Open-access QUEM SE TORNA CONGRESSISTA? o impacto das alterações legais na composição da Câmara dos Deputados (2002-2022)

WHO BECOMES CONGRESSMAN? the impact of legal changes in the composition of the Chamber of Deputies (2002-2022)

QUI DEVIENT MANGER DU CONGRÈS ? l’impact des changements juridiques dans la composition de la Chambre des députés (2002-2022)

Resumos

Respeitando o princípio da anualidade das leis eleitorais, as reformas políticas têm ocorrido em anos ímpares por iniciativa do Congresso Nacional. Somam-se a elas, o papel ativo da justiça na interpretação das regras vigentes e na formulação de resoluções que alteram a lógica do regramento que norteia os pleitos. Com base em tais aspectos, o principal objetivo desse artigo é compreender, a partir de informações disponíveis nos repositórios de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o quanto as alterações legais são capazes de alterar o perfil das candidaturas e, adicionalmente, o quanto impactam em quem serão os eleitos. Diante de tal esforço, este trabalho partirá da hipótese basilar de que o perfil das candidaturas, em maior medida, e dos eleitos, sob menor impacto, mudam de acordo com variações de natureza institucional-legal. Reforçaria tal argumentação o fato de que variáveis que não passaram por alterações legais no período de 2002 a 2022 não sofrem movimentações dignas de destaque quando consideradas candidaturas e pessoas eleitas ao cargo de deputado federal. São exemplos de variáveis que passaram por mudanças, ou foram diretamente impactadas pela lei: o total de candidaturas, o total de partidos, a média de candidaturas por partidos, as candidaturas femininas, as candidaturas de pessoas negras e as candidaturas sob coligações. Em contrapartida, o total de eleitos, a média de idade, o percentual de jovens, a escolaridade, o estado civil, a busca pela reeleição e a naturalidade dos candidatos – estado onde nasceram – não passaram por alterações.

Deputados federais; Regras eleitorais; Eleições; Candidaturas; Câmara dos Deputados


Respecting the principle of annuality of electoral laws, political reforms have taken place in odd-numbered years initiated by the National Congress. In addition to these reforms, the active role of the judiciary in interpreting the current rules and formulating resolutions that alter the logic of the regulations guiding the elections is significant. Based on these aspects, the main objective of this article is to understand, based on information available in the databases of the Superior Electoral Court (TSE), the extent to which legal changes can alter the profile of candidacies and, additionally, how they impact who will be elected. In light of this effort, this work will start from the fundamental hypothesis that the profile of candidacies, to a greater extent, and of elected officials, to a lesser extent, change according to variations of an institutional-legal nature. This argument would be reinforced by the fact that variables that did not undergo legal changes between 2002 and 2022 do not undergo significant movements when considering candidacies and people elected to the position of federal deputy. Examples of variables that underwent changes or were directly impacted by the law are the total number of candidacies, the total number of parties, the average number of candidacies per party, female candidacies, candidacies of black individuals, and candidacies under coalitions. On the other hand, the total number of elected officials, the average age, the percentage of young individuals, education level, marital status, seeking re-election, and the birthplace of the candidates – the state where they were born – did not undergo changes.

Deputy; Electoral rules; Elections; Candidacies; Chamber of Deputies


En respectant le principe de l’annualité des lois électorales, les réformes politiques ont eu lieu les années impaires à l’initiative du Congrès national. S’ajoute à cela le rôle actif de la justice dans l’interprétation des règles en vigueur et dans la formulation de résolutions modifiant la logique de la réglementation qui guide les élections. Sur la base de ces aspects, l’objectif principal de cet article est de comprendre, à partir des informations disponibles dans les bases de données du Tribunal supérieur électoral (TSE), dans quelle mesure les modifications légales sont capables de modifier le profil des candidatures et, en outre, de savoir dans quelle mesure elles impactent les élus. Dans cet effort, ce travail partira de l’hypothèse fondamentale selon laquelle le profil des candidatures, dans une plus large mesure, et des élus, dans une moindre mesure, changent en fonction de variations d’ordre institutionnel-légal. Cette argumentation serait renforcée par le fait que les variables qui n’ont pas subi de modifications légales entre 2002 et 2022 ne subissent pas de mouvements significatifs lorsqu’on considère les candidatures et les personnes élues au poste de député fédéral. Les exemples de variables qui ont subi des changements ou qui ont été directement impactées par la loi sont le nombre total de candidatures, le nombre total de partis, le nombre moyen de candidatures par parti, les candidatures féminines, les candidatures de personnes noires et les candidatures dans le cadre de coalitions. En revanche, le nombre total d’élus, l’âge moyen, le pourcentage de jeunes, le niveau d’éducation, l’état civil, la recherche de réélection et le lieu de naissance des candidats – l’État où ils sont nés – n’ont pas subi de modifications.

Députés fédéraux; Règles électorales; Élections; Candidatures; Chambre des députés


INTRODUÇÃO

As Leis oferecem um conjunto de incentivos no seu caráter institucional que podem ser adotados pelos atores políticos e, consequentemente, impactam nos resultados eleitorais. A máxima é bem conhecida no campo da Ciência Política e pode ser observada em diferentes dimensões no sistema político brasileiro: das eleições às relações entre os Poderes. No que tange à esfera eleitoral, importa notar que as regras orientadoras dos pleitos têm sofrido sucessivas modificações ao longo, principalmente, dos anos pré-eleitorais. Esse fato leva, inclusive, a um anedotário, cuja máxima é “todo ano ímpar no Brasil é ano de algum tipo de reforma política”, com destaque para alterações em regras que norteiam os pleitos. Considerando as disputas nas últimas duas décadas (2002-2022) tivemos diversas alterações nas regras eleitorais ocorridas por meio das reformas do Poder Legislativo e das interpretações ou decisões do Poder Judiciário no que diz respeito à disputa das eleições proporcionais, expressão máxima da representação política na democracia brasileira, as quais são utilizadas para o preenchimento das vagas, no Congresso Nacional, do cargo de deputado federal.

Dentre as diversas modificações verificadas no período, as quais serão revisitadas na seção posterior, destaca-se para as principais alterações legais, a saber: a obrigatoriedade de os partidos políticos respeitarem proporcionalidades atreladas a gênero no total de candidaturas; a necessidade de o candidato atingir, ao menos, 10% do valor do Quociente Eleitoral (QE) para estar habilitado a ocupar a cadeira conquistada pelo partido no pleito; as mudanças na alocação de cadeiras em virtude da inclusão no cálculo das sobras atreladas ao fato de os partidos terem que atingir ao menos 80% do QE, bem como candidatos a chegarem a um percentual deles; reserva de pelo menos 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral) para o financiamento de candidaturas de mulheres, assim como o mesmo percentual na distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão; contagem em dobro da votação de pessoas negras e mulheres para efeito de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral entre os partidos políticos; proibição das coligações eleitorais para as eleições proporcionais; limitação de 100% + 1 do total de cadeiras em disputa como referência máxima para o lançamento de candidaturas por partido (por exemplo, se há 70 cadeiras a serem conquistadas na eleição para deputado federal em São Paulo, cada partido pode lançar até 71 candidatos); possibilidade de disputa eleitoral dos partidos na forma de federações partidárias; exigências de distribuição de recursos para candidaturas de pessoas negras e; imposição de uma cláusula de desempenho para partidos políticos terem acesso a recursos públicos com base nas eleições para deputado federal.

É diante desse quadro sintetizado de alterações em aspectos legais das eleições que apresentamos uma pergunta de partida: mudanças nas regras eleitorais que oferecem novos incentivos institucionais aos partidos e candidaturas impactam no perfil dos postulantes para a Câmara dos Deputados? E no perfil dos deputados federais eleitos?

Considerando as eleições ocorridas no período em análise (2002-2022) as sucessivas mudanças em aspectos das regras eleitorais permitiram um conjunto inédito de incentivos que levaram à uma ampla oferta eleitoral. Ao levantarmos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acerca das candidaturas a deputado federal em vinte anos, chegamos a um total de 36.992 registros, com 30.550 candidatos diferentes, considerando a análise dos CPFs das candidaturas. Isso significa que a imensa maioria dos nomes que se apresentam ao eleitorado o fazem uma única vez. Mais de 85% das candidaturas só aparecem em um único pleito, para este cargo, neste período.

Ademais, considerando o total de 513 vagas na Câmara e as seis eleições pesquisadas, as 3.078 vagas disputadas ao total foram conquistadas por 1.661 pessoas diferentes, a despeito da ocupação de cargos por suplentes. Isso faz com o que o Brasil possua altas taxas de renovação política no Legislativo Federal, o que em linhas gerais e sem adentrar em muitas nuances, contraria o senso comum segundo o qual os representantes políticos são “sempre os mesmos” (Lima et.al., 2018).

Portanto, ao menos do lado da oferta eleitoral para o cidadão as opções são variadas com base no que sugerem os dados e, a permanência contínua a frente do Legislativo é menor do que percepções apressadas possam sugerir. Reforçando: no período estudado há um total superior a 85% de candidatos que disputaram exclusivamente uma eleição para o cargo de deputado federal, sendo que 84% dos concorrentes não foram eleitos na ocasião e, tampouco, apareceram posteriormente em novos pleitos para a Câmara – restando naturalmente compreender quais nomes que debutaram em 2022 desistirão da corrida em 2026.

Diante disso, partimos da hipótese basilar de que o perfil das candidaturas, em maior medida, e dos eleitos, sob menor impacto, mudam de acordo com variações de natureza legal, com incidência maior entre as candidaturas. Para buscar resposta a tal hipótese, este artigo está dividido em mais três seções, para além desta introdução.

Na seção posterior trataremos de discussões teóricas, na seguinte a ela analisaremos os dados em diálogo com as alterações legais, e na parte final oferecemos as conclusões baseadas na tentativa de verificar em que medida será possível afirmar a hipótese lançada. Os dados utilizados aqui são exclusivamente aqueles que constam do repositório de dados oficiais do TSE na parte que trata exclusivamente das candidaturas, ou seja, as informações pessoais dos postulantes que findam sendo apresentadas no portal “DivulgaCand”.

A DEMOCRACIA NO BRASIL E O CARGO DE DEPUTADO FEDERAL: A IMPORTÂNCIA DE SE OLHAR PARA AS MUDANÇAS NAS REGRAS

A política brasileira é marcada por um histórico de rupturas e mudanças institucionais. A primeira experiência considerada democrática brasileira com algum grau de estabilidade institucional (1945-1964) foi interrompida para dar lugar a um regime autoritário de supressão radical de direitos civis e políticos, levando a uma competição eleitoral reduzida ao bipartidarismo e restrita às câmaras legislativas e a alguns governos locais (Marenco, 2007; Santos, 2017).

A longa travessia para a redemocratização foi fruto de uma enorme resistência social e política em torno da defesa de um projeto político democrático-participativo em torno de uma sociedade civil compromissada com as liberdades individuais e a construção de espaços públicos plurais (Dagnino, 2006). O arranjo institucional mobilizado a partir da Constituição de 1988 nos levou à adoção de um sistema presidencialista e proporcional para candidaturas ao Legislativo – exceto o Senado Federal – somada à adoção do voto universal. De modo geral, a relação Executivo e Legislativo foi levada a um quadro de estabilidade em decorrência de uma governabilidade pautada pela centralização do poder decisório na presidência e nos líderes partidários, sendo que

de um lado, contribui para aumentar o sucesso presidencial e sua dominância legislativa; de outro limita a influência autônoma do Congresso que fica restrita a áreas específicas de políticas públicas. Este argumento, no entanto, não reforça a visão de que o Congresso brasileiro é inerentemente fraco, ou um mero rubber stamp dos atos do Executivo. Pelo contrário, ela procura questionar a visão de que o Congresso é um obstáculo institucional a ação do Executivo e sugerir que existe uma delegação condicional de poder ao presidente pelo Legislativo (Figueiredo e Limongi, 2007, p. 149-150)

Conforme os autores, em síntese, diferente da experiência democrática anterior (1946-1964), o sistema político brasileiro se caracterizaria pela preponderância de um Executivo forte, mas também pelo desempenho evidenciado das coalizões de governo com forte sustentação parlamentar (POWER, 2010), afastando o cenário de fragilidade sistêmica em torno de um presidencialismo de coalizão com tendência à ingovernabilidade (Abranches, 1988).

Nesta direção, a relevância da governabilidade, leia-se para este caso a relação Executivo e Legislativo, pode ser caracterizada como uma dimensão analítica importante na compreensão do funcionamento das instituições políticas brasileiras. A atuação destacada dos partidos revela a sua importância diante da tarefa de selecionar candidatos, disputar as campanhas eleitorais com vistas a obter cargos eletivos, bem como a ocupação de cargos, visando a influenciar as políticas públicas, além da garantia da representação (Dantas et al., 2018; Duverger, 1970; Katz e Mair, 1993; Manin, 1995; Manin; Przerworski; Stokes, 2006; Panebianco, 1988).

Outra dimensão essencial na análise da política brasileira abarca os estudos sobre carreira política. As temáticas das eleições e da representação política têm sido objetos de estudos fundamentais na Ciência Política brasileira ao longo das últimas décadas. Diversas pesquisas foram empreendidas e ensejaram responder às demandas relacionadas à compreensão do desenho institucional da democracia brasileira e ao padrão de representação política advindo do sistema político adotado após o processo de redemocratização (Reis, 2007; Melo, 2007; Figueiredo e Limongi, 1999).

A preocupação com a prevalência de políticos profissionais dedicados exclusivamente à atividade política remonta às reflexões de Max Weber (2004) sobre as formas e características da organização política no mundo moderno. Em geral, parte-se do pressuposto de que a ambição individual dos políticos os impulsiona a buscarem sua sobrevivência política e a maximizar sua influência em termos de poder e recursos (Pereira e Rennó, 2013), embora devamos lembrar que as estratégias eleitorais adotadas pelos políticos não se limitam apenas às suas vontades individuais (Costa, 2018).

Em que pese os baixos níveis de profissionalização em cargos como o de deputado federal (Samuels, 2003), para Sandes-Freitas e Costa (2019), a proporção de parlamentares que concorrem à reeleição para a Câmara dos Deputados, por exemplo, tem sido significativa, em média de 74%, mostrando que

o alto percentual de tentativa de reeleição seria porque essa é a alternativa mais segura para os deputados. Ao avaliarem sua situação e projetarem potencial de alcance de cargos mais altos, a maioria dos deputados tenderia a se reapresentar para o mesmo posto como forma de sobreviver politicamente (Sandes-Freitas e Costa, 2019, p. 123).

Na dimensão teórica, o conceito de ambição política nos guia a uma dimensão analítica que contribui para entender a carreira na perspectiva de interesse dos políticos (Schlesinger, 1966), sendo que a reformulação da tipologia proposta pelo autor sobre as ambições políticas e reelaborada de forma profícua por Anastasia, Correa e Nunes (2012) fornece categorias mais “realistas” no que diz respeito ao funcionamento da política brasileira, sendo que a

ambição estática (permanece com o sentido original); ambição progressiva (inclui a ambição por cargos não eletivos); ambição regressiva (busca-se estrategicamente cargos de menor prestígio); por último, tem-se a saída da vida política e retorno à vida privada (Messias, 2020, p. 2).

Vale lembrar que as estratégias eleitorais são mediadas pelos partidos, mas com alto grau de “gestão de carreira” por parte dos próprios políticos, o que leva, em alguns casos, a escolhas equivocadas quanto à viabilidade eleitoral das candidaturas. Conforme Sandes-Freitas e Costa (2019):

o cargo de deputado federal, como um cargo no nível nacional, ainda apresenta grande atratividade pelo nível de visibilidade que pode oferecer quando comparado a outros cargos como o deputado estadual e vereador. Entretanto, como observou Samuels (2003), esse cargo ainda tem o potencial de ser um trampolim para outros, principalmente para prefeituras. É um cargo importante tanto para o político quanto para o partido, pois possibilita o acesso a muitos recursos, como acesso a repasses do governo federal, e a execução de emendas orçamentárias [...] Essa característica da Câmara como uma “casa de passagem” pode ser constatada pelo baixo percentual de mandatos consecutivos que os deputados detêm. A média de mandatos exercidos pelos deputados federais na nossa amostra é de 2,45, ou seja, a maioria dos deputados não tenta construir carreiras duradouras no Legislativo. Uma explicação para isso é que muitos desses deputados buscam candidatar-se a outros cargos, e outros ocupam o mandato apenas como forma de se manterem no jogo político e retornarem a disputar os cargos antes ocupados, como é o caso de prefeitos que concluem o limite de dois mandatos, tentam a disputa para a Câmara e, dois anos depois, tornam a disputar a prefeitura antes ocupada (Sandes-Freitas e Costa, 2019, p. 125).

É importante destacar que os políticos frequentemente enxergam como objetivo estratégico obter uma carreira política em nível nacional, como uma espécie de “porto seguro” para futuras disputas relacionadas ao Poder Executivo em níveis subnacionais (Maluf, 2006).

No entanto, devemos levar em consideração que a atuação dos políticos e dos seus respectivos partidos é mediada pelas condições institucionais decorrentes das reformas realizadas no âmbito legal em relação ao sistema político, sobretudo no que diz respeito às eleições. Esse ponto merece especial atenção aqui. Afinal, no tocante ao objetivo deste trabalho, estabelecer o elo entre o conjunto de alterações nas regras balizadoras das eleições e o impacto delas sobre o perfil dos candidatos e dos eleitos ainda é uma lacuna a ser preenchida. Sem contar que permite compreender de modo mais adequado as condições da disputa eleitoral para o cargo de deputado federal, um dos mais importantes conforme destacado.

O elemento central deste artigo é o de que as regras importam. A questão é mostrar como elas importam nas eleições proporcionais a partir dos dados de candidatos e eleitos. No caso das eleições, as sucessivas alterações em aspectos relacionados às regras eleitorais têm impactado nos incentivos à disposição dos atores políticos, o que consequentemente leva partidos e candidatos a se ajustarem às mudanças. Isso impacta, em maior medida, em relação à oferta de candidatos mais do que em relação aos eleitos, uma vez que o sucesso eleitoral é multicausal, envolvendo aspectos relacionados à lógica de financiamento de campanhas, carreira política, estrutura partidária, dentre outros.

Contudo, ao indicarmos que as regras são um ponto central a ser observado na dinâmica da competição política para deputados federais consideramos, sobretudo, a importância delas em relação às estratégias dos partidos, incidindo sobre fatores como total de candidaturas, média de candidaturas, total de partidos, candidaturas femininas, candidaturas negras e as candidaturas sob coligações, oficialmente extintas na disputa proporcional desde as eleições de 2022. Em outros termos, mudanças nas regras ao longo dos últimos anos são fundamentais para entendermos as mudanças nos perfis políticos.

Em estudo à respeito das mudanças nas regras eleitorais com impacto no sistema proporcional, Fisch e Mesquita (2022) chamam a atenção para a manutenção das linhas básicas de funcionamento do sistema proporcional de lista aberta para os cargos do Legislativo (exceto senador), sendo que a sua implantação ocorre em 1932, com aprimoramento em 1935 e manutenção ao longo do período democrático (1945-1964), na ditadura militar (1964-1985) e continuidade desde a nova Constituição de 1988 até os dias de hoje. No entanto, os autores enfatizam as mudanças que ocorreram nas regras eleitorais, mas considerando em maior medida o período pós-1988 no qual legislações antigas foram suplantadas e a nova foi sendo consolidada. De lá para cá, já ocorreu a promulgação de ao menos 19 leis que alteraram aspectos da Lei n. 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, entre as quais, além das novidades trazidas pela própria Lei, minirreformas eleitorais produziram alterações substanciais com impacto nos partidos, candidaturas e na dinâmica da competição em ao menos quatro blocos:

  • Principais mudanças a partir da Lei n. 9.504/1997, como a exclusão dos votos brancos e nulos do cômputo dos votos válidos para fins de cálculo do Quociente Eleitoral (QE); possibilidade de as coligações lançarem candidaturas até duas vezes o número de cadeiras em disputa; reserva de no mínimo 30% das candidaturas de cada sexo.

  • Alterações para diminuição do efeito da fragmentação partidária a partir da Lei n. 13.165/2015, como a diminuição na quantidade de candidaturas que cada partido/coligação poderia registrar e; adoção de um percentual mínimo de 10% do valor do QE da votação no âmbito estadual (distrito eleitoral no caso dos deputados estaduais e federais) para o candidato estar habilitado a ocupar uma cadeira em sua lista partidária.

  • Mudanças mais radicais com impacto sobre a distribuição de cadeiras a partir da Emenda Constitucional 97/2017, a qual proíbe a celebração de coligações partidárias para as eleições proporcionais (iniciada somente nas Eleições Municipais de 2020); instituição de uma cláusula de desempenho com implantação gradual, a qual começou nas eleições de 2018 e deve atingir o seu ponto máximo em 2030; aprovação de uma mudança nas regras de distribuição das sobras a fim de compensar os partidos menores, mais prejudicados com o fim das coligações. Na nova forma de distribuir as sobras, qualquer partido que não tenha atingido o Quociente Partidário (QP), que é a quantidade mínima de votos para se conquistar uma cadeira, pode participar da etapa das sobras, observando o desempenho mínimo do candidato (10% do valor do QE).

  • Ajustes em relação à Minirreforma de 2017 após acompanhamento dos resultados das Eleições de 2018 e 2020, como as mudanças a partir da Lei n.14.208/2021, no que diz respeito à possibilidade de formação de Federações Partidárias (junção dos partidos para efeito eleitoral e cujo prazo de união deve durar, ao menos, ao longo do mandato de quatro anos após o pleito, sob pena do partido perder acesso ao Fundo Partidário, por exemplo); nova alteração nas distribuições de sobras e no tamanho da lista eleitoral, a partir da Lei 14.211/2021, a qual define que apenas os partidos que atingirem 80% do valor do QE estão habilitados a participar da distribuição de cadeiras que não forem inicialmente alocadas através do QP. Além disso, a mudança abrangeu também o desempenho mínimo de cada candidato, o qual precisa atingir 20% do valor do QE a fim de estar habilitado a ocupar uma cadeira no Legislativo.

Ademais, mudanças recentes nas regras de financiamento de campanhas impactam os partidos, candidatos e a dinâmica de competição eleitoral no sistema proporcional, considerando os novos incentivos para a ampliação da representação das mulheres e das candidaturas negras. Os impactos de tais alterações legais sob o perfil das candidaturas, a lógica de atuação dos partidos na arena eleitoral e os efeitos práticos na competição política são analisados na seção seguinte, na qual são trabalhados os dados das candidaturas e dos eleitos para o cargo de deputado federal no Brasil entre 2002 e 2022.

ALTERAÇÕES LEGAIS IMPACTAM NO PERFIL DE CANDIDATURAS E ELEITOS?

A pergunta acima que intitula esta seção parece soar retórica. Isto é, as regras alteram as estratégias dos partidos políticos e, consequentemente, o perfil das candidaturas e dos eleitos. Sob tal ponto de vista, mudanças legais promovidas pelo Poder Legislativo ou a partir de interpretações e medidas do Poder Judiciário impactam no jogo eleitoral e alteram a forma de os partidos políticos atuarem. A contribuição aqui proposta está atrelada, assim, ao grau de impacto daquilo que foi alterado sobre a realidade, sendo possível afirmar, de saída, que a lei altera mais as candidaturas do que o perfil dos eleitos.

Com base nos dados disponíveis no TSE analisados aqui neste trabalho, dividiremos as informações em duas partes: a primeira composta por características que sofreram algum tipo de alteração de ordem legal, e a segunda por aquelas que não foram modificadas. Para além disso, será possível dividir a análise em duas partes: o perfil das candidaturas e o perfil dos eleitos.

Utilizando o citado trabalho de Fisch e Mesquita (2022), bem como observando a trajetória de algumas alterações legais no sistema proporcional, observamos impactos sobre: o total de candidaturas, o total de partidos políticos na disputa, as candidaturas femininas, as candidaturas de pessoas negras e as candidaturas lançadas a partir de coligações. Por seu turno, a não modificação da lei teria trazido menos impacto sobre: a média de idade dos candidatos e eleitos, a escolaridade, o estado civil dos postulantes e o estado onde os participantes nasceram.

Iniciamos a análise dos dados com base nas candidaturas, dividindo os achados entre 2002 e 2022 em dois blocos de acordo com a Tabela 1: características COM e SEM o impacto das alterações nas leis. Não é o intuito desse artigo dissecar o conjunto de leis aprovadas no Legislativo ou numerar de forma categórica as decisões do Poder Judiciário.

No conjunto de variáveis impactadas pelas mudanças nas leis, o total de candidaturas chama a atenção, sendo a justificativa para um aumento significativo de postulantes, sobretudo, na relação de candidatos por partido, alguns elementos atrelados a reformas recentes. A partir de 2018, com base na Emenda Constitucional 97 de 2017, os partidos foram obrigados a cumprir cláusulas crescentes de desempenho eleitoral para terem acesso a recursos públicos associados à campanha e custeio de suas atividades. Isso fez com que algumas legendas lançassem um volume maior de candidaturas, buscando cumprir as exigências legais, seja em votação ou em total de candidaturas eleitas para a Câmara dos Deputados.

Ademais, em 2018 o total de partidos atingiu seu ápice em disputas desse tipo. Mas é em 2022 que o número de postulantes aumenta de forma expressiva, sob o impacto da necessidade de cumprimento de novo degrau da cláusula de desempenho e a partir de outro elemento da tabela que merece atenção: a proibição às coligações em eleições proporcionais. Tal impeditivo foi estabelecido pela Emenda Constitucional 97 de 2017, para valer a partir das disputas municipais de 2020, e reforçado pela Lei 14.211 de outubro de 2021 para o pleito estadual vindouro.

Se entre 2002 e 2010 mais de três mil postulantes disputavam votos para deputado federal sob alianças formais entre partidos, em 2014 este volume se aproximou de 4,5 mil e em 2018 atingiu quase cinco mil nomes, o que representa, conforme a Tabela 1, algo entre dois terços e quatro quintos do total das candidaturas no período analisado. Em 2022, nota-se, o valor está zerado diante da proibição às coligações, o que faz com que as legendas que disputavam votos e precisavam cumprir a cláusula de desempenho para sobreviverem aumentassem seus esforços para a montagem de chapas (nominatas) inteiras ou mais próximas dos limites estabelecidos pela lei.

Tabela 1
Características impactadas e não impactadas por alterações na Lei nas candidaturas à Câmara dos Deputados (2002-2022)

Aqui, uma ressalva é absolutamente necessária: a mesma Lei 14.211/2021 criou limites que restringiram o total de candidaturas por partido em pleitos proporcionais. Se antigamente, o limite máximo de nomes por partido, isoladamente, equivalia a 150% do total de vagas em disputa e, coligados, a 200%, a nova lei entendeu que a partir da proibição das alianças formais em pleitos proporcionais esse limite se restringiria a 100% + 1 de candidaturas em relação ao total de vagas. No caso das vagas paulistas para a Câmara, utilizadas aqui como exemplo, um partido isolado, antes da mudança da lei, podia lançar 105 nomes para a disputa de 70 vagas, e legendas coligadas até 140 postulantes a despeito do tamanho do acordo em termos do total de partidos. A partir de 2021, observando as eleições de 2022, zeram-se as candidaturas por coligações e fica a dúvida: a redução no limite do tamanho das chapas, que no caso acima passa a restringir candidaturas em São Paulo a 71 nomes por partido, elevaria ou reduziria o volume geral de candidaturas? Soma-se a isso o fato de que a cláusula de desempenho, trazida pela Emenda Constitucional 97, mencionada anteriormente, parece explicar, ao menos em partes, a redução no total de partidos nas eleições, de 35 para 32 entre 2018 e 2022.

A Tabela 1 mostra que o total de candidaturas aumentou em 24% para o cargo de deputado federal em 2022, mostrando os esforços dos partidos para montarem chapas mais competitivas na corrida pelo voto. Tal realidade está associada ao impacto imediato das leis que proibiram coligações, exigiram performance das legendas, e reverberaram sobre o volume de postulantes.

Um segundo conjunto de alterações legais que impactaram nas eleições merece atenção aqui. Trata-se das exigências ou medidas associadas a um estímulo às candidaturas de mulheres e de negros nos pleitos proporcionais, com destaque para a Câmara do Deputados. O Brasil assinou, nos anos 1990, acordo internacional no âmbito da ONU para elevar a participação de mulheres em cargo de representação eleitoral. Diversas interpretações e diferentes redações foram dadas à lei, até que a partir de 2012 a proporcionalidade de gênero entre 30% e 70% como percentuais mínimos e máximos para mulheres e homens em chapas proporcionais foi determinada pela Justiça, com destaque para a Lei 12.034/2009 que reformou a Lei Eleitoral 9.504/1997. Tal determinação impactou de forma significativa os dados da Tabela 1: entre 2002 e 2010 o percentual de mulheres sobre o total de candidaturas é inferior a 20%, apresentando crescimento que vai dos 11% de 2002 aos 19% de 2010. Mas em 2014 o índice de mulheres ficou em 29%, subindo para 32% em 2018 e, em 2022, para 35%. Aqui, outro ponto merece destaque: para fins de cálculos de recursos do Fundo Eleitoral, que se baseia fortemente nas eleições para o cargo de deputado federal, os votos dados em mulheres e negros passam a contar de forma dobrada até 2030, em medida adotada a partir da Emenda Constitucional 111, de setembro de 2021.

Importante salientar que para além do percentual de candidaturas femininas nos pleitos para deputada federal, o volume de postulantes femininas também cresce de forma expressiva, tendo em vista que o número de candidatos aumentou mais de 100% em 20 anos. Assim, se em 2002 apenas 483 mulheres foram lançadas para tal cargo, em 2022 o total superou 3,3 mil nomes.

Já em relação aos negros, para além de exigências associadas à distribuição de recursos partidários de campanha e presença no Horário Eleitoral Gratuito, seguindo por vezes determinações unilaterais da Justiça, o que mais chama a atenção é a referida Emenda Constitucional 111 de 2021. Nota-se na Tabela 1 que o total de negros candidatos a deputado federal subiu 34% em 2018, relativo a 2014 e, mais emblematicamente ainda, 45% em 2022 relativo ao pleito anterior.

O desafio aqui, no entanto, carrega nuances que precisam ser percebidas com atenção. O primeiro ponto refere-se à Justiça Eleitoral, que passa a exigir esta informação autodeclarada das candidaturas somente a partir de 2014. Soma-se a isso o fato de a condição atrelada à cor da pele ou etnia ser determinada pela própria candidatura, fez com que diversos atores desse processo mudassem sua cor ao longo de diferentes eleições, em parte pendendo para a autodenominação negra para a aparente busca de uma vantagem eleitoral que beneficia o partido político. Assim, a autodeclaração pode carregar consigo a busca indevida por vantagens que a lei oferta aos partidos, o que tem sido alvo de debates intensos nos últimos anos.

Vale o destaque também para a questão das mulheres. Por mais que os volumes trazidos na Tabela 1 mostrem que a lei impactou na questão de candidaturas negras e femininas, no campo do gênero também existem problemas e desafios. Chapas são montadas com pelo menos 30% de mulheres e a justiça tem sido rigorosa na exigência de cumprimentos desses quesitos, mas o problema é que mulheres são menos financiadas e performam menos nas urnas, o que tem levantado suspeitas de que partes delas são incluídas em nominatas apenas para o cumprimento das exigências legais (Nascimento, 2020; Nascimento e Moreira, 2019).

Já na parte da Tabela 1 cujas variáveis não foram impactadas por alterações nas leis, destaque para características que pouco sofreram alterações em 20 anos, a despeito de algumas tendências como, por exemplo, movimentos e narrativas de renovação política que poderiam, por exemplo, elevar o interesse de jovens pelas disputas de votos. A média de idade no período analisado oscila entre 47 e 50 anos, sendo que o percentual de candidaturas de jovens com idade entre 21 e 30 anos fica entre 4% e 6%, assim como os portadores de diplomas de nível superior oscilam entre 51% e 59%.

Por fim, os percentuais de pessoas que são candidatas por estados onde não nasceram também não carregam grandes alterações, oscilando entre 20% e 29% no período. Todos estes itens não foram objetos de alterações de natureza legal nos últimos anos, sendo que a idade mínima para ser deputado federal permanece em 21 anos, pelo menos, desde a Constituição Federal de 1988, que não tem deliberado mudanças sobre a origem estadual de candidaturas. A escolaridade dos postulantes é objeto de discussões no Congresso Nacional, com projetos defendendo o ensino superior como característica basilar, mas tal debate não tem avanço nas pautas das reformas políticas, sendo exigida, desde ao menos a promulgação da Constituição de 1988, grau mínimo de alfabetizado para os postulantes a qualquer cargo eletivo no Brasil.

O que sofreu alteração na parte de características que não foram impactadas pelas alterações legais de maneira aparentemente mais significativa é o estado civil dos candidatos e candidatas, com aumentos sucessivos nos percentuais de solteiros e redução, em nível semelhante, nos índices de casados. Tal dado já havia despertado a atenção de Silva e Dantas (2016) que perceberam que o aumento do total e da proporcionalidade de mulheres em chapas proporcionais municipais trazia consigo uma alteração no padrão de distribuição do estado civil das candidaturas. Assim, indicam os autores, não há entre os homens uma alteração de tal característica, mas sim as mulheres atraídas para o processo eleitoral alteram, em medida digna de destaque, o perfil do volume geral de candidaturas nesse quesito.

Findada a análise da Tabela 1 é perceptível o diálogo dos resultados com as hipóteses lançadas. Ou seja, a contribuição deste trabalho, no entanto, não está em afirmar algo bastante esperado, mas sim em dimensionar o fenômeno com base na análise de 20 anos de alterações legais na seara eleitoral e os impactos observados, portanto, no perfil das candidaturas. Para complementar este cenário, se pode verificar na Tabela 2 que as variáveis analisadas com base nas candidaturas têm igual comportamento entre os eleitos.

Tabela 2
Características impactadas e não impactadas por alterações na Lei nos candidatos eleitos à Câmara dos Deputados (2002-2022)

Os dados da Tabela 2 foram igualmente divididos em dois conjuntos de variáveis: o primeiro composto por características que sofreram impacto de reformas políticas recentes e o segundo por aquelas que não passaram por alterações com base nos mesmos 20 anos atrelados à realização de seis pleitos para o cargo de deputado federal no Brasil.

Observando exclusivamente os postulantes eleitos, e mantido o total de 513 vagas para todo o período analisado, é possível notar que o percentual dos partidos existentes que conquistaram ao menos uma vaga de deputado federal cresceu de forma sistemática até 2014, caindo discretamente em 2018 e de forma mais acentuada em 2022. Parte de tal resultado pode estar atrelada às exigências mais expressivas para se eleger nomes em pleitos proporcionais, como por exemplo a necessidade de se atingir 10% do quociente eleitoral em votos nominais inaugurada pela lei 13.165/2015, que alterou o artigo oitavo do Código Eleitoral de 1965.

Ademais, às novas regras para participar da distribuição das sobras eleitorais, exigindo de cada partido uma votação somada equivalente a 80% do quociente eleitoral trazidas pela lei 14.211/2021, que tornou mais rígido o conjunto de critérios que havia sido estabelecido pela lei 13.488/2017, que, afinal, buscava arrefecer a ideia do QE como cláusula de barreira que vigia até então e foi, em parte, “substituído” pela cláusula de desempenho inaugurada pela Emenda Constitucional 97, sem impacto nos pleitos municipais e capaz de elevar de sobremaneira o total de partidos representados em alguns parlamentos locais.

Adicionalmente, parece relevante destacar que tal emenda à Constituição pode ter impactado não apenas a redução do percentual de legendas que conquistaram vagas na Câmara, que cai para 72% dos partidos existentes em 2022, bem como para a diminuição do total de legendas existentes, algo debatido na análise da Tabela 1. Se em 2018 tivemos 30 partidos elegendo deputados federais, a cláusula de desempenho e as permissividades legais fizeram com que alguns deles, casos de PPL e PC do B, e Patriota e PRP, por exemplo, se fundissem para atingir as exigências em termos de performance eleitoral – algo permitido pela lei 13.107/2015.

Em 2022, com exigências mais rígidas e sob o estímulo à fusão e mesmo à constituição de federações, termo trazido pela lei 14.208/2021 e por resoluções do TSE, um total de 23 partidos conquistaram vagas na Câmara, e posteriormente às eleições novas fusões e federações foram ensaiadas.

As novas regras também impactaram o percentual de deputados federais eleitos por média nos estados, uma vez que as exigências para performances coletivas e individuais, bem como o fim das coligações em pleitos proporcionais, elevaram as sobras de vagas para 25% em 2018 e 35% em 2022, ante algo entre 13% e 15% nos pleitos anteriores que não foram impactados pelas alterações nas normas. Por fim, é importante destacar o total de candidaturas eleitas em coligações. No período de 2002 a 2018 tal índice nunca ficou abaixo de 80%, indicando que de fato as legendas utilizavam largamente os acordos eleitorais formais como estratégia para a eleição. Em 2022, seguindo a lógica de proibição a tais acordos em regramentos já mencionados, o volume foi a 0%.

Num segundo bloco de características impactadas pelas leis e com a análise voltada aos 513 eleitos, o percentual de mulheres tem aumentado em ritmo inferior às exigências atreladas às candidaturas. Por este motivo, a Justiça Eleitoral tem lançado mão de campanhas publicitárias e exigências por vezes incorporadas às regras, que transcendam a ideia de um percentual mínimo de 30% de candidaturas e trafeguem no sentido de garantias de recursos financeiros partidários e espaços nos meios de comunicação para as candidaturas femininas de fato se elegerem. Ainda assim, se entre 2002 e 2022 o volume geral de candidaturas aumentou 125% e o de mulheres cresceu 590%, entre as eleitas o salto foi de apenas 116% em 20 anos, com 91 eleitas em 2022, o que equivale a 18% da Câmara, frente 42 deputadas em 2002. Em resumo, existe uma distância ainda bastante expressiva entre exigências legais para candidaturas e a conversão de tais estímulos em vagas efetivas dentro da Câmara dos Deputados.

O desafio em relação aos negros parece ser outro. As exigências legais são mais recentes e a coleta obrigatória desse dado, autodeclarado, é recente, datada apenas de 2014. Aqui, se o IBGE estimava em 2020 que a população de negros no Brasil era de 54%, em 2022 o percentual dessa população representada na Câmara atingia 47%, ante os 35% alcançados nas eleições de 2014 e de 2018. Tal número poderia ser visto positivamente em termos de representatividade, mas aqui, como observado anteriormente, o que impacta parece ser a questão de o candidato se autodeclarar a despeito de características que efetivamente o encaixem no universo dos negros.

Não é objetivo deste artigo entrar no debate sobre a melhor forma de se obter tal informação junto ao universo de candidaturas ou junto a qualquer coletivo da sociedade, mas é fato que por mais relevante e estimulante que seja a Emenda Constitucional 111, que faz com que votos para mulheres e negros sejam contabilizados em dobro até o pleito de 2030 para fins de distribuição de alguns recursos públicos destinados aos partidos políticos, no caso da autodeclaração de cor, tal medida pode ter inspirado fraudes. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, em matéria de 18 de agosto de 2022, um total de 33 deputados federais (6% da Câmara) eleitos em 2018 sob a autodeclaração de brancos, apareciam nos registros do Tribunal Superior Eleitoral em 2022 como negros. Já a Folha de S. Paulo, a partir do portal UOL, em material de 20 de novembro do mesmo ano, indicava que dos 513 parlamentares eleitos para a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e as Assembleias estaduais, 51%, ou 263, eram de fato negros de acordo com critérios técnicos adotados por uma banca de heteroidentificação racial.

Como parte das análises aqui propostas, resta a percepção sobre o segundo bloco de dados da Tabela 2, aqueles que não sofreram impactos das leis no período abordado para esta análise entre os eleitos. A média de idade ficou pouco acima daquela registrada pelos candidatos, oscilando de forma mínima entre 49 e 51 anos no período avaliado. O total de jovens eleitos, na mesma direção, não oscilou de forma expressiva, variando entre 2% e 4% no período, com algo entre 11 e 20 representantes.

Em relação ao estado civil, o argumento utilizado anteriormente associado a um volume maior de mulheres parece fazer sentido aqui, pois há discreto incremento de solteiros e pequena queda de casados, principalmente, a partir de 2018, quando o volume de mulheres cresce de forma mais intensa. Finalmente, por mais que ocorra uma redução de dez pontos percentuais no fato de o eleito ser natural de outro estado em relação ao local onde se elegeu no período estudado, de 29% em 2002 para 19% em 2022, não parece haver lógica social que explique de forma estruturada tal resultado, ao menos sem uma análise mais aprofundada de tal fenômeno, que pode merecer atenção em trabalhos futuros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alterações legais impactam no perfil das candidaturas, em maior medida e, no perfil dos candidatos, em menor intensidade. A revisão teórica apresentada no artigo apresenta os principais caminhos que a literatura tem percorrido no que diz respeito à atenção que deve ser dada em relação às instituições, sobretudo, as regras do processo político a fim de compreendermos de modo mais adequado o funcionamento da democracia no Brasil em diferentes dimensões. Em relação à dimensão eleitoral, especialmente o cargo representativo de deputado federal, sabe-se que as mudanças legais são centrais, mas era necessário dimensionar o volume dessas mudanças, cujos achados foram apresentados ao longo do artigo e os principais estão sintetizados abaixo.

No que se refere ao perfil dos candidatos é notório que as mudanças na lei apresentadas ao longo do texto trouxeram alterações em relação: ao total de candidaturas, ao total de partidos políticos na disputa, às candidaturas femininas, às candidaturas de pessoas negras e às candidaturas lançadas a partir de coligações. Nota-se nesse ponto o especial efeito da mudança quanta a necessidade de os partidos atingirem a cláusula de barreira (desde 2018) para continuarem acessando recursos fundamentais e, mais recentemente, a proibição das coligações nas eleições proporcionais a partir de 2022.

De modo geral, os dados apontam para o aumento na quantidade de candidaturas como resultado da estratégia das siglas para aumentarem as suas chances eleitorais. No acumulado da série (2002-2022) houve 24% de aumento nas candidaturas a deputado federal, sendo que o aumento a cada eleição é contínuo, exceto entre os pleitos de 2006 e 2010. Quanto às candidaturas de mulheres foi possível observar o efeito positivo da legislação no que toca à ampliação da participação, sobretudo mais recentemente com as alterações legais promovidas pela Emenda Constitucional 111, de setembro de 2021, uma vez que para fins de cálculos de recursos do Fundo Eleitoral os votos dados em mulheres e negros contam de forma dobrada até 2030. No caso das candidaturas dos negros o problema está relacionado à autoidentificação dos candidatos, nos quais é notória a mudança na declaração de cor por parte de candidatos os quais aparentemente buscam obter algum tipo de vantagem para os seus partidos à luz da legislação recente. Por fim, em relação ao perfil das candidaturas, um aspecto que não sofreu mudanças observáveis diz respeito à média de idade, na qual candidatos adultos mais velhos continuam sendo os que mais aparecem nas urnas em detrimento da baixa adesão dos mais jovens. Até o momento não há mudança legal em curso nesse aspecto, salvo campanhas de incentivo para que os jovens participem mais da política.

Portanto, em relação ao perfil das candidaturas, os partidos parecem aumentar a quantidade de candidatos como estratégia para se manterem competitivos e ampliar a sua presença nos territórios, além de responderem ao estímulo da legislação para ampliação da presença das mulheres e negros nos pleitos, embora haja problemas a esse respeito. Pesquisas futuras que contrastem tais dados descritivos com dinâmicas internas dos partidos podem ser muito profícuas para a identificação das características mais específicas dos impactos da legislação nas próprias organizações.

Já no que diz respeito ao perfil dos eleitos, os partidos ampliaram ao longo da série de seis pleitos observados a sua presença no Legislativo de modo sistemático até 2014. As quedas são notórias somente sob efeito de mudanças na legislação, de modo menos intenso em 2018, pleito em que ainda vigoraram as coligações eleitorais nas eleições proporcionais e, acentuadamente, em 2022. As exigências em relação ao cumprimento da cláusula de barreira bem como as alterações na quantidade mínima de votos para o candidato estar habilitado a ocupar uma cadeira são notadas aqui. Além das alterações relacionadas ao cálculo das sobras partidárias, em tese ampliando as chances de os partidos acessarem à representação, mas desde que selecionem candidatos com potencial eleitoral e a sigla performe de modo a atingir os 80% do valor do QE a partir de 2022.

Em relação às mulheres eleitas este é o grande desafio ainda observado. Embora a legislação tenha criado incentivo para o aumento na oferta de candidatas, apenas a regra não tem sido suficiente para a ampliação da representação na Câmara dos Deputados. Embora tenha aumentado a quantidade de mulheres no Legislativo, o percentual das eleitas ainda é tímido, o que tem levado o parlamento e a Justiça Eleitoral a lançar mão de outros estímulos, como garantias de recursos financeiros partidários e espaços nos meios de comunicação. Quanto às candidaturas de negros, o desafio está associado à autoidentificação, a qual tem dado margem à ocorrência de fraudes por parte de candidatos e siglas.

Por fim, o perfil dos eleitos apresenta uma Câmara dos Deputados, de modo geral, composta por homens, de meia idade, com discreto incremento de solteiros em meio à maioria de casados e, historicamente, com maior probabilidade de estar filiado a um partido de centro-direita ou direita.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2023
  • Aceito
    30 Dez 2023
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