Acessibilidade / Reportar erro

Comportamentos de risco à saúde e trabalho formal e informal no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde 2013

Health risk behaviors and formal and informal work: National Health Survey 2013

Resumo

Introdução:

Características do trabalho podem impactar a saúde.

Objetivo:

Analisar a associação entre trabalho formal e informal e comportamentos de risco à saúde de trabalhadores brasileiros.

Método:

Estudo transversal a partir da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013. Os comportamentos de risco à saúde investigados foram: consumo alimentar não saudável (consumo irregular de frutas, hortaliças e feijão; consumo de carne ou frango com excesso de gordura; consumo regular de refrigerante/suco artificial); atividade física no lazer insuficiente; tabagismo atual e consumo de risco de bebidas alcoólicas. Foi realizada regressão logística múltipla, ajustada pelas características sociodemográficas.

Resultados:

Trabalhadores informais apresentaram maiores chances de consumir irregularmente feijão e menores chances de consumir regularmente refrigerante/suco artificial.

Conclusões:

Dependendo do comportamento de risco avaliado, o trabalho informal foi associado a maior ou menor risco à saúde, dessa forma, não foi possível afirmar que a modalidade de trabalho informal estava associada ao maior risco para os desfechos avaliados. Ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças crônicas voltadas para trabalhadores, portanto, podem ser realizadas, independentemente do tipo de trabalho, desde que compatíveis com as necessidades de saúde e as características de trabalho.

Palavras-chave:
categorias de trabalhadores; comportamentos de risco à saúde; mercado de trabalho; saúde do trabalhador

Abstract

Background:

Occupational characteristics can impact health.

Objective:

To analyze the association between formal and informal work, and health risk behaviors of Brazilian workers.

Method:

Cross-sectional study based on the National Health Survey 2013. The health risk behaviors investigated were: unhealthy food consumption (irregular consumption of fruits and vegetables, and beans; consumption of meat or chicken with excess fat; regular consumption of soft drinks/ artificial juice), insufficient leisure-time physical activity, current smoking and risky consumption of alcoholic beverages. Multiple logistic regression was performed, adjusted for sociodemographic characteristics.

Results:

Informal workers had a higher chance of irregular consumption of beans, but also less chance of regular consumption of soft drinks/ artificial juices.

Conclusions:

Depending on the risk behavior evaluated, informal work presented a greater or lesser risk to health; therefore, it is not possible to state that informal work is associated with a greater risk to health. Actions to promote the health of workers must be independent of their situation in the labor market.

Keywords:
occupational groups; health risk behaviors; job market; occupational health

INTRODUÇÃO

Determinados comportamentos podem predispor indivíduos a aumentar o risco de desenvolver ou contrair doenças. O desenvolvimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) está relacionado a hábitos alimentares, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas e prática insuficiente de atividade física, sendo que o risco à saúde pode ser proporcional ao número de comportamentos adotados11. Gaziano TA. Lifestyle and cardiovascular disease: more work to do. J Am Coll Cardiol. 2017;69(9):1126-28. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2016.12.019
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

No Brasil, ainda que recentemente se observe tendência de redução do tabagismo e do consumo de refrigerante, as prevalências de comportamentos de risco ainda são elevadas. Atualmente, apenas 34,3% da população relatam consumo regular de frutas e hortaliças e 39,0% prática suficiente de atividade física no lazer22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p.. Já o consumo regular de feijão reduziu de 73,7 para 66,5% nos homens de 2007 a 2019 e de 61,0 para 53,9% entre as mulheres no mesmo período22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p.. De maneira semelhante, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas vem aumentando, principalmente entre as mulheres, variando de 8,1 a 13,3%, de 2006 a 201922. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p..

A adoção de comportamentos de risco e o consequente desenvolvimento de DCNT pode refletir em incapacidade para o trabalho. Por outro lado, estudos mostram que características do trabalho também podem impactar a saúde. Dessa forma, reforça-se a complexidade da relação entre saúde de trabalho, condicionada por fatores econômicos, sociais, ambientais, biológicos e aspectos químicos, físicos, mecânicos e ergonômicos dos processos de trabalho que interagem entre si, gerando necessidades específicas para a promoção da saúde do trabalhador33. Moreira JPL, Oliveira BLCA, Muzi CD, Cunha CLF, Brito AS, Luiz RR. A saúde dos trabalhadores da atividade rural no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(8):1698-708. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105114
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

O mercado de trabalho brasileiro, na atualidade, caracteriza-se por baixas remunerações, elevadas desigualdades entre grupos da população e altas taxas de informalidade44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.. Desde 2015, houve uma redução da participação de trabalhadores que possuem registro em carteira e contribuem para previdência social, paralelo ao crescimento da população ocupada, mas sem carteira de trabalho ou que realiza trabalho autônomo (atingiu 41,6% dos trabalhadores em 2019)44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p..

Essa informalidade do trabalho gera desigualdades sociais. Trabalhadores informais são aqueles que possuem menor renda e salário, podendo receber menos de um salário-mínimo. Além disso, não possuem qualquer vínculo de proteção social, como aposentadoria, licença remuneradas e precisam lidar com más condições de trabalho, falta de segurança e ambientes precários55. Dias EC, Oliveira RP, Machado JH, Minayo-Gomez C, Perez MAG, Hoefel MGL, et al. Employment conditions and health inequities: a case study of Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(12):2452-60. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2011001200016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Quanto às diferenças de gênero, ainda que a proporção de homens e mulheres seja semelhante no trabalho informal e formal, cabe destacar diferenças nas formas de trabalho. Mulheres são quase a totalidade do trabalho domstico sem carteira, enquanto os homens compõem mais a categoria de autônomos44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p..

tuar no mercado formal de trabalho pode refletir positivamente no cuidado com a saúde devido aos benefícios garantidos de proteção social66. Ekelund J, Johansson E, Järvelin MR, Lichtermann D. Self-employment and riskaversion? Evidence from psychological test data. Labour Econ. 2005;12(5):649-59. https://doi.org/10.1016/j.labeco.2004.02.009
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,77. Park J, Han B, Kim Y. Comparison of occupational health problems of employees and self-employed individuals who work in different fields. Arch Environ Occup Health. 2020;75(2):98-111. https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,88. Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
https://doi.org/https://doi.org/10.4236/...
,99. Toivanen S, Griep RH, Mellner C, Vinberg S, Eloranta S. Mortality differences between self-employed and paid employees: a 5-year follow-up study of the working population in Sweden. Occup Environ Med. 2016;73(9):627-36. https://doi.org/10.1136/oemed-2015-103472
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
,1010. Min JY, Kim HJ, Park SG, Hwang SH, Min KB. Differences in suicidal behaviors between self-employed and standardly employed workers. Am J Ind Med. 2019;62(12):1144-51. https://doi.org/10.1002/ajim.23050
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
. Estudo realizado com trabalhadores brasileiros mostrou que aqueles sem proteção social cuidavam menos de sua saúde, relataram mais DCNT e tinham mais chances de ficarem acamados do que os trabalhadores formais. Além disso, esse estudo mostrou que a informalidade no trabalho de um membro da família é capaz também de afetar o relato do estado de saúde dos demais membros1111. Giatti L, Barreto SM. Situação do indivíduo no mercado de trabalho e iniqüidade em saúde no Brasil. Rev Saúde Pública. 2006;40(1):99-106. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000100016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Além disso, trabalhadores informais também podem acumular mais problemas de saúde física e mental66. Ekelund J, Johansson E, Järvelin MR, Lichtermann D. Self-employment and riskaversion? Evidence from psychological test data. Labour Econ. 2005;12(5):649-59. https://doi.org/10.1016/j.labeco.2004.02.009
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,77. Park J, Han B, Kim Y. Comparison of occupational health problems of employees and self-employed individuals who work in different fields. Arch Environ Occup Health. 2020;75(2):98-111. https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,88. Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
https://doi.org/https://doi.org/10.4236/...
. Evidências sugerem maior mortalidade por doenças cardiovasculares e suicídio, maior exposição a riscos ergonômicos e estresse entre os trabalhadores informais, quando comparado aos formais99. Toivanen S, Griep RH, Mellner C, Vinberg S, Eloranta S. Mortality differences between self-employed and paid employees: a 5-year follow-up study of the working population in Sweden. Occup Environ Med. 2016;73(9):627-36. https://doi.org/10.1136/oemed-2015-103472
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
-1010. Min JY, Kim HJ, Park SG, Hwang SH, Min KB. Differences in suicidal behaviors between self-employed and standardly employed workers. Am J Ind Med. 2019;62(12):1144-51. https://doi.org/10.1002/ajim.23050
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
.

Tais diferenças nos comportamentos de risco à saúde e o tipo de trabalho podem estar ligados às características do trabalho informal, tais como a instabilidade vivenciada no trabalho, maior responsabilidade requerida na tomada de decisões, maior número de horas de trabalho e falta de regulamentação sobre a atividade profissional, repercutindo em maiores riscos para as funções66. Ekelund J, Johansson E, Järvelin MR, Lichtermann D. Self-employment and riskaversion? Evidence from psychological test data. Labour Econ. 2005;12(5):649-59. https://doi.org/10.1016/j.labeco.2004.02.009
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,77. Park J, Han B, Kim Y. Comparison of occupational health problems of employees and self-employed individuals who work in different fields. Arch Environ Occup Health. 2020;75(2):98-111. https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,88. Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
https://doi.org/https://doi.org/10.4236/...
. Contudo, os resultados das pesquisas ainda são controversos e os estudos sobre a relação entre situação de trabalho e comportamentos de saúde são escassos. Acredita-se que a maior flexibilidade do trabalho informal pode, em algumas situações, resultar em maior tempo disponível para cuidados com a saúde, como praticar exercício físico1010. Min JY, Kim HJ, Park SG, Hwang SH, Min KB. Differences in suicidal behaviors between self-employed and standardly employed workers. Am J Ind Med. 2019;62(12):1144-51. https://doi.org/10.1002/ajim.23050
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,1212. Nordenmark M, Vinberg S, Strandh M. Job control and demands, work-life balance and wellbeing among self-employed men and women in Europe. Vulnerable Groups & Inclusion. 2012;3(1):18896. https://doi.org/10.3402/vgi.v3i0.18896
https://doi.org/https://doi.org/10.3402/...
. Por outro lado, pode também acumular condições de trabalho mais precárias devido à ausência de benefícios e da proteção social assegurada pelas leis trabalhistas, podendo gerar maior carga de trabalho nos fins de semana e nas noites, bem como a realização de mais horas extras1212. Nordenmark M, Vinberg S, Strandh M. Job control and demands, work-life balance and wellbeing among self-employed men and women in Europe. Vulnerable Groups & Inclusion. 2012;3(1):18896. https://doi.org/10.3402/vgi.v3i0.18896
https://doi.org/https://doi.org/10.3402/...
.

No Brasil, pelo que se sabe, ainda não foram realizados estudos que busquem explorar a relação entre o trabalho formal e informal e comportamentos de saúde em amostra nacional de trabalhadores. Além disso, as mudanças recentes do mercado de trabalho tornam urgente o entendimento do impacto da informalidade em questões ligadas à saúde para que sejam formuladas políticas de saúde voltadas para o trabalhador coerentes com a realidade atual do trabalhador brasileiro. Nossa hipótese é de que trabalhadores informais apresentam maiores chances de comportamentos de risco à saúde, como reflexo da falta de proteção social e possível sobrecarga de trabalho. Essa situação, se confirmada, pode impactar as condições de saúde do trabalhador e da sua família na geração de renda e produção do trabalho, com reflexos na economia e na utilização de serviços de saúde. Nesse sentido, este artigo objetivou analisar a associação entre trabalho formal e informal e comportamentos de risco à saúde em trabalhadores brasileiros com vistas a contribuir para a discussão entre trabalho e saúde no país.

METODOLOGIA

Delineamento e amostra do estudo

Estudo transversal realizado com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. 181 p.,1414. Damacena GN, Szwarcwald CL, Malta DC, Souza Júnior PRB, Vieira MLFP, Pereira CA, et al. O processo de desenvolvimento da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):197-206. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. A PNS é um inquérito domiciliar de base populacional realizado em âmbito nacional pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela objetiva avaliar a saúde, o estilo de vida e o uso dos serviços de saúde da população99. Toivanen S, Griep RH, Mellner C, Vinberg S, Eloranta S. Mortality differences between self-employed and paid employees: a 5-year follow-up study of the working population in Sweden. Occup Environ Med. 2016;73(9):627-36. https://doi.org/10.1136/oemed-2015-103472
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
.

A coleta de dados da PNS foi realizada pelo IBGE entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014 por amostragem por conglomerado em três estágios. As unidades primárias de amostragem constituíram os setores censitários; os domicílios, as unidades secundárias; e os moradores com 18 anos ou mais de idade selecionados, as unidades do terceiro estágio1414. Damacena GN, Szwarcwald CL, Malta DC, Souza Júnior PRB, Vieira MLFP, Pereira CA, et al. O processo de desenvolvimento da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):197-206. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. A coleta dos dados foi realizada com a utilização de Personal Digital Assistance (PDA) por entrevistadores devidamente treinados1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. 181 p..

A amostra foi composta por 81.767 domicílios elegíveis, sendo coletadas informações em 62.986 destes1414. Damacena GN, Szwarcwald CL, Malta DC, Souza Júnior PRB, Vieira MLFP, Pereira CA, et al. O processo de desenvolvimento da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):197-206. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. Em cada domicílio foi selecionado um morador adulto (18 anos ou mais) de forma equiprobabilística, totalizando 60.202 entrevistas individuais1414. Damacena GN, Szwarcwald CL, Malta DC, Souza Júnior PRB, Vieira MLFP, Pereira CA, et al. O processo de desenvolvimento da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):197-206. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. Para este estudo foram incluídos apenas os indivíduos adultos que relataram exercer algum tipo de trabalho (n=39.590).

A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (no 328.159), e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Variáveis estudadas

Desfechos

O consumo de alimentos, exceto de carne ou frango com excesso de gordura, foi investigado pela frequência semanal do consumo de acordo com a questão: “Em quantos dias da semana o(a) sr(a) costuma comer descrição do alimento?”. O consumo de frutas e hortaliças, feijão e refrigerante/suco artificial foi categorizado em consumo regular (cinco ou mais dias na semana) e irregular (menos de cinco dias na semana)1515. Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
,1616. Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. O consumo de carne ou frango com excesso de gordura foi avaliado independentemente da quantidade consumida e da frequência semanal, com base nas seguintes questões: “Quando o(a) sr(a) come carne vermelha, o(a) sr(a) costuma: a) tirar o excesso de gordura visível, b) comer com a gordura?”, “Quando o(a) sr(a) come frango/galinha, o(a) sr(a) costuma: a) tirar a pele, b) comer com a pele?”1616. Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
.

O tabagismo atual foi avaliado pela questão: “Atualmente, o(a) sr(a) fuma algum produto do tabaco?”. Aqueles que relataram não fumar atualmente ou fumar menos que diariamente foram considerados como não fumantes atuais1717. Triaca LM, Franca MTA, Guttier MC, Tejada CAO. Estilos de vida saudável e autoavaliação de saúde como boa: uma análise dos dados da PNS/2013. J Bras Econ Saúde. 2017;9(3):260-6. https://doi.org/10.21115/JBES.v9.n3.p260-66
https://doi.org/https://doi.org/10.21115...
.

O consumo de risco de bebida alcoólica foi investigado pela questão: “Com que frequência o(a) sr(a) costuma consumir alguma bebida alcoólica?”. Os entrevistados que responderam “nunca ter bebido” ou beber “menos de uma vez por mês” foram considerados abstêmios/não usam. Para os demais participantes, investigou-se a frequência semanal desse consumo: “Quantos dias por semana o(a) sr(a) costuma tomar alguma bebida alcoólica?”. Aqueles com consumo menor que uma vez por semana também foram considerados abstêmios/não usam. Todos os demais participantes seguiram para a questão: “Em geral, no dia que o(a) sr(a) bebe, quantas doses de bebida alcoólica o(a) sr(a) consome?”. Homens que relataram consumo de 1 a 14 doses/semana e mulheres consumo de 1 a 7 doses/semana foram considerados com consumo leve ou moderado. Quando superior, o consumo foi considerado de risco (>7 doses/semana para mulheres e >14 doses/semana para homens)1818. Noronha BP, Nascimento-Souza MA, Lima-Costa MF, Peixoto SV. Padrões de consumo de álcool e fatores associados entre idosos brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde (2013). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4171-80. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.32652017
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Posteriormente, realizou-se a recategorização das variáveis para identificar aqueles com consumo de risco ou não (abstêmios/não usam, consumo leve e moderado).

Para avaliação da prática de atividade física no lazer, o participante respondeu às questões: “Quantos dias da semana o(a) sr(a) costuma praticar exercício físico ou esporte?” e “No dia que o(a) sr(a) pratica exercício ou esporte, quanto tempo dura esta atividade?”. Foi construído um score semanal de prática de atividade física, com a multiplicação do tempo (em minutos) pela frequência (dias da semana). O participante também foi questionado sobre o tipo de atividade realizada: “Qual o tipo principal de exercício físico ou esporte o(a) sr(a) praticou?”. Foram consideradas como ativos os indivíduos que praticavam pelo menos 150 minutos por semana de atividades físicas de intensidade leve ou moderada, ou pelo menos 75 minutos por semana de atividades físicas vigorosas em momentos de lazer, ou, ainda, um total de 150 minutos semanais de atividades físicas moderadas e vigorosas. Foram consideradas atividades vigorosas corrida, ginástica, aeróbica, spinning, step, jump, futebol, basquete ou tênis1919. Mielke GI, Malta DC, Sá GBAR, Reis RS, Hallal PC. Diferenças regionais e fatores associados à prática de atividade física no lazer no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde-2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(suppl 2):158-69. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Os comportamentos avaliados foram dicotomizados de maneira a representar comportamentos de risco à saúde. São eles: consumo irregular de frutas, hortaliças e feijão; consumo de carne ou frango com excesso de gordura; consumo regular de refrigerante/suco artificial; tabagismo; consumo de risco de álcool e prática insuficiente de atividade física no lazer. Os critérios adotados para cada um dos desfechos são apresentados no Quadro 1 1515. Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
,1616. Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
,1717. Triaca LM, Franca MTA, Guttier MC, Tejada CAO. Estilos de vida saudável e autoavaliação de saúde como boa: uma análise dos dados da PNS/2013. J Bras Econ Saúde. 2017;9(3):260-6. https://doi.org/10.21115/JBES.v9.n3.p260-66
https://doi.org/https://doi.org/10.21115...
,1818. Noronha BP, Nascimento-Souza MA, Lima-Costa MF, Peixoto SV. Padrões de consumo de álcool e fatores associados entre idosos brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde (2013). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4171-80. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.32652017
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,1919. Mielke GI, Malta DC, Sá GBAR, Reis RS, Hallal PC. Diferenças regionais e fatores associados à prática de atividade física no lazer no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde-2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(suppl 2):158-69. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Quadro 1.
Classificação dos comportamentos de risco à saúde avaliados

Variável explicativa principal: situação no mercado de trabalho

Para analisar a situação no mercado de trabalho utilizaram-se as informações autorreferidas pelo participante. Foram considerados os participantes com respostas afirmativa às seguintes questões: “Na semana de 21 a 27 de julho de 2013 (semana de referência), o(a) sr(a) trabalhou ou estagiou durante, pelo menos, uma hora em alguma atividade remunerada em dinheiro?”; “Na semana de 21 a 27 de julho de 2013 (semana de referência), o(a) sr(a) trabalhou ou estagiou durante, pelo menos, uma hora em alguma atividade remunerada em produtos, mercadorias, moradia, alimentação, experiência profissional, etc.?”; “Apesar do que acaba de dizer, na semana de 21 a 27 de julho de 2013 (semana de referência), o(a) sr(a) fez algum trabalho informal ou trabalhou em alguma atividade ocasional remunerada durante pelo menos uma hora?”;“Na semana de 21 a 27 de julho de 2013 (semana de referência), o(a) sr(a) ajudou durante pelo menos uma hora, sem receber pagamento, no trabalho remunerado de algum morador do domicílio?” e “Na semana de 21 a 27 de julho de 2013 (semana de referência), o(a) sr(a) tinha algum trabalho remunerado do qual estava temporariamente afastado?”.

Para definir a situação no mercado de trabalho utilizaram-se as informações relacionadas ao rendimento no trabalho principal e o tipo de trabalho. Foram classificados em trabalho formal aqueles indivíduos empregados como militares, funcionários do setor privado ou setor público e trabalhadores domésticos com rendimento bruto mensal igual ou superior a um salário-mínimo vigente à época da pesquisa (R$678,00). Já o trabalho informal foi aquele desempenhado por indivíduos que trabalhavam por conta própria ou que exerciam trabalho não remunerado em ajuda a algum membro do domicílio, e trabalhadores domésticos com rendimento bruto mensal menor que um salário-mínimo.

Covariáveis

As informações sociodemográficas analisadas foram: sexo (masculino e feminino), faixa etária (18 a 24 anos; 25 a 39 anos; 40 a 59 anos; 60 anos ou mais) e escolaridade (sem escolaridade/fundamental incompleto, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior).

Para caracterizar outras condições de trabalho foram utilizadas informações relacionadas à carga horária semanal de trabalho e turno de trabalho noturno. A carga horária de trabalho foi categorizada em menor ou igual a 40 horas semanais e maior que 40 horas semanais, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)2020. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei no 5.442, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho [Internet]. Rio de Janeiro (RJ); 1943. [citado 2020 Jun 03]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dec...
.

Análise estatística

As análises dos dados foram realizadas com o uso do software Stata versão 14.0, utilizando-se o módulo survey e considerando o peso amostral. Realizou-se análise descritiva das variáveis pelo cálculo das frequências relativas e absolutas. As prevalências e o intervalo de confiança de 95% foram apresentados para a população total do estudo e também segundo a situação no mercado de trabalho.

Utilizou-se o teste estatístico de χ2 para analisar as características sociodemográficas (sexo, faixa etária e escolaridade) e de trabalho (carga horária e trabalho noturno) segundo a condição de trabalho formal e informal.

Os comportamentos de risco à saúde também foram descritos segundo as informações sociodemográficas de características do trabalho. Para cada desfecho analisado, as possíveis diferenças segundo informações sociodemográficas e de trabalho foram identificadas pela sobreposição dos intervalos de confiança de cada categoria.

Para avaliar a associação entre trabalho formal e informal e comportamentos de risco à saúde (marcadores de consumo alimentar, atividade física, tabagismo e consumo de álcool) dos trabalhadores foi estimada a Odds Ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança (IC95%; p<0,05) utilizando Regressão Logística.

Os resultados foram apresentados em três modelos:

  1. Modelo não ajustado;

  2. Modelo ajustado por sexo, idade e escolaridade; e

  3. Modelo ajustado por sexo, idade, escolaridade, carga horária de trabalho e trabalho noturno.

A categoria de referência utilizada para a situação no mercado de trabalho foi o trabalho formal.

RESULTADOS

Foram avaliados 39.590 trabalhadores, em sua maioria homens (57,0%), na faixa etária entre 25 e 39 anos (39,6%) e com ensino médio completo (37,5%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Características sociodemográficas e de trabalho de trabalhadores brasileiros segundo trabalho formal e informal. Pesquisa Nacional de Saúde - Brasil, 2013

Verificou-se que 67,2% (IC95% 66,9-67,7) dos indivíduos atuavam no setor formal de trabalho e 32,8% (IC95% 32,3-33,1) no setor informal. Entre os trabalhadores formais, a maior parte tinha entre 25 e 39 anos, enquanto os trabalhadores informais estavam entre 40 e 59 anos. Trabalhadores formais relataram maior escolaridade, quando comparados aos trabalhadores informais (22,5% sem instrução/ensino fundamental incompleto vs. 47,7%; 19,9% com ensino superior completo vs. 8,2%, respectivamente), conforme apresentado na Tabela 1.

Ao avaliar as características de trabalho, observou-se que os trabalhadores do setor formal relatavam maiores prevalências de carga horária de trabalho (superior a 40 horas semanais; 47,0 vs. 38,7%) e trabalho noturno (16,9 vs. 10,3%), conforme Tabela 1.

A análise dos comportamentos de risco à saúde segundo as características sociodemográficas mostrou diferenças entre homens e mulheres para todas as características avaliadas. A idade foi importante, sendo que trabalhadores com 60 anos ou mais apresentaram menor consumo irregular de frutas e hortaliças e consumo regular de refrigerante/suco artificial, quando comparados com as demais faixas etárias. O consumo irregular de feijão foi semelhante para todas as faixas etárias. Já a prática insuficiente de atividade física foi maior entre os trabalhadores com mais de 40 anos, quando comparados aos mais jovens (18-39 anos). Por outro lado, as prevalências de tabagismo entre os mais jovens (18-24 anos e 25-39 anos) foram inferiores às faixas etárias de 40-59 anos e de 60 ou mais (Tabela 2).

Tabela 2.
Comportamentos de risco à saúde de trabalhadores brasileiros de acordo com características sociodemográficas. Pesquisa Nacional de Saúde - Brasil, 2013

As prevalências de comportamentos de risco também variaram segundo a escolaridade. Cabe destacar a prevalência de 46,2% no consumo irregular de feijão entre aqueles com ensino superior completo, enquanto as demais faixas de escolaridade apresentaram prevalências inferiores a 30%. Observou-se também redução da prevalência do tabagismo e da prática de atividade física insuficiente no lazer com o aumento da escolaridade (Tabela 2).

Em relação às características do trabalho, indivíduos que trabalhavam 40 horas semanais ou menos apresentaram maiores prevalências do consumo de carne ou frango com excesso de gordura (18,0 vs. 13,9%), consumo regular de refrigerante/suco artificial (30,0 vs. 23,5%) e consumo de risco de álcool (8,4 vs. 6,8%). O trabalho noturno, por sua vez, foi associado a menor prevalência de consumo irregular de frutas e hortaliças (59,3 vs. 63,7%) e a maior consumo regular de refrigerante/suco artificial (32,1 vs. 25,4%), conforme consta na Tabela 3.

Tabela 3.
Comportamentos de risco à saúde de trabalhadores brasileiros de acordo com características do trabalho. Pesquisa Nacional de Saúde - Brasil, 2013

Após ajuste por variáveis sociodemográficas e características de trabalho, verificou-se que trabalhadores informais apresentavam 17% mais chance de consumir feijão irregularmente e 26% menos chance de consumir refrigerante/suco artificial regularmente, quando comparados aos trabalhadores do setor formal (Tabela 4).

Tabela 4.
Comportamentos de risco à saúde de trabalhadores brasileiros de acordo com trabalho formal e informal. Pesquisa Nacional de Saúde - Brasil, 2013

DISCUSSÃO

Ao analisar a participação de trabalhadores no mercado formal e informal e comportamentos de risco à saúde, verificou-se que aqueles do setor informal de trabalho apresentavam maior chance de consumir de forma irregular feijão, mas também menor chance de consumir regularmente refrigerante/suco artificial, quando comparados aos trabalhadores formais. Para os demais comportamentos de risco investigados não foram identificadas diferenças significativas entre os dois grupos de trabalhadores avaliados.

O trabalho informal, ainda que seja diverso em sua organização e legislação nos diferentes países, pode ser caracterizado pela ausência de vínculo profissional ou de carteira de trabalho assinada; ou mesmo por trabalho autônomo, para família; e por uma jornada reduzida2121. International Labour Organization. Non-standard employment around the world: understanding challenges, shaping prospects. Geneva: International Labour Organization; 2016.. No ano de 2019, as atividades econômicas que mais concentraram pessoas em trabalho informal no Brasil foram serviços domésticos (72,5%), agropecuária (67,2%) e construção (64,5%)44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.. Este estudo mostrou que, em 2013, o trabalho informal correspondeu a cerca de um terço das ocupações nos trabalhadores avaliados pela PNS, enquanto, em alguns países, como Holanda e Grécia, essa proporção ultrapassa 50%2222. European Comission. Non-standard employment and access to social security benefits. European Union; 2016.. Em países da América Latina, como Equador, Peru e Argentina, mais da metade da população atua no mercado informal de trabalho2121. International Labour Organization. Non-standard employment around the world: understanding challenges, shaping prospects. Geneva: International Labour Organization; 2016..

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019 mostraram que, de 2012 a 2014, o mercado de trabalho apresentou um aumento da ocupação (tanto do trabalho formal como do informal), redução da taxa de desocupação e aumento dos rendimentos dos trabalhadores. Contudo, esses indicadores inverteram nos anos seguintes com crescimento da taxa de desocupação e redução contínua da participação de empregados com vínculo formal de trabalho44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.. Em 2019, os trabalhadores informais passaram a corresponder a 41,6% do total da população ocupada no Brasil, com ampliação importante no setor de transporte, armazenagem e correio; alojamento e alimentação; e construção44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.,2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por amostra de domicílios contínua [Internet]. [citado 2021 Ago 31]. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=downloads
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
. Entretanto, mudanças ocorridas na legislação trabalhista brasileira em 2017 e crises econômicas recentes, sobretudo a ocasionada pela pandemia da COVID-19, podem elevar esse número no país. Ainda não se dispõe de estudos nacionais que mostrem os efeitos da pandemia da COVID-19 sobre tipo de trabalho, mas acredita-se que o trabalho informal, apesar de ser um dos setores mais atingidos pelas orientações sanitárias de distanciamento social, também tenha crescido bastante como alternativa para ausência de postos formais de trabalho.

Os resultados do presente estudo mostraram que a maior parte dos trabalhadores formais brasileiros era de adultos jovens (25 a 39 anos), enquanto no setor informal predominou aqueles de meia-idade (40 a 59 anos). Resultado semelhante foi identificado nos Estados Unidos e na Europa88. Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
https://doi.org/https://doi.org/10.4236/...
,1212. Nordenmark M, Vinberg S, Strandh M. Job control and demands, work-life balance and wellbeing among self-employed men and women in Europe. Vulnerable Groups & Inclusion. 2012;3(1):18896. https://doi.org/10.3402/vgi.v3i0.18896
https://doi.org/https://doi.org/10.3402/...
. Possíveis hipóteses para a predominância de trabalhadores dessa faixa etária no mercado informal de trabalho são as dificuldades de se realocar no mercado formal de trabalho e as mudanças recentes na legislação trabalhista, que desfavoreceram a criação de vagas de trabalho formal. Também foi verificada maior proporção de indivíduos com ensino superior completo entre os trabalhadores formais, sendo a prevalência de indivíduos sem instrução ou com ensino fundamental incompleto superior entre os trabalhadores informais. Já esta situação é diferente daquela observada nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, países nos quais o trabalho informal se caracteriza principalmente pelo “empreendedorismo” e está fortemente associado ao maior nível educacional44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.,2424. Dawson CJ, Henley A, Latreille PL. Why do individuals choose self-employment? [Internet]. IZA Discussion Paper No. 3974; 2009. [citado 2021 Ago 31]. Disponível em: Disponível em: https://docs.iza.org/dp3974.pdf
https://docs.iza.org/dp3974.pdf...
.

No Brasil, a CLT garantiu aos trabalhadores formais diversos direitos, como recebimento de horas extras, afastamento remunerado em caso de doença, férias remuneradas, décimo terceiro salário, jornada máxima de trabalho, descanso, turnos, ambiente de trabalho adequado, segurança e medicina do trabalho, entre outros aspectos2020. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei no 5.442, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho [Internet]. Rio de Janeiro (RJ); 1943. [citado 2020 Jun 03]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dec...
. Além disso, o país possui política específica de correção do salário-mínimo2525. Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 14.013, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o valor do salário-mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2020; e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2020.. Por outro lado, trabalhadores informais convivem com situação de insegurança constante, podendo trabalhar por mais tempo do que o previsto em lei, em condições mais insalubres e de risco ocupacional, contribuindo negativamente para a sua saúde2121. International Labour Organization. Non-standard employment around the world: understanding challenges, shaping prospects. Geneva: International Labour Organization; 2016.. Todas essas questões podem tornar o trabalho formal mais atrativo e, talvez, contribuir para a saúde do trabalhador.

Entretanto, apesar da hipótese de piores condições de trabalho entre aqueles sem registro em carteira de trabalho ou estabilidade no emprego, este estudo mostrou menor proporção de carga horária de até 40 horas semanais e de trabalho noturno entre os trabalhadores informais, quando comparados aos trabalhadores formais. De fato, a flexibilidade de carga horária e o maior domínio sobre a organização do tempo são características que podem atrair as pessoas para o trabalho informal. Isso ocorre, sobretudo, com pessoas que convertem seu hobby em renda ou que optam por trabalhar em casa ou após a aposentadoria. Acredita-se que esses benefícios podem contribuir para a promoção do bem-estar do trabalhador77. Park J, Han B, Kim Y. Comparison of occupational health problems of employees and self-employed individuals who work in different fields. Arch Environ Occup Health. 2020;75(2):98-111. https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
.

Neste sentido, trabalhadores informais poderiam ser mais propensos que os formais a terem estilo de vida mais saudável devido à maior flexibilidade e autonomia para a realização de suas atividades diárias. A maior disponibilidade de tempo pode, inclusive, contribuir para a maior participação em atividades de promoção da saúde88. Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
https://doi.org/https://doi.org/10.4236/...
. Por outro lado, a pouca estabilidade da renda pode também ser um dificultador para a manutenção dos hábitos de vida saudáveis. Todos esses aspectos supracitados revelam a complexidade de se investigar o trabalho formal e informal, não havendo consenso, portanto, se o trabalho formal e, consequentemente, os benefícios acarretados pela proteção social oferecem, de fato, melhores condições de saúde aos trabalhadores.

Quanto aos comportamentos de risco à saúde, de maneira semelhante à população em geral, os trabalhadores brasileiros apresentaram elevadas prevalências. Foram destaques o consumo irregular de frutas e hortaliças e a prática insuficiente de atividade física no lazer, fatores estes associados ao desenvolvimento de DCNT22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p..

Foi identificada associação entre comportamentos de risco e a situação no mercado de trabalho. Na análise não ajustada, o trabalho informal foi associado ao menor consumo regular de refrigerante/suco artificial e à maior prática insuficiente de atividade física no lazer e tabagismo. Contudo, após ajustes pelas características sociodemográficas, as associações com a prática de atividade física e com o tabagismo deixaram de ser significativas. É possível que idade e escolaridade tenham impactado a associação desses desfechos com o tipo de trabalho. Pessoas mais velhas e com menor grau de escolaridade apresentaram maiores prevalências de prática de atividade física e de tabagismo. Entretanto, esses grupos também apresentaram maior prevalência de trabalho informal. Dessa forma, apesar de serem encontradas associações significativas entre prática de atividade física e tabagismo com o tipo de trabalho, elas foram perdidas quando houve o ajuste por características sociodemográficas, indicando que estas características sociodemográficas são possivelmente fatores de confusão na análise da associação entre tipo de trabalho e comportamentos de risco à saúde.

O modelo final, ajustado por características sociodemográficas e condições de trabalho, mostrou que trabalhadores informais apresentaram maiores chances de consumir de forma irregular feijão, importante marcador de alimentação saudável para o brasileiro, mas também apresentavam menores chances de consumir regularmente refrigerante/suco artificial, quando comparados aos trabalhadores formais. Entretanto, a interpretação dos resultados relativos ao consumo irregular de feijão merece cautela, uma vez que os intervalos de confiança apresentaram valores limítrofes. Para este alimento foi observada uma confusão negativa diante da inversão da razão de chances na comparação da análise com e sem ajuste. Supõe-se que a escolaridade tenha um papel importante na inversão da razão de chances, uma vez que foram observadas grandes diferenças nas prevalências de consumo irregular de feijão de acordo com os diferentes graus de escolaridades.

Os resultados deste trabalho sugerem que as ações de promoção da saúde e prevenção das DCNT devem ser conduzidas tanto para trabalhadores formais quanto para trabalhadores informais. No entanto, destaca-se que foi identificada gradiente dose-resposta entre a escolaridade e a maioria dos desfechos estudados. Considerando que os indivíduos com menor escolaridade foram também aqueles que mais ocupavam postos de trabalho informal e, portanto, possivelmente, mais precários, a hipótese de que o trabalho informal impacta negativamente comportamentos de risco à saúde do trabalhador não pode ser plenamente refutada neste estudo.

Entretanto, independente do tipo de trabalho, a adoção de comportamentos de risco à saúde associados ao desenvolvimento de DCNT, como aqui investigado, pode se associar futuramente ao absenteísmo e a licenças médicas2626. Min KB, Park SG, Song JS, Yi KH, Jang TW, Min JY. Subcontractors and increased risk for work-related diseases and absenteeism. Am J Ind Med. 2013;56(11):1296-306. https://doi.org/10.1002/ajim.22219
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
. Esta questão é ainda mais preocupante entre os trabalhadores informais, uma vez que estes não possuem direitos trabalhistas, como licença, afastamento, auxílio-doença, garantia de assistência à saúde etc.; muitas vezes, mantendo a atividade laboral para a preservação da renda. Nesse sentido, revela-se a importância de o Sistema Único de Saúde (SUS) garantir a assistência ao trabalhador e à sua família por meio de ações de promoção e de cuidado da saúde. É preciso também maior atenção aos riscos ocupacionais enfrentados pelos trabalhadores informais, como os biomecânicos, expostos a substâncias tóxicas, que podem ser negligenciados.

Para aqueles com trabalho formal, é necessário garantir o acesso às ações realizadas na Atenção Primária à Saúde, que ocorrem predominantemente em horário comercial. A legislação trabalhista atual não garante ao trabalhador ausência abonada no trabalho para atendimento em saúde de forma suficiente para atender suas necessidades de saúde. Adicionalmente, é preciso garantir que o espaço de trabalho também seja cenário para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, de forma a ampliar a adesão dos trabalhadores e efetivar a equidade e a universalidade à saúde propostas pelo SUS.

Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora se destaca como estratégia de fortalecimento da atenção integral à saúde2727. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2012.. Entretanto, apesar de incluir como sujeitos trabalhadores formais e informais, o desafio de propor ações de saúde transversais e considerar o trabalho como determinante do processo saúde-doença, ainda persiste. É necessário o delineamento de planos, estratégias e programas de saúde específicos para a saúde do trabalhador que considerem a heterogeneidade dos diferentes cenários de trabalho no Brasil, que promovam a articulação intersetorial e que fortaleçam a participação ativa dos trabalhadores no controle social.

Limitações deste estudo precisam ser consideradas. A avaliação dos comportamentos de saúde foi obtida a partir de autorrelato, o que é passível de viés de informação, no entanto, estes dados são validados2828. Mendes LL, Campos SF, Malta DC, Bernal RTI, Sá NNB, Velásquez-Meléndez G. Validade e reprodutibilidade de marcadores do consumo de alimentos e bebidas de um inquérito telefônico realizado na cidade de Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(suppl 1):80-9. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2011000500009
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,2929. Monteiro CA, Moura EC, Jaime PC, Claro RM. Validade de indicadores do consumo de alimentos e bebidas obtidos por inquérito telefônico. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):582-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000400002
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,3030. Neves ACM, Gonzaga LAA, Martens IBG, Moura EC. Validação de indicadores do consumo de alimentos e bebidas obtidos por inquérito telefônico em Belém, Pará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;26(12):2379-88. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001200016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Não foi possível avaliar a renda familiar dos trabalhadores formais e informais, o que pode ser um importante determinante das condições de saúde.

É também preciso considerar as limitações para a definição do trabalho formal e informal. A maior parte dos estudos considera trabalho por conta própria como informalidade. Porém, alguns autores consideram que trabalhadores por conta própria podem vivenciar uma situação de emprego ou mesmo contribuir para o sistema de previdência3131. Santiago CEP, Vasconcelos AMN. Do catador ao doutor: um retrato da informalidade do trabalhador por conta própria no Brasil. Nova Economia. 2017;27(2):213-46. https://doi.org/10.1590/0103-6351/2588
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Para o IBGE, trabalhadores informais são aqueles sem carteira de trabalho assinada; que trabalham por conta própria ou são empregadores que não contribuem para a previdência social; e trabalhadores familiares auxiliares44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.. Entretanto, devido à utilização de dados secundários da PNS, não foi possível seguir criteriosamente esta definição.

As questões avaliadas no inquérito não englobam a contribuição para previdência social ou registro de carteira de trabalho, por exemplo. Nossa definição usou a informação autorreferida do entrevistado sobre o tipo de trabalho, incluindo aqueles que referiram trabalhar por conta própria, os que não eram remunerados e os trabalhadores domésticos que recebiam menos de um salário-mínimo. Desta maneira, nesse estudo pode ter havido viés de classificação na definição do trabalho formal e informal. Dessa forma, a comparação com outros estudos deve ser cautelosa devido à variabilidade das leis trabalhistas dos países e às diferentes definições de trabalho informal.

Por fim, é preciso salientar que alguns possíveis confundidores não foram avaliados neste estudo, como, por exemplo, a informação sobre as atividades laborais dos trabalhadores. A ampla variabilidade de grupos ocupacionais ou atividades laborais desenvolvidas por eles podem se associar aos desfechos de interesse de maneira diferente. Para minimizar esse, viés foram incluídas como ajuste nas análises as características do trabalho, como o trabalho noturno e a carga horária, que geralmente se associam a desfechos de saúde3232. Feng T, Booth BM, Baldwin-Rodríguez B, Osorno F, Narayanan S. A multimodal analysis of physical activity, sleep, and work shift in nurses with wearable sensor data. Sci Rep. 2021;11(1):8693. https://doi.org/10.1038/s41598-021-87029-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
,3333. Sjöberg A, Pettersson-Strömbäck A, Sahlén KG, Lindholm L, Norström F. The burden of high workload on the health-related quality of life among home care workers in Northern Sweden. Int Arch Occup Environ Health. 2020;93(6):747-64. https://doi.org/10.1007/s00420-020-01530-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
.

Além disso, não foi possível investigar a possibilidade de modificação de efeito causada pelas características sociodemográficas nos desfechos avaliados. Para tal análise seria necessário realizar análises estratificadas de acordo com as características sociodemográficas, contudo, isso não foi possível diante da possibilidade de perda de grande número de indivíduos nos estratos da amostra. A PNS possui uma amostra complexa, calculada a partir da probabilidade das diferentes características sociodemográficas do indivíduo. Dessa forma, são estabelecidos pesos amostrais para cada indivíduo amostrado. Quando se realizam análises estratificas, o número de indivíduos em cada estrato reduz bastante, impossibilitando o cálculo de estimativas e de intervalos de confiança, e a realização de testes estatísticos, prejudicando sobremaneira o poder amostral para inferências estatísticas. Nesse sentido, reforça-se a importância de se ter um inquérito específico focado na saúde do trabalhador visando possibilitar investigações mais aprofundadas sobre as condições de trabalho e de saúde da população brasileira trabalhadora.

A coleta de dados ter sido realizada em 2013 também pode ser considerada uma limitação. No entanto, este estudo foi conduzido com amostra representativa do país e constitui investigação inédita de comportamentos de risco à saúde de amostra nacional de trabalhadores segundo o trabalho formal e informal. Estudos exploratórios, nesse sentido, são importantes para levantar discussões relativas a demandas de saúde dos trabalhadores, bem como da necessidade de aprimoramento do sistema de saúde brasileiro para abarcar este grande contingente populacional. Além disso, são importantes para estabelecer comparações, identificando a evolução das condições de trabalho e sua relação com a saúde, principalmente após crises econômicas e mudanças legais, como ocorreram nos últimos anos no Brasil.

Desde a realização deste estudo foram efetivadas mudanças na legislação trabalhista brasileira com redução de direitos e facilitação do contrato informal de trabalho. Ao mesmo tempo, crises econômicas, como a desencadeada pela pandemia da COVID-19, aumentaram as taxas de desemprego e a inserção do trabalhador no mercado de trabalho informal. Tudo isso pode resultar em maior precarização do trabalho, aumento da rotatividade de funcionários, maior necessidade de múltiplos empregos pelo trabalhador para garantia de renda mínima de sustento da família e aumento da demanda semanal de trabalho3434. Silva MA. Os reflexos da crise econômica sobre os direitos trabalhistas no Brasil. R Katál. 2019;22(2):252-72. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n2p252
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. A redução de descanso e esgotamento físico e psicossocial também pode afetar comportamentos de risco à saúde, advindo dos menores cuidados com a alimentação e prática de atividade física. Ademais, os comportamentos de saúde também sofreram intensas modificações decorrentes das necessárias medidas de isolamento social, reorganização das atividades de trabalho e sobrecarga de atividades (sobretudo para mulheres) impostas pela pandemia de COVID-193535. Mattei L, Heinen VL. Impactos da crise da Covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Braz J Polit Econ. 2020;40(4):647-68. https://doi.org/10.1590/0101-31572020-3200
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Portanto, é necessária a reprodução de estudos para verificar a tendência temporal dos achados de interesse aqui explorados.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram associações significativas entre o tipo de trabalho e comportamentos de risco à saúde relacionados a alimentação (feijão e refrigerante/suco artificial), porém não foi possível confirmar a hipótese de um padrão menos saudável entre trabalhadores informais para os desfechos avaliados. Trabalhadores informais apresentaram comportamentos de risco e de proteção à saúde, a depender do comportamento avaliado. Dessa forma, os resultados sugerem que as ações de promoção da saúde e prevenção de DCNT voltadas para a população trabalhadora podem ser realizadas, independente da situação no mercado de trabalho, desde que compatíveis com suas necessidades de saúde e características do trabalho, como horários e turnos de trabalho. Tais ações se tornam urgentes, tendo em vista que o Brasil está em um momento ímpar de discussões da flexibilização das leis trabalhistas associadas a uma grave crise econômica global, o que pode repercutir em uma grande precarização do trabalho e da saúde dos trabalhadores.

REFERÊNCIAS

  • 1.
    Gaziano TA. Lifestyle and cardiovascular disease: more work to do. J Am Coll Cardiol. 2017;69(9):1126-28. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2016.12.019
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.jacc.2016.12.019
  • 2.
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p.
  • 3.
    Moreira JPL, Oliveira BLCA, Muzi CD, Cunha CLF, Brito AS, Luiz RR. A saúde dos trabalhadores da atividade rural no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(8):1698-708. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105114
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0102-311X00105114
  • 4.
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.
  • 5.
    Dias EC, Oliveira RP, Machado JH, Minayo-Gomez C, Perez MAG, Hoefel MGL, et al. Employment conditions and health inequities: a case study of Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(12):2452-60. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2011001200016
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/s0102-311x2011001200016
  • 6.
    Ekelund J, Johansson E, Järvelin MR, Lichtermann D. Self-employment and riskaversion? Evidence from psychological test data. Labour Econ. 2005;12(5):649-59. https://doi.org/10.1016/j.labeco.2004.02.009
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.labeco.2004.02.009
  • 7.
    Park J, Han B, Kim Y. Comparison of occupational health problems of employees and self-employed individuals who work in different fields. Arch Environ Occup Health. 2020;75(2):98-111. https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/19338244.2019.1577209
  • 8.
    Yoon J, Bernell SL. The effect of self-employment on health, access to care, and health behavior. Health. 2013;5(12):2116-27. https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
    » https://doi.org/https://doi.org/10.4236/health.2013.512289
  • 9.
    Toivanen S, Griep RH, Mellner C, Vinberg S, Eloranta S. Mortality differences between self-employed and paid employees: a 5-year follow-up study of the working population in Sweden. Occup Environ Med. 2016;73(9):627-36. https://doi.org/10.1136/oemed-2015-103472
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1136/oemed-2015-103472
  • 10.
    Min JY, Kim HJ, Park SG, Hwang SH, Min KB. Differences in suicidal behaviors between self-employed and standardly employed workers. Am J Ind Med. 2019;62(12):1144-51. https://doi.org/10.1002/ajim.23050
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1002/ajim.23050
  • 11.
    Giatti L, Barreto SM. Situação do indivíduo no mercado de trabalho e iniqüidade em saúde no Brasil. Rev Saúde Pública. 2006;40(1):99-106. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000100016
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000100016
  • 12.
    Nordenmark M, Vinberg S, Strandh M. Job control and demands, work-life balance and wellbeing among self-employed men and women in Europe. Vulnerable Groups & Inclusion. 2012;3(1):18896. https://doi.org/10.3402/vgi.v3i0.18896
    » https://doi.org/https://doi.org/10.3402/vgi.v3i0.18896
  • 13.
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. 181 p.
  • 14.
    Damacena GN, Szwarcwald CL, Malta DC, Souza Júnior PRB, Vieira MLFP, Pereira CA, et al. O processo de desenvolvimento da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):197-206. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
    » https://doi.org/https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200002
  • 15.
    Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
    » https://doi.org/https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
  • 16.
    Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
    » https://doi.org/https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
  • 17.
    Triaca LM, Franca MTA, Guttier MC, Tejada CAO. Estilos de vida saudável e autoavaliação de saúde como boa: uma análise dos dados da PNS/2013. J Bras Econ Saúde. 2017;9(3):260-6. https://doi.org/10.21115/JBES.v9.n3.p260-66
    » https://doi.org/https://doi.org/10.21115/JBES.v9.n3.p260-66
  • 18.
    Noronha BP, Nascimento-Souza MA, Lima-Costa MF, Peixoto SV. Padrões de consumo de álcool e fatores associados entre idosos brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde (2013). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4171-80. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.32652017
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.32652017
  • 19.
    Mielke GI, Malta DC, Sá GBAR, Reis RS, Hallal PC. Diferenças regionais e fatores associados à prática de atividade física no lazer no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde-2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(suppl 2):158-69. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060014
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060014
  • 20.
    Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei no 5.442, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho [Internet]. Rio de Janeiro (RJ); 1943. [citado 2020 Jun 03]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm
  • 21.
    International Labour Organization. Non-standard employment around the world: understanding challenges, shaping prospects. Geneva: International Labour Organization; 2016.
  • 22.
    European Comission. Non-standard employment and access to social security benefits. European Union; 2016.
  • 23.
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por amostra de domicílios contínua [Internet]. [citado 2021 Ago 31]. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=downloads
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=downloads
  • 24.
    Dawson CJ, Henley A, Latreille PL. Why do individuals choose self-employment? [Internet]. IZA Discussion Paper No. 3974; 2009. [citado 2021 Ago 31]. Disponível em: Disponível em: https://docs.iza.org/dp3974.pdf
    » https://docs.iza.org/dp3974.pdf
  • 25.
    Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 14.013, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o valor do salário-mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2020; e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2020.
  • 26.
    Min KB, Park SG, Song JS, Yi KH, Jang TW, Min JY. Subcontractors and increased risk for work-related diseases and absenteeism. Am J Ind Med. 2013;56(11):1296-306. https://doi.org/10.1002/ajim.22219
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1002/ajim.22219
  • 27.
    Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2012.
  • 28.
    Mendes LL, Campos SF, Malta DC, Bernal RTI, Sá NNB, Velásquez-Meléndez G. Validade e reprodutibilidade de marcadores do consumo de alimentos e bebidas de um inquérito telefônico realizado na cidade de Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(suppl 1):80-9. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2011000500009
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S1415-790X2011000500009
  • 29.
    Monteiro CA, Moura EC, Jaime PC, Claro RM. Validade de indicadores do consumo de alimentos e bebidas obtidos por inquérito telefônico. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):582-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000400002
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000400002
  • 30.
    Neves ACM, Gonzaga LAA, Martens IBG, Moura EC. Validação de indicadores do consumo de alimentos e bebidas obtidos por inquérito telefônico em Belém, Pará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;26(12):2379-88. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001200016
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001200016
  • 31.
    Santiago CEP, Vasconcelos AMN. Do catador ao doutor: um retrato da informalidade do trabalhador por conta própria no Brasil. Nova Economia. 2017;27(2):213-46. https://doi.org/10.1590/0103-6351/2588
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0103-6351/2588
  • 32.
    Feng T, Booth BM, Baldwin-Rodríguez B, Osorno F, Narayanan S. A multimodal analysis of physical activity, sleep, and work shift in nurses with wearable sensor data. Sci Rep. 2021;11(1):8693. https://doi.org/10.1038/s41598-021-87029-w
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1038/s41598-021-87029-w
  • 33.
    Sjöberg A, Pettersson-Strömbäck A, Sahlén KG, Lindholm L, Norström F. The burden of high workload on the health-related quality of life among home care workers in Northern Sweden. Int Arch Occup Environ Health. 2020;93(6):747-64. https://doi.org/10.1007/s00420-020-01530-9
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s00420-020-01530-9
  • 34.
    Silva MA. Os reflexos da crise econômica sobre os direitos trabalhistas no Brasil. R Katál. 2019;22(2):252-72. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n2p252
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n2p252
  • 35.
    Mattei L, Heinen VL. Impactos da crise da Covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Braz J Polit Econ. 2020;40(4):647-68. https://doi.org/10.1590/0101-31572020-3200
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0101-31572020-3200
  • Como citar:

    Freitas PP, Justiniano ICS, Lopes MS, Assunção AA, Lopes ACS. Comportamentos de risco à saúde e trabalho formal e informal no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Cad Saude
  • Fonte de financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Produtividade em pesquisa de ACSL e AAA), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2020
  • Aceito
    04 Nov 2021
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro Avenida Horácio Macedo, S/N, CEP: 21941-598, Tel.: (55 21) 3938 9494 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@iesc.ufrj.br