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ENSINO ENCANTADO DE CIÊNCIAS: APORTES DECOLONIAIS DAS MACUMBAS E ENCRUZILHADAS

LA ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS ENCANTADA: APORTE DECOLONIAL DE MACUMBAS Y ENCRUCIJADA

RESUMO:

O conceito de colonialidade repercute a presença dos padrões racistas de poder do colonialismo na realidade contemporânea. Tendo por base a Epistemologia das Macumbas e a Pedagogia das Encruzilhadas - pensadas por Luiz Rufino e Luiz Antônio Simas -, propomos o ensino encantado de ciências: uma possibilidade de transgressão da colonialidade por meio do ensino de ciências. Primeiro, posicionamos a obra de Simas e Rufino dentro do pensamento decolonial. Em seguida, discutimos os fundamentos da Epistemologia das Macumbas e da Pedagogia das Encruzilhadas, com destaque para os conceitos de encantamento e cruzo. Como conclusão, propomos o ensino encantado de ciências como projeto pautado na crítica à ocidentalidade e na construção da interculturalidade a partir das macumbas brasileiras.

Palavras-chave:
decolonialidade; Epistemologia das Macumbas; Pedagogia das Encruzilhadas; ensino de ciências

RESUMEN:

El concepto de colonialidad refleja la presencia de los patrones de poder racistas del colonialismo en la realidad contemporánea. A partir de la Epistemología de las Macumbas y de la Pedagogía de las Encrucijadas en el pensamiento de Luiz Rufino y Luiz Antônio Simas, este estudio propone una enseñanza encantada de las ciencias, una posibilidad de transgresión de la colonialidad a través de la enseñanza de las Ciencias. Primero, se posiciona el trabajo de Simas y Rufino dentro del pensamiento decolonial, seguido de una discusión sobre los fundamentos de la Epistemología de las Macumbas y la Pedagogía de las Encrucijadas, centrándose en los conceptos de encantamiento y cruzo. El estudio concluye proponiendo la enseñanza encantada de las ciencias como un proyecto basado en una crítica a la occidentalidad y en la construcción de la interculturalidad a partir de las macumbas brasileñas.

Palabras clave:
Decolonialidad; epistemología de las macumbas; pedagogía de las encrucijadas; enseñanza de las ciencias

ABSTRACT:

coloniality is a concept that reflects colonialist power's racist patterns in contemporary context. Drawing on the Epistemology of the Brazilian Macumbas and the Pedagogy of Crossroads, formulated by Luiz Rufino and Luiz Antônio Simas, we advocate for an “enchanted” approach to science teaching: an opportunity to transcend coloniality through science education. Initially, we situate the works of the authors Simas and Rufino within decolonial thought. Subsequently, we explore the underpinnings of the Epistemology of the Brazilian Macumbas Practices and the Pedagogy of Crossroads, emphasizing the notions of “enchantment” and crossroads. We conclude the article by proposing a perspective called “enchanted” teaching of science based on critiquing western-centricity and fostering interculturality.

Keywords:
Decoloniality; Epistemology of Brazilian Macumbas; Pedagogy of the Crossroads; Science Teaching

INTRODUÇÃO

O sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo(Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino americanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005. p. 117-142.), em sua pesquisa sobre o regime de poder no mundo globalizado - em especial a posição ocupada pelos sujeitos latino-americanos -, aponta que a noção de raça é a base da classificação e da dominação sociais no capitalismo. Para o autor, ainda que a racialização tenha origem colonial, associado à divisão social do trabalho, o racismo segue pautando os regimes de poder mesmo após o fim do período histórico das colonizações. Quijano (2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo(Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino americanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005. p. 117-142.), então, propõe o conceito de “colonialidade do poder” para representar essa influência colonial sobre o regime de poder vigente. Mignolo (2020MIGNOLO, Walter. A geopolítica do conhecimento e a diferença colonial. Revista Lusófona de Educação, v. 48, p. 187-224, 2020. Disponível em: Disponível em: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/7324 . Acesso em:9 jul. 2022.
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) acrescenta que a perpetuação dessa diferença (colonial), baseada na racialização, implica, também, a perpetuação do silenciamento de saberes e existências não ocidentais em favor da narrativa eurocêntrica - fenômeno ligado aos conceitos de “colonialidade do saber” (Lander, 2005LANDER, Edgardo(Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 3-5.) e “colonialidade do ser” (Maldonado-Torres, 2007), respectivamente.

Tal silenciamento fica evidente quando Fanon (2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUFBA, 2008.) trata da educação nas Antilhas e de como ela contribuiu para que negros desprezem elementos que os identifiquem como negros e, ao mesmo tempo, assumam subjetividades e simbolismos brancos. De cenários como este emerge a discussão sobre pedagogias de caráter decolonial, o que Walsh, Oliveira e Candau (2018WALSH, Catherine; OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas educativas, v. 26, n. 83, p. 1-16, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.26.3874.
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, p. 5) definem como “trabalho de politização da ação pedagógica” para que esta se contraponha à “geopolítica hegemônica monocultural e monoracional”, trazendo à tona os saberes e experiências de populações colonizadas, isto é, a educação “que denuncia a violência também epistêmica e que pode gerar proposição de estratégias que nos levem a descolonizar nossos corpos e nossas práticas discursivas” (Miranda; Riascos, 2016MIRANDA, Claudia; RIASCOS, Fanny Milena Quiñones. Pedagogias decoloniais e interculturalidade: desafios para uma agenda educacional antirracista. Educ. Foco, v. 21, n. 3, p. 545-572, 2016. DOI: doi.org/10.22195/2447-524620162119866.
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, p. 570). Propomos, assim, a construção de uma interculturalidade crítica que questione a “racialização, subalternização, inferiorização e seus padrões de poder” (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria(Org.). Educação Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-41., p. 25).

No campo do ensino de ciências, embora recente, vem aumentando o número de trabalhos que compartilham desse objetivo decolonial (Silveira; Lourenço; Monteiro, 2021SILVEIRA, Bruna Pontes da; LOURENÇO, Julio Omar da Silva; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação decolonial: uma pauta emergente para o ensino de ciências e matemática. Cadernos CIMEAC, v. 11, n. 1, p. 50-73, 2021. DOI: doi.org/10.18554/cimeac.v11i1.5357.
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). São pesquisas que reconhecem, tanto na ciência quanto no ensino de ciências, sinais claros de colonialidade. Apontam que os métodos, os instrumentos, os conteúdos, enfim, toda a estrutura de pesquisa e ensino advém principalmente de referenciais eurocêntricos (Dutra; Castro; Monteiro, 2019DUTRA, Débora Santos de Andrade; CASTRO, Dominique Jacob F. de A.; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação em ciências e decolonialidade: em busca de caminhos outros. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.). Dado o prestígio da ciência na sociedade, produzir e ensinar ciência sob ideais coloniais oferece o risco de se reforçarem desigualdades, como, por exemplo, quando a ciência apoiou a eugenia, políticas econômicas predatórias, a patologização da homossexualidade, entre outros (Silveira; Lourenço; Monteiro, 2021MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón(Eds.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Iesco-Pensar-Siglo del Hombre, 2007. p. 127-167.).

Surgem, então, propostas que repensam as práticas escolares do ensino de ciências para dar protagonismo a sujeitos e saberes subalternizados pela colonialidade. Por exemplo, através da inclusão do conhecimento de grupos tradicionais no ensino - povos indígenas, remanescentes quilombolas e comunidades agrícolas, entre outros (Costa; Lisboa; Fonseca, 2019COSTA, Rute Ramos da Silva; LISBOA, Célia Maria Patriarca; FONSECA, Alexandre Brasil. “Café, farinha torrada e açúcar”: anúncios, denúncias e pronúncias de saperes. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.; Petri; Fonseca, 2019PETRI, Mariana; FONSECA, Alexandre Brasil. Outros saberes na/da Educação do Campo no Brasil: Reflexões para o Ensino de Ciências. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.; Rebello; Meirelles, 2022REBELLO, Thiago José Jesus; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de. Etnobotânica nas pesquisas em ensino e seu potencial pedagógico: Saber o quê? Saber de quem? Saber por que? Saber como?IENCI, v. 27, n. 1, p. 52-84, 2022. DOI: doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2022v27n1p52.
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); da quebra de estereótipos pela exaltação da contribuição de cientistas negros e negras à ciência (Barbozza; Schittini; Nascimento, 2018BARBOZA, Ana Caroline Maia; SCHITTINI, Bárbara Betuyaku; NASCIMENTO, Lia Midori Meyer. Quebrando estereótipos na sala de aula: Contribuições de cientistas negras para a Ciências. In: PINHEIRO, Bárbara Carine Soares; ROSA, Katemari(Orgs.). Descolonizando saberes: a Lei 10.639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2018.; Ribeiro; Pereira, 2018RIBEIRO, Fernanda de Jesus; PEREIRA, Letícia dos Santos. O legado de Percy Julian na Química: Uma proposta para o ensino de Química Orgânica. In: PINHEIRO, Bárbara Carine Soares; ROSA, Katemari(Orgs.). Descolonizando saberes: a Lei 10.639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Livraria da Física , 2018.); da discussão sobre injustiças sociais/raciais a partir de temas científicos - como a problematização da noção biológica de raça em favor de sua compreensão enquanto constructo social por meio do estudo sobre a melanina (Cardoso; Rosa, 2018CARDOSO, Silná Maria Batinga; ROSA, Isabela Santos Correia. A cor da sua pele faz alguma diferença? Uma proposta de ensino interdisciplinar antirracista a partir do estudo da melanina. In: PINHEIRO, Bárbara Carine Soares; ROSA, Katemari(Orgs.). Descolonizando saberes: a Lei 10.639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2018.) e o debate sobre o sofrimento psíquico da população negra encarcerada por meio do estudo sobre o uso e a ação de psicotrópicos (Jesus; Lima, 2018JESUS, Elisângela Gonçalves de; LIMA, Diego de Brito. O racismo estrutural tem remédio? Um enfoque interdisciplinar sobre o uso de psicotrópicos por mulheres negras encarceradas. In: PINHEIRO, Bárbara Carine Soares; ROSA, Katemari(Orgs.). Descolonizando saberes: a Lei 10.639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Livraria da Física , 2018.).

Aqui, procuramos configurar uma soma a esse universo de pesquisas sobre possibilidades decoloniais para o ensino de ciências. Em especial, buscamos, na Epistemologia das Macumbas Brasileiras (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) e na Pedagogia das Encruzilhadas (Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.), os fundamentos para embasar nossa ideia de um ensino de ciências decolonial porque encantado. Começamos por posicionar a obra de Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino no pensamento decolonial; apresentamos então os principais aspectos da epistemologia e da pedagogia proposta pelos autores; e concluímos com a discussão sobre a possibilidade de um ensino encantado de ciências para a educação formal.

DECOLONIALIDADE EM LUIZ ANTÔNIO SIMAS E LUIZ RUFINO

Coerentes com os argumentos decoloniais, Simas e Rufino defendem que o domínio europeu sobre suas colônias não se limitou às relações comerciais, tendo também estabelecido uma agenda de submissão e controle sobre toda existência que lhe fosse alheia: “O colonialismo se edificou em detrimento daquilo que foi produzido como sendo o seu outro” (Simas; Rufino, 2018, p. 11). “Outro” era todo aquele que não fosse branco e europeu; uma ampla diversidade de povos e culturas reduzida à figura do sujeito sem alma, civilidade e humanidade (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Para Césaire (1978CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. 1. ed.Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978.), foi o discurso cristão que situava todo não cristão como selvagem que ofereceu sustentação ao colonialismo, repercutindo no cenário racista “cujas vítimas haviam de ser os índios, os amarelos e os negros” (p. 15).

No contrato social que a Europa impusera ao Novo Mundo, a violência era o mecanismo de gerenciamento da vida e das formas de existir do Outro. O ataque ao corpo físico por meio do extermínio era um elemento desse mecanismo, mas não o único. Isto porque, para construir a desumanização do Outro, “não basta matar, escravizar e humilhar [...] é preciso aniquilar” (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 53), e a aniquilação viria através da morte também no âmbito simbólico. Com tal intuito, o colonialismo teria estabelecido um regime de verdade que situa o conhecimento eurocentrado como único legítimo. De modo dicotômico e reducionista, todo saber estranho aos europeus e seus métodos modernos seria ilegítimo, errado e fantasioso.

Esse pensamento converge com Quijano (2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo(Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino americanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005. p. 117-142.), que relaciona o domínio europeu sobre o continente americano através da exploração compulsória da mão de obra racializada, com o controle sobre o comércio mundial e, consequentemente, o desenvolvimento da economia capitalista e da cultura moderna europeia como centro do sistema-mundo. Deslocar as existências não europeias para a periferia desse regime de poder (colonialidade do poder) exigiu subjugar suas culturas e saberes (colonialidade do saber), de modo que a modernidade europeia tivesse hegemonia sobre a subjetividade e a produção de conhecimento no mundo que se construía. Boaventura de Sousa Santos (1998SANTOS, Boaventura de Sousa. La globalización del derecho: los nuevos caminhos de la regulación y la emancipación. Bogotá: ILSA, 1998., p. 208, tradução nossa) chama epistemicídio a esse “processo político-cultural através do qual se mata ou destrói o conhecimento produzido por grupos sociais subordinados, como modo de manter ou aprofundar essa subordinação.”

A descredibilização do conhecimento ancestral e modos de saber, além de instaurar injustiças cognitivas, leva à escassez de experiências. Isso porque outros modos de ser no mundo, alicerçados no conhecimento ancestral, também são vítimas de subalternização e esquecimento. Aqueles que mantêm modos subalternizados de saber/ser têm sua existência negada; são lidos mais como “coisa” do que como “gente” (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.). Assim, com a existência imaterial comprometida, esses sujeitos sofreriam com um desvio existencial - ou ontológico -, que é retratado por Simas e Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) no conceito de carrego colonial: “O ser é produzido como não existente por ter suas referências de saber submetidas a uma condição de permanente descrédito, subalternidade e por ter sua enunciação interditada” (p. 21).

Fanon (2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUFBA, 2008.) já retratava a ideia de um desvio existencial que o branco europeu teria imposto aos outros povos, transportando-os para uma dimensão árida e estéril onde a plenitude de sua existência humana era negada: a zona do não ser. Influenciados por Fanon, Bernardino Costa (2016BERNARDINO-COSTA, Joaze. A prece de Frantz Fanon: Oh, meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!Civitas, v. 16, n. 3, p. 504-521, 2016. DOI: doi.org/10.15448/1984-7289.2016.3.22915.
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) e Weber e Medeiros (2020 WEBER Patrícia Amorim; MEDEIROS, Priscila Martins de. Sobre a zona de não-ser e o negro-tema: um debate acerca da produção do conhecimento a partir de Frantz Fanon e Guerreiro Ramos. Áskesis, v. 9, n. 1, p. 266-283, 2020. DOI: doi.org/10.46269/9120.467.
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) explicam que o discurso humanista toma o homem europeu como referência universal, refletindo o racismo da modernidade na concepção do que é ou não humano. Negavam-se aos colonizados o conhecimento, a subjetividade e a existência metafísica, restando-lhes apenas a materialidade do corpo. Maldonado-Torres (2007BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspóricos. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.) desenvolve a ideia de colonialidade do ser para dar conta dessa diferença sub-ontológica entre ser efetivo (homem branco europeu) e existências que estariam abaixo dele (sujeito racializado), espécie de (não)existência imposta pelo regime de poder e saber gestado no colonialismo.

Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.) afirmam, porém, que há frestas na existência imposta. Através delas, emergiriam espaços de negociação e resiliência a partir dos quais se poderiam inventar outros modos de ser no mundo, visando, inclusive, à reconstrução de identidades comunitárias desmontadas pela diáspora e pelo desvio ontológico. Esses modos outros de ser construídos na resiliência e na negociação seriam o que os autores chamam de culturas de fresta. Para eles, apesar da diáspora ter provocado um “rompimento irreparável de laços de pertencimento, a experiência de desterro forja uma espécie de transcultura de sobrevivência” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 50) que atravessa saberes, memórias e experiências e cria novas formas de usufruir da vida em comunidade. O samba seria um exemplo de cultura de fresta.

No contexto nacional, a partir da dinâmica de negociação no conflito, surgem tradições culturais que Simas e Rufino reúnem sob o título de macumbas brasileiras. Segundo os autores, embora hoje permeado pelos preconceitos do racismo religioso, o termo “macumba” seria o plural de kumba - o que, na língua quicongo, significaria “feiticeiro”, “encantador das palavras”, “poeta”. Em Fogo no mato - A ciência encantada das macumbas, no entanto, macumba seria tudo “aquilo que apresenta as marcas da diversidade de expressões subalternas” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 15). Para potencializar a vida, as macumbas reúnem saberes de etnias africanas, ameríndias e da norma ocidental, construindo “um complexo de saberes que forjam epistemologias próprias, cosmopolitas e pluriversais” (p. 27). Além da pluralidade, as macumbas também possuem a característica de serem culturas de síncope. Inspirada no termo musical, cultura de síncope trata das existências que “rompem constâncias, acham soluções imprevisíveis e criam maneiras imaginativas de se preencher o vazio, com corpo, vozes, cantos” (p. 19).

E é justamente a partir das macumbas brasileiras, enquanto culturas de fresta e de síncope, que Simas e Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) buscam o rompimento com o carrego colonial. Para eles, combater a colonialidade implica combater o ímpeto cristão-cartesiano de negar a existência e a legitimidade de outras perspectivas de mundo. Ao contrário, deve-se estabelecer que existem racionalidades além da razão moderna e que elas guardam consigo outros modos legítimos de ser e estar. Enrique Dussel (1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.), ao tratar da origem da modernidade enquanto encobrimento violento do Outro, já pontuava o diálogo na alteridade como premissa para a libertação dos sujeitos históricos excluídos. Na Filosofia da Libertação do autor, a razão não é limitadora, monológica, mas emancipadora, pois age para “estabelecer um diálogo, um discurso intersubjetivo com a razão do Outro, como razão alternativa” (Dussel, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993., p. 173).

Boaventura de Sousa Santos (2007SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estudos, n. 79, p. 71-94, 2007. DOI: doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004.
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) também segue nessa linha. Para superar as injustiças sociais, o autor propõe uma luta contra as injustiças cognitivas, o que passaria pela construção de um pensamento que superasse a cisão entre ocidente e não ocidente. O diálogo na alteridade aparece, então, na copresença dos sujeitos em uma ecologia de saberes, cenário em que saberes heterogêneos, em sua pluralidade e autonomia, interagem de forma sustentável e dinâmica. De modo correlato, Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.) defendem que o reposicionamento ontológico daqueles subalternizados requer de nós um reposicionamento epistemológico que credibilize os saberes e as formas de saber não ocidentais - como as macumbas brasileiras. A decolonialidade em suas obras reside em buscar, na resiliência das culturas de fresta, na pluralidade das macumbas e na liberdade criativa das síncopes, a força transgressora para promover a existência em diversidade.

CONHECIMENTO E A EPISTEMOLOGIA DAS MACUMBAS

“Caboclo é o termo que designa aqueles que dobraram a morte através do encanto” (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 9); “é aquilo que quiser ser, porque inventou a vida para além do desvio” (p. 10); é “ser em disponibilidade” (p. 12). Simas e Rufino (2018) partem da figura do caboclo na encantaria para estabelecer o conceito de encantamento. O fato de diferentes formas serem capazes de baixar como caboclo representaria a habilidade de se manter disponível à diversidade. Essa condição, de não se reduzir a uma única forma ou explicação, é o que chamam de encantamento. E tudo que existe no mundo pode ser encantado, inclusive o conhecimento.

Conhecimento encantado é aquele que resiste ao esquecimento e à imobilidade; que segue potente e dinâmico porque se reconhece inacabado e, logo, conserva-se aberto às possibilidades do mundo e da criatividade. Essa, porém, não é a condição do conhecimento moderno. Saberes perdem energia vital ao ignorarem a diversidade e a imprevisibilidade do mundo, cedendo ante o “fechamento das possibilidades, o esquecimento, a ausência de poder criativo, de produção renovável e de mobilidade” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 34). Esse estado de escassez e perda de potência, que por sua vez representaria o desencantamento, é para Simas e Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) fruto da morte simbólica pelo carrego colonial.

Oliveira (2012OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: educação e cultura afro-brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 28-47, 2012. DOI: doi.org/10.26512/resafe.v0i18.4456.
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) observa o desencantamento como limitação do potencial da realidade por ação da razão moderna; racionalidade pragmática e instrumentalista que sustenta os anseios capitalistas e utilitários. Para o autor, o cenário de desencanto explicita a necessidade de que seja adotada uma atitude frente à vida diferente daquela semeada pela modernidade. Nesse ponto, Oliveira (2012OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: educação e cultura afro-brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 28-47, 2012. DOI: doi.org/10.26512/resafe.v0i18.4456.
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) apresenta o encantamento como atitude fundamental de não se rejeitar a complexidade do mundo, ao contrário, de compreendê-lo como espaço de coexistência onde as diversas culturas produzem seus diversos mundos. Assim, tanto o caboclo de Simas e Rufino quanto Oliveira estendem o olhar para além das fronteiras criadas no humanismo iluminista - aquele que nega a alteridade em favor de padrões hierárquicos (Sodré, 2017Sodré, Muniz. Pensar nagô. Petrópolis: Vozes, 2017.), direcionando-o para onde as culturas se atravessam, para as encruzilhadas do mundo.

“A encruzilhada nos ensina que não há somente um caminho; a encruzilhada é campo de possibilidades” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 118). Na Epistemologia das Macumbas, a encruzilhada é o símbolo da prática do cruzo: ato de potencializar o saber a partir da constituição de zonas de contato entre conhecimentos. Admitindo a coexistência de diferentes cosmovisões, assumindo que nenhum aspecto da existência - o mundo, os seres, seus saberes e suas práticas - está acabado, o cruzo cria possibilidades e, com isso, produz encantamento. O conhecimento, antes desencantado, tem sua potência e mobilidade restituídas à medida que passa a negar qualquer pretensão universalista. Aqui, Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) destacam: negar a universalidade não é negar todo o cânone ocidental, mas transgredi-lo; cruzá-lo com saberes e presenças outras, fazendo surgir algo novo com dinamismo e vitalidade.

Esse outro horizonte epistemológico, que rasura a intransigência da razão moderna e restitui potência ao conhecimento, seria constituído a partir das frestas abertas pela sabedoria pluriversal das macumbas e, portanto, orientado pela ancestralidade de povos afrodescendentes (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.; Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Para Machado (2014MACHADO, Adilbênia Freire. Ancestralidade e encantamento como inspirações formativas: filosofia africana e práxis de libertação. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 51-64, 2014. DOI: doi.org/10.15603/2175-7747/pf.v6n2p51-64.
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, p. 58), ancestralidade é a “lógica que organiza o pensamento africano recriado em solo brasileiro, [...] que permite se pensar, refletir, recriar, criar e vivenciar continuamente uma cosmovisão africana.” Desse modo, não se trata nem de uma construção cultural exclusiva do Novo Mundo, nem de uma perpetuação atávica da cultura africana nas Américas (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: educação e cultura afro-brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 28-47, 2012. DOI: doi.org/10.26512/resafe.v0i18.4456.
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), mas de um princípio fundador que, enraizado na memória coletiva, mas sempre atualizado, permeia a cultura, a sabedoria e a identidade dos povos da diáspora (Machado, 2014MACHADO, Adilbênia Freire. Ancestralidade e encantamento como inspirações formativas: filosofia africana e práxis de libertação. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 51-64, 2014. DOI: doi.org/10.15603/2175-7747/pf.v6n2p51-64.
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).

Longe de ser apenas mais um traço cultural, a ancestralidade subsidiou, através dessas “memórias de outro tempo”, a reconstituição existencial dos sujeitos cuja existência foi violada pelo carrego colonial (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.). Ritos, mitos, músicas, cantos e danças afro-brasileiros compuseram, diante da política colonial de morte e esquecimento (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.), uma estratégia de sobrevivência que garantiu a continuidade no Brasil da cosmovisão africana e de seu modo acolhedor, holístico e ecológico de existir e produzir conhecimento (Osaniiyi, 2019OSANIIYI, Alexandre. Em torno de uma epistemologia preta. Exitus, v. 9, n. 4, p. 17-36, 2019. DOI: doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4ID1003.
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). Essa filosofia/epistemologia da ancestralidade é norteadora natural do cruzo porque não se limita, ao contrário, produz encantamento ao se lançar na construção de mundos e no diálogo entre eles, renegando qualquer pureza ou linearidade, convivendo com os paradoxos ao invés de resolvê-los (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: educação e cultura afro-brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 28-47, 2012. DOI: doi.org/10.26512/resafe.v0i18.4456.
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). Assim, conforme Machado (2014MACHADO, Adilbênia Freire. Ancestralidade e encantamento como inspirações formativas: filosofia africana e práxis de libertação. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 51-64, 2014. DOI: doi.org/10.15603/2175-7747/pf.v6n2p51-64.
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, p. 59), podemos dizer que a ancestralidade “é a forma enquanto o encantamento é o seu conteúdo.”

Sodré (2017Sodré, Muniz. Pensar nagô. Petrópolis: Vozes, 2017.) fala, então, de compor, a partir do modo afro de pensar, uma comunicação transcultural; “não um diálogo ‘entre’ formações que se pretendam verdadeiras e estanques, mas a lógica do trans ou do vaivém ‘através’ dos limiares do sentido, não uma filosofia de portas e sim de pontes [...] que abrem caminho para novos termos das disputas de sentido” (p. 22-23). A proposição de Sodré reforça um apontamento de Simas e Rufino: o cruzamento não implica apenas estabelecer contato entre diferentes. Isso fica claro quando os autores afirmam que o sincretismo entre orixás e santos católicos é mais do que justapor dois elementos de culturas distintas. Enquanto cruzo, o sincretismo cria um produto cultural terceiro, híbrido e interseccional, que não pode ser reduzido a um termo único: não é mais santo, nem orixá; “o que é cruzado é também transformado em outra coisa” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 69).

Os autores fundamentam este caráter do cruzo em Enugbarijó (Senhor da boca coletiva), face de Exu associada às transformações da vida, representada na figura da boca que tudo come: “Engole de um jeito e devolve de outro inferindo dinamismo [...]. Nesse sentido, engole-se o que for para restituir enquanto possibilidades” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 51). Na obra de Simas e Rufino, Exu também é a potência de criação e movimento que age nas transformações, colocando-se como “disponibilidade conceitual para pensar os seres e suas possibilidades de ‘vir a ser’” (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 34). Como Senhor da terceira cabaça (Igba Ketá) e Rei da encruzilhada de três caminhos (Obá Oritá Metá), Exu mostra o mundo como espaço das ambivalências e da pluralidade, não das certezas e dicotomias excludentes (Rufino, 2019). Sob o título de Senhor do poder mágico (Elegbara), Exu fomenta a imprevisibilidade e o dinamismo que instigam quebras normativas nas culturas de síncope (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.).

É importante destacar que a relevância das narrativas míticas de Exu na proposição epistemológica de Simas e Rufino não limita sua pertinência ao âmbito religioso. É o mito que, transmitido ao longo do tempo por meio dos costumes, rege e justifica a história (Hama; Ki-Zerbo, 2010HAMA, Boubou; KI-ZERBO, Joseph. Lugar da história na sociedade africana. In: KI-ZERBO, Joseph(Ed.). História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010. p. 23-36.). Vivo no imaginário social, o mito exerce “seus poderes de significação e ressignificação” (Osaniiyi, 2019OSANIIYI, Alexandre. Em torno de uma epistemologia preta. Exitus, v. 9, n. 4, p. 17-36, 2019. DOI: doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4ID1003.
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, p. 21), ensinando ao homem “seu lugar e papel no universo e revelando qual deve ser sua relação com o mundo” (Hampâté Bâ, 2010HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph(Ed.). História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO , 2010. p. 167-212., p. 184).

E o destaque dado a Exu não é sem motivo. No aspecto filosófico, Osaniiyi (2019OSANIIYI, Alexandre. Em torno de uma epistemologia preta. Exitus, v. 9, n. 4, p. 17-36, 2019. DOI: doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4ID1003.
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) afirma que são as ambiguidades do pensamento pautado em Exu que evocam a epistemologia encruzilhada, aberta a outros modos de ser e ao diálogo entre eles, que associamos à ancestralidade negra. Isso porque Exu seria aquele que confere dinamismo a toda existência ao promover o constante e transformador movimento de desorganizar para organizar e, então, desorganizar de novo. William (2019WILLIAM, Rodney. Apropriação cultural. São Paulo: Pólen, 2019.) traz Exu como Senhor da reciprocidade, da sociabilidade e, em especial, das relações de troca; e é justamente essa troca - dar, receber, devolver transformado - que Sodré (2017Sodré, Muniz. Pensar nagô. Petrópolis: Vozes, 2017.) situa como base de seu comunicar transcultural.

Fundamentado em Exu, o cruzo nutre-se dos saberes e fazeres das práticas cotidianas. Isso pressupõe credibilizar o cotidiano como espaço/tempo de produção de conhecimentos não somente através do acúmulo de informação, mas também de experiências. Descentra-se a lógica que legitima o saber a partir do esgotamento de explicações e abre-se espaço para a legitimação através da prática: um saber é legitimo se é, e permanece sendo, praticado (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.). Na ancestralidade, o saber “não é da ordem da escrita, daquilo que pode ser revelado por meio das palavras [...], mas tem a ver com uma ‘prática iniciática’ que atravessa todo o corpo” (Osaniiyi, 2019OSANIIYI, Alexandre. Em torno de uma epistemologia preta. Exitus, v. 9, n. 4, p. 17-36, 2019. DOI: doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4ID1003.
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, p. 28). Situa-se, então, o corpo como produtor de sentidos (Machado, 2014MACHADO, Adilbênia Freire. Ancestralidade e encantamento como inspirações formativas: filosofia africana e práxis de libertação. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 51-64, 2014. DOI: doi.org/10.15603/2175-7747/pf.v6n2p51-64.
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), pois, mais que aparato físico, o corpo é potência de experimentação do mundo (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.). Na Epistemologia das Macumbas, corpo e mente não se separam; “pensar” e “sentir” constroem a razão analítica e encantada (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.).

EDUCAÇÃO E A PEDAGOGIA DAS ENCRUZILHADAS

Para Rufino (2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.), a educação brasileira colaborou e permanece colaborando com o regime monorracional/monocultural que produz epistemicídio e desvio ontológico, forjando mentalidades incapazes de se inconformarem frente à desumanização dos povos, ao desencanto do conhecimento e a todas as injustiças sociais e cognitivas decorrentes desse cenário (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Então, fundamentado nos princípios epistemológicos, políticos e éticos das macumbas brasileiras, Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.) propõe a Pedagogia das Encruzilhadas como uma possibilidade de transgressão da colonialidade que enreda a educação escolar brasileira.

Sobre as bases ética e política

A Pedagogia das Encruzilhadas rompe com o regime monorracional/monocultural e em seu lugar estabelece um compromisso com a diversidade. Para Simas e Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.), comprometer-se com a vida em diversidade é uma prerrogativa para o despacho do carrego colonial. Esse compromisso começa ao se conceber a própria educação como fruto da diversidade de formas de ser/saber no mundo e, portanto, um fenômeno essencialmente humano. Aceitar a educação como elemento da humanidade, por sua vez, implica a necessidade de uma ética (Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.), isto é, de um senso de responsabilidade que guie o sujeito a se comprometer com o outro e com as consequências de suas ações (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.).

Na Pedagogia das Encruzilhadas, essa ética trata de estar disponível ao diferente e atento a injustiças sociais e cognitivas, de modo a incitar ações que se oponham ao desvio existencial (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.). Trata-se, portanto, de uma posição contracolonial, na medida em que promove um deslocamento da ética ocidental centrada no indivíduo para uma ética referenciada no Outro, giro ético que remete às filosofias de Emmanuel Lévinas e Enrique Dussel. Embora partindo de lugares diferentes, ambos os autores denunciam a falência da ética racionalista e antropocêntrica da modernidade. Afirmam que esta foi responsável por gerar a moralidade egocêntrica e a ontologia do Mesmo, que conduziram o ser humano ao fechamento em si, negando a abertura para o Outro. Esse modelo ético estaria, então, falido porque encaminhara a humanidade para um cenário de guerras mundiais, miséria, destruição da natureza e toda sorte de desrespeito aos direitos humanos. Em contraposição a esse marco da ocidentalidade, Lévinas defende o resgate da alteridade do Outro, o que, na filosofia da libertação de Dussel, repercute em uma ética da responsabilidade com pobres, excluídos e injustiçados (Batista, 2008BATISTA, João Bosco. O desejo: giro ético no conceito de liberdade em Lévinas.Estudos Filosóficos, n. 1, p. 84-99, 2008. Disponível em: Disponível em: http://seer.ufsj.edu.br/estudosfilosoficos/article/view/2419 . Acesso em:15 maio 2023.
http://seer.ufsj.edu.br/estudosfilosofic...
; Silva, 2012SILVA, José Vicente Medeiros da. Ética material da vida e responsabilidade pelo outro em Enrique Dussel. 2012. 190 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, João Pessoa. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/5606 . Acesso em:15 maio 2023.
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).

Discutir a dimensão ética da educação tem sido necessário diante da hegemonia que o Mercado alcançou com o encolhimento do Estado pelas políticas neoliberais. Globalizado, o Mercado impôs modelos homogêneos de economia e cultura ao mundo, submetendo a diversidade de formas ancestrais de produção da vida à lógica do lucro e da produtividade (Casali, 2007CASALI, Alípio. Ética e educação: referências críticas. Revista de Educação PUC-Campinas, n. 22, p. 75-88, 2007. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/reveducacao/article/view/195 . Acesso em:9 jul. 2022.
http://periodicos.puc-campinas.edu.br/re...
). Tal conjuntura reforça o modelo educacional hegemônico, comprometido com a formação meramente instrumental exigida pelo capitalismo e com os princípios pretensamente universais germinados na modernidade, amplificando a negação das subjetividades e da alteridade no âmbito pedagógico (Hermann, 2014HERMANN, Nadja. Ética & Educação: Outra sensibilidade. Belo Horizonte: Autêntica , 2014.). Mesmo com alcance limitado, torna-se eticamente imperativo que a educação e o educador tentem contribuir para a mudança desse cenário. Os conteúdos, métodos e meios de ensino devem estar comprometidos com a criação, a reprodução e o desenvolvimento da vida em diversidade (Casali, 2007CASALI, Alípio. Ética e educação: referências críticas. Revista de Educação PUC-Campinas, n. 22, p. 75-88, 2007. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/reveducacao/article/view/195 . Acesso em:9 jul. 2022.
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).

Decorre dessa ética, então, invariável tomada de posição contra o racismo. Se “o estatuto de humanidade empregado ao longo do processo civilizatório colonial europeu no mundo é fundamentado na destruição dos seres não brancos” (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019., p. 9), torna-se inviável pensar decolonialidade sem antirracismo. O compromisso com a preservação da vida em diversidade depende do alinhamento à luta antirracista. É preciso que a educação atue para colocar em debate as marcas veladas do racismo sobre as práticas sociais, inclusive relativas às ciências e aos currículos (Oliveira; Candau, 2010OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no brasil. Educação em Revista, v. 26, n. 1, p. 15-40, 2010. DOI: doi.org/10.1590/S0102-46982010000100002.
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).

Uma análise histórica das Ciências Biológicas revela o quanto cientistas contribuíram para o discurso de segregação e hierarquização racial da diversidade humana. Gould (1978GOULD, Stephen Jay. Morton’s Ranking of Races by Cranial Capacity: Unconscious manipulation of data may be a scientific norm. Science, v. 200, n. 4341, p. 503-509, 1978. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1746562 . Acesso em: 15 maio 2023.
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), por exemplo, revisitou o trabalho do médico e cientista Samuel Morton no século XIX sobre o tamanho dos crânios humanos. Morton afirmava que o volume craniano superior sustentaria a superioridade de brancos sobre indígenas e destes sobre negros - argumento que alcançou grande capilaridade. Gould, no entanto, aponta que Morton distorcera métodos, dados e análises para que os resultados embasassem seu discurso racista. Mais recentemente, Mitchell (2018MITCHELL, Paul Wolff. The fault in his seeds: Lost notes to the case of bias in Samuel George Morton's cranial race science. PLoS Biol., v. 16, n. 10, p. 1-16, 2018. DOI: doi.org/10.1371/journal.pbio.2007008.
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), embora aponte problemas em certos pontos do trabalho de Gould, concorda que o estudo de Morton fora influenciado pelo contexto escravocrata e colonialista da época.

Urge que o ensino de ciências possibilite revelar e combater essa e toda forma de racismo, ainda que isso desafie normas curriculares da disciplina (Selles; Ayres; Benvenuto, 2021SELLES, Sandra Escovedo; AYRES, Ana Cléa Moreira; BENVENUTO, Fabiana. O corpo negro não tem nome: enfrentando o racismo no currículo de Ciências. Cadernos CIMEAC, v. 11, n. 1, p. 192-219, 2021. DOI: doi.org/10.18554/cimeac.v11i1.5275.
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). Com efeito, “aprender para além do paradigma dominante” que sustenta o racismo e a colonialidade é parte central do projeto educacional de Simas e Rufino (2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 54). Na Pedagogia das Encruzilhadas, em especial, fala-se de três ações políticas na educação: a transgressão, a transformação e a emancipação. A transgressão do cânone ocidental na direção da diversidade de seres e saberes conduziria à deseducação do sujeito enquanto indivíduo moderno - egocentrado e autolimitado. A deseducação, por sua vez, daria margem para a afirmação do compromisso com o Outro e a consequente sensibilização ante o carrego colonial. Fomentar-se-ia, assim, o desejo de transformação da realidade social em favor de existências emancipadas, livres “do cárcere racial, do desvio e das injustiças cognitivas” (Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 11).

Autores críticos têm proposto que, para transformar a sociedade na direção da efetiva emancipação humana, a educação deve elucidar a dominação e a alienação sociais, ajudando a formar uma consciência crítica revolucionária (Ambrosini, 2012AMBROSINI, Tiago Felipe. Educação e emancipação humana: uma fundamentação filosófica. Revista HISTEDBR On-line, n. 47, p. 378-391, 2012. DOI: https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640058.
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; Lima, 2016LIMA, Fernanda Bartoly Gonçalves de. Liberdade, transformação, emancipação: qual o fim da educação? Revista HISTEDBR On-line, n. 70, p. 335-358, 2016. DOI: doi.org/10.20396/rho.v16i70.8645333.
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). Tal posição guarda afinidade com aquela defendida por Simas e Rufino acerca da emancipação e da transformação social em seu projeto pedagógico, mas é ao movimento de transgressão que os autores mais se dedicam. A transgressão, marca das pedagogias decoloniais (Mota Neto, 2018MOTA NETO, João Colares da. Paulo Freire e Orlando Fals Borda na genealogia da pedagogia decolonial latino-americana. FOLIOS, n. 48, p. 3-13, 2018. DOI: doi.org/10.17227/folios.48-8131.
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), aparece na Pedagogia das Encruzilhadas com o caráter usual de insubordinação à colonialidade, mas é, ainda, potencializada como uma busca pela vitalização do mundo, o que passaria invariavelmente por seu encantamento (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.). Em um mundo vitalizado, onde a ética conduz à abertura para o Outro e ao senso de responsabilidade, sujeitos periféricos não mais estariam fechados em seus próprios grupos e existências, mas comporiam com outras coletividades subalternizadas a busca pela superação das injustiças.

Sobre os princípios teórico-metodológicos

Para se promover o encantamento indispensável à transgressão, pratica-se o cruzo como perspectiva teórico-metodológica da Pedagogia das Encruzilhadas. Atentemo-nos, porém: cruzo não é trocar um conhecimento pelo outro ou colocá-los lado a lado em uma síntese. O cruzo rompe com o binarismo, tecendo interculturalidades; “opera sem a pretensão de exterminar o outro com que se joga, mas de [...] atravessá-lo, adicioná-lo como acúmulo de força vital” (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019., p. 18). E é justamente como dinamizador de novas possibilidades que o cruzo consegue mobilizar axé1 1 Na obra de Simas e Rufino (2019, p. 89), axé é “uma energia vital - que reside em cada um, na coletividade, em objetos sagrados, alimentos, elementos da natureza, práticas rituais, na sacralização dos corpos pela dança, no diálogo dos corpos com o tambor e entre outras formas - que deve ser constantemente alimentada, restituída e trocada para que não disperse.” na direção do acúmulo de potência de vida e, assim, promover encantamento.

Contudo, encantar através do cruzo só é possível em um projeto pedagógico que se aceite inacabado e disponível ao imprevisível. É essencial que a educação se mantenha aberta às possibilidades, que abra mão de certezas (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Por isso, a dúvida exerce papel central na Pedagogia das Encruzilhadas, menos como “não saber” e mais como disponibilidade para as peripécias promotoras da invenção e de caminhos outros (Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Com a reivindicação permanente da dúvida, busca-se romper com a verdade única e pôr o sujeito em “condição tática de ignorância”, tornando-o disponível ao imprevisível. A dúvida nos deseduca “do cânone limitador para que tenhamos condições de ampliar os horizontes do mundo, nossos e das nossas alunas e alunos” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 19).

Embora a dúvida já exerça papel importante no ensino pautado pela ciência moderna, posto que o questionamento é etapa intrínseca a qualquer método científico, ela não deixa de ser um caminho para a verdade, uma certeza a se consolidar (Almeida, 2013ALMEIDA, Rogério de. Aprendizagem de desaprender: Machado de Assis e a pedagogia da escolha. Educação e Pesquisa(USP), v. 39, p. 1001-1016, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-97022013000400012.
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). Pedagogias que ambicionam abandonar a busca por verdades absolutas - como a Pedagogia das Encruzilhadas e, também, a Pedagogia Menor de Coppi (2021COPPI, Luiz Antônio Callegari. Uma pedagogia menor: reflexões sobre o acaso, a incerteza e o gesto de desmobilizar em Educação. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.) - precisam colocar-se indiferentes à certeza e à exatidão. Abdicando das verdades absolutas, abre-se caminho à diversidade de existências - que são caladas em prol de determinadas certezas. “Isso não significa um ceticismo total [...] que nos levasse a [...] uma normalização acrítica da enxurrada informativa e opinativa oriunda das tecnologias de informação” (Coppi, 2021COPPI, Luiz Antônio Callegari. Uma pedagogia menor: reflexões sobre o acaso, a incerteza e o gesto de desmobilizar em Educação. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021., p. 109).

Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 39) defendem que tal postura não se trata de relativismo, mas de “problematizar os regimes de verdade que são sempre mantidos e operados em detrimento das diversidades/possibilidades explicativas.” Boaventura de Sousa Santos, em entrevista para Manuel Tavares, já respondia a críticas semelhantes dizendo que sua proposta de pluralismo epistemológico não se enquadra no relativismo pós-moderno que, por vezes, nega o status da verdade (Tavares; Santos, 2007TAVARES, Manuel; SANTOS, Boaventura de Sousa. Em torno de um novo paradigma sócio-epistemológico: Manuel Tavares conversa com Boaventura de Sousa Santos. Revista Lusófona de Educação, v. 10, n. 10, p. 131-137, 2007. Disponível em: Disponível em: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/633 . Acesso em: 15 maio 2023.
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). De modo similar, abordando a abertura do ensino de ciências ao conhecimento etnobotânico, Rebello (2019REBELLO, Thiago José Jesus. As possibilidades do saber popular sobre plantas para o ensino crítico de botânica: o que revela a pesquisa em eventos acadêmicos?2019. 200 f. Dissertação (Mestrado em Ensino em Biociências e Saúde) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/37274 . Acesso em:9 jul. 2022.
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, p. 155) pontua que defender outros regimes de saber “não implica deslegitimar o papel da ciência na produção de conhecimento verificável, por exemplo, para orientação de políticas públicas.” Esta seria uma conduta temerária em tempo de fake news e pós-verdades. A intenção é “valorizar a capacidade do conhecimento tradicional, enquanto fruto da vivência ao longo de gerações sob uma determinada cultura, conseguir captar” (Rebello, 2019REBELLO, Thiago José Jesus. As possibilidades do saber popular sobre plantas para o ensino crítico de botânica: o que revela a pesquisa em eventos acadêmicos?2019. 200 f. Dissertação (Mestrado em Ensino em Biociências e Saúde) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/37274 . Acesso em:9 jul. 2022.
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, p.155) aspectos da realidade que o conhecimento científico não alcança. “Se eu quero ir à lua, necessito de conhecimento científico; mas se eu quero preservar a biodiversidade, preciso do conhecimento indígena e camponês” (Tavares; Santos, 2007TAVARES, Manuel; SANTOS, Boaventura de Sousa. Em torno de um novo paradigma sócio-epistemológico: Manuel Tavares conversa com Boaventura de Sousa Santos. Revista Lusófona de Educação, v. 10, n. 10, p. 131-137, 2007. Disponível em: Disponível em: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/633 . Acesso em: 15 maio 2023.
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, p. 134).

A Pedagogia das Encruzilhadas, ao conceber a educação como fenômeno humano, situa o processo de ensino-aprendizagem na interação com o outro e sua diversidade, isto é, nas oportunidades de elaboração e compartilhamento de sentidos entre sujeitos (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Desse modo, podemos afirmar que o diálogo é mais um princípio fundante da Pedagogia das Encruzilhadas. Autores influentes na pesquisa educacional - como M. Bakthin, L. Vygotsky e Merleau-Ponty - já destacam a interação com o outro como elemento essencial à produção e à disseminação do conhecimento (Guilherme; Morgan, 2020GUILHERME, Alexandre; MORGAN, W. John. Filosofia, diálogo e educação: nove filósofos europeus modernos. Brasília: Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade - Universidade Católica de Brasília, 2020.). No ensino de ciências, em especial, a incorporação do diálogo à prática docente viabilizaria um ambiente favorável à dúvida e à reflexão, estimulando o desenvolvimento de competências científicas (Villani; Pacca, 1997VILLANI, Alberto; PACCA, Jesuína Lopes de Almeida. Construtivismo, conhecimento científico e habilidade didática no ensino de ciências. Rev. Fac. Educ., v. 23, n. 1-2, 1997. DOI: doi.org/10.1590/S0102-25551997000100011.
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). O que Simas e Rufino (2019) ressaltam, no entanto, é que esse diálogo não pode ser uma interação estéril, descolada da realidade, mas associada ao exercício ético da vida; movimento constante de interpelar o outro e de responder a quem nos interpela.

Tal apontamento remete à percepção de Paulo Freire sobre o diálogo. Segundo Muraro (2015MURARO, Darcísio Natal. Criticidade e educação filosófica: a formação humana pelo diálogo e problematização. EccoS - Rev. Cient., n. 38, p. 59-73, 2015. DOI: doi.org/10.5585/eccos.n38.6032.
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), Freire vê a interação comunicativa entre sujeitos como um pressuposto epistemológico do conhecer, mas, também, como caminho para a humanização: “O diálogo é a ponte entre o ser inacabado e seu ser mais” (p. 66). O diálogo abre brecha, ainda, para a problematização da realidade. Se o conhecimento se constrói a partir das interpelações entre sujeitos, a partir delas é possível elaborar uma consciência crítica da existência. Freire (1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.) trata da importância de se reconhecerem os mecanismos de opressão que limitam a existência para que se elabore uma práxis libertadora: capacidade de “identificação, crítica e combate às formas cultivadas e mantidas sobre a lógica dominante” (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 29), que é valorizada no âmbito da Pedagogia das Encruzilhadas, ressaltando a criticidade como outro fundamento da proposta.

Sobre a abrangência epistemológica e a tessitura da interculturalidade

O conhecimento ocidental é a certeza normativa, e só a ele a escola moderna se dedica. Através do controle, a educação enquadra como errada qualquer possibilidade de saber que esteja fora do espectro ocidental. Somos ensinados, inclusive, a reproduzir mecanismos de regulação que operam justamente para legitimar apenas o conhecimento produzido pela ciência moderna (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Exemplo disso seria o ensino de ciências que, por décadas, pouco se importou com conhecimentos prévios do aluno e seu arcabouço cultural; o foco era convencer o aluno de que o único modo de produzir conhecimento legítimo seria o método da ciência moderna: “observar, definir problemas e procurar meios para solucioná-los, interpretar dados, formular generalizações” (Baptista, 2010BAPTISTA, Geilsa Costa Santos. Importância da demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades tradicionais. Ciência & Educação, v. 16, n. 3, p. 679-694, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S1516-73132010000300012.
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, p. 684).

Já a Pedagogia das Encruzilhadas, na medida em que reconhece a dimensão pluriversal do conhecimento, incita a ampliação do repertório epistemológico (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.). Visando a transgredir o regime que hierarquiza saberes, retira-se o status de superioridade e pureza do conhecimento científico para atravessá-lo a modos de conhecer subalternizados. Isto não significa opor-se à ciência, mas implica o estabelecimento de um modelo epistemológico que cruze diferentes saberes e modos de saber. Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do sul, n. 1, v. 1, p. 12-32, 2017. Disponível em: Disponível em: http://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772 . Acesso em:9 jul. 2022.
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) relaciona essa desobediência epistêmica à ideia de pensamento fronteiriço - “pensar na exterioridade, nos espaços e tempos que a autonarrativa da modernidade inventou como seu exterior” (p. 30) -, e é nas zonas fronteiriças criadas pelo cruzo - tempos/espaços de inteligibilidade mútua, alteridade, coexistência e diálogo - que se encontra a potência da Pedagogia das Encruzilhadas.

A intenção de abrir o espaço educacional a saberes que tradicionalmente não circulam nos redutos da modernidade remete ao debate sobre multiculturalismo. Silva e Brandim (2008SILVA, Maria José Albuquerque da; BRANDIM, Maria Rejane Lima. Multiculturalismo e educação: em defesa da diversidade cultural. Diversa, ano 1, n. 1, p. 51-66, 2008. Disponível em: Disponível em: http://docplayer.com.br/7273636-Multiculturalismo-e-educacao-em-defesa-da-diversidade-cultural-maria-jose-albuquerque-da-silva-e-maria-rejane-lima-brandim-resumo.html . Acesso em:9 jul. 2022.
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) situam a origem do multiculturalismo nas lutas por igualdade racial que passaram a questionar a influência do racismo em questões sociais, políticas e culturais. No campo pedagógico, esse debate gera trabalhos que se ocupam da relação entre educação, diversidade cultural e desigualdade, pressionando as políticas curriculares desde o fim do século XX (Canen, 2000CANEN, Ana. Educação multicultural, identidade nacional e pluralidade cultural: tensões e implicações curriculares. Cadernos de Pesquisa, n. 111, p. 135-149, 2000. DOI: doi.org/10.1590/S0100-15742000000300007.
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, 2014CANEN, Ana. Currículo para o desafio à xenofobia: algumas reflexões multiculturais na educação. Conhecimento & Diversidade, n. 11, p. 89-98, 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.18316/1742.
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). É necessário salientar, no entanto, que sob a noção de multiculturalismo há posições divergentes. Candau (2008CANDAU, Vera Maria Ferrão. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 45-56, 2008. DOI: doi.org/10.1590/S1413-24782008000100005.
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), por exemplo, critica posturas assimilacionistas que buscam apenas inserir grupos marginalizados na cultura dominante. A autora, junto a Catherine Walsh, defende um multiculturalismo interativo (ou interculturalidade): a interação entre culturas como espaço de intercâmbio cultural, negociação de conflitos e construção de projetos comuns.

Ao propor cruzar epistemologias de culturas distintas, a Pedagogia das Encruzilhadas situa a si própria como fazer intercultural. Bastaria, então, unir saberes indígenas e afro-brasileiros a conteúdos científicos escolares? Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.) explicam que inserir saberes de culturas subalternizadas nos currículos não garante encantamento. Se a educação for normativa e padronizadora, conduzindo os modos de vida e reproduzindo os valores hegemônicos, todo potencial inventivo, transgressor e libertador do cruzo será reprimido. O relato de um mestre, convidado para ensinar jongo, corrobora o alerta: “A escola já tinha planos para mim e quis me colocar um bocado de tempo em cada sala de aula, como fazem com os outros professores diplomados. E aí eu te pergunto, como se faz um negócio que é redondo em um lugar que é quadrado?” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 75-76).

A oposição simbólica entre o quadrado da educação e o redondo da cultura ilustra a dificuldade de conexão entre essas dimensões da realidade. Mesmo quando saberes tradicionais chegam à escola, afirmam Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.), é comum que sejam abordados de forma superficial, sem que se procure, a partir das lendas e mitos, alcançar a complexidade do sentir-fazer-pensar dessas comunidades. O pensamento ocidental, no esteio da ciência moderna, segue como referencial de legitimação dos saberes, das cosmovisões e da própria realidade. A interação é hierarquizada, negando a sofisticação de culturas subalternizadas para tratá-las como peculiaridades folclóricas. Nota semelhante é feita por Abib (2006BIB, Pedro Rodolpho Jungers. Cultura popular, educação e lazer: uma abordagem sobre a capoeira e o samba. Práxis Educativa, v. 1, n. 1, p. 58-66, 2006. Disponível em: Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/245 . Acesso em:9 jul. 2022.
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, p. 65): “A forma ‘folclorizada’ como [...] são retratadas as manifestações da nossa cultura popular [...] é um exemplo claro sobre os preconceitos que persistem [...], herança de uma racionalidade eurocêntrica, que influencia ainda, a maioria dos programas formais de educação.”

A referência aqui não é ao folclore estritamente como estudo das tradições populares, mas como alienação da identidade do Outro através da redução a estereótipos. Leite (1999LEITE, Ilka Boaventura. Quilombos e quilombolas: cidadania ou folclorização?. Horizontes Antropológicos, ano 5, n. 10, p. 123-149, 1999. DOI: doi.org/10.1590/S0104-71831999000100006.
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) fala da folclorização como “simplificação através da eleição de certos estereótipos para fins de exploração” (p. 125), estratégia que reduz ao exótico para desqualificar, “fazer desaparecer os sujeitos históricos de carne e osso enquanto pleiteantes de um direito” (p. 126). Na pesquisa educacional, a folclorização aparece enquanto crítica ao modo como culturas não hegemônicas são inseridas no ensino que se pretende multicultural. Critica-se, por exemplo, que essas culturas sejam mencionadas só em datas simbólicas (Gonçalves; Pereira, 2013GONÇALVES, Maria Alice Rezende; PEREIRA, Vinícius Oliveira. O contexto histórico das políticas racializadas e a emergência de novas etnicidades e a emergência do discurso “racializado” no sistema de ensino: As possibilidades e desafios da Lei 10 639/03. Revista Teias, v. 14, n. 34, p. 33-48, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24346/17324 . Acesso em:9 jul. 2022.
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.p...
); estereotipadas como “subculturas” exóticas de povos primitivos (Santana; Baibich-Faria; Pessoa, 2010SANTANA, Jair; BAIBICH-FARIA, Tânia Maria; PESSOA, Claudemir Figueiredo. A lei n.º 10.639/03 e a folclorização racista. Revista Eletrônica Pesquiseduca, v. 2, n. 3, p. 75-96, 2010. Disponível em: periodicos.unisantos.br/pesquiseduca/article/view/78. Acesso em:9 jul. 2022.; Silva, 2015SILVA, Edson. Os povos indígenas e o ensino: possibilidades, desafios e impasses a partir da Lei 11.645/2008. In: FERREIRA, Gilberto Geraldo; SILVA, Edson Hely; BARBALHO, José Ivamilson Silva. (Orgs.). Educação e diversidade: um diálogo necessário na Educação Básica. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 161-180.); cristalizadas em uma ideia de essência pura e imutável (Gomes, 2003GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasileira de Educação, n. 23, 2003. DOI: doi.org/10.1590/S1413-24782003000200006.
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). Condutas reducionistas que, segundo Goiz (2017GOIZ, Juliana de Almeida Martins. Educação para as relações étnico-raciais no currículo de História do estado de São Paulo no ensino fundamental II: espaços de disputa e resistência. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Santo Amaro, São Paulo, 2017. Disponível em: Disponível em: http://dspace.unisa.br/handle/123456789/175 . Acesso em: 9 jul. 2022.
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), só reforçam o mito da democracia racial.

Para Canen, evitar que a educação multicultural essencialize a diversidade étnico-racial requer “tomar o preconceito contra aquele percebido como ‘o outro’ como seu principal eixo” (Canen, 2014CANEN, Ana. Educação multicultural, identidade nacional e pluralidade cultural: tensões e implicações curriculares. Cadernos de Pesquisa, n. 111, p. 135-149, 2000. DOI: doi.org/10.1590/S0100-15742000000300007.
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, p. 93). Além de combater narrativas discriminatórias, devemos trabalhar para que a identidade racial não seja tratada como algo fixo e homogêneo. A autora sugere utilizar o “conhecimento de ritos, receitas, festas e outros marcadores culturais que distinguem diversas identidades étnico-raciais marginalizadas” (p. 92) para não reduzir a pluralidade cultural a um Outro genérico. É preciso dar espaço para que as identidades sejam representadas por seus próprios sujeitos, tendo protagonismo para compartilhar “suas experiências de vida, narrativas e expressões socioculturais” (Silva, 2015SILVA, Edson. Os povos indígenas e o ensino: possibilidades, desafios e impasses a partir da Lei 11.645/2008. In: FERREIRA, Gilberto Geraldo; SILVA, Edson Hely; BARBALHO, José Ivamilson Silva. (Orgs.). Educação e diversidade: um diálogo necessário na Educação Básica. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 161-180., p. 11). Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.) defendem que a educação deva permitir que o caráter transgressor das culturas de síncope e de fresta estimule a transgressão no fazer pedagógico, que se deixe afetar pelo outro, fazendo a interculturalidade mais como vivência compartilhada do que apenas como um exercício de explicação do outro.

Sobre a abrangência epistemológica e o compromisso ontológico

Ao credibilizar saberes e culturas subalternizados, para além da questão epistemológica estrita, o cruzo atua também na reconstituição existencial ante o carrego colonial. Parte-se da premissa de que a existência é condição para o saber e, nesse sentido, seria impossível dissociar a credibilização de saberes subalternizados da credibilização das existências subalternizadas que os construíram. Há, logo, compromisso ontológico no reposicionamento epistemológico da Pedagogia das Encruzilhadas, que, ao reconhecer caráter étnico-racial na questão do conhecimento, busca combater o racismo epistemológico e promover o reposicionamento histórico do Outro racializado. A ideia é que o resgate da memória e da ancestralidade combate o esquecimento desencantador e fornece subsídios para que aqueles que tiveram sua existência destituída pela colonialidade se reconstituam como seres emancipados (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.).

A Pedagogia das Encruzilhadas busca, então, contrapor o colonialismo, que moveu os povos não ocidentais - notadamente os de origem africana - para a esterilidade epistemológica e ontológica da zona do não ser (Fanon, 2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUFBA, 2008.). Dantas e Silva (2016DANTAS, Luís Thiago Freire; SILVA, Roberto Jardim da. O estatuto ontológico e epistemológico africano em Towa e Obenga. Revista da ABPN, v. 8, n. 20, p. 39-56, 2016. Disponível em: abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/7. Acesso em:9 jul. 2022.) revelam que a produção filosófica africana posterior às lutas por independência no continente compartilhava dessa mesma meta: “reencontrar seu lugar no mundo enquanto sujeitos da intelectualidade”, “seu lugar de fala (epistemológico) e da sua autoestima (ontológico) no mundo moderno” (p. 47). Citam o empenho de Marcien Towa em criticar o monopólio da Grécia Antiga e seus “herdeiros modernos” sobre a Filosofia e o de Théophile Obenga em divulgar saberes - físicos, matemáticos, astronômicos, filosóficos - produzidos no Egito Antigo. Esforços que se somam à determinação legal de inserir histórias e culturas afro-brasileiras, africanas e indígenas na educação brasileira (Brasil, 2008BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em: Disponível em: http://tinyurl.com/y6yc93yu . Acesso em:12 set. 2021.
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), fortalecendo a disputa da educação antirracista (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Educação Antirracista: tensões e desafios para o ensino de sociologia. Educação & Realidade, v. 39, n. 1, p. 81-98, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/j/edreal/a/fBVxRfkk5pqpzxLqr5RcNxp/# . Acesso em:9 jul. 2022.
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).

Mas, para que a pluralidade epistemológica na escola reverbere no problema ontológico, Simas e Rufino propõem ampliar o debate educacional da dimensão do saber à dimensão do ser e do vir a ser. Isto é, a educação não deve ficar restrita a ensinar conteúdos, mas também envolver o “processo de tornar-se” (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 48), deve provocar os alunos “para outras formas de ser” (p. 31). Defendem que a educação fomente a sociabilidade dos sujeitos em um arcabouço de experiências que transite por modos outros de ser/saber. Candau (2012CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educ. Soc., v. 33, n. 118, p. 235-250, 2012. DOI: doi.org/10.1590/S0101-73302012000100015.
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) também pontua que, se preocupada em desconstruir discriminações, a educação, além de combater o caráter monocultural do currículo, deve estimular a construção de identidades culturais através da interação sistemática com diferentes sujeitos e comunidades, viabilizando acesso a outros modos de ser. Na Pedagogia das Encruzilhadas, experiências sociais são meios de comunicação e produção de saberes, memórias e afetos (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.).

Decorre dessa visão a valorização do cotidiano como motriz da educação que busca produzir encantamento. Nele, estariam imbricadas as presenças e saberes daqueles que dobram a escassez e inventam a vida em fartura: “diferentes modos de educação, gerados nas frestas e nas necessidades de invenção da vida cotidiana, evidenciam a potência dos saberes de mundo” (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 46). O próprio uso do conceito educação informal na pesquisa educacional já denota o valor formativo das experiências espontâneas na interação com a comunidade (Marandino, 2017MARANDINO, Martha. Faz sentido ainda propor a separação entre os termos educação formal, não formal e informal?. Ciênc. Educ., v. 23, n. 4, p. 811-816, 2017. DOI: doi.org/10.1590/1516-731320170030001.
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). Na educação intercultural, as vivências experimentadas no cotidiano são possibilidades de acessar a pluralidade cultural, ampliando o aprendizado e a sensibilidade (Candau, 2016CANDAU, Vera Maria Ferrão. Cotidiano escolar e práticas interculturais. Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 161, p. 802-820, 2016. Disponível em: Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/3455 . Acesso em: 9 jul. 2022.
http://publicacoes.fcc.org.br/cp/article...
). No cotidiano, vive-se a complexidade do mundo; a repetição da rotina e o desconhecido do imprevisto catalisam a aprendizagem (Carvalho; Fochi, 2017CARVALHO, Rodrigo Saballa; FOCHI, Paulo Sergio. Pedagogia do cotidiano: reivindicações do currículo para a formação de professores. Em Aberto, v. 30, n. 100, p. 23-42, 2017. DOI: doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.30i100.3498.
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). Afirmam Simas e Rufino (2019, p. 52): “se educa brincando na rua, virando bicho, rabiscando parede, sentindo dor, vontade e alegria. Se educa na festa, no barulho, na diferença.”

ENSINO ENCANTADO DE CIÊNCIAS: UMA IDEIA INACABADA

O reconhecimento da influência da colonialidade sobre a ciência e o ensino de ciências (Dutra; Castro; Monteiro, 2019DUTRA, Débora Santos de Andrade; CASTRO, Dominique Jacob F. de A.; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação em ciências e decolonialidade: em busca de caminhos outros. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.), bem como dos danos que uma ciência colonialista causa, têm motivado a busca por possibilidades decoloniais para o ensino de ciências (Silveira; Lourenço; Monteiro, 2021SILVEIRA, Bruna Pontes da; LOURENÇO, Julio Omar da Silva; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação decolonial: uma pauta emergente para o ensino de ciências e matemática. Cadernos CIMEAC, v. 11, n. 1, p. 50-73, 2021. DOI: doi.org/10.18554/cimeac.v11i1.5357.
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). De modo geral, fala-se em mudar a lógica educacional para construir um projeto pedagógico contra-hegemônico que denuncie as desigualdades causadas pela colonialidade. Trata-se de uma prática política que deve aprender e dialogar com aqueles que resistem às opressões, para que o próprio ensino possa confrontar o status quo e contribuir com a construção de caminhos para um mundo justo (Dutra; Castro; Monteiro, 2019DUTRA, Débora Santos de Andrade; CASTRO, Dominique Jacob F. de A.; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação em ciências e decolonialidade: em busca de caminhos outros. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.; Oliveira; Salgado, 2020OLIVEIRA, Roberto Dalmo V. L. de; SALGADO, Stephanie Di Chiara. A Educação em Direitos Humanos no Ensino de Ciências em interface com a teoria do Giro Decolonial: uma análise. Ensino Em Re-Vista, v. 27, n. 2, p. 698-726, 2020. DOI: doi.org/10.14393/ER-v27n2a2020-14.
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; Caurio; Cassiani; Giraldi, 2021CAURIO, Michel Soares; CASSIANI, Suzani; GIRALDI, Patrícia Montanari. O Sul enquanto horizonte epistemológico: da produção de conhecimentos às pedagogias decoloniais. REnBio, v. 14, n. 1, p. 680-699, 2021. DOI: doi.org/10.46667/renbio.v14i1.361.
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) - portanto, um ensino que não pode ser limitado pelo eurocentrismo (Barbara; Carneiro, 2020BARBARA, Ana Carolina; CARNEIRO, Luciana Cavalcante. Formação inicial de professores: proposta de uma prática pedagógica de ensino decolonial de ecologia. In: MORTARI, Claudia; WITTMANN, Luisa Tombini (Orgs.). Diálogos sensíveis: produção e circulação de saberes diversos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora, 2020. p. 33-48.; Araujo; Rocha; Vieira, 2021ARAÚJO, Bárbara Simões; ROCHA, Davi Maia; VIEIRA, Fábio Pessoa. Pensando num ensino de ciências decolonial a partir da poesia “Eu-mulher” de Conceição Evaristo. Filos. e Educ., v. 13, n. 1, p. 1917-1937, 2021. DOI: https://doi.org/10.20396/rfe.v13i1.8664162.
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; Caurio; Cassiani; Giraldi, 2021CAURIO, Michel Soares; CASSIANI, Suzani; GIRALDI, Patrícia Montanari. O Sul enquanto horizonte epistemológico: da produção de conhecimentos às pedagogias decoloniais. REnBio, v. 14, n. 1, p. 680-699, 2021. DOI: doi.org/10.46667/renbio.v14i1.361.
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). A Epistemologia das Macumbas e a Pedagogia das Encruzilhadas contribuem para esse objetivo:

Educação como levante/encantamento dos seres, como força vital e potência de transformação daqueles afetados pelo terror das injustiças cognitivas/sociais. Princípio e invocação de responsabilidade para com a vida em toda sua diversidade e como forma de “desaprendizagem” das investidas totalitárias empregadas pelo modelo de produção de escassez e morte (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019., p. 13).

Nessa encruzilhada entre as pedagogias decoloniais e as macumbas brasileiras, propomos o ensino encantado de ciências: um projeto que, na contramão da colonialidade, combate o desencanto moderno ao se comprometer com o inacabamento, a disponibilidade, o dinamismo e a vitalidade.

Uma premissa do ensino de ciências que se pretende encantando é confrontar a idealização do mundo moderno-capitalista, expondo suas crises e injustiças. É preciso trabalhar a leitura crítica dos sujeitos e estimular seu senso de ética para que sejam capazes de se inquietarem ante à desumanização de si e do Outro (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Para se contrapor à colonialidade, o ensino de ciências deve estar aberto a questões sociais, políticas e culturais - sobretudo se afetam o aluno (Nunes; Ribeiro, 2020NUNES, Pâmela Vieira; RIBEIRO, Simone. Um olhar decolonial no ensino de ciências: possíveis contribuições para o campo de estudos. In: MORTARI, Claudia; WITTMANN, Luisa Tombini (Orgs.). Diálogos sensíveis: produção e circulação de saberes diversos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora, 2020. p. 257-272.; Schlindwein; Padilha; Nascimento, 2020SCHLINDWEIN, Ana Lara; PADILHA, Raíza; NASCIMENTO, Carolina. Narrativas sobre território na educação em ciências: denúncias e anúncios, desde abaixo e a esquerda. In: MORTARI, Claudia; WITTMANN, Luisa Tombini(Orgs.). Diálogos sensíveis: produção e circulação de saberes diversos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora , 2020. p. 65-81.; Nunes; Giraldi; Cassiani, 2021NUNES, Pâmela Vieira; RIBEIRO, Simone. Um olhar decolonial no ensino de ciências: possíveis contribuições para o campo de estudos. In: MORTARI, Claudia; WITTMANN, Luisa Tombini (Orgs.). Diálogos sensíveis: produção e circulação de saberes diversos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora, 2020. p. 257-272.).

Um possível caminho para romper com o véu de civilidade e progresso de modernidade capitalista seria tratar de assuntos como: i) poluição, avanço sobre terras indígenas/quilombolas e degradação de áreas preservadas por agentes do agronegócio, da mineração e da indústria; ii) doenças negligenciadas e falta de moradia de qualidade, sobretudo com saneamento básico; iii) quais países e estratos da sociedade mais contribuem para os problemas ambientais e quais são mais afetados por eles; e iv) insegurança e falta de soberania alimentar; entre outros. Temas como estes - associados à crise socioambiental - são estratégicos por demonstrarem que o sistema capitalista produz degradação ambiental e desigualdade social (Silva; Gennari, 2020SILVA, Ana Carolina A. B. da; GENNARI, Adilson Marques. Destruição ambiental e desigualdade social: dois lados do mesmo processo de desenvolvimento capitalista. Revista Fim do Mundo, n. 2, p. 19-40, 2020. DOI: doi.org/10.36311/2675-3871.2020.v1n02.p19-40.
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).

O esforço decolonial também precisa alterar práticas que reforçam a exclusão de grupos subalternizados ao apagarem/deslegitimarem seus saberes e modos de saber (Caurio; Cassiani; Giraldi, 2021CAURIO, Michel Soares; CASSIANI, Suzani; GIRALDI, Patrícia Montanari. O Sul enquanto horizonte epistemológico: da produção de conhecimentos às pedagogias decoloniais. REnBio, v. 14, n. 1, p. 680-699, 2021. DOI: doi.org/10.46667/renbio.v14i1.361.
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). O monopólio da ciência moderna sobre a legitimidade do conhecimento reforça o desencanto (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.), e superá-lo, dando espaço para a dúvida, é uma meta do ensino encantado de ciências. Para isso, é importante trabalhar visões contemporâneas da Filosofia da Ciência que desconstroem o imaginário positivista responsável por situar o saber científico como fruto de um método único, objetivo e impessoal (Nouvel, 2013NOUVEL, Pascal. Filosofia das Ciências. Campinas: Papirus, 2013.). Também devemos evidenciar, conforme alerta a Sociologia da Ciência, que a ciência e a tecnologia são produtos socioculturais, retirando-lhes a áurea de neutralidade para evidenciar como influenciam e são influenciados pela sociedade (Chrispino, 2017CHRISPINO, Alvaro. Introdução aos enfoques CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade - na Educação e no Ensino. [s. l.]: Iberciencia, OEI, 2017. Disponível em: tinyurl.com/yjnue7fp. Acesso em:27 set. 2021.). Tal influência pode ser ilustrada pela História da Ciência tanto por momentos em que o discurso científico apoiou iniciativas discriminatórias - sobretudo racistas - quanto por situações em que a ciência moderna se apropriou do conhecimento produzido por grupos hoje subalternizados (Rosa; Alves-Brito; Pinheiro, 2020ROSA, Katemari; ALVES-BRITO, Alan; PINHEIRO, Bárbara Carine S. Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 37, n. 3, p. 1440-1468, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1440.
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). A decolonialidade requer mostrar que outras culturas também são produtoras de saber e contribuíram para o conhecimento científico contemporâneo (Barbara; Carneiro, 2020BARBARA, Ana Carolina; CARNEIRO, Luciana Cavalcante. Formação inicial de professores: proposta de uma prática pedagógica de ensino decolonial de ecologia. In: MORTARI, Claudia; WITTMANN, Luisa Tombini (Orgs.). Diálogos sensíveis: produção e circulação de saberes diversos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora, 2020. p. 33-48.; Araujo; Rocha; Vieira, 2021ARAÚJO, Bárbara Simões; ROCHA, Davi Maia; VIEIRA, Fábio Pessoa. Pensando num ensino de ciências decolonial a partir da poesia “Eu-mulher” de Conceição Evaristo. Filos. e Educ., v. 13, n. 1, p. 1917-1937, 2021. DOI: https://doi.org/10.20396/rfe.v13i1.8664162.
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; Caurio; Cassiani; Giraldi, 2021CAURIO, Michel Soares; CASSIANI, Suzani; GIRALDI, Patrícia Montanari. O Sul enquanto horizonte epistemológico: da produção de conhecimentos às pedagogias decoloniais. REnBio, v. 14, n. 1, p. 680-699, 2021. DOI: doi.org/10.46667/renbio.v14i1.361.
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).

Outro ponto do ensino encantado de ciências é a tessitura crítica da interculturalidade, remontando ao indicado por Candau (2008CANDAU, Vera Maria Ferrão. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 45-56, 2008. DOI: doi.org/10.1590/S1413-24782008000100005.
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) e Walsh (2009WALSH, Catherine. Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria(Org.). Educação Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-41.). Conforme as autoras, ao promover o diálogo entre grupos e culturas, não se pode perder de vista as relações de poder que agem sobre a realidade. Na proposta do ensino encantado de ciências, em especial, destaca-se a importância da problematização da sociedade capitalista e do monopólio da ciência como pressupostos para que a interculturalidade teça relações horizontais. O risco de que a interação entre culturas na escola seja hierarquizada sugere a necessidade de se retirar a ocidentalidade (o capitalismo, a modernidade, a ciência) de sua mítica posição de superioridade para que, então, a interculturalidade possa ser estabelecida. Deve-se respeitar a integralidade dessas culturas, abordá-las como visões complexas do mundo (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.). Desse modo, a interculturalidade poderá realizar sua potência de credibilizar modos outros de saber, ser e ver (n)o mundo, colaborando no resgate de populações subalternizadas como produtoras de conhecimento e de modos de vida legítimos - não exóticos ou folclóricos (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.).

O ensino encantado de ciência também não pode se limitar a tecer a interculturalidade a partir de tradições intocadas, como retratos romantizados do passado, pois isso seria uma contradição: algo preso no tempo não está aberto ao diálogo. Sem dinamismo, não há encantamento (Simas; Rufino, 2019SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula , 2019.). Ao contrário, o ensino encantado de ciências tem sua força-motriz no conhecimento produzido pelas macumbas brasileiras: uma variedade de expressões subalternas cujas raízes se encontram na memória da ancestralidade (remetendo a outras epistemologias, ontologias e cosmovisões), mas que, geradas nas frestas, em constante negociação com a opressão colonialista, produziram saberes plurais e cosmopolitas, cruzando influências africanas, ameríndias e europeias (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.).

A educação de viés multicultural poderia, então, liberar-se da busca folclorizante por culturas idealmente puras - isto é, livres de influências da modernidade - e, com ela, da noção essencializada do que é ser indígena, africano e afro-brasileiro. O ensino encantado de ciência promove a interculturalidade sem filtrar a cultura tradicional para selecionar nela apenas aquilo que seria essencialmente seu. Ao contrário, vê potencial epistemológico e pedagógico em suas encruzilhadas, onde diferentes mundos se cruzam. Essa postura amplia o alcance do diálogo para além das comunidades tradicionais no estrito sentido de sociedades isoladas, alcançando grupos com maior grau de hibridização cultural - até mesmo no contexto urbano. A partir das macumbas brasileiras, observamos chance de encantamento em todo lugar onde se inventa vida para transgredir a política colonialista de morte (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.).

Futata (2021FUTATA, Flavia Pimentel Lopes. Manifestações da cultura afrodiaspórica: um diálogo entre o tempo e os processos de transmissão de saberes. Pol. Cult. Rev., v. 14, n. 2, p. 184-196, 2021. DOI: doi.org/10.9771/pcr.v14i2.44210.
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) fala de diversas manifestações culturais - como a “capoeira, o congado, o boi, o jongo, o maracatu, o tambor de crioula” (p. 187) - que performam, no Brasil, uma cosmovisão africana entrecruzada com elementos indígenas e europeus. Valle e Conduru (2022VALLE, Arthur; CONDURU, Roberto. Artes e diáspora africana: conflitos, cânones, recomeços. Modos, v. 6, n. 1, p. 106-120, 2022. DOI: doi.org/10.20396/modos.v6i1.8667936.
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, p. 108), por sua vez, abordam uma produção artística que, “seja criticando as economias do comércio transatlântico de escravizados e os legados do colonialismo [...], seja celebrando as realizações culturais de matriz africana”, articula influências variadas em um processo complexo de criação diante da experiência da diáspora. O funk (Pereira, 2013PEREIRA, Réia Sílvia Gonçalves. “É som de preto e favelado”: o caráter diaspórico, global e local do funk. Dito Efeito, ano 4, v. 4, n. 5, p. 1-12, 2013. DOI: doi.org/10.3895/rde.v4n5.2150.
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), os blocos afros do carnaval baiano (Silva, 2018SILVA, Pamela Lacorte da. Diáspora africana no Brasil: A música negra como fruto de identidade. ÎANDÉ, v. 2, n. 1, p. 136-147, 2018. DOI: doi.org/10.36942/iande.v2i1.48.
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) e as escolas de samba (Santo, 2016SANTO, Spirito. Do samba ao funk do Jorjão: ritmos, mitos e ledos enganos no enredo de um samba chamado Brasil. Rio de Janeiro: Escola Sesc de Ensino Médio, 2016.) também podem ser mencionados como produções da história cultural brasileira gestadas nos atravessamentos da ancestralidade africana em solo brasileiro. No âmbito da religiosidade, candomblés, umbandas, santerías e vodus são exemplos de sociabilidades construídas na encruzilhada entre tradições de etnias da África, povos indígenas e colonizadores que atuam “não apenas de ritos ou dogmas, mas são fundamentais para o entendimento da própria construção subjetiva dos indivíduos” (Hortegas, 2020HORTEGAS, Monica Giraldo. Religiões Afrodiaspóricas na América Latina. Numen, v. 23, n. 2, p. 138-146, 2020. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.ufjf.br/index.php/numen/article/view/30447/22001 . Acesso em:15 maio 2023.
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, p. 145). Qualquer projeto brasileiro que pretenda se contrapor à colonialidade deve ter suas raízes nesses e em outros esforços de resistência e reexistência de populações afrodiaspóricas, africanas, indígenas e de países periféricos (Bernardino-Costa; Maldonado-Torres; Grosfoguel, 2018BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspóricos. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.).

Mas que elementos dessas culturas alcançariam a sala de aula dentro do objetivo de promover encantamento? No campo de pesquisa em ensino de ciência, são correntes trabalhos que, partindo do multiculturalismo (Rebello, 2019REBELLO, Thiago José Jesus. As possibilidades do saber popular sobre plantas para o ensino crítico de botânica: o que revela a pesquisa em eventos acadêmicos?2019. 200 f. Dissertação (Mestrado em Ensino em Biociências e Saúde) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/37274 . Acesso em:9 jul. 2022.
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) ou da decolonialidade (Silveira; Lourenço; Monteiro, 2021SILVEIRA, Bruna Pontes da; LOURENÇO, Julio Omar da Silva; MONTEIRO, Bruno Andrade Pinto. Educação decolonial: uma pauta emergente para o ensino de ciências e matemática. Cadernos CIMEAC, v. 11, n. 1, p. 50-73, 2021. DOI: doi.org/10.18554/cimeac.v11i1.5357.
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), falam da importância de saberes tradicionais e populares serem contemplados pela escola - algo que também é essencial ao ensino encantado. Porém, é preciso destacar que esse conhecimento não chega à educação formal para que seja validado pelo conhecimento científico (Caurio; Cassiani; Giraldi, 2021CAURIO, Michel Soares; CASSIANI, Suzani; GIRALDI, Patrícia Montanari. O Sul enquanto horizonte epistemológico: da produção de conhecimentos às pedagogias decoloniais. REnBio, v. 14, n. 1, p. 680-699, 2021. DOI: doi.org/10.46667/renbio.v14i1.361.
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); sua legitimidade não vem das explicações, vem da prática (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018.). Tampouco devemos ficar restritos a um olhar utilitário. É comum, por exemplo, que o conhecimento etnobotânico no ensino seja pensado como usos que povos tradicionais fazem das plantas. Essa abordagem traz o risco de se reduzir a complexidade da cultura do grupo e se distorcer sua visão de mundo para caber no utilitarismo da percepção ocidental sobre a natureza (Rebello, 2019REBELLO, Thiago José Jesus. As possibilidades do saber popular sobre plantas para o ensino crítico de botânica: o que revela a pesquisa em eventos acadêmicos?2019. 200 f. Dissertação (Mestrado em Ensino em Biociências e Saúde) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/37274 . Acesso em:9 jul. 2022.
http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/...
).

Tradicionalmente, cientistas alocados neste campo atuam como sujeitos que analisam um objeto do qual estão dissociados (natureza). Buscam, muitas vezes em ambiente controlado (laboratório), desconstruir a natureza para encontrar as leis gerais que a regem e, então, transcrevê-las em linguagem matemática. Nessa linha, questões inerentes à humanidade - como a cultura - não seriam do escopo das ciências naturais, posto que a humanidade seria ente à parte da natureza (Veltrone, 2013VELTRONE, Allan Rogério. O conceito de Natureza em diferentes ciências. 2013. 91 f. Dissertação (Mestrado em Ciências, Tecnologia e Sociedade) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. Disponível em: repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/1115. Acesso em:15 maio 2023.). Tanto as proposições decoloniais, como as cosmovisões de povos tradicionais incitam-nos a questionar essa cisão moderna entre natureza e cultura, deslocando a visão de “natureza como um domínio exterior e manejável, disponível para os humanos” (Süssekind, 2018SÜSSEKIND, Felipe. Natureza e Cultura: Sentidos da diversidade. Interseções, v. 20n. 1, p. 236-254, 2018. DOI: doi.org/10.12957/irei.2018.35915.
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, p. 244) para uma percepção muito mais fluida das relações entre o humano e o não humano, o natural e o cultural. O ensino de ciências compõe com esse giro conceitual que amplia a concepção de natureza e toma como objeto a realidade complexa. Nela, não é possível estabelecer fronteiras entre o humano e o natural. A humanidade existe como parte interdependente da natureza; e é, a partir da humanidade, que a natureza ganha sua existência simbólica:

A mata é morada, por lá vivem ancestrais encarnados em mangueiras, cipós e gameleiras. Nos olhos d’água repousam jovens moças, nas conchas e grãos de areia vadeiam meninos levados. Nas campinas e nos sertões correm homens valentes que tangem boiadas. As curas se dão por baforadas de fumaça pitadas nos cachimbos, por benzeduras com raminhos de arruda e rezas grifadas na semântica das rosários (Simas; Rufino, 2018SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula , 2018., p. 13).

O etnoconhecimento, então, deve chegar no ensino encantado de ciências não como informações isoladas acerca de determinado organismo ou território, mas como parte de uma rede de símbolos e narrativas que, em sua completude, repercute um modo de entender o mundo e de viver nele. Mitos, como referenciais para existência do homem em seu mundo (Hampâte Bâ, 2010), podem constituir caminhos pedagógicos; não tratados como discursos exóticos, mas, por exemplo, como base discursiva para modos outros de se relacionar com a natureza (Meneses, 2019MENESES, Maria Paula. Os desafios do Sul: Traduções interculturais e interpolíticas entre saberes multi-locais para amplificar a descolonização da educação. In: MONTEIRO, Bruno A. P. et al. Decolonialidades na educação em ciências. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física , 2019.). Assim, seria possível perceber que o “ecologismo” comumente atribuído a povos indígenas envolve não só saberes e técnicas, mas também cosmovisões próprias (Bédard, 2015BÉDARD, Leah. El ecologismo de la cosmovisión andina. TINKUY, n. 22, p. 116-125, 2015. Disponível em: Disponível em: http://tinkuy.umontreal.ca/wp-content/themes/dn-luis/assets/documents/Number%2022/B%c3%a9dard,%20L..pdf . Acesso em:9 jul. 2022.
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). O conceito de axé e sua dinâmica também é uma possibilidade de abordagem para a educação (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.), sobretudo para o ensino de ciências, já que permite trabalhar desde a ideia de inter-relação dentro de um ecossistema até noções de ética.

Reiteramos, no entanto, que não é necessário ficarmos restritos a mitos. O conhecimento das macumbas brasileiras está em saberes e técnicas, utensílios e ferramentas, adornos e trajes, práticas festivas e ritos sagrados. O essencial para o ensino encantado de ciências é que a abordagem desses elementos - e de todo arcabouço histórico, social e cultural que vem com eles - oportunize o cruzo (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.), o atravessamento das fronteiras entre os diferentes para criação de algo novo. O próprio cotidiano é reconhecido como uma potência educacional pela Pedagogia das Encruzilhadas, até porque o cruzo não se dá apenas entre saberes, mas também entre modos de vivenciar a realidade. Assim, no ensino encantado de ciências, tão importante quanto a diversidade de saberes é a diversidade de experiências. Proporcionar aos alunos, sobretudo de forma lúdica, a transgressão de sua vivência do tempo e dos espaços a partir do cruzo; permitir que mente e corpo experimentem o mundo como outros experimentam. Brincadeiras, danças e outras práticas performáticas - como capoeira - são possibilidades.

Entretanto, é importante destacar que é sempre pertinente que a interculturalidade também possibilite a presença dos corpos junto da cultura. Dar existência efetiva para aquele de cujo conhecimento se fala. Desse modo, o ensino encantado de ciências busca fugir de estereótipos e de essencialismos; mostrar o Outro como ser vivente, constituído a partir da ancestralidade e das encruzilhadas da vida, inacabado, dinâmico, para que, então, os alunos também percebam a dinamicidade de suas próprias identidades socioculturais, que se abram para o encantamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mas, afinal, o que seria um ensino encantado de ciências? Embora o ensino de ciências historicamente já possua diferentes funções sociais, transitando entre a qualificação técnica e uma vaga formação para a cidadania (Krasilchik, 2000KRASILCHIK, Myriam. Reformas e realidade: o caso do ensino de ciências. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 85-93, 2000. DOI: doi.org/10.1590/S0102-88392000000100010.
https://doi.org/10.1590/S0102-8839200000...
), destacamos o compromisso do ensino encantado de fazer da escola uma encruzilhada entre biodiversidade e diversidade cultural. Esperamos que desse encontro ético com o Outro emerja a inquietação ante às injustiças perpetradas pela colonialidade e que a urgência de uma nova configuração social, política e econômica fique ainda mais nítida.

É evidente que assumir tal compromisso exige o reposicionamento do professor e da escola. Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos já têm reforçado debates anteriores sobre a necessidade de a escola deixar de ser espaço de acúmulo de conhecimento por memorização e de o professor deixar de ser um transmissor de informações. Em geral, fala-se do docente atuar como mediador do processo de ensino-aprendizado (Ferreira; Souza, 2010FERREIRA, Amanda de Oliveira; SOUZA, Maycon Jefferson José de. A redefinição do papel da escola e do professor na sociedade atual. Vértices, v. 12, n. 3, p. 165-175, 2010. DOI: doi.org/10.5935/1809-2667.20100028.
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). No ensino encantado de ciências, ressaltamos essa ação mediadora como fomento aos atravessamentos: o professor atuando, também, como promotor de atravessamentos entre seus alunos e outros lugares, tempos, paisagens, corpos, saberes, práticas... Não se trata de negar a importância de a educação abarcar o universo sociocultural dos próprios estudantes, acolhendo seus saberes e consolidando suas identidades, mas de apontar a potência transgressora de uma escola onde a identidade dos sujeitos é vitalizada pelo diálogo na alteridade.

No entanto, é preciso reconhecer que o ensino encantado traz desafios. A partir do estudo teórico de obras de L. A. Simas e L. Rufino e da literatura sobre decolonialidade, situamos certos princípios que devem pautar a construção do ensino encantado de ciências e esforçamo-nos em jogar luz sobre possíveis caminhos que podem conduzir à sua concretização. Nesse primeiro momento, a crítica à idealização da modernidade capitalista, o questionamento ao monopólio da ciência moderna e o cruzo entre saberes científicos escolares e a pluralidade cultural das macumbas brasileiras despontam como condutas prioritárias para combater os efeitos das colonialidades através do ensino encantado de ciências.

Porém, muitas perguntas ainda requerem resposta: as normas curriculares dão margem para essas abordagens? Quais estratégias didáticas, dentro das condições da escola pública brasileira, podem realizar o potencial do ensino encantado de ciências? Como implementar uma proposta tão pautada na ancestralidade africana em um cenário de recrudescimento do conservadorismo e do racismo religioso? De que modo o ensino encantado de ciências pode vitalizar-se pelo encontro com grupos organizados da sociedade civil (movimentos sociais, entidades de classe, grupos políticos etc.)?

Seguimos com pesquisas para responder a estas e a outras perguntas, mas parece claro que tentar fechar uma definição do ensino encantado de ciências ou propor uma caracterização exata dessa ideia - que é mais utopia do que prescrição - flertaria com o academicismo desencantador; nos afastaria da intenção de abrir e ocupar frestas na colonialidade. Trata-se de uma ideia inacabada. Isso porque, ao invés de encerrá-la em uma ambição de completude, permanecem pontas soltas para que a ideia esteja disponível ao imprevisível, para que se deixe afetar pelo Outro em sua diversidade. Que estiquem, amarrem e novamente soltem pontas, enriquecendo a proposta com seus saberes-experiências.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Capes pela bolsa de estudos (doutorado) para o primeiro autor deste artigo.

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    Na obra de Simas e Rufino (2019, p. 89), axé é “uma energia vital - que reside em cada um, na coletividade, em objetos sagrados, alimentos, elementos da natureza, práticas rituais, na sacralização dos corpos pela dança, no diálogo dos corpos com o tambor e entre outras formas - que deve ser constantemente alimentada, restituída e trocada para que não disperse.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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