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Os fazeres da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil

Resumo

Introdução

Embora, ao longo da história, a terapia ocupacional acompanhe ativamente o desenvolvimento do campo da saúde mental infantojuvenil, há pouca produção sobre os elementos que caracterizam o núcleo da profissão neste campo, destacando-se a importância de pesquisas que avancem nesta direção.

Objetivos

Identificar a perspectiva de terapeutas ocupacionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes sobre o núcleo profissional da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil, além de analisar como os demais profissionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes descrevem a prática de terapeutas ocupacionais neste campo.

Método

Estudo com abordagem qualiquantitativa, desenvolvido em duas fases. A primeira contou com a participação de 107 profissionais atuantes no campo da saúde mental de crianças e adolescentes, que responderam um questionário online. Na segunda fase, participaram 32 profissionais, que compuseram quatro grupos focais virtuais. Para análise dos dados de ambas as fases, foi utilizado o software Iramuteq®.

Resultados

Foram identificados como fazeres característicos da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil: o enfoque nas ocupações, atividades de vida diária, rotinas e cotidiano dos indivíduos; a perspectiva integral sobre os sujeitos, a tessitura de redes e o fomento à intersetorialidade; a atuação frente ao sofrimento psíquico intenso e o manejo das situações de crise; e a atuação nos casos mais graves e complexos.

Conclusão

O estudo demonstra as características dos fazeres da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil, destacando a importância deste núcleo profissional para a construção coletiva do cuidado no referido campo.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Saúde Mental; Criança; Adolescente; Competência Profissional

Abstract

Introduction

Although, throughout history, Occupational Therapy has actively followed the development of the field of child and adolescent mental health, there is low production on the elements that characterize the core of the profession in this field, highlighting the importance of research that advances in this direction.

Objectives

To identify the perspective of occupational therapists involved in the psychosocial care of children and adolescents on the professional core of Occupational Therapy in the field of child and adolescent mental health and analyze how non-occupational therapists involved in the psychosocial care of children and adolescents describe the practice of occupational therapists in this field.

Method

Study with a qualitative and quantitative approach, developed in two phases. The first phase had the participation of 107 professionals working in the field of mental health of children and adolescents, who answered an online questionnaire. In the second phase, 32 professionals participated, who composed four virtual focus groups. The Iramuteq® software was used to analyze the data from both phases.

Results

The following were identified as characteristic occupations of Occupational Therapy in the field of mental health for children and adolescents: the focus on occupations, daily life activities, routines and daily life of individuals; the integral perspective on the subjects, the weave of networks and the promotion of intersectionality; the acting in situations of intense psychic suffering and handling crisis situations; the acting in the most serious and complex cases.

Conclusion

The study demonstrates the characteristics Occupational Therapy’s work in the field of mental health for children and adolescents, highlighting the importance of this professional core for the collective construction of care in this field.

Keywords:
Occupational Therapy; Mental Health; Child; Adolescent; Professional Competence

Introdução

Alguns estudos apontam que as crianças, por não serem consideradas em suas especificidades, mas como miniaturas dos adultos, foram historicamente negligenciadas de todos os tipos de cuidado, sendo apenas com o advento dos campos da pediatria, pedagogia e psicologia infantil que se passou a dedicar mais atenção ao desenvolvimento infantil e às medidas de proteção e assistência a esta população. Neste sentido, a terapia ocupacional veio contribuir com o trabalho voltado a crianças e adolescentes, no estímulo ao seu desenvolvimento, autonomia e participação social (Gomes & Oliver, 2010Gomes, M. L., & Oliver, F. C. (2010). A prática da terapia ocupacional junto à população infantil: revisão bibliográfica do período de 1999 a 2009. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 21(2), 121-129.).

No Brasil, este trabalho foi impulsionado pelo aumento de políticas públicas destinadas a essa população, dentre as quais cabe destacar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1990Brasil. (1990, 13 de julho). Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 6 de junho de 2021, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). O ECA inaugurou uma nova forma de olhar e compreender as questões relacionadas à infância e à adolescência, com base, dentre outros aspectos, na regulamentação das medidas socioeducativas e de proteção a esta população (Galheigo, 2003Galheigo, S. M. (2003). O abrigo para crianças e adolescentes: considerações acerca do papel do terapeuta ocupacional. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(2), 85-94.).

No campo da saúde mental, o histórico de pouca dedicação às especificidades da população infantojuvenil não foi diferente. Um retrospecto sobre a temática da saúde mental de crianças e adolescentes indica que, até o século XX, não eram encontrados critérios diagnósticos para crianças que apresentassem problemas relacionados à saúde mental, sendo elas tratadas tal qual “adultos esquizofrênicos” ou com deficiências mentais (Brunello, 2007Brunello, M. I. B. (2007). Transtorno emocional infantil. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Eds.), Terapia ocupacional: fundamentação & prática (pp. 308-313). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.). A partir de 1980, adotou-se as siglas DGD ou TGD para nomear, respectivamente, os Distúrbios ou Transtornos Globais do Desenvolvimento. Nestes, estariam incluídas as crianças com “[…] comprometimento do desenvolvimento em múltiplas áreas vitais, como inabilidades de interação social e da comunicação e presença de comportamentos, interesses e atividades estereotipados” (Brunello, 2007, pBrunello, M. I. B. (2007). Transtorno emocional infantil. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Eds.), Terapia ocupacional: fundamentação & prática (pp. 308-313). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.. 309).

Com este enquadramento diagnóstico e tudo o que ele involuntariamente pode acarretar, em termos de desinvestimento frente a um determinismo, passou a ser importante e necessário, para a terapia ocupacional, compreender o modo como as crianças que vivenciavam tais condições se colocavam no mundo, os sofrimentos que apresentavam, o que as impedia de satisfazer suas necessidades e desempenhar as atividades cotidianas típicas da infância, para que estas informações direcionassem as práticas profissionais (Brunello, 2007Brunello, M. I. B. (2007). Transtorno emocional infantil. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Eds.), Terapia ocupacional: fundamentação & prática (pp. 308-313). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.).

Frente a este cenário, cabe “[…] considerar que a intervenção da terapia ocupacional com crianças que apresentam problemáticas relacionadas à saúde mental seguiu juntamente com o desenvolvimento da psiquiatria infantil” (Matsukura, 1997, pMatsukura, T. S. (1997). A aplicabilidade da terapia ocupacional no tratamento do autismo infantil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 6(1), 25-47.. 29).

Internacionalmente, antes da década de 1990, alguns estudos já indicavam que os terapeutas ocupacionais estavam sendo cada vez mais solicitados no que diz respeito ao trabalho junto a crianças ditas com transtornos mentais (Copley et al., 1987Copley, B., Forryan, B., & O’Neill, L. (1987). Play therapy and counselling work with children. British Journal of Occupational Therapy, 50(12), 413-416.) e que, portanto, tornava-se importante o investimento em pesquisas que pudessem se debruçar sobre e sistematizar as contribuições da terapia ocupacional neste campo e os possíveis referenciais teóricos adotados (Sholle-Martin & Alessi, 1990Sholle-Martin, S., & Alessi, N. E. (1990). Formulating a role for occupational therapy in child psychiatry: a clinical application. The American Journal of Occupational Therapy, 44(10), 871-882.).

Baseando-se nestes e em outros estudos internacionais, Matsukura publicou, em 1997, artigo considerado precursor para a terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil brasileira. Neste manuscrito, a autora se utilizou de um estudo de caso para levantar o debate acerca das possíveis contribuições da terapia ocupacional no tratamento do autismo. Embasando-se na abordagem psicodinâmica, a autora chamou a atenção, especialmente, para a importância do uso da atividade, inerente aos processos de terapia ocupacional, e da qualidade da relação terapêutica como potenciais estratégias da área na atenção a este público. Segundo a autora, as atividades são instrumentos que permitem tanto o acesso à realidade interna dos indivíduos quanto seu contato com a realidade externa, que os cerca (Matsukura, 1997Matsukura, T. S. (1997). A aplicabilidade da terapia ocupacional no tratamento do autismo infantil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 6(1), 25-47.).

Neste sentido, Matsukura (1997)Matsukura, T. S. (1997). A aplicabilidade da terapia ocupacional no tratamento do autismo infantil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 6(1), 25-47. destacou, com base nos resultados do estudo em questão, que a realização de atividades durante o processo terapêutico implementado ampliou as possibilidades de experimentação, desenvolvimento e interação da criança, bem como a relação triádica entre terapeuta, paciente e atividade, característica dos processos de terapia ocupacional psicodinâmica, o que sustentou o desenvolvimento de um contato sólido e potente com a criança.

Uma década mais tarde, considerando o campo da saúde mental de crianças e adolescentes, de forma mais geral e ampla, Matsukura (2007)Matsukura, T. S. (2007). Práticas de terapia ocupacional em saúde mental infantil: ampliando o alcance sob o enfoque de mecanismos de risco e proteção. In Anais X Congresso Brasileiro de Terapia Ocupacional: Contextos, Territórios e Diversidades (pp. 1-10). Lages: Uniplac. fez pontuações em relação ao que a literatura da época já indicava como caminhos para a referida atuação. Segundo a autora, o terapeuta ocupacional é o profissional que intervém diretamente junto à criança e que, também, alcança seus diferentes contextos e sua rede, implementando e desenvolvendo, no cotidiano específico de cada indivíduo, estratégias e recursos que promovam organização frente às situações conflituosas. Também é destacada a atuação da terapia ocupacional na diminuição dos fatores de risco e ampliação dos fatores protetivos, ambos tanto emocionais quanto sociais e ambientais, em vista da promoção do desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes (Matsukura, 2007Matsukura, T. S. (2007). Práticas de terapia ocupacional em saúde mental infantil: ampliando o alcance sob o enfoque de mecanismos de risco e proteção. In Anais X Congresso Brasileiro de Terapia Ocupacional: Contextos, Territórios e Diversidades (pp. 1-10). Lages: Uniplac.).

Para Brunello (2007), aBrunello, M. I. B. (2007). Transtorno emocional infantil. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Eds.), Terapia ocupacional: fundamentação & prática (pp. 308-313). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. atuação da terapia ocupacional junto a esta população “[…] deve, necessariamente, passar por duas instâncias: oferecer recursos para que a vida ganhe sentido e auxiliar na busca de ações que tornem a vida dessas pessoas mais digna de ser vivida” (Brunello, 2007, pBrunello, M. I. B. (2007). Transtorno emocional infantil. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Eds.), Terapia ocupacional: fundamentação & prática (pp. 308-313). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.. 311). A autora também reforça o papel do terapeuta ocupacional frente a todo processo institucionalizador, em favor da efetiva inclusão social, da autonomia e da liberdade das diversas formas de existência.

Cabe destacar, aqui, que no contexto brasileiro, diferentemente dos outros países ao redor do mundo, a terapia ocupacional na saúde pública buscou acompanhar os avanços das políticas locais de saúde mental de crianças e adolescentes, tendo como linha de sustentação a Atenção Psicossocial. Nesta direção, pontua-se que o campo de atenção à saúde mental de crianças e adolescentes no Brasil se dá a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída em 2011 para toda população em sofrimento psíquico e com demandas relacionadas ao uso de álcool e outras drogas, incluindo a população de crianças e adolescentes (Brasil, 2011Brasil. (2011, 26 de dezembro). Portaria n° 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 30 de agosto de 2020, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

De acordo com o documento “Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no Sistema Único de Saúde – tecendo Redes para Garantir Direitos” (Brasil, 2014Brasil. (2014). Atenção Psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 18 de setembro de 2021, de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), as estratégias de cuidado para esta população, especificamente, devem seguir as seguintes diretrizes: a consideração de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos (incluindo o direito de apresentação de suas próprias demandas no processo de cuidado); o acolhimento universal; o encaminhamento implicado e corresponsável; a construção permanente da rede e da intersetorialidade; o trabalho no território; a avaliação contínua das demandas e a construção compartilhada das necessidades de saúde mental. Observa-se, ainda, que a RAPS é constituída por diferentes pontos de atenção, dentre os quais estão: os serviços da Atenção Básica em Saúde, Atenção Psicossocial Estratégica (CAPSij), Atenção de Urgência e Emergência; Atenção Residencial de caráter transitório; Atenção Hospitalar (Brasil, 2014Brasil. (2014). Atenção Psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 18 de setembro de 2021, de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

Neste contexto, alguns estudos nacionais têm sinalizado sobre a atuação da terapia ocupacional no campo da saúde mental de crianças e adolescentes. Pesquisa realizada por Tszesnioski et al. (2015)Tszesnioski, L., Nóbrega, K. B. G., Lima, M. L. L. T., & Facundes, V. L. D. (2015). Construindo a rede de cuidados em saúde mental infantojuvenil: intervenções no território. Ciência & Saúde Coletiva, 20(2), 363-370. ressalta a importância da atuação do terapeuta ocupacional não apenas junto aos indivíduos, mas também junto à rede de saúde mental infantojuvenil. Este estudo teve como objetivos descrever a rede de cuidados de crianças em sofrimento psíquico e desenvolver intervenções no território, apontando mudanças ocorridas a partir dessas ações. A pesquisa contou com a participação de crianças com histórico de sofrimento psíquico e seus respectivos familiares, cadastrados em uma Unidade de Saúde da Família do município de Recife (PE). As autoras pontuaram a importância da presença do profissional terapeuta ocupacional na composição da equipe, especialmente na facilitação da relação entre a criança e os dispositivos de apoio. Foram destacadas as intervenções direcionadas ao fortalecimento de vínculos com os familiares e à articulação com serviços de saúde e educação, bem como o impacto destas intervenções na inclusão social das crianças do estudo.

Bueno et al. (2021)Bueno, K. M. P., Almeida, S. C., Sales, M. M., & Salgado, M. F. (2021). Práticas de terapia ocupacional na rede de saúde mental da criança e do adolescente. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2877. realizaram pesquisa que teve como objetivo caracterizar as práticas dos terapeutas ocupacionais na rede de atenção à saúde mental infantojuvenil de Belo Horizonte (MG), identificando as ações e abordagens. Participaram 18 terapeutas ocupacionais atuantes na rede. Como resultado, identificaram que as terapeutas ocupacionais estavam presentes em três dispositivos da assistência em saúde mental infantojuvenil do município, sendo eles: 1) Equipes Complementares de saúde mental da ABS; 2) CAPS infantojuvenis; e 3) Programa Arte da Saúde.

Os resultados advindos das profissionais das Equipes Complementares indicaram a presença de três perspectivas orientadoras para suas práticas: a) a desenvolvimentista/habilitadora, com foco na aquisição e desenvolvimento de habilidades e nos prejuízos acarretados pelo adoecimento; b) os princípios da reabilitação psicossocial, com foco na inserção social, exercício de papéis e cidadania; e c) a abordagem psicoterápica, com foco na expressão, análise de conteúdos internos expressos por meio das atividades e elaboração destes conteúdos (Bueno et al., 2021Bueno, K. M. P., Almeida, S. C., Sales, M. M., & Salgado, M. F. (2021). Práticas de terapia ocupacional na rede de saúde mental da criança e do adolescente. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2877.).

Nos CAPS infantojuvenis, as terapeutas ocupacionais participantes da pesquisa evidenciaram tensões relacionadas à perda do enquadramento profissional, uma vez que se trata de um modelo coletivo de assistência, com compartilhamento de funções não diferenciadas por especialidades profissionais. Já no Programa Arte da Saúde, que tem como objetivo ofertar espaços de socialização e convivência, por meio de oficinas artísticas e culturais, a atuação dos terapeutas ocupacionais foi caracterizada pelo trabalho de gestão, sendo destacada a proximidade entre a proposta do programa e a formação profissional em terapia ocupacional (Bueno et al., 2021Bueno, K. M. P., Almeida, S. C., Sales, M. M., & Salgado, M. F. (2021). Práticas de terapia ocupacional na rede de saúde mental da criança e do adolescente. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2877.).

Pesquisa realizada por Bueno (2013)Bueno, A. R. (2013). Terapia ocupacional no campo da saúde mental infanto-juvenil: revelando as ações junto aos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. teve como objetivo geral caracterizar a inserção do terapeuta ocupacional nos CAPS infantojuvenis e identificar as ações desenvolvidas pelos referidos profissionais junto à clientela atendida. Foi realizado um estudo descritivo com 24 terapeutas ocupacionais de 18 CAPSij do Estado de São Paulo, sendo a coleta de dados realizada por meio de questionários. Como resultado, a autora identificou que as ações que caracterizam a especificidade da terapia ocupacional estão relacionadas à análise de atividade, à inserção social e às atividades no cotidiano, com enfoque nas atividades de vida diária. A autora também identificou, junto aos participantes, lacunas em seu processo de formação teórico e prático no que diz respeito à atuação da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. Ela sinaliza, frente aos resultados obtidos, a importância da ampliação e aprofundamento da produção de conhecimento sobre a formação e as práticas do terapeuta ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil (Bueno, 2013Bueno, A. R. (2013). Terapia ocupacional no campo da saúde mental infanto-juvenil: revelando as ações junto aos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Richter (2019)Richter, R. H. M. (2019). O processo de alta de crianças e adolescentes em CAPSij na perspectiva de terapeutas ocupacionais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. teve como objetivo compreender o processo de alta de crianças e adolescentes em Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSij) sob a perspectiva de terapeutas ocupacionais. A autora procedeu com estudo descritivo e exploratório, do qual participaram 15 terapeutas ocupacionais atuantes em CAPSij do município de São Paulo. Foi identificado que a contribuição da terapia ocupacional no processo de alta estava relacionada à avaliação ampliada e contextualizada da criança e do adolescente junto à equipe interdisciplinar, ao fortalecimento de suas famílias e ao empoderamento dos sujeitos para apropriação dos espaços sociais externos ao CAPSij. A autora aponta para a importância de mais estudos que se debrucem sobre a contribuição da terapia ocupacional neste contexto, bem como sobre a ampliação para a visão dos diferentes atores envolvidos, além dos próprios terapeutas ocupacionais, e nas diferentes realidades regionais brasileiras.

Frente ao exposto, considera-se que os estudos ora apresentados identificaram, em seus resultados, aspectos sobre o núcleo da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil, evidenciando, entretanto, a necessidade e importância de aprofundamento na discussão sobre sua localização, caracterização e demarcação de seus elementos, como forma de aprimoramento da formação em terapia ocupacional, bem como da atuação prática e técnica no referido campo (Bueno, 2013Bueno, A. R. (2013). Terapia ocupacional no campo da saúde mental infanto-juvenil: revelando as ações junto aos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Bueno et al., 2021Bueno, K. M. P., Almeida, S. C., Sales, M. M., & Salgado, M. F. (2021). Práticas de terapia ocupacional na rede de saúde mental da criança e do adolescente. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2877.; Richter, 2019Richter, R. H. M. (2019). O processo de alta de crianças e adolescentes em CAPSij na perspectiva de terapeutas ocupacionais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Desta forma, a presente pesquisa converge ao intento de aprofundar o estudo e a discussão a respeito do núcleo profissional da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil brasileira, colocando-o como foco. Compreende-se o campo da saúde mental infantojuvenil como um campo multifacetado e multidisciplinar. Fundamentando-se no referencial de campo e núcleo, de Campos (2000)Campos, G. W. de S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230., pode-se compreender o campo da saúde mental como um espaço onde cada disciplina e profissão interage uma com a outra para se apoiarem no cumprimento das atividades teóricas e práticas deste campo. Associados de modo flexível com esta dinâmica do campo, estão os núcleos, compreendidos como uma concentração de saberes e práticas, a aglutinação de conhecimentos, a identidade de uma área de saber e de prática profissional (Campos, 2000Campos, G. W. de S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230.).

Com base neste referencial, e considerando o engajamento dos terapeutas ocupacionais nos movimentos reformistas e na defesa das populações minoritárias, dentre os quais se encontram as pessoas em sofrimento psíquico e o público infantojuvenil, é possível identificar a terapia ocupacional como um dos núcleos que compõem o campo da saúde mental infantojuvenil. Neste sentido, alguns estudos da área identificam aspectos e elementos sobre o fazer deste núcleo neste campo, evidenciando, entretanto, a necessidade e importância de aprofundamento nesta discussão, como forma de aprimoramento da formação em terapia ocupacional e da atuação prática e técnica no referido campo (Bueno, 2013Bueno, A. R. (2013). Terapia ocupacional no campo da saúde mental infanto-juvenil: revelando as ações junto aos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Pereira et al., 2014aPereira, D. C., Ruzzi-Pereira, A., Pereira, P. E., & Trevisan, E. R. (2014a). Desempenho ocupacional de adolescentes de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSI). Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(1), 11-17.; Santarosa, 2016Santarosa, C. C. (2016). O terapeuta ocupacional na rede de atenção e cuidado a crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Richter, 2019Richter, R. H. M. (2019). O processo de alta de crianças e adolescentes em CAPSij na perspectiva de terapeutas ocupacionais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Frente ao exposto, o presente estudo teve como objetivo geral identificar a perspectiva de terapeutas ocupacionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes sobre o núcleo profissional da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. E, como objetivo específico, pretendeu analisar como os profissionais não terapeutas ocupacionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes descrevem a prática de terapeutas ocupacionais no campo da saúde mental infantojuvenil.

Método

Trata-se de um estudo de caráter descritivo-exploratório, com abordagem qualiquantitativa, desenvolvido em duas fases, que serão descritas a seguir:

Da Fase 1, participaram 107 profissionais, sendo 59 terapeutas ocupacionais e 48 não terapeutas ocupacionais. Destes, a maior parte era composta por mulheres cisgêneras (92%), com idade entre 26 e 30 anos (26%) e residente no Estado de São Paulo (61%). Entre os não terapeutas ocupacionais, a maior parte era psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Os profissionais tinham, majoritariamente, entre um e três anos de experiência na RAPSij (28%), atuavam, no momento de participação na pesquisa, em CAPSij (30,4%) e tinham experiência profissional prévia também em CAPSij (21%).

Como critérios de inclusão destes profissionais na pesquisa, foram adotados: terapeutas ocupacionais que atuassem ou tivessem atuado por, ao menos, seis meses na atenção psicossocial de crianças e adolescentes, no território nacional; e profissionais não terapeutas ocupacionais, de nível superior ou médio, que atuassem ou tivessem atuado por, ao menos, seis meses na atenção psicossocial de crianças e adolescentes, em cujas equipes houvesse, ao menos, um terapeuta ocupacional, em território nacional. Todos os participantes foram localizados e acessados virtualmente, utilizando-se o método “bola de neve” (Vinuto, 2014Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, 22(44), 203-220.) como meio de divulgação, além das redes sociais, aplicativos de mensagens e divulgação pelos Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia ocupacional – CREFITOs – de diferentes regiões brasileiras.

Na coleta de dados da Fase 1, foi aplicado um questionário via ferramenta do Google Forms – Formulário. O questionário, confeccionado pelas pesquisadoras e validado por juízes especialistas, iniciava-se com questões de múltipla escolha relacionadas à caracterização sociodemográfica dos participantes e, na sequência, apresentava questões abertas sobre aspectos e elementos percebidos a respeito da atuação da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. Ao final do questionário, o participante poderia sinalizar o interesse em participar da Fase 2 do estudo. O questionário foi compartilhado e ficou disponível para preenchimento por cerca de 40 dias, entre os meses de fevereiro e março de 2021.

Para análise dos dados coletados na Fase 1, foram utilizadas planilhas do Programa Microsoft Office Excel® para sistematização e organização dos dados. As questões iniciais e objetivas do questionário foram analisadas por estatística descritiva. Para análise das questões abertas, foi utilizado o software Iramuteq® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que consiste em um programa aberto e gratuito, com dicionário completo na língua portuguesa, que permite fazer análises estatísticas de um determinado material textual.

Na Fase 2 deste estudo, participaram 32 profissionais, sendo 20 terapeutas ocupacionais e 12 não terapeutas ocupacionais. Dentre os terapeutas ocupacionais, a maior parte residia no Estado de São Paulo (40%), seguido por Minas Gerais (15%), Mato Grosso (10%) e Ceará (10%). Também houve participação minoritária de terapeutas ocupacionais dos Estados do Distrito Federal, Goiás, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pará (cada um com 5%). Dentre os não terapeutas ocupacionais, a maior parte era composta por psicólogos (41,8%), seguida por fonoaudiólogos (16,7%). Também houve a participação de enfermeiro, assistente social, psiquiatra, oficineiro e auxiliar/técnico de enfermagem (cada um com 8,3%). Dentre esses profissionais não terapeutas ocupacionais, a maioria absoluta residia no Estado de São Paulo (91,7%), sendo os outros 8,3% de participantes do Estado de Minas Gerais.

Todos os profissionais participantes da Fase 2 haviam sinalizado, na Fase 1, o interesse em participar da continuidade da pesquisa e foram novamente acessados virtualmente. Para coleta de dados nesta fase do estudo, adotou-se a técnica do Grupo Focal. Foram elaborados, a partir dos temas identificados na análise dos questionários da Fase 1, roteiros para a condução dos grupos focais, sendo um para os grupos focais com os terapeutas ocupacionais e outro para os grupos focais com os profissionais não terapeutas ocupacionais. Ambos os roteiros contemplavam um momento inicial de apresentações pessoais e combinados, um segundo momento de apresentação das temáticas identificadas após análise dos questionários, que seriam disparadoras para a discussão, e um terceiro momento de encerramento. Totalizaram-se quatro grupos focais, sendo dois com terapeutas ocupacionais, realizados no mês de maio de 2021, e dois com profissionais não terapeutas ocupacionais, realizados em junho de 2021.

Os quatro grupos focais foram realizados por meio da plataforma Google Meet, gravados e transcritos na íntegra, excetuando-se, nesta transcrição, as falas da pesquisadora. Para análise dos dados, também foi utilizado o software Iramuteq®, analisando-se, separadamente, o material textual obtido com os TOs e com os profissionais não TOs.

A pesquisa foi desenvolvida totalmente online, sendo utilizado Registro de Consentimento Livre e Esclarecido para consentir a participação voluntária dos participantes nas duas fases, garantindo-lhes o anonimato. O estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), seguindo as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, obtendo parecer favorável, cujo número é 4.537.878.

Resultados e Discussão

A análise dos resultados obtidos em ambas as fases deste estudo, tanto com os terapeutas ocupacionais quanto com os profissionais não TOs, permitiu identificar características em comum nos fazeres da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. São elas: 1) o enfoque nas ocupações e nas atividades de vida diária, a atuação com as rotinas e a partir do cotidiano dos indivíduos; 2) a perspectiva integral sobre os sujeitos, a tessitura de redes, a intersetorialidade e a atuação em interface com o campo da Educação; 3) a atuação frente ao sofrimento psíquico intenso, o manejo nas situações de crise e a atuação frente às situações de vulnerabilidades e violências; e 4) a atuação nos casos mais graves e complexos, dentre eles, os casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O enfoque nas ocupações e nas atividades de vida diária, a atuação com as rotinas e a partir do cotidiano dos indivíduos

O enfoque nas ocupações e nas atividades de vida diária foi trazido, tanto pelos participantes TOs quanto pelos não TOs, como importante aspecto da atuação da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. Apesar de não estar contemplado no referencial teórico da atenção psicossocial, que sustenta as práticas deste campo, considera-se que são constructos fundantes da terapia ocupacional e amplamente adotados e estudados em diversos campos, no Brasil e no mundo. Também de forma expressiva foi citada a atuação da terapia ocupacional com e a partir da rotina e do cotidiano dos indivíduos.

Avaliação, adequação e estruturação da rotina e das AVDs. Nas ocupações e atividades que estiver com prejuízo, avaliações do desempenho ocupacional e orientação e suporte às famílias [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Mas eu tento olhar muito para as ocupações, da rotina, como que esse sofrimento tem impactado no cotidiano, para pensar onde que eu posso de fato ajudar enquanto TO [segmento de texto – corpus TOs – Fase 2].

Mas meu objetivo sempre é tentar olhar para as ocupações, como que esse sofrimento psíquico impacta nas ocupações das crianças, dos adolescentes e nas suas famílias também, é o que eu tento trabalhar [segmento de texto – corpus TOs – Fase 2].

Eu percebo o meu papel na equipe quando a demanda é relacionada ao cotidiano, a equipe me solicita muito nesse sentido, ela está com uma dificuldade, desde a organização da rotina, até essas outras coisas que vão mudando o cotidiano, a tristeza, a insegurança, a incapacidade [segmento de texto – corpus TOs – Fase 2].

Olhar a totalidade dos usuários atendidos, compreendendo as AVDs e visando um atendimento pautado nas ocupações destes, construindo junto com os usuários estratégias de cuidado pautadas no cotidiano [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Desenvolvimento de atividades ocupacionais e cognitivas, no cotidiano, sempre tem a atuação do profissional de terapia ocupacional. Os usuários contam com a terapia ocupacional para desenvolvimento das atividades do cotidiano para aqueles que apresentam dificuldades nas tarefas [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Historicamente, o termo “ocupação” foi utilizado como sinônimo de um fazer desprovido de sentido para as pessoas em sofrimento psíquico reclusas em instituições asilares. Este fazer tinha como objetivos a organização do comportamento dessas pessoas e a manutenção da disciplina institucional. Os indivíduos também eram estimulados a manterem uma rotina de atividades de vida diária, igualmente vista como possibilidade de adequação comportamental, supressão de sintomas e controle sobre os corpos (Carlo & Bartalotti, 2001Carlo, M. M. R. P., & Bartalotti, C. C. (2001). Caminhos da terapia ocupacional. In M. M. R. P. Carlo & C. C. Bartalotti (Eds.), Terapia ocupacional no Brasil: fundamentos e perspectivas (pp. 19-40). São Paulo: Plexus Editora.), o que teve importante influência na institucionalização da terapia ocupacional enquanto profissão.

Na literatura anglófona, o termo “ocupação” foi ressignificado a partir dos anos 1980, passando a remeter às necessidades humanas básicas, garantia de sobrevivência, saúde e bem-estar, e sendo, portanto, preferido em relação a outros termos até então intercambiáveis, como “atividade”. No Brasil, o movimento foi oposto. Com o avanço da crítica dos terapeutas ocupacionais brasileiros sobre o contexto sócio-político local, houve um claro distanciamento das influências da literatura anglófona e o conceito de atividade passou a ganhar força, como forma de rompimento com o tratamento moral e as práticas biomédicas e positivistas. Quanto ao termo “ocupação”, este permaneceu associado ao fazer-por-fazer e à alienação das instituições asilares. O conceito de atividade, com isso, se fortaleceu no Brasil como eixo norteador teórico-prático da terapia ocupacional. Assim, enquanto, na literatura inglesa, observou-se o avanço dos estudos sobre a ciência ocupacional, no Brasil, aprofundava-se a discussão sobre o conceito de cotidiano (Salles & Matsukura, 2020Salles, M. M., & Matsukura, T. S. (2020). Conceitos de ocupação e atividade: os caminhos percorridos pela literatura nacional e de língua inglesa. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (pp. 13-35). São Carlos: EdUFSCar.).

Portanto, “ocupação”, nos termos apresentados por Salles & Matsukura (2020)Salles, M. M., & Matsukura, T. S. (2020). Conceitos de ocupação e atividade: os caminhos percorridos pela literatura nacional e de língua inglesa. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (pp. 13-35). São Carlos: EdUFSCar., não dialoga com o referencial da atenção psicossocial, uma vez que carrega consigo a associação histórica com o modelo manicomial. No entanto, sabe-se que no campo da terapia ocupacional há outras vertentes que exploram esse termo, tanto do ponto de vista conceitual quanto de sua aplicação (Magalhães, 2013Magalhães, L. (2013). Ocupação e atividade: tendências e tensões conceituais na literatura anglófona da terapia ocupacional e da ciência ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 21(2), 255-263.; Cruz, 2020Cruz, D. M. C. (2020). Prática centrada no cliente: o modelo de ocupação humana e a formulação ocupacional. In L. C. C. Gradim, T. N. Finarde & D. C. M. Carrijo (Eds.), Práticas em terapia ocupacional (pp. 41-52). São Paulo: Manole.). Nessa direção, importa, aqui, destacar a necessidade de estudos que se disponibilizem a fazer uma análise mais aprofundada sobre a compreensão desses termos (ocupação e atividade) e a implicação desta compreensão na prática profissional de terapeutas ocupacionais no campo da saúde mental de crianças e adolescentes. Hipotetiza-se que, muitas vezes, os termos são usados de forma análoga, sem uma fundamentação teórica e/ou uma análise crítica sobre suas implicações. De qualquer maneira, o que se evidencia para a terapia ocupacional, no contexto da atenção psicossocial, é que a participação em atividades necessárias e significativas é algo central para a vida humana e que o sofrimento psíquico se inter-relaciona diretamente com a realização de tais atividades, destacando-se a importância de que o cotidiano e o território sejam tomados como cenários principais das práticas de cuidado (Hirdes, 2001Hirdes, A. (2001). Reabilitação psicossocial: dimensões teórico-práticas do processo. Erechim: EdiFAPES.; Yasui, 2016Yasui, S. (2016). Vestígios, desassossegos e pensamentos soltos: atenção psicossocial e a reforma psiquiátrica em tempos sombrios (Tese de livre-docência). Universidade Estadual Paulista, Assis.).

Fernandes & Matsukura (2020)Fernandes, A. D. S. A., & Matsukura, T. S. (2020). O cotidiano e o sofrimento psíquico na infância e adolescência: reflexões a partir da reabilitação psicossocial e da terapia ocupacional. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação (pp. 91-104). São Carlos: EdUFSCar. destacam a importância do direcionamento do foco para as atividades e para o cotidiano, a partir da inserção do terapeuta ocupacional nos dispositivos de saúde mental infantojuvenil, defendendo que este é um importante passo para a superação das práticas excludentes e alienantes, e para a efetivação da lógica psicossocial. Assume-se, aqui, uma associação entre o conceito de cotidiano e o de reabilitação psicossocial. Parte-se do princípio de que o sujeito em sofrimento psíquico é capaz de construir uma vida em sociedade – sendo este o compromisso da intervenção – e que, para isto, o foco precisa estar em seu dia a dia e em suas relações cotidianas – o pano de fundo para a orientação das práticas terapêutico ocupacionais (Salles & Barros, 2006Salles, M. M., & Barros, S. (2006). O caminho do doente mental entre a internação e a convivência social. Imaginário, 12(13), 397-418.; Constantinidis & Cunha, 2020Constantinidis, T. C., & Cunha, A. C. (2020). Desinstitucionalizando conceitos: a terapia ocupacional em busca de um (novo) lugar no cenário da saúde mental. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (3ª reimp., pp. 37-59), São Carlos: EdUFSCar.; Fernandes & Matsukura, 2020Fernandes, A. D. S. A., & Matsukura, T. S. (2020). O cotidiano e o sofrimento psíquico na infância e adolescência: reflexões a partir da reabilitação psicossocial e da terapia ocupacional. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação (pp. 91-104). São Carlos: EdUFSCar.). Este alinhamento entre o saber-fazer da terapia ocupacional e as premissas da atenção psicossocial sinaliza que “[…] a terapia ocupacional cumpre papel estratégico, uma vez que viabiliza aos indivíduos foco de suas intervenções, uma organização e ressignificação do cotidiano, que responde também às premissas da reabilitação psicossocial” (Fernandes & Matsukura, 2020, pFernandes, A. D. S. A., & Matsukura, T. S. (2020). O cotidiano e o sofrimento psíquico na infância e adolescência: reflexões a partir da reabilitação psicossocial e da terapia ocupacional. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação (pp. 91-104). São Carlos: EdUFSCar.. 102).

A perspectiva integral sobre os sujeitos, a tessitura de redes, a intersetorialidade e a atuação em interface com o campo da Educação

Os resultados da presente pesquisa evidenciaram que o terapeuta ocupacional é visto (tanto pelos participantes TOs quanto pelos não TOs) como um profissional que leva em conta e atua sobre e a partir do indivíduo como um todo, considerando seus aspectos físico-biológicos, emocionais, sociais, a família e toda a rede de suporte e serviços.

Na minha experiência o TO participava do acolhimento como principal profissional, por possuir uma visão integral do indivíduo, e sempre se mantinha como referência técnica, principalmente em casos com agravos sérios nos desempenhos ocupacionais [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

O TO possui a visão completa do contexto e, a meu ver, é o único profissional capacitado para intervir em todos os aspectos do desenvolvimento infantojuvenil, abordando tanto questões psicossociais quanto da funcionalidade e do desenvolvimento [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Mas eu acho que nós vamos colaborando dentro dessa equipe para trazer esse olhar mais ampliado, pensar no contexto, sair do checklist de sintomas e trazer mais a discussão para como que é o contexto dessa família [segmento de texto – corpus TOs – Fase 2].

Seja nas AVDs ou no desenvolvimento cognitivo e funcional, mas o TO é capaz de trazer um olhar mais amplo e contextualizado com a realidade de cada indivíduo na hora de propor tais intervenções [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Visão ampliada e integral da saúde de crianças, adolescentes e suas famílias, olhar para rotina e atividades diárias, autonomia, pertencimento. Compartilhar e discutir casos e serviços em equipe interdisciplinar [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

A terapia ocupacional é uma profissão que tem uma base interdisciplinar (Lima, 1997Lima, E. M. F. A. (1997). Terapia ocupacional: um território de fronteira? Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 8(2-3), 98-101.; Minatel et al., 2022Minatel, M. M., Taño, B. L., & Morato, G. G. (2022). Quando crianças pedem rede: terapia ocupacional, intersetorialidade e educação popular no cuidado com as infâncias. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 6(1), 822-833.), isto é, o terapeuta ocupacional, durante seu processo de formação, acessa e adquire conhecimentos de diversos campos e áreas correlatas. Com isto, é possível inferir que este profissional desenvolve uma habilidade para articular estes conhecimentos em um modo particular e complexo de perceber o indivíduo, percepção esta que é atenta à totalidade da vida em questão e a tudo o que a atravessa, ao mesmo tempo em que é sensível para com as suas singularidades.

No campo da saúde mental infantojuvenil, a atuação integral junto a crianças e adolescentes em sofrimento psíquico consiste em um compromisso ético da terapia ocupacional, que se alinha com o princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde – SUS (Brasil, 2020Brasil. (2020). Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como funciona. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 29 de junho de 2022, de https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sus
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
), de modo que todos os aspectos intrínsecos ao desenvolvimento neuropsicomotor, bem como o contexto social e familiar, são levados em conta, para além das demandas relacionadas ao sofrimento psíquico em si. Da mesma forma, a atuação acontece nas frentes de prevenção, promoção e tratamento em saúde, em articulação direta e dinâmica com toda a rede de suportes e de serviços disponível para esta população. Isso justifica a compreensão do terapeuta ocupacional como um profissional fomentador do trabalho em rede.

Percebo que sempre vamos além, expandindo para o cotidiano e as ocupações, as relações familiares, o território, a rede de suporte [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Acredito que qualquer caso que chegue com demanda de cuidado na saúde mental infantojuvenil vai se beneficiar do cuidado de um TO. As ações de articulação de rede são bem-feitas por TOs por termos formação nas diversas áreas e, assim, ter bastante conhecimento sobre os serviços das redes [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Mas eu me vejo fazendo muito contato com outros serviços, mediando muitas coisas, dando respaldo para outros serviços fazerem determinadas ações inclusive [segmento de texto – corpus TOs – Fase 2].

A compreensão do tratamento, o vínculo que se amplia também com a família, a importância da terapia ocupacional também no contato com as demais redes que fazem parte do nosso serviço como um todo [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 2].

Que ele [o TO] tem essa capacidade e isso é colocado em prática sim, para que aumente esse leque e o vínculo dentro do serviço, família, usuário e demais redes [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 2].

Eu vejo uma potência da terapia ocupacional na interdisciplinaridade, na equipe multidisciplinar, trabalhando em rede, de uma potência que é muito essencial para a minha forma de trabalho, para a minha escuta enquanto formação de psicóloga [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 2].

Tecer redes e praticar a intersetorialidade não são tecnologias novas à terapia ocupacional (Avelar & Malfitano, 2022Avelar, M. R., & Malfitano, A. P. S. (2022). Terapia ocupacional e redes intersetoriais: conceitos e experiências em debate. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e3236.). Minatel et al. (2022)Minatel, M. M., Taño, B. L., & Morato, G. G. (2022). Quando crianças pedem rede: terapia ocupacional, intersetorialidade e educação popular no cuidado com as infâncias. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 6(1), 822-833. destacam, inclusive, situações em que o trabalho intersetorial é construído a partir da terapia ocupacional, sendo justificado pela base interdisciplinar do núcleo profissional, por sua ancoragem nas políticas públicas, pela aproximação com o território e o cotidiano e pelas intervenções em situações de vulnerabilidades – aspectos que exigem articulações entre diferentes setores.

Ao se tratar de crianças e adolescentes, a tessitura de redes passa, necessariamente, pelo setor Educação. Segundo estudos da área, as escolas e a atenção básica são os dispositivos dos quais mais se aproxima o público infantojuvenil, devendo ser estes os disparadores para a construção do trabalho em rede intra e intersetorial (Couto et al., 2008Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na saúde pública brasileira: situação atual e desafios. The British Journal of Psychiatry, 30(4), 384-389.; Taño & Matsukura, 2019Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2019). Intersetorialidade e cuidado em saúde mental: experiências dos CAPSij da Região Sudeste do Brasil. Physis, 29(1), 1-27.; 2020Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2020). Compreensões e expectativas de educadores sobre saúde mental de crianças e adolescentes. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 12(31), 166-192.). Nos resultados do presente estudo, foi citada a interface da atuação do terapeuta ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil com as escolas, sendo esta reconhecida como uma característica e uma potência do trabalho deste profissional no campo.

Auxiliar a escola a pensar estratégias de inclusão, acompanhar o usuário em algum equipamento do território, como matrícula de curso, realizar documentos, inscrição em vaga de emprego [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Grupo com adolescentes em uso de SPA e envolvimento com tráfico de drogas em acompanhamento no CAPSij, no qual a TO trabalhou com retorno à escola, auxiliou aqueles com dificuldades de aprendizagem e favoreceu na interlocução com a escola [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Acompanhei demanda de adolescente que sofria transtornos relacionados à automutilação, a TO acompanhou a questão da escola, da interlocução com a rede, reunião com familiares e serviço, e potencializou o autocuidado da adolescente consigo, fortalecendo nos cuidados necessários para sua rotina e AVDs [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Relatos recentes de Fernandes et al. (2019)Fernandes, A. D. S. A., Cid, M. F. B., Speranza, M., & Copi, C. G. (2019). A intersetorialidade no campo da saúde mental infantojuvenil: proposta de atuação da terapia ocupacional no contexto escolar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 454-461. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoRE1660. e Souza et al. (2022)Souza, T. T., Mazak, M. S. R., Speranza, M., Fernandes, A. D. S. A., & Cid, M. F. B. (2022). A terapia ocupacional na promoção da saúde mental de adolescentes de uma escola pública. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, 10(2), 383-398. http://dx.doi.org/10.18554/refacs.v10i2.6152. evidenciam a potência da terapia ocupacional no desenvolvimento de ações de prevenção e promoção de saúde mental de crianças e adolescentes no contexto escolar, bem como a importância da terapia ocupacional no agenciamento das questões relacionadas ao sofrimento psíquico dentro das escolas, respaldando-se na atenção psicossocial e na intersetorialidade.

Frente ao exposto, é possível observar que considerar as crianças e adolescentes como seres integrais e complexos, tecer redes, fomentar a intersetorialidade e atuar junto ao contexto escolar consistem, essencialmente, em elementos que compõem as diretrizes da atenção psicossocial de crianças e adolescentes, que respaldam o campo da saúde mental infantojuvenil. Apesar disso, esses foram aspectos sinalizados pelos participantes do presente estudo (TOs e não TOs) como fazeres que caracterizam o núcleo do profissional terapeuta ocupacional, o que foi corroborado pelos estudos e relatos encontrados na literatura estudada. Sendo assim, estes consistem em prerrogativas para todos os profissionais atuantes nesse campo.

Hipotetiza-se, com isso, que o profissional terapeuta ocupacional parece conseguir, em sua prática, considerar tais aspectos de forma mais natural e pragmática, colocando seu corpo na ação concreta, disponibilizando-se para estar e construir junto com os usuários e coletivos novas possibilidades de atividades e relações nos contextos de circulação dessas pessoas, por exemplo, na escola. E, neste fazer junto, consegue identificar e acionar novos potenciais parceiros (como familiares, professores, gestores, técnicos) e com eles seguir costurando possibilidades, em um processo contínuo de afetações e construções.

A atuação frente ao sofrimento psíquico intenso, o manejo nas situações de crise e a atuação frente às situações de vulnerabilidades e violências

Com base nos resultados do estudo, foi possível encontrar um destaque para a atuação do terapeuta ocupacional junto a crianças e adolescentes em sofrimento psíquico intenso e crise, bem como em situações de vulnerabilidades e violências.

Olhar para o indivíduo e sua cultura valorizando as habilidades para além da doença. Transmitir para a equipe a sensibilidade do que foi avaliado na subjetividade. Avaliações qualitativas específicas de terapia ocupacional. Ambiência em situações de crise. O manejo e o acolhimento do TO são inigualáveis [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Situações de vulnerabilidade social e emocional pois nestas o TO poderá auxiliar com recursos da vida cotidiana, oferecendo atividades que auxiliem na regulação do sofrimento advindo com estas situações [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Principalmente para questões comportamentais e de socialização. O público infantojuvenil que apresenta dificuldades em modular suas emoções e que possuem prejuízos no desempenho de seus papéis sociais também. Além de situações de vulnerabilidade e vínculos afetivos e familiares conflituosos que acabavam culminando em crises ansiosas ou depressivas com automutilação [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

[O trabalho da terapia ocupacional é] De grande importância. A saúde mental da criança e do adolescente é muito fragilizada, principalmente em situação de acolhimento [institucional] e o profissional faz um trabalho relevante neste sentido, garantindo acolhimento, escuta, parceria, motivação e cuidado [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Eu acompanhava adolescentes, por exemplo, menores infratores durante determinado tempo no CREAS e eu sentia muita falta de um TO dentro das políticas socioassistenciais [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 2].

Alguns estudos prévios já reconheceram a importância e potência da atuação da terapia ocupacional nas situações de crise, no sentido de manejar a intensificação do sofrimento psíquico, a partir do fazer enquanto catalizador dos processos de cuidado e da reinvenção do cotidiano dos indivíduos, auxiliando a equipe interdisciplinar a tratar a situação de modo individualizado, articulado com a realidade da vida do sujeito e estimulando o exercício de sua autonomia, favorecendo a adesão aos tratamentos propostos e a manutenção do processo terapêutico (Benetton, 1995Benetton, J. (1995). A crise na terapia ocupacional ou a terapia ocupacional na crise? Boletim de Psiquiatria, 28(2), 24-27.; Kawashima, 2013Kawashima, J. K. G. (2013). Possibilidades da terapia ocupacional no cuidado às primeiras crises do tipo psicótica (Trabalho de conclusão de curso). Universidade de Brasília, Brasília.; Rossi & Cid, 2019Rossi, L. M., & Cid, M. F. B. (2019). Adolescências, saúde mental e crise: a história contada por familiares. Cad. Bras. Ter. Ocup., 27(4), 734-742. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1811.).

No contexto da saúde mental infantojuvenil, Moura et al. (2022)Moura, B. R., Amorim, M. F., Reis, A. O. A., & Matsukura, T. S. (2022). Da crise psiquiátrica à crise psicossocial: noções presentes nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis. Cadernos de Saúde Pública, 38(11), 1-12. realizaram estudo no qual buscaram identificar as noções de crise presentes nos discursos de trabalhadores e gestores de CAPSij, à luz dos paradigmas vigentes no campo, indicando possíveis impasses e avanços da atenção psicossocial de crianças e adolescentes. Como resultados, foram identificadas duas categorias que expressam as noções de crise identificadas. São elas: a crise psiquiátrica, entendida como a expressão e agudização dos sintomas psiquiátricos, e a crise psicossocial, compreendida como uma experiência singular, mas, também, social, relacional e cultural. Os autores refletiram o quanto o dissenso nesta conceituação e compreensão reflete o processo de transição paradigmática no qual se encontram os dispositivos da rede de atenção psicossocial infantojuvenil, e destacaram que o entendimento da crise sob uma ótica complexa e multifacetada, cujas respostas também devem ser complexas e alcançar múltiplos atores, é um desafio atual.

Considerando os resultados da presente pesquisa, pode-se apreender o terapeuta ocupacional como um profissional que se esforça para alinhar sua intervenção com os pressupostos do campo. E isso não parece se dar apenas por ser uma diretriz para o trabalho desenvolvido, mas, sobretudo, por ser um compromisso ético e político convergente entre o núcleo da terapia ocupacional e o campo da saúde mental infantojuvenil. No contexto da atenção à crise, isto parece se traduzir em uma prática terapêutica ocupacional que não individualiza suas ações apenas para com o sujeito em crise, mas as estende para a família e a rede de serviços e suporte, conseguindo lidar com o ineditismo da situação dada, sendo sensível às suas especificidades, mas, especialmente, apostando na contratualidade, sendo articulador e (cri)ativo na produção de sentidos, no desenho de caminhos e na invenção de possibilidades a serem escolhidas com autonomia pelo sujeito que vivencia a crise, em parceria com seus familiares e sua rede.

Reconhecendo as situações de violência e a vulnerabilidade social como potencialmente relacionadas com os problemas na saúde mental de crianças e adolescentes (Brasil, 2010aBrasil. (2010a). Impacto da violência na saúde de crianças e adolescentes: prevenção de violências e promoção da cultura de paz. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 7 de novembro de 2022, de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia_saude_criancas_adolescentes.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, 2010bBrasil. (2010b). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 7 de novembro de 2022, de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), numa perspectiva de crise psicossocial, a literatura acessada aborda as possibilidades da terapia ocupacional neste contexto. Pesquisa realizada por Côrtes et al. (2011)Côrtes, C., Gontijo, D. T., & Alves, H. C. (2011). Ações da terapia ocupacional para a prevenção da violência com adolescentes: relato de pesquisa. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 22(3), 208-215. teve como objetivos descrever e analisar a intervenção terapêutica ocupacional na prevenção da violência com adolescentes, assim como verificar o potencial dos recursos na promoção de estratégias de enfrentamento ao fenômeno. Como resultados, as autoras destacaram o potencial das atividades realizadas na expressão do fenômeno e da dinâmica da violência nos diversos contextos adolescentes (casa, escola, comunidade), bem como na elaboração de estratégias de enfrentamento à violência nestes diferentes cenários. Também destacaram que o modo horizontal com que os TOs se relacionaram com os adolescentes os fez se sentirem valorizados pelos conhecimentos que possuíam e confortáveis para exporem suas ideias, sem repressões ou julgamentos, e que o modo de intervenção terapêutica ocupacional, por meio do fazer e do agir, operou como canal de comunicação mais fluido com o universo juvenil.

Relato de experiência realizado por Pereira et al. (2014b)Pereira, D. C., Silva, E. K. A., Ito, C. Y., Bell, B. B., Ribeiro, C. M. G., & Zanni, K. P. (2014b). Oficina de culinária como estratégia de intervenção da terapia ocupacional com adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 621-626. teve como objetivo descrever a atuação da terapia ocupacional frente a adolescentes em situação de vulnerabilidade, utilizando a oficina de culinária como estratégia de intervenção. As autoras observaram que a oficina promoveu atitudes emocionais positivas entre os adolescentes, como carinho, afeto, compreensão, empatia, estímulo e apoio mútuos. Também observaram que os encontros promoveram aumento do cooperativismo grupal, da autonomia e independência dos adolescentes, além da descoberta de potencialidades e habilidades individuais e do vislumbre de projetos de vida, destacando-se, assim, a potência da terapia ocupacional neste contexto.

Com base nos resultados do presente estudo, em diálogo com os autores supracitados, é possível sinalizar que o núcleo da terapia ocupacional no campo da saúde mental de crianças e adolescentes é constituído por elementos que permitem que o profissional, frente às situações de violência e em contextos de intensa vulnerabilidade social, seja capaz de se aproximar de forma horizontal dos atores envolvidos na situação (crianças, adolescentes, famílias, profissionais e dispositivos) e, com eles, com base em seus contextos, valores e cultura, produzir fazeres partilhados que se traduzem em formas de lidar, sejam elas a nível individual, coletivo ou político-territorial, considerando, especialmente, a busca pelo acesso aos direitos das crianças e adolescentes.

A atuação nos casos mais graves e complexos, dentre eles, os casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Os resultados do presente estudo também chamaram a atenção para a atuação da terapia ocupacional junto aos casos considerados mais graves e complexos no âmbito da saúde mental infantojuvenil, nos quais já foram realizadas diversas ações terapêuticas por outros profissionais, sem êxito. Dentre esses casos, foi destacada a atuação do terapeuta ocupacional junto aos indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

E às vezes tenho a sensação também de quando já tentaram de tudo, eles chamam o TO, como se a gente tivesse uma varinha mágica para lidar com os casos impossíveis, com a impotência da equipe de alguma situação [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Na minha experiência, observei que casos muito graves, normalmente eram os TOs que topavam atender, acredito que por sua habilidade de olhar a potência e não a falta e pela sua diversidade e criatividade nas ações terapêuticas [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Aos casos mais graves, pacientes não verbais, pacientes com sintomas graves e com desorganização interna e externa. Nos casos graves e sem respostas ao tratamento de outros profissionais de outra área [segmento de texto – corpus TOs – Fase 1].

Atuação com público infantil e pacientes graves, com psicose, TEA, quando há dificuldade em pensar atividades mais concretas e sensoriais para os indivíduos [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Em casos graves de usuários com TEA e quando há sérios prejuízos na realização de AVDs, pouca ou nenhuma autonomia do usuário [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

O TO está atento a movimentos corporais, discursos, articulações de palavras, fases do desenvolvimento. Ele busca inúmeras estratégias para auxiliar o paciente no desenvolvimento. Casos graves em que foram feitas tentativas terapêuticas sem êxito significativo em oficinas, convivências e outros [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

Penso que o TO é um ótimo profissional na avaliação e na proposta de atividades diversas para usuários com TEA, sempre valorizando a singularidade do caso e estimulando a autonomia do usuário [segmento de texto – corpus NÃO TOs – Fase 1].

A produção de conhecimento neste campo ainda é frágil no que diz respeito à associação entre a terapia ocupacional e o atendimento a casos mais graves e complexos no âmbito da saúde mental infantojuvenil, mas é possível levantar algumas hipóteses. No que se refere aos casos considerados mais complexos do ponto de vista psiquiátrico (TEA, por exemplo), ou às situações graves e complexas de sofrimento psíquico, com exacerbação de sintomas, como tentativas de suicídio ou crises psicóticas entre crianças e adolescentes, o profissional terapeuta ocupacional parece ser mais acionado pela sua competência de avaliar a situação de forma mais prática e concreta, buscando compreender as demandas e, a partir da acolhida da situação junto ao usuário e familiares, identificar, também com eles, caminhos possíveis para lidar, como: estabelecimento de contratos pautados nos interesses, necessidades e nos elementos concretos da realidade dos sujeitos, identificação de pessoas e serviços que possam atuar como suporte, organização das rotinas e tarefas necessárias para enfrentar a situação, acompanhamento de usuários e familiares nos diferentes contextos, dentre outros.

Para além disso, no que se refere à atuação direta com a criança e o adolescente, o terapeuta ocupacional parece ser um profissional capaz de direcionar o olhar para o que há de potência na situação, por mais crítica e complexa que ela seja. De acordo com Marcolino (2009)Marcolino, T. Q. (2009). A porta está aberta: aprendizagem colaborativa, prática iniciante, raciocínio clínico e terapia ocupacional (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., os terapeutas ocupacionais sustentam sua prática com base na valorização do sujeito e de suas potencialidades. A autora afirma que, por meio de um raciocínio clínico condicional elaborado, o profissional reconhece os fatores facilitadores da participação e, então, traça possibilidades futuras. Com os resultados aqui apresentados, é possível inferir que o terapeuta ocupacional, ao apostar na contratualidade e na autonomia e direcionar sua atuação para o concreto da situação, as atividades, as rotinas, as pessoas, os serviços envolvidos, parece fomentar nos indivíduos a capacidade de criar caminhos, repertórios e estratégias, consequentemente, produzindo vida.

No que diz respeito especificamente à intervenção da terapia ocupacional junto aos casos de TEA, a literatura é mais vasta. No cenário internacional, os manuscritos se dedicam majoritariamente às técnicas específicas da terapia ocupacional e outras profissões nas intervenções direcionadas a pessoas com TEA (Matsukura & Soragni, 2013Matsukura, T. S., & Soragni, M. (2013). Terapia ocupacional e autismo infantil: identificando práticas de intervenção e pesquisas. Revista Baiana de Terapia Ocupacional, 2(1), 29-40.; Mire et al., 2015Mire, S. S., Raff, N. S., Brewton, C. M., & Goin-Kochel, R. P. (2015). Age-related trends in treatment use for children with autism spectrum disorder. Research in Autism Spectrum Disorders, 15-16, 29-41.). Já no cenário nacional, o esforço tem sido em demonstrar o quanto tais abordagens podem ser complementares a outras intervenções, como as realizadas nos dispositivos da rede de atenção psicossocial, balizando-se pela necessidade individual de cada sujeito, e não por seu diagnóstico.

Considerando os resultados inicialmente apresentados, que indicaram o terapeuta ocupacional como um profissional que considera e intervém diretamente nas rotinas e nas atividades que compõem o cotidiano dos sujeitos, ressalta-se que este tem uma perspectiva completa e integral sobre os indivíduos. Especificamente, no caso de crianças e adolescentes, são sujeitos que estão em plena fase de desenvolvimento, sendo o TO um articulador e fomentador do trabalho em rede. Assim, considerando o Transtorno do Espectro Autista como uma condição que implica um modo particular de existência e funcionamento, o terapeuta ocupacional parece ser um profissional que tem habilidades ímpares na intervenção junto a esta população.

Crianças e adolescentes, ao longo de seu desenvolvimento, estão em constante aprendizagem, experimentação e criação de repertórios. Biológica e socialmente, é esperado que, a cada fase, adquiram independência e autonomia no dia a dia e nas relações, e o terapeuta ocupacional é um profissional qualificado para compreender a importância e a complexidade desse processo. Ao passo que é identificado um atraso no desenvolvimento ou, neste caso específico, diagnosticado o TEA, para além de se pensar na importância do estímulo e do ganho de habilidades – o que não pode ser confundido com o objetivo da normatização –, para a atenção psicossocial infantojuvenil, importa pensar globalmente no modo de existência do sujeito. O modo como brinca, comunica-se, interage, passa os dias; se é tratado enquanto criança ou adolescente, e se tem oportunidade de sê-lo, ou se é visto somente como autista; o quanto é considerado um sujeito de direitos e desejos; o modo como é estimulado à participação nos diferentes espaços; o quanto é valorizado em suas capacidades e se investe em sua potência.

O terapeuta ocupacional parece conseguir compreender o organismo neurobiológico e os aspectos intrínsecos ao seu desenvolvimento neuropsicomotor, mas, mais que isso, parece compreender o indivíduo, o seu modo de vida e seu cotidiano, e o que é possível ser construído coletivamente, com o próprio sujeito, a família e a rede, que lhe faça sentido e atenda às suas necessidades e desejos subjetivos. Parece ser, também, o profissional que, nos momentos de crise e intensificação do sofrimento, consegue acolher e agir de modo concreto frente às necessidades, lançando mão de estratégias que envolvam a escuta, a aproximação e o toque, ou o afastamento e a garantia do espaço, o fazer, a organização do cenário e da rotina, o acionamento de pessoas, o estabelecimento de contratos, e outras saídas possíveis para aquela situação inédita e exclusiva.

Considerações Finais

O presente estudo teve como objetivo geral identificar a perspectiva de terapeutas ocupacionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes sobre o núcleo profissional da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. Como objetivo específico, pretendeu analisar como os profissionais não terapeutas ocupacionais envolvidos na atenção psicossocial de crianças e adolescentes descrevem a prática de terapeutas ocupacionais no campo da saúde mental infantojuvenil.

A análise dos resultados permitiu identificar como fazeres característicos da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil: o enfoque nas ocupações e nas atividades de vida diária, a atuação com as rotinas e a partir do cotidiano dos indivíduos; a perspectiva integral sobre os sujeitos, a tessitura de redes, a intersetorialidade e a atuação em interface com o campo da Educação; a atuação frente ao sofrimento psíquico intenso, o manejo nas situações de crise e a atuação frente às situações de vulnerabilidades e violências; e a atuação nos casos mais graves e complexos, dentre eles, os casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Desse modo, entende-se que o estudo atingiu o objetivo proposto.

Importa destacar que não se objetivou, aqui, identificar “especificidades” da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil, de modo a realizar uma delimitação ou enquadramento profissional no campo – o que remete ao “isolamento paranoico”, chamado por Campos (2000, pCampos, G. W. de S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230.. 220). Dentro de contextos e dispositivos que operam em uma lógica transdisciplinar, como a atenção psicossocial e os CAPS, faz-se importante refletir sobre o lugar das especificidades profissionais e sobre o modo como cada núcleo contribui para o trabalho do campo. Nesse sentido, Constantinidis & Cunha (2020)Constantinidis, T. C., & Cunha, A. C. (2020). Desinstitucionalizando conceitos: a terapia ocupacional em busca de um (novo) lugar no cenário da saúde mental. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (3ª reimp., pp. 37-59), São Carlos: EdUFSCar. defendem que a delimitação de identidades e territórios profissionais, baseada nos especialismos, não colabora com a superação do modelo manicomial e com a produção coletiva de saberes e sentidos. Ao contrário, tal cristalização se torna empecilho para a efetivação da horizontalidade e a democratização das relações e dos processos de trabalho e de cuidado. Assim, “[…] a formulação da identidade do terapeuta ocupacional em saúde mental é ‘seminecessária’” (Constantinidis & Cunha, 2020, pConstantinidis, T. C., & Cunha, A. C. (2020). Desinstitucionalizando conceitos: a terapia ocupacional em busca de um (novo) lugar no cenário da saúde mental. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (3ª reimp., pp. 37-59), São Carlos: EdUFSCar.. 54) e “[…] o fato de a falta de fronteiras que demarcam nosso território de atuação na saúde mental ser constituinte de nossa identidade faz com que estejamos abertos à imanência deste campo e possamos colaborar para que a produção coletiva ganhe potência” (Constantinidis & Cunha, 2020, pConstantinidis, T. C., & Cunha, A. C. (2020). Desinstitucionalizando conceitos: a terapia ocupacional em busca de um (novo) lugar no cenário da saúde mental. In T. S. Matsukura & M. M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (3ª reimp., pp. 37-59), São Carlos: EdUFSCar.. 55).

Nesse sentido, os resultados obtidos com a presente pesquisa demarcam e evidenciam a importância do núcleo da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. O estudo se mostra relevante pela consolidação do lugar e do papel deste núcleo profissional junto às demais áreas do conhecimento que compõem o referido campo, tomando-se a construção coletiva do cuidado não apenas como uma modalidade de trabalho, mas, especialmente, como uma diretriz ético-política para a qualificação e complexificação do cuidado no campo da saúde mental. O estudo também tem relevância no que diz respeito à formação de futuros terapeutas ocupacionais e atualização dos profissionais que já atuam no campo da saúde mental infantojuvenil, uma vez que as particularidades deste campo exigem uma formação específica e continuada. A pesquisa ainda é potente para subsidiar a maior contratação de terapeutas ocupacionais para os dispositivos da saúde, educação, assistência social e outros setores que compõem a rede de atenção psicossocial infantojuvenil.

No mais, cabe salientar que o estudo apresentou algumas limitações no que concerne ao seu alcance, tanto considerando o número pequeno de participantes TOs e não TOs, proporcionalmente ao número de profissionais atuantes no campo da saúde mental infantojuvenil no Brasil, quanto em sua abrangência para outras regiões além do Sudeste.

Assim, destaca-se a importância de mais estudos que possam dar continuidade e aprofundar no fazer da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil, considerando diferentes atores, regiões, enfoques e metodologias, oportunizando que crianças, adolescentes e jovens, seus familiares e os profissionais diretamente responsáveis pelo cuidado estejam no centro do processo de pesquisa, e esmiuçando o “como faz” desta profissão que, de acordo com este estudo e com a literatura da área, tem se apresentado como fundamental para o fortalecimento da atenção psicossocial de crianças e adolescentes no Brasil.

  • Como citar: Táparo, F. A., Constantinidis, T. C., & Cid, M. F. B. (2024). Os fazeres da terapia ocupacional no campo da saúde mental infantojuvenil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 32, e3568. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO273935681
  • Fonte de Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – Código 001.

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Marta Carvalho de Almeida

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2023
  • Revisado
    10 Maio 2023
  • Revisado
    16 Fev 2024
  • Aceito
    10 Mar 2024
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Terapia Ocupacional Rodovia Washington Luis, Km 235, Caixa Postal 676, CEP: , 13565-905, São Carlos, SP - Brasil, Tel.: 55-16-3361-8749 - São Carlos - SP - Brazil
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