a ideia de determinantes sociais em saúde da OMS, a participação da Classificação Internacional de Funcionalidade - CIF-OMS, com a ideia política liberal de indivíduo.

A proposta de JO, como eu propus, materializa aquele lugar de fala do mundo colonial moderno na TO anglo-saxônica e constitui o fundamento desse conceito. O horizonte histórico-epistemológico em que se situa, corporifica, é aquele que estabelece limites para outras ideias do que é justo, digno ou bem viver, outras opções ou possibilidades histórico-culturais do que pode ser a justiça. Esse limite é a racionalidade técnica instrumental, individual e liberal da ideia de JO e a transforma desde uma noção situada em uma universal e do sistema mundial central à periferia. Na minha opinião, a ideia de JO não é um conceito de fronteira, um ponto de fuga que pode abrir a utopia de outro mundo possível para o capitalismo. Ao contrário, é uma nova forma de colonialidade do conhecimento, que reproduz formas de compreender o mundo a partir da perspectiva norte/eurocêntrica e, ao fazê-lo, nega outros mundos possíveis ao mesmo tempo.

A ideia de JO, com efeito matriosca, é um neologismo técnico instrumental que vem da justiça social e se baseia nas ideias filosóficas de Jhon Locke, fundador da filosofia política liberal, com a ideia do natural e inalienável dos direitos e propriedade como condição da natureza; em Kant, com a ideia de um indivíduo totalmente autônomo, preexistente a qualquer realidade social; em John Ralws, com a teoria da justiça do igualitarismo liberal, expressa na necessidade de compartilhar e distribuir bens no mínimo moralmente aceitos por todos como condição de igualdade, constituindo direitos individuais básicos com os quais pode exercer a autonomia (isso requer um Estado neutro que não intervém na vontade individual mas garante certos direitos); e em Amartya Sen, com a justiça como capacidade que reconhece que as pessoas diferem na forma como transformam os mesmos meios em conquistas distintas e isso se explica pelo conceito de capacidade e pela ampliação da liberdade individual a partir da valorização que cada indivíduo possui para alcançar a vida que cada um deseja (Swift, 2016Swift, A. (2016). ¿Qué es y para que sirve la filosofía política? Argentina: XXI Siglo Veintiuno Editores.). A síntese do exposto tornou-se a noção política central dos estados neoliberais diante da nova questão social: Justiça como igualdade e igualdade de oportunidades.

A JO como igualdade e equalização de oportunidades repousa no fato de que as desigualdades e inequidades nas condições de vida que separam cada pessoa deixariam de ser injustas porque cada pessoa pode ter a oportunidade de escapar delas. “E como se presume que os indivíduos são todos iguais ou que seus talentos ou méritos foram distribuídos aleatoriamente, então, consequentemente, eles devem acabar sendo distribuídos proporcionalmente em todos os níveis da sociedade” (Dubet, 2011Dubet, F. (2011). Repensar la Justicia Social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Argentina: Siglo XXI Editores., p. 55). Entende-se que cada pessoa tem talentos e que devem ser criadas oportunidades para que as pessoas ganhem crédito e tenham a oportunidade de competir em igualdade de condições. Essa visão dilui a igualdade de posições, expressa como classes sociais, a produção estrutural de processos, a relação trabalho-capital, gênero, identidade e posições patriarcais, bem como posições situadas e corporificadas em processos históricos, culturais e sociais.

A igualdade de oportunidades, ao contrário, vê pessoas, grupos sociais em situação de desvantagem, vulnerações, que limitam suas possibilidades de acesso objetivo a posições sociais com mais capital social, econômico e cultural (mobilidade social). Essa noção de igualdade de oportunidades promoveu uma modificação substantiva da linguagem social para se referir a pessoas, grupos e comunidades desde os aspectos de posições estruturais no processo de produção social para um olhar individual com determinantes sociais favoráveis ​​ou desfavoráveis. Passamos de trabalhadores, assentados, pobres às classes desfavorecidas, grupos desfavorecidos, grupos em situação de vulnerabilidade, carentes, classe média precária, entre outras novas nomenclaturas:

A partir de agora, os bairros populares são designados como bairros desfavorecidos ou “difíceis” e até “sensíveis”. Em grande medida, observa-se uma “desobrerização” das categorias populares, em benefício de noções mais vagas em que fatores econômicos, culturais e sociais privam os indivíduos, especialmente as crianças, de suas oportunidades de ascensão social (Dubet, 2011Dubet, F. (2011). Repensar la Justicia Social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Argentina: Siglo XXI Editores., p. 58).

São novas formas de vitimização, de subalternização do projeto neoliberal capitalista, que dilui a relação dos sujeitos em sua relação com o trabalho - capital a uma lógica de discriminação e identidade.

Na TO Norte/Eurocêntrica, na ideia de JO, a injustiça seria:

A negação do acesso universal a oportunidades e/ou recursos para participação em ocupações de recuperação da saúde culturalmente injustas. Assim como a falta de práticas habilitadoras centradas no cliente restringe as oportunidades e/ou recursos necessários para que as diversas pessoas participem nas ocupações de uma sociedade (Townsend & Wilcock, 2004Townsend, E., & Wilcock, A. (2004). Occupational Justice and client-centered practice: a dialogue in progress. Canadian Journal of Occupational Therapy, 71(2), 75-87., p. 76).

A injustiça ocupacional é a articulação e expressão de cinco partes: apartheid ocupacional, privação ocupacional, marginalização ocupacional, alienação ocupacional, desequilíbrio ocupacional (Durocher et al., 2019Durocher, E., Gibson, B., & Rappolt, S. (2019). Justicia Ocupacional: una revisión de conceptos. Journal of Occupational Science, 21(4), 418-430. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2019.1616359.
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).

Como se vê, o que há é uma tradução para a linguagem técnica profissional do comércio, de processos de ordem histórica, filosófica, ideológica, política e econômica, entre outras. Implica que o que se pensa sobre algo é dado sob certas condições de produção histórica, e não fora dela. A partir das ideias de Bourdieu (2001)Bourdieu, P. (2001). Poder, derecho y clases sociales. Bilbao: Desclee Editorial., o campo da TO Norte/Eurocêntrica produzido sob essas condições históricas constituiu um habitat baseado na ideia de justiça liberal que produziu um capital simbólico cognitivo conformado por uma variedade de conceitos com o que realiza sua ação prática: JO, Participação Ocupacional, Injustiça Ocupacional, Desequilíbrio Ocupacional, Marginalização Ocupacional, entre outros. Como todo capital, ele é trocado no quadro das relações de poder na lógica do centro e da periferia. Deve-se presumir que somos a periferia. De uma perspectiva crítica latino-americana, eu poderia chamar isso de uma nova forma de colonização cognitiva, como aponta Sousa Santos (2012)Sousa Santos, B. (2012). Una epistemología del Sur. Argentina: CLACSO..

Agora, por outro ângulo, a TO Norte/Eurocêntrica coloca a JO como uma noção emergente e cada vez mais complexa - Teoria Evolucionária da Justiça Ocupacional. (Durocher et al., 2019Durocher, E., Gibson, B., & Rappolt, S. (2019). Justicia Ocupacional: una revisión de conceptos. Journal of Occupational Science, 21(4), 418-430. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2019.1616359.
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), que questiona e acompanha o trabalho de diferentes terapeutas ocupacionais no mundo. Isso como consequência de algo novo na profissão: o questionamento ético e político derivado das injustiças ocupacionais vividas pelas pessoas com quem trabalhamos. É evidente nessa proposição que algo novo, muito novo, está sendo descoberto: a complexidade do mundo e como é difícil hoje sustentar a neutralidade técnica e a assepsia do empreendimento científico. Que novos problemas requerem novas categorias para interpretá-los, os conceitos apropriados nos permitirão objetivar melhor a nova realidade existente e assim sermos capazes de agir para modificá-los. Exigimos novos conceitos para novas realidades. Essa é a tese, pois dela derivarão os métodos, técnicas e instrumentos corretos, guias da prática, o que Illich (1981)Illich, I. (1981). Profesiones inhabilitantes (Serie Crítica/Alternativas). Madrid: H. Blume Ediciones. chamou de burocracia metodológica das profissões científicas, o que, por consequência, leva à incapacitação da cidadania. Subjacente a essa conceituação está o substrato tecnocrático, positivista e objetivista desta TO.

O anterior suporia, por exemplo, que na América Latina a injustiça é também uma questão nova, muito nova. Acho que ajudaria a desmistificar isso lendo o livro “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, para perceber que em nosso território, desde o ato da colonização, a injustiça tem sido um de seus caminhos. TO em nossa região surge do centro da injustiça, é a injustiça vivida pelo chamado Sul Global. Claro que como não somos o mundo, isso não existe, é o inexistente. É o pensamento abismal descrito por Sousa Santos (2012)Sousa Santos, B. (2012). Una epistemología del Sur. Argentina: CLACSO.. Como qualquer posição Norte/Eurocêntrica, essa nova realidade deve ser nova para todos, já que o mundo não é outro senão o Norte/Eurocêntrico.

Outro aspecto que julgo necessário refletir é a tradução da categoria de filosofia política, Justiça, para um termo técnico metodológico, JO. Podemos dizer que existe uma espécie de paradoxo a esse respeito, pois o que se poderia supor como uma politização do comércio e da sua consideração ética implica uma despolitização da noção de fato, uma vez que causa uma tecnocratização do conceito. Não é uma racionalidade política em que se inscreve a profissão, mas um conceito técnico de natureza metodológica, uma racionalidade técnico-instrumental. A justiça deixa de ser uma questão de exercício do cidadão comum, que debate o que é justo, mas um enquadramento, com uma lógica processual, que permite à ação da TO cumprir melhor o seu objetivo para que o emprego como instrumento e meio melhore o estado de saúde. Da mesma forma, ser capaz de investigar e produzir conhecimento científico, e não práxis política. Ou seja, o adjetivo Ocupacional substitui o substantivo Justiça. Não um substantivo gramatical, de uma palavra que nomeia, mas de constitutivo, de substância, de fundamento, que se torna a possibilidade de estabelecer modelos de trabalho, como o Marco de trabalho de JO, que, com o Modelo Canadense de Performance Ocupacional, permite a ação terapêutica ao invés da necessidade de transformação social. Diretrizes, técnicas de avaliação e procedimentos podem ser criados para identificar injustiças e abordá-las; é atomismo6 6 Na filosofia, o atomismo entenderá que todos “[...] devem ser entendidos em termos das partes que o compõem e as sociedades são feitas de indivíduos”. O atomismo afirma que cada sujeito opera individualmente e, portanto, tem o direito de escolher seu próprio projeto de vida. Isso é o que se chama autonomia individual (Donoso, 2003). Da mesma forma, essa ideia atomística pode nos fazer entender a ideia de que uma profissão delimitada é possível, com seus próprios conceitos com seu próprio objeto de estudo, com sua própria gramática técnica. Da mesma forma, a JO é composta de partes, cada uma apontando para um aspecto específico da ideia da JO. Assim como entender que o indivíduo em TO é composto de partes ou a ação ou atividade desse indivíduo também é expressa em partes nas chamadas áreas de desempenho. . Pretende-se a inclusão social sem transformação estrutural. Inclusão no sistema mundial que gerou exclusão.

Para o político há justiça social; para a profissão, justiça ocupacional. Esse binarismo é sustentado na base de que justiça social e JO são de natureza diferente; o primeiro, de caráter social e o segundo, de caráter ocupacional. Não se trata de uma redundância, mas de uma crença efetiva de cunho ontológico da TO Norte/Eurocêntrica e, ao mesmo tempo, uma delimitação administrativa de caráter sindical. A justiça social como redistribuição igualitária dos direitos sociais e a JO dos direitos ocupacionais, particularmente na participação em ocupações diversas e significativas. Obviamente, são demarcações arbitrárias de um discurso técnico que tenta sustentar a ideia de que existe algo que só pertence à TO e a mais ninguém. A complexidade da realidade social pode ser abordada a partir de um território delimitado e preciso de uma profissão de forma pura (atomismo-positivismo). Complementando essa afirmação está o fato de que o neologismo de JO é introduzido em uma nova rede de terminologias da TO, que adquire um formato diverso, mas não necessariamente diferente: direitos ocupacionais, determinantes ocupacionais, participação ocupacional, injustiça ocupacional, exclusão ocupacional, bem como um universal generalizado e trivializado, ao infinito e além. O efeito possível e indesejado de tudo isso é uma nova forma de despolitização da TO e a reafirmação de sua cientificidade e de seu alcance técnico-instrumental-funcional.

Quanto ao sujeito da JO, ele é um indivíduo carente, sem recursos, que precisa ser fortalecido de fora, treinado. Situa-se no lugar do não ser (Fanon, 1999Fanon, F. (1999). Los condenados de la tierra. Navarra: Txalaparte.), da subalternidade, que exige ser assistido e empoderado. O que é chamado de “centrado no cliente” não implica simetria política. Estabelecer uma simetria relacional para o modo de satisfação do usuário não equivale aos direitos humanos. Nessa lógica não há reconhecimento recíproco, ou seja, que a pessoa com quem trabalho, sua injustiça, é fruto de uma relação social da qual faço parte e me reconheço nessa relação de injustiça, e não em um exterior técnico. A centralidade é o que as pessoas precisam e querem fazer no sentido estritamente liberal, assumindo certas particularidades culturais de cada indivíduo e reconhecendo a diversidade de valores e interesses (apontamos o papel da abordagem das capacidades de Sen) orientada para a inclusão social. Nesse contexto, devemos reafirmar que a abordagem dos direitos humanos desloca a abordagem das necessidades, pois enfatiza a efetivação dos direitos, e não primariamente a superação das necessidades. Além das capacidades, o sujeito é o certo e não exige habilitações para ser considerado um sujeito de direito (Guajardo Córdoba & Galheigo, 2015Guajardo Córdoba, A., & Galheigo, S. (2015). Reflexiones críticas acerca de los derechos humanos: contribuciones desde la terapia ocupacional Latinoamericana. World Federation of Occupational Therapists Bulletin, 71(2), 73-80. http://dx.doi.org/10.1179/1447382815Z.00000000023.
http://dx.doi.org/10.1179/1447382815Z.00...
).

4 A Título de Síntese e Proposta

Podemos apontar que a ideia de justiça liberal e nela a JO respondem por uma visão incompleta e não resolvem os problemas do mundo atual marcado pela precariedade da vida e sua consequente desumanização, expressa na desigualdade e crescente desigualdade entre os ricos e pobres, entre o centro capitalista e a periferia. Ao reduzir o problema da justiça à justa distribuição de bens, no caso da TO ao acesso a ocupações significativas, aos chamados direitos ocupacionais ou ao reforço das capacidades ocupacionais, “[...] sem considerar as causas que determinam as desigualdades sociais e assimetrias estruturais nas relações de poder da atual ordem capitalista” (Cortés Rodas, 2010Cortés Rodas, F. (2010). Una crítica a las teorías de Justicia Global: al Realismo, a Rawls, Habermas y Pogge. Ideas y Valores, 59(142), 93-110. Recuperado el 27 de julio de 2020, de https://revistas.unal.edu.co/index.php/idval/article/view/36600/38521
https://revistas.unal.edu.co/index.php/i...
, p. 2), a JO acaba por afirmar os princípios fundamentais do sistema de dominação capitalista colonial patriarcal. Nesse sentido, a crítica à ideia de JO, segundo a qual o fim é a participação em ocupações significativas, não afeta em nada os aspectos sistêmicos do poder capitalista que são marcados pela relação de poder entre centro e periferia, que é propriamente a causa das desigualdades sociais e do crescimento da pobreza e das chamadas injustiças e privações ocupacionais, o que chamei de nova questão social em TO. Na medida em que a extrema desigualdade e pobreza no mundo de hoje são o resultado de um sistema complexo de relações de poder entre países ricos e pobres, que também são reproduzidas em nível local em países e comunidades particulares, pense no alívio focal, soluções em particulares, que indubitavelmente implicam a redução do problema a um nível singular e um relevo específico, expresso na linguagem da TO Norte/Eurocêntrica como direitos ocupacionais básicos ou garantia de capacidades humanas básicas no que se denominou empoderamento, mas sem questionar ou buscar modificar o sistema de relações de poder da atual ordem capitalista, podendo levar a certa melhora na condição social de bem-estar dos indivíduos, como indiquei, mas não a uma superação das relações estruturais de poder e dominação que determinar e reproduzir as situações de pobreza e dependência no mundo derivadas do sistema capitalista colonial patriarcal. É superar a contradição da inclusão social em um sistema social que, em sua essência, é exclusivo. Fazer parte de uma comunidade política, social, compartilhada, que poderíamos chamar de inclusão, parece-me exigir que o sistema social dominante se transforme simultaneamente e, ao mesmo tempo, nesse processo.

A proposta do que propus como uma TO crítica latino-americana, baseada na ideia de justiça como um bem comum, e não individual, pode se sustentar na afirmação de Bem Viver, mas, por favor, não é bom viver ocupacional, mas O Bem Viver em comunidade, assumindo uma lógica anticolonial, antipatriarcal e anticapitalista.

Implica reconhecer uma territorialidade e uma identidade particular, pressupondo que somos heterogêneos na comunidade Abya Yala7 7 Atualmente, diferentes comunidades indígenas, organizações e instituições assumiram o nome de Abya Yala para se referir a “nossa América”. É reconhecido que este é o nome original do território que vai do México aos países andinos e, o da América, como o nome da colonização. Aponta para um território sem limites ou fronteiras e habitado por uma pluralidade de comunidades. Seu nome se refere à “terra viva”, “terra florida”, “terra madura”. Minha intenção é dar conta da pluralidade cultural, das histórias, dos saberes, que em comum têm o sinal da reciprocidade, do bem viver, de uma relação estreita com a terra. Meu interesse é o princípio ético utópico de resgatar essa ideologia de conviver bem em comunidade, rejeitando assim o projeto civilizador liberal moderno de autonomia individual alheia a outros, no contexto do mercado livre e da racionalidade técnico-instrumental como saber e a ideia de justiça baseada na propriedade privada individual. Quem quiser uma leitura mais abrangente, recomendo o texto Abya Yala: uma visão indígena. Escrito por um grupo de autores sob a edição de Rolando de la Ribera (Mayoral, 2012). , que propõe um fim do mundo, o da colonialidade, para outro mundo possível, o que fratura a ideia de JO como estatuto moral normativo positivo das tarefas das Terapias Ocupacionais, a ideia monocultural de justiça. Acarreta que a ideia do que pode ser considerado justo e justiça se insere no marco da pluralidade cultural, ao reconhecer diversas formas normativas, muitas das quais se expressam não como atos jurídicos positivos, mas como práticas cotidianas que configuram formas de vida em que o elemento central, assumindo o valor proposto pelas comunidades indígenas do cone sul da América, é a Reciprocidade8 8 A ideia de reciprocidade, que junto com a de equilíbrio e equidade social, constituem o valor ético das comunidades indígenas dos Andes equatorianos. A ideia de reciprocidade refere-se a dar para receber. “Consiste na contribuição de um trabalho solidário e solidário de todos os membros de um grupo social, para a realização de um trabalho de interesse comum ... permite manter os interesses da comunidade no seio de uma expressão plena de solidariedade e redistribuição bens e serviços internos e autocentrados” (De la Torre & Sandoval, 2004, p. 29). . A justiça como ato comunitário, como padrão de relacionamento para a harmonia coletiva. Trata-se de descolonizar a ideia de justiça moderna norte/eurocêntrica a partir de um diálogo plural e intercultural que resolva as formas de injustiça a partir de várias lógicas interepistêmicas (ecologia do conhecimento). Isso foi abordado de uma forma muito interessante pelo pluralismo jurídico (Alanís de la Vega, 2018Alanís de la Vega, E. (2018). El pluralismo jurídico: apuntes para un enfoque antropológico, material y descolonial. Revista Direitos Humanos & Sociedade , 2(4), 114-133.).

Para tanto, é necessário assumir uma vigilância ética-política-epistêmica com o centro anglo-saxão-norte/eurocêntrico (a TO nesse centro) para ter um novo horizonte de possibilidades, inacabado, sempre incompleto, pois esta é uma condição de possibilidade da liberdade humana, uma compreensão da emancipação que vai além do mundo ocidental. Ou seja, a ideia de justiça desde uma utopia ética, não desde a racionalidade técnica instrumental moderna.

A luta por uma ideia do justo deve assumir uma perspectiva intersetorial, envolvendo o etno-racial, gênero e classe social. Em outras palavras, a tarefa não deve ser apenas a igualdade, pois ela não pode ser separada da luta pelo reconhecimento da diferença étnico-cultural-gênero-classe. Não deve ser apenas por causa da diversidade, já que pertencer a determinados grupos não garante a participação política e o reconhecimento. Ao contrário, o sistema mundial dominante gerencia e integra a diversidade cultural ao mercado. Seguindo Arendt, a participação política e a ideia de estar em público sob uma ideia do justo em comunidade se sustentam na premissa do reconhecimento da diferença, da pluralidade como uma “[...] condição da ação humana porque somos todos o que mesmo, isto é, humanos e, portanto, ninguém é igual a ninguém que já viveu, vive ou vai viver” (Arendt, 1998Arendt, H. (1998). La condición humana. Barcelona: Paidós., p. 22).

Dito assim, a principal tarefa é politizar, historicizar, desindividualizar, reconhecer-nos como parte de uma comunidade política, onde o trabalho científico profissional se junta ao conjunto dos atores sociais, em uma ecologia de saberes, na qual a práxis da TO não é primordialmente a JO, mas antes uma prática ética política para o reconhecimento da diferença como um valor prático, concreto, politizando a luta pela diferença para alcançar a dignidade do reconhecimento. É por isso que é correto falar em Terapias Ocupacionais, não no sentido de diferentes formas de fazer terapia sob o mesmo fundamento ontológico. A ideia de Terapias Ocupacionais é baseada na ideia de uma TO Outra9 9 Refiro-me à Terapia Ocupacional Outra, à ideia de Walter Mignolo Paradigma Outro, que se refere à diversidade (e diversalidade) de formas críticas de pensamento analítico e projetos de futuro a partir de histórias e experiências marcadas pela colonialidade, e não por aqueles dominantes até agora baseados nas histórias e experiências da modernidade. “O paradigma ‘outro’ é, em última instância, o pensamento crítico e utópico, que se articula em todos aqueles lugares em que a expansão imperial/colonial lhe negou a possibilidade de razão, de pensamento e de pensar o futuro” (Mignolo, 2003, p. 20). É pensar, efetivamente, a ruptura e o abandono da matriz moderna, ocidental, da racionalidade técnico-instrumental da TO Norte/Eurocêntrica e considerar um fundamento de outra ordem que não seja outra TO derivada da racionalidade dominante da TO, mas radicalmente diferente, construída a partir de outro local concreto, que abandona o projeto civilizador liberal moderno e se situa nos corpos dos excluídos como o lugar de sua ação. , no sentido de diferença efetiva, de uma alteridade radicalmente diferente. Uma TO cuja primeira filosofia é a ética política é diferente em um sentido radical de uma TO em que sua primeira filosofia é ontológico-epistêmica. Ambas são de uma ordem diferente. Nessa perspectiva, toda polêmica e divergência são necessárias, visto que estamos em um campo sempre em disputa pela descolonização ou colonialidade da profissão e da disciplina.

Os terapeutas ocupacionais, com os afetados, vítimas, excluídos da comunidade da vida, devem tomar consciência da sua posição, interrogando-se mutuamente para constituir uma comunidade crítica na qual discursivamente e de forma prática concreta se fundamenta um juízo negativo do sistema que os causou, e uma alternativa utópica, possível, real, histórica é proposta contra o sistema de opressão. A prática da TO deve negar o sistema que nega as possibilidades da humanidade. Somos o resultado do aparato institucional que nega as existências, por isso devemos negar o que somos para ser uma TO Outra.

Mais do que novos conceitos (no caso desta redação da JO) e seus desvios metodológicos (marcos de trabalho), faz-se necessária uma racionalidade ético-política da práxis profissional e disciplinar. Operação prática de experimentar no mundo da vida cotidiana, na atividade humana concreta das pessoas e dos grupos, a possibilidade de construir projetos morais comunitários e pessoais sob uma ideia de justiça plural e intercultural na concretização da vida cotidiana, no marco de uma comunidade pública compartilhada, no que chamo de autodeterminação prática, dentro do marco de pertença a uma comunidade política particular.

A racionalidade política em TO, eu proponho, deve ser sustentada principalmente sob critérios éticos, não acadêmicos, científicos ou técnicos profissionais. Pegando as ideias de Enrique Dussel (2001Dussel, E. (2001). Hacia una filosofía política crítica. Bilbao: Editorial Desclée., p. 28):

A enunciação do princípio crítico-material da ética que impõe que a afirmação da vida exige a crítica de todos os sistemas em que se negam a corporalidade e a dignidade do outro. Toda crítica ética emerge do reconhecimento do sofrimento dos outros. No entanto, esse sofrimento é sempre material e corporal. A condição de possibilidade de toda crítica é o reconhecimento da dignidade do outro sujeito, do co-sujeito, mas na perspectiva de seu ser, visto e vivenciado sobretudo como seres humanos vivos. Desta forma, temos um princípio material crítico que pode ser expresso mais ou menos assim: todo sistema institucional (ou ato etc.) que não permite que suas vítimas, membros potenciais negados, excluídos do sistema que pretende reproduzir a vida, deve ser criticado. O “dever” da crítica, como juízo universal material negativo, é o início de todo o processo de “desenvolvimento” ou “transformação” da vida humana em sistemas históricos como libertação das vítimas.

Essa ética, a partir de uma leitura descolonial, pode ser expressa, como já apontei, na ideia de Bem Viver/Viver Bem, reconhecendo que existem muitos Bem Viver. Ou seja, muitas noções alternativas e práticas de como construir comunidades descoloniais. A ideia de “Bem Viver permite o reforço de identidades, e para muitas culturas suas essências são colocadas em jogo, e não suas margens” (Gudynas, 2011Gudynas, E. (2011). Buen Vivir: germinando alternativas al desarrollo separata: destaques del FSM. Ecuador: Agencia Latinoamericana de Información., p. 11). Os bons viventes desde sua condição plural e intercultural serão sempre híbridos, redes, não serão homogêneos ou universalistas, sempre historicamente situados, com múltiplas formas em histórias corporificadas sob a premissa ética da reciprocidade. A coexistência pode se expressar nos direitos humanos como produção cultural, mas não na dependência primordialmente da norma legal, mas em um modo de vida baseado no reconhecimento. Assim, toda vez que um direito humano baseado em uma ideia de justiça é reivindicado, devemos nos questionar sobre os aspectos estruturais das relações sociais e culturais que fazem com que uma vida digna, incluindo a natureza, seja constituída (Gándara, 2019Gándara, M. (2019). Los derechos humanos en el siglo XXI. Una mirada desde el pensamiento crítico. Buenos Aires: CLACSO.).

Isso se traduzirá na possibilidade de várias ideias de justiça, que podem convergir em um mínimo comum, isto é, os direitos humanos, desde que sua origem tenha forte inspiração liberal eurocêntrica, o que requer uma reformulação destes para que não constituam novas formas de colonização ocidental. Para tanto, devemos pensar um mundo em uma perspectiva de pluralidade (diferença), o que leva a pensar os direitos humanos a partir de uma lógica intercultural, confrontando todas as formas de universalismo abstrato e homogeneizante (Sousa Santos, 2013Sousa Santos, B. (2013). Descolonizar el saber, reinventar el poder. Chile: LOM Ediciones).

Dessa forma, “[...] o Bem Viver exigirá que as pessoas, comunidades, povos e nacionalidades gozem efetivamente de seus direitos e exerçam responsabilidades no âmbito da interculturalidade, do respeito pela diferença e da convivência harmoniosa com a natureza” (Zaragocin, 2017Zaragocin, S. (2017). Feminismo decolonial y buen vivir. In S. Varea & S. Zaragocin (Eds.), Feminismo y buen vivir: utopías decoloniales (pp. 17-25). Ecuador: PYDLOS Ediciones Universidad de Cuenca., p. 30). Implica afirmar a necessidade de reconhecer as diversas experiências das diferentes culturas, valorizando nelas como a ideia de dignidade e os valores a ela associados estão presentes.

Por fim, perante a generalização da ideia de JO, de uma perspectiva histórica e crítica, somos obrigados a compreendê-la como uma noção particular do lugar de fala da TO Norte/Eurocêntrica que, situada no centro do sistema mundial, constitui um universalismo monocultural da ideia de justiça e sua aplicação no ofício. Esse particularismo responde a uma realidade situada que não é a nossa e se caracteriza por ser a dos países colonizadores, ricos, capitalistas, extrativistas, brancos, liberais, patriarcais, da racionalidade técnico-instrumental e científica. Esse particularismo que se manifesta como universalismo na TO global é construído em uma nova forma de colonialidade de ser, saber e fazer. Reafirma o olhar individual, de viés paradigmático, tecnocrático, despolitizado e histórico das terapias ocupacionais Norte/Eurocêntricas, expresso em uma visão liberal da ideia de justiça, dos direitos humanos e das práticas sustentadas nessa perspectiva filosófica política.

O convite é assumir uma TO Outra, uma TO militante, com base em uma ética de alteridade excluída, uma ética de libertação, expressa na ideia de bem viver, de ideias culturalmente situadas e corporificadas de justiça, de uma pluralidade jurídica descolonial, promovendo os direitos humanos a partir de uma leitura que permita a construção permanente de condições aceitas interculturalmente, que levem os sujeitos a pensar e produzir, a partir de suas posições históricas situadas, encarnadas, a possibilidade de formular e construir mundos que colhem da reciprocidade seus diferentes horizontes e contextos.

  • 3
    Nesse sentido, há uma produtividade regional muito interessante que tece em seus escritos o tema da justiça, dos direitos humanos, da terapia ocupacional em diferentes situações da realidade social. Na vasta lista de textos, destaco aqui alguns: Simó et al. (2016)Simó, S., Guajardo Córdoba, A., Correa, F., Galheigo, S., & García, S. (2016).Terapias ocupacionales desde el Sur. Santiago: Editorial USACH., Lopes & Malfitano (2016)Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2016). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar., Navarrete et al. (2015)Navarrete, E., Cantero, P., Guajardo Córdoba, A., Sepúlveda, R., & Moruno, P. (2015). Terapia ocupacional y exclusión social: hacia una praxis basada en los derechos humanos. Chile: Segismundo Editorial Segismundo., Santos & Donatti (2014)Santos, V., & Donatti, A. (2014). Cuestiones contemporáneas de terapia ocupacional en América del Sur. Curitiba: Editora CRV., Grupo Ocupación y Realización Humana (2011)Grupo Ocupación y Realización Humana. (2011). Ocupación: sentido, realización y libertad: diálogos ocupacionales en torno al sujeto, la sociedad y el medio ambiente. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Oyarzun et al. (2012)Oyarzun, S. N., Zolezzi, G. R., Núñez, S. J., & Palacios, T. M. (2012). Hacia la construcción de las prácticas comunitarias de terapeutas ocupacionales en Chile, desde una mirada socio histórica, desde 1972 hasta la actualidad. España: Editorial Académica Española., Paganizzi (2007)Paganizzi, L. (2007). Terapia ocupacional psicosocial. Buenos Aires: Docta.. Faço menção especial na temática de direitos humanos, justiça e terapia ocupacional, ao trabalho desenvolvido no Centro de Saúde Mental e Direitos Humanos - CINTRAS, entre 1984 até o momento, no que é o atendimento às vítimas da repressão política. durante a ditadura cívico-militar no Chile, os danos transgeracionais e os traumas da violência política e social no período pós-ditadura. Muitos dos artigos escritos, capítulos de livros e monografias podem ser encontrados em Centro de Salud Mental y Derechos Humanos (2020)Centro de Salud Mental y Derechos Humanos – CINTRAS. (2020). Recuperado el 27 de julio de 2020, de http://cintras.org/publicaciones.htm
    http://cintras.org/publicaciones.htm...
    .
  • 4
    Refere-se às coletividades compostas por indivíduos. “Todos têm que ser entendidos em termos das partes que os compõem - e as sociedades são feitas de indivíduos. Os eventos e estados que são objeto de estudo na sociedade são, em última análise, formados por eventos e estados dos componentes individuais” (Taylor, 1990Taylor, C. (1990). El atomismo, en Derecho y moral: ensayos analíticos. Revista de Ciencia Política, 12, 1-2., p. 178).
  • 5
    “[...] uma aporia fundamental (problema de difícil solução) em que a sociedade vive o enigma de sua coesão e tenta evitar o risco de sua fratura. É um desafio que interroga, põe em causa a capacidade de uma sociedade (o que em termos políticos se denomina nação) existir como um grupo ligado por relações de interdependência” (Castel, 1999Castel, R. (1999). La metamorfosis de la cuestión social. Buenos Aires: Paidós., p. 16-17).
  • 6
    Na filosofia, o atomismo entenderá que todos “[...] devem ser entendidos em termos das partes que o compõem e as sociedades são feitas de indivíduos”. O atomismo afirma que cada sujeito opera individualmente e, portanto, tem o direito de escolher seu próprio projeto de vida. Isso é o que se chama autonomia individual (Donoso, 2003Donoso, C. (2003). Charles Taylor: una crítica comunitaria al liberalismo político. Polis, 6, 1-22. Recuperado el 27 de julio de 2020, de http://journals.openedition.org/polis/6775
    http://journals.openedition.org/polis/67...
    ). Da mesma forma, essa ideia atomística pode nos fazer entender a ideia de que uma profissão delimitada é possível, com seus próprios conceitos com seu próprio objeto de estudo, com sua própria gramática técnica. Da mesma forma, a JO é composta de partes, cada uma apontando para um aspecto específico da ideia da JO. Assim como entender que o indivíduo em TO é composto de partes ou a ação ou atividade desse indivíduo também é expressa em partes nas chamadas áreas de desempenho.
  • 7
    Atualmente, diferentes comunidades indígenas, organizações e instituições assumiram o nome de Abya Yala para se referir a “nossa América”. É reconhecido que este é o nome original do território que vai do México aos países andinos e, o da América, como o nome da colonização. Aponta para um território sem limites ou fronteiras e habitado por uma pluralidade de comunidades. Seu nome se refere à “terra viva”, “terra florida”, “terra madura”. Minha intenção é dar conta da pluralidade cultural, das histórias, dos saberes, que em comum têm o sinal da reciprocidade, do bem viver, de uma relação estreita com a terra. Meu interesse é o princípio ético utópico de resgatar essa ideologia de conviver bem em comunidade, rejeitando assim o projeto civilizador liberal moderno de autonomia individual alheia a outros, no contexto do mercado livre e da racionalidade técnico-instrumental como saber e a ideia de justiça baseada na propriedade privada individual. Quem quiser uma leitura mais abrangente, recomendo o texto Abya Yala: uma visão indígena. Escrito por um grupo de autores sob a edição de Rolando de la Ribera (Mayoral, 2012Mayoral, M. J. (2012). Abya Yala: una visión indígena. Mexico: Prensa Latina.).
  • 8
    A ideia de reciprocidade, que junto com a de equilíbrio e equidade social, constituem o valor ético das comunidades indígenas dos Andes equatorianos. A ideia de reciprocidade refere-se a dar para receber. “Consiste na contribuição de um trabalho solidário e solidário de todos os membros de um grupo social, para a realização de um trabalho de interesse comum ... permite manter os interesses da comunidade no seio de uma expressão plena de solidariedade e redistribuição bens e serviços internos e autocentrados” (De la Torre & Sandoval, 2004De la Torre, L., & Sandoval, C. (2004). La reciprocidad en el mundo andino: ei caso del pueblo de Otavalo. Quito: Editorial Abya-Yala., p. 29).
  • 9
    Refiro-me à Terapia Ocupacional Outra, à ideia de Walter Mignolo Paradigma Outro, que se refere à diversidade (e diversalidade) de formas críticas de pensamento analítico e projetos de futuro a partir de histórias e experiências marcadas pela colonialidade, e não por aqueles dominantes até agora baseados nas histórias e experiências da modernidade. “O paradigma ‘outro’ é, em última instância, o pensamento crítico e utópico, que se articula em todos aqueles lugares em que a expansão imperial/colonial lhe negou a possibilidade de razão, de pensamento e de pensar o futuro” (Mignolo, 2003Mignolo, W. (2003). Historias locales/diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Madrid: Akal Editores., p. 20). É pensar, efetivamente, a ruptura e o abandono da matriz moderna, ocidental, da racionalidade técnico-instrumental da TO Norte/Eurocêntrica e considerar um fundamento de outra ordem que não seja outra TO derivada da racionalidade dominante da TO, mas radicalmente diferente, construída a partir de outro local concreto, que abandona o projeto civilizador liberal moderno e se situa nos corpos dos excluídos como o lugar de sua ação.
  • Como citar: Guajardo Córdoba, A. (2020). Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de justiça do trabalho na perspetiva de uma filosofia política crítica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. Ahead of Print. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2175
  • 1
    Este artigo corresponde ao texto completo do resumo apresentado no painel inaugural do X Congresso Argentino e Xlll Congresso Latino-Americano de Terapia Ocupacional, na cidade de Tucumán, Argentina, em setembro de 2019.
  • 2
    A redação deste artigo assume a perspectiva dos direitos humanos e da diversidade sexual e de gênero estabelecida no Manual de Mobilização da Diversidade da Anistia Internacional, que indica que na redação de um texto “[...] a letra x é utilizada para propor uma linguagem, isso inclui todas as pessoas que se identificam com as várias expressões e identidades de gênero” (Amnistía Internacional, 2019Amnistía Internacional. (2019). Manual movilizando la diversidad. Chile., p. 3).
  • Errata

    No artigo “Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica”, DOI número https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoarf2175, publicado no periódico Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, vol. 28, no. 4, p. 1365-1381, 2020,
    Na página 1365, no título do artigo, onde se lê:
    Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica
    Leia-se:
    Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica
    Ainda na página 1365, na seção “Como citar”, onde se lê:
    Como citar: Guajardo Córdoba, A. (2020). Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de justiça do trabalho na perspetiva de uma filosofia política crítica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 28(4), 1365-1381. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2175
    Leia-se:
    Como citar: Guajardo Córdoba, A. (2020). Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 28(4), 1365-1381. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2175
    No cabeçalho de todas as páginas, onde se lê:
    Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de justiça do trabalho na perspetiva de uma filosofia política crítica
    Leia-se:
    Sobre as novas formas de colonização em terapia ocupacional. Reflexões sobre a ideia de Justiça Ocupacional na perspectiva de uma filosofia política crítica
    Na página 1367, onde se lê:
    No X Congresso Argentino e XIII Congresso Latino-Americano de Terapia Ocupacional, em 2019, debateu-se a proposta “Vivendo com a Diversidade, construindo a Justiça do Trabalho desde a América Latina”.
    Leia-se:
    No X Congresso Argentino e XIII Congresso Latino-Americano de Terapia Ocupacional, em 2019, debateu-se a proposta “Vivendo com a Diversidade, construindo a Justiça Ocupacional desde a América Latina”.
    Na página 1367, onde se lê:
    A intenção é estabelecer diálogos, mas também polêmicas no sentido de confluência de vozes dissidentes (Díaz, 2020) diante da ideia de Justiça do Trabalho.
    Leia-se:
    A intenção é estabelecer diálogos, mas também polêmicas no sentido de confluência de vozes dissidentes (Díaz, 2020) diante da ideia de Justiça Ocupacional.
    Na página 1369, onde se lê:
    Dito isso, a proposta é compreender o conceito de Justiça do Trabalho como um ato de fala de um palestrante.
    Leia-se:
    Dito isso, a proposta é compreender o conceito de Justiça Ocupacional como um ato de fala de um palestrante.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Aceito
    24 Set 2020
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